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17.04.2013 Views

Campanha Abolicionista no Recife – Eleições de 1884 27 para a Relação do Recife 1 qualificava em São Paulo de regime de violência, pelo que dava habeas corpus contra ele? (Sensação.) Até quando há de o Estado exigir que a polícia se empregue no triste ofício de perseguir escravos fugidos, para entregá-los à tortura das sevícias domésticas, e de açoitar escravos displicentes? Até quando há de o Estado exigir da força pública, do exército nacional, que esteja a postos nos quartéis para restabelecer, se preciso for, em pequenos feudos uma tirania que a lei não fiscaliza, isto é, para conservar a nódoa de sangue na bandeira que é para o soldado o símbolo da pátria? (Muito bem!) Até quando, finalmente, há de o Estado, violentando as nossas consciências, obrigar-nos a pagar impostos, como pagamos, para sustentar a escravidão que nos repugna? Até quando há de o país sofrer uma violação dessa ordem na sua consciência moral? O grande argumento contra a Igreja do Estado é que se não deve forçar cidadãos que não acreditam nela a contribuir para a sua conservação. Entretanto, senhores, nesse caso trata-se de uma fé, trata-se de um princípio religioso, de uma divergência de dogmas e não de moral. Não será portanto muito mais grave impor-nos o Estado que contribuamos para a manutenção – não de uma fé que julguemos errônea – mas de uma instituição que a humanidade, o consenso unânime do mundo, declara criminosa? Com que direito se nos faz solidários de uma opressão, cúmplices de um atentado? Num caso viola-se a nossa consciência religiosa; no outro viola-se a nossa consciência moral. Qual delas é a mais respeitável?! (Movimento prolongado.) Infelizmente, senhores, nós lutamos contra a indiferença que a nossa causa encontra entre essas mesmas classes que deverão ser nossas aliadas e que a escravidão reduz ao mais infeliz estado de miséria e dependência. É triste dizê-lo, mas é a verdade. Por acaso os homens de cor, filhos e netos de escravos, que trazem no rosto a história do martírio da sua raça, têm aderido ao nosso movimento com a dedicação e a lealdade que era de esperar dos herdeiros de tantos sofrimentos? Não! Eles não se atrevem a 1 O Desembargador Domingos Alves Ribeiro.

28 Joaquim Nabuco fazer causa comum com os abolicionistas e muitos são encontrados do lado contrário! (Sensação.) Tomemos uma grande classe, os moradores do campo, os que vivem espalhados pelo interior em pobres cabanas, os homens livres que trabalham em terras alheias. Dão eles sinal algum de compreender o alcance desta propaganda, de saber que estamos lutando para dar-lhes uma independência honesta, algumas braças de terra que eles possam cultivar como próprias, protegidos por leis executadas por uma magistratura independente, e dentro das quais tenham um reduto tão inexpugnável para a honra das suas filhas e a dignidade do seu caráter, como qualquer senhor de engenho? (Profunda sensação.) Não, senhores, eles não compreendem que o abolicionismo é o começo da propriedade do lavrador. Quem viu nos Estados Unidos o simples trabalhador do campo, depois de deixar o arado, tomar o jornal e interessarse pela questão do papel-moeda, cujas relações com o bem-estar do seu lar doméstico ele perfeitamente compreendia; ou quem viu a tremenda revolução agrária da Irlanda, não pode deixar de lamentar o grau de inconsciência da população livre do interior, que parece nem sentir a sua triste condição e nesse ponto pelo menos estar ainda abaixo do nível de consciência do escravo. Não é conosco, os que levantamos o grito de – abolição – que se unem essas vítimas impassíveis do monopólio territorial; é com os outros que levantam o grito da – escravidão – da escravidão que as esmaga sem que elas o saibam porque as comprime desde o berço. (Aplausos.) E, no entanto, senhores, que amor têm a este pobre povo do interior os que falam em nome dele – porque ele não tem voz? Vou mostrá-lo com um simples fato. Vós ouvis e sabeis que os sustentadores da escravidão não contam com a população nacional para coisa alguma fora da própria escravidão. A teoria deles é que o brasileiro não trabalha e portanto que é preciso importar elementos de trabalho, quanto mais servil melhor. (Aplausos.) A solução para eles do mal incurável do nosso povo é o imigrante! Ninguém mais do que eu deseja a imigração estrangeira, mas a minha teoria quanto à imigração é esta: quero-a espontânea, por isso repilo a subsidiada; quero-a homogênea, por isso repilo a chinesa (novos aplausos); mas para atrairmos imigração natural e vivificante só temos um meio: fazermos do Brasil um país que os imigrantes queiram para sua pátria, e isso tornando-o antes de tudo uma pátria para os seus próprios filhos. (Aplausos prolongados.)

Campanha Abolicionista no Recife – Eleições de 1884 27<br />

para a Relação do Recife 1 qualificava em São Paulo de regime de violência,<br />

pelo que dava habeas corpus contra ele? (Sensação.)<br />

Até quando há de o Estado exigir que a polícia se empregue no<br />

triste ofício de perseguir escravos fugidos, para entregá-los à tortura das<br />

sevícias domésticas, e de açoitar escravos displicentes? Até quando há de o<br />

Estado exigir da força pública, do exército nacional, que esteja a postos nos<br />

quartéis para restabelecer, se preciso for, em pequenos feudos uma tirania<br />

que a lei não fiscaliza, isto é, para conservar a nódoa de sangue na bandeira<br />

que é para o soldado o símbolo da pátria? (Muito bem!)<br />

Até quando, finalmente, há de o Estado, violentando as nossas<br />

consciências, obrigar-nos a pagar impostos, como pagamos, para sustentar<br />

a escravidão que nos repugna? Até quando há de o país sofrer uma violação<br />

dessa ordem na sua consciência moral?<br />

O grande argumento contra a Igreja do Estado é que se não<br />

deve forçar cidadãos que não acreditam nela a contribuir para a sua conservação.<br />

Entretanto, senhores, nesse caso trata-se de uma fé, trata-se de<br />

um princípio religioso, de uma divergência de dogmas e não de moral.<br />

Não será portanto muito mais grave impor-nos o Estado que contribuamos<br />

para a manutenção – não de uma fé que julguemos errônea – mas de uma<br />

instituição que a humanidade, o consenso unânime do mundo, declara<br />

criminosa? Com que direito se nos faz solidários de uma opressão, cúmplices<br />

de um atentado? Num caso viola-se a nossa consciência religiosa; no<br />

outro viola-se a nossa consciência moral. Qual delas é a mais respeitável?!<br />

(Movimento prolongado.)<br />

Infelizmente, senhores, nós lutamos contra a indiferença que a<br />

nossa causa encontra entre essas mesmas classes que deverão ser nossas aliadas<br />

e que a escravidão reduz ao mais infeliz estado de miséria e dependência.<br />

É triste dizê-lo, mas é a verdade. Por acaso os homens de cor, filhos e<br />

netos de escravos, que trazem no rosto a história do martírio da sua raça,<br />

têm aderido ao nosso movimento com a dedicação e a lealdade que era de<br />

esperar dos herdeiros de tantos sofrimentos? Não! Eles não se atrevem a<br />

1 O Desembargador Domingos Alves Ribeiro.

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