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17.04.2013 Views

46 Joaquim Nabuco Desse regime social, nasceu fatalmente a política negativa que nos abate, ficamos sem povo. (Sensação.) A escravidão não consentiu que nos aturássemos e sem povo as instituições não têm raízes, a opinião não tem apoio, a sociedade não tem alicerces. Sim, senhores, os poderes políticos deste país nunca exprimiram, nem podem exprimir, vontade nacional, porque esta não existe. (Aplausos.) Não podem exprimir a consciência da nação brasileira, porque essa consciência está ainda com muito poucos e a nação não está formada; eles exprimem tão-somente a perpetuidade e a tradição do único poder independente que há entre nós, a monarquia, por forma que pude dizer n’O Abolicionismo, subindo e descendo toda a nossa escala social, vendo a dependência em que a vida inteira do país está para com a vontade de um só homem, que essa degradação política era a vindita da Nêmesis africana que visitava por fim o túmulo de tantas gerações! (Aplausos.) Em tal regime, o que conseguem reformas políticas? Muitas têm sido tentadas, algumas feitas; mas com que resultado? As reformas políticas exprimem em nosso país 50 anos de esperanças populares atraiçoadas. Fez-se por exemplo uma reforma eleitoral, elevando-se o censo, no intuito de obter uma manifestação mais sincera e mais verídica da vontade nacional (muito bem!); e o resultado foi que o Parlamento converteu-se num verdadeiro Congresso Agrícola: foi que, por alguns lugares dados às cidades que representam a inteligência e a intuição nacional, cem foram dados em penhor à escravidão, entregues ao monopólio territorial. (Adesões.) Como poderia haver eleições livres no interior, onde a lei não é respeitada nem cumprida, onde não há justiça, onde um júri de analfabetos funciona sob a pressão da lei de Lynch, onde a população livre está na mais absoluta dependência daqueles que só lhe permitem viver, sem o mais leve traço de dignidade e independência pessoal, nos feudos que possuem? Fez-se a abolição do recrutamento; queira-se libertar a população da ameaça de servir no exército, se seguir a mais honrosa das carreiras, a das armas, mas esses mesmos que pediram a extinção do recrutamento, por ser uma perseguição contra a população livre do interior, são os que estão pedindo uma nova espécie de recrutamento – o serviço obrigatório da enxada! (Aplausos.)

Campanha Abolicionista no Recife – Eleições de 1884 47 Pela reforma eleitoral quis-se afastar da política a magistratura, e ela tornou-se mais política do que nunca. Tudo isto mostra que entre nós as reformas políticas não têm base, e portanto não têm ainda razão de precedência, e que as reformas de que imediatamente necessitamos são reformas sociais que levantem o nível do nosso povo, que o forcem ao trabalho e dêem em resultado o bem-estar e a independência que absolutamente não existem e de que nenhum governo ainda cogitou para a nação brasileira. (Assentimento geral.) Não é por certo o funcionalismo, o emprego público que há de resolver o terrível dilema: a fome ou a infâmia, que aí está posto diante de grande número de concidadãos nossos. (Sensação.) A escravidão produziu, como sistema financeiro, um orçamento colossal, muito superior às nossas forças, e que se apóia sobre quatro pilares, cada qual mais carcomido: a apólice que nunca se amortiza, a dívida externa que se agrava com o câmbio, o papel-moeda que sempre se deprecia e um déficit colossal e crescente que nada pode encher. (Aplausos.) Vede, senhores – em outros países, na Inglaterra e na Alemanha, por exemplo, as reformas sociais estão tomando o passo às reformas políticas. O que é que Bismarck está fazendo na Alemanha para chamar a si a democracia? Está se ocupando da sorte dos operários, está promovendo leis que estabeleçam o regime da justiça nas relações das diversas classes. E o que está fazendo Gladstone na Inglaterra? Depois dessa lei agrária, que vinculou ao solo da Irlanda os antigos rendeiros, está-se ocupando de melhorar a sorte dos operários, de proporcionar-lhes bem-estar, de dar à pobreza habitações dignas de entes humanos, de desenvolver enfim uma legislação humana e humanitária que dê alguma satisfação real a isso que se chama por ironia a soberania do povo! (Aprovação.) Não é só porque importa um verdadeiro epigrama essa Constituição, dita livre, em um país em que existem mais de um milhão de escravos; não é só porque a escravidão é contrária a todos os princípios de humanidade que convém antes de tudo efetuar a abolição desse estado legal violento; é porque enquanto não o fizerdes não tereis formado para vós e para vossos filhos uma pátria, não tereis aberto campo à atividade da população livre do interior, a qual vive num verdadeiro subterrâneo moral. (Aplausos.)

46 Joaquim Nabuco<br />

Desse regime social, nasceu fatalmente a política negativa que nos<br />

abate, ficamos sem povo. (Sensação.) A escravidão não consentiu que nos<br />

aturássemos e sem povo as instituições não têm raízes, a opinião não tem<br />

apoio, a sociedade não tem alicerces. Sim, senhores, os poderes políticos deste<br />

país nunca exprimiram, nem podem exprimir, vontade nacional, porque esta<br />

não existe. (Aplausos.) Não podem exprimir a consciência da nação brasileira,<br />

porque essa consciência está ainda com muito poucos e a nação não está<br />

formada; eles exprimem tão-somente a perpetuidade e a tradição do único<br />

poder independente que há entre nós, a monarquia, por forma que pude<br />

dizer n’O Abolicionismo, subindo e descendo toda a nossa escala social, vendo<br />

a dependência em que a vida inteira do país está para com a vontade de um<br />

só homem, que essa degradação política era a vindita da Nêmesis africana que<br />

visitava por fim o túmulo de tantas gerações! (Aplausos.)<br />

Em tal regime, o que conseguem reformas políticas? Muitas têm<br />

sido tentadas, algumas feitas; mas com que resultado?<br />

As reformas políticas exprimem em nosso país 50 anos de esperanças<br />

populares atraiçoadas.<br />

Fez-se por exemplo uma reforma eleitoral, elevando-se o censo,<br />

no intuito de obter uma manifestação mais sincera e mais verídica da<br />

vontade nacional (muito bem!); e o resultado foi que o Parlamento converteu-se<br />

num verdadeiro Congresso Agrícola: foi que, por alguns lugares<br />

dados às cidades que representam a inteligência e a intuição nacional,<br />

cem foram dados em penhor à escravidão, entregues ao monopólio territorial.<br />

(Adesões.) Como poderia haver <strong>eleições</strong> livres no interior, onde a<br />

lei não é respeitada nem cumprida, onde não há justiça, onde um júri de<br />

analfabetos funciona sob a pressão da lei de Lynch, onde a população livre<br />

está na mais absoluta dependência daqueles que só lhe permitem viver,<br />

sem o mais leve traço de dignidade e independência pessoal, nos feudos<br />

que possuem?<br />

Fez-se a abolição do recrutamento; queira-se libertar a população<br />

da ameaça de servir no exército, se seguir a mais honrosa das carreiras, a das<br />

armas, mas esses mesmos que pediram a extinção do recrutamento, por ser<br />

uma perseguição contra a população livre do interior, são os que estão pedindo<br />

uma nova espécie de recrutamento – o serviço obrigatório da enxada!<br />

(Aplausos.)

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