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56 Joaquim Nabuco favorecendo o interesse do abolicionismo, eu prejudicasse os interesses do Partido Liberal. Mas, candidato, como sou, desse partido, represento acima de tudo uma idéia a saber, que a escravidão, palavra que os brasileiros não deviam mais pronunciar porque queima como ferro em brasa a consciência humana, deve ser banida para sempre das nossas leis. É triste, senhores, que até hoje, quando apenas cinco anos nos separam do centenário glorioso dos direitos do homem, nesta América que parecia dever ser o refúgio de todos os perseguidos, o asilo de todas as consciências, a praça inexpugnável de todos os direitos, a escravidão ainda mancha a face do continente, e um grande país, como o Brasil, seja aos olhos do mundo nada mais, nada menos, do que um mercado de escravos. (Grandes aplausos.) Pois bem; é contra esse escândalo vergonhoso que nos levantamos e procuramos levantar-vos, e o que se passa aqui neste momento, esta insurreição da consciência pública, é um espetáculo que deve encher-nos de contentamento a nós abolicionistas, a nós que entramos nesta longa, áspera e difícil campanha contra alguns detentores da riqueza nacional só com este interesse: o de podermos confessar que somos brasileiros sem que se nos lance em rosto o sermos os últimos representantes na América, e quase que no mundo, da instituição homicida e inumana que foi o verdadeiro inferno da história. (Aplausos.) Vede também que forças nós criamos! Vede o entusiasmo, a dedicação, o desinteresse que nos acompanham; vede que ressuscitamos o espírito público, e que o país inteiro estremece de esperança como que nas vésperas de uma segunda Independência! Vede tudo isto, eleitores de São José, e dizei-me se forças tais são a criação da cabala, do empenho, da compressão, da venalidade. Se o governo podia unir esperanças e aspirações patrióticas, que nada pretendem do governo, que nada aceitariam dele. Se a miséria de alguns empregos ou um punhado de ouro das verbas secretas poderia criar assim a alma, a consciência de um povo. O povo de São José sabe que não tem escolha, hoje, senão entre dois nomes. A trégua de Deus assinada entre todos os partidos adiantados da opinião, para que a hora presente seja do abolicionismo, habilita-me a dizer-vos que não haveria candidato mais adiantado do que eu. A vossa escolha está, pois, limitada a dois homens: um que representa o movimento

Campanha Abolicionista no Recife – Eleições de 1884 57 que já libertou três províncias, outro que assentou praça de soldado raso nas fileiras do Sr. Paulino... Porventura os vossos sentimentos serão conservadores? Conservar o quê? O que é que neste país não carece de reforma radical? Para que os conservadores voltem ao poder é preciso que nós, homens da reforma e do movimento, lhes deixemos a eles, os homens da conservação, alguma coisa que mereça ser conservada! (Aprovação geral.) O período atual, porém, não é de conservação, é de reforma, tão extensa, tão larga e tão profunda que se possa chamar Revolução; de uma reforma que tire este povo do subterrâneo escuro da escravidão onde ele viveu sempre, e lhe faça ver a luz do século XIX. Sabeis que reforma é essa? É preciso dizêlo com a maior franqueza: é uma lei de abolição que seja também uma lei agrária. Não sei se todos me compreendeis e se avaliais até onde avanço neste momento levantando pala primeira vez a bandeira de uma lei agrária, a bandeira da constituição da democracia rural, esse sonho de um grande coração, como não o tem maior o abolicionismo, esse profético sonho de André Rebouças. Pois bem, senhores, não há outra solução possível para o mal crônico e profundo do povo senão uma lei agrária que estabeleça a pequena propriedade, e que vos abra um futuro, a vós e vossos filhos, pela posse e pelo cultivo da terra. Esta congestão de famílias pobres, esta extensão de miséria – porque o povo de certos bairros desta capital não vive na pobreza, vive na miséria –, estes abismos de sofrimento não têm outro remédio senão a organização da propriedade da pequena lavoura. É preciso que os brasileiros possam ser proprietários de terra, e que o Estado os ajude a sê-lo. Não há empregos públicos que bastem as necessidades de uma população inteira. É desmoralizar o operário acenar-lhe com uma existência de empregado público, porque é prometer-lhe o que não se lhe pode dar e desabituá-lo do trabalho que é a lei da vida. O que pode salvar a nossa pobreza não é o emprego público, é o cultivo da terra, é a posse da terra que o Estado deve facilitar aos que quiserem adquiri-la, por meio de um imposto – o imposto territorial. É desse imposto que nós precisamos principalmente, e não de impostos de consumo que vos condenam à fome, que recaem sobre as necessidades da

56 Joaquim Nabuco<br />

favorecendo o interesse do abolicionismo, eu prejudicasse os interesses do<br />

Partido Liberal. Mas, candidato, como sou, desse partido, represento acima<br />

de tudo uma idéia a saber, que a escravidão, palavra que os brasileiros não<br />

deviam mais pronunciar porque queima como ferro em brasa a consciência<br />

humana, deve ser banida para sempre das nossas leis.<br />

É triste, senhores, que até hoje, quando apenas cinco anos nos<br />

separam do centenário glorioso dos direitos do homem, nesta América que<br />

parecia dever ser o refúgio de todos os perseguidos, o asilo de todas as<br />

consciências, a praça inexpugnável de todos os direitos, a escravidão ainda<br />

mancha a face do continente, e um grande país, como o Brasil, seja aos<br />

olhos do mundo nada mais, nada menos, do que um mercado de escravos.<br />

(Grandes aplausos.)<br />

Pois bem; é contra esse escândalo vergonhoso que nos levantamos<br />

e procuramos levantar-vos, e o que se passa aqui neste momento, esta<br />

insurreição da consciência pública, é um espetáculo que deve encher-nos de<br />

contentamento a nós abolicionistas, a nós que entramos nesta longa, áspera<br />

e difícil campanha contra alguns detentores da riqueza nacional só com este<br />

interesse: o de podermos confessar que somos brasileiros sem que se nos<br />

lance em rosto o sermos os últimos representantes na América, e quase que<br />

no mundo, da instituição homicida e inumana que foi o verdadeiro inferno<br />

da história. (Aplausos.)<br />

Vede também que forças nós criamos! Vede o entusiasmo, a dedicação,<br />

o desinteresse que nos acompanham; vede que ressuscitamos o<br />

espírito público, e que o país inteiro estremece de esperança como que<br />

nas vésperas de uma segunda Independência! Vede tudo isto, eleitores de<br />

São José, e dizei-me se forças tais são a criação da cabala, do empenho, da<br />

compressão, da venalidade. Se o governo podia unir esperanças e aspirações<br />

patrióticas, que nada pretendem do governo, que nada aceitariam dele. Se<br />

a miséria de alguns empregos ou um punhado de ouro das verbas secretas<br />

poderia criar assim a alma, a consciência de um povo.<br />

O povo de São José sabe que não tem escolha, hoje, senão entre<br />

dois nomes. A trégua de Deus assinada entre todos os partidos adiantados<br />

da opinião, para que a hora presente seja do abolicionismo, habilita-me<br />

a dizer-vos que não haveria candidato mais adiantado do que eu. A vossa<br />

escolha está, pois, limitada a dois homens: um que representa o movimento

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