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158 Joaquim Nabuco eleição do 1 o Distrito, que, todas, se esperava passassem na maior calma, não podia ter sido mais geral, e essa surpresa é a melhor prova da disposição dos ânimos. Exceto entre os organizadores da vitória conservadora, que tinham homens armados em São José, em Afogados e na Madalena, ninguém tinha pensado na possibilidade de luta a mão armada no 1 o Distrito. O que aconteceu em São José não podia ser mais imprevisto, nem mais casual. Os fatos passaram-se tão rapidamente, houve tanta imprudência dos dois lados, o material acumulado era tão explosivo, que nenhum partido tem direito de imputar ao outro o que chamarei propriamente a cena de sangue. Segundo o que me parece ser a verdade, pelo depoimento das testemunhas e pela verossimilhança, os fatos passaram-se desta forma. O Sr. José Mariano, deputado eleito, chegou com três ou quatro companheiros à Matriz de São José no momento em que se começava a lavrar a ata da eleição... Quando examinava um protesto apresentado por um mesário liberal (os conservadores dizem que esse protesto foi apresentado com a idéia de ganhar tempo para deixar chegar os invasores, o que mostra como tudo se explica uniformemente quando se tem uma idéia preconcebida e uma teoria que justificar), ouvem-se vivas do povo que se aproxima. O Sr. José Mariano tranqüiliza os mesários dizendo que vai ver o que é, e afirmando que não há intenção hostil da multidão. A Mesa porém sem confiar em José Mariano fecha a grande porta que a isolava da galeria e estabelece assim precipitadamente, num momento de terror, a clandestinidade da eleição. Fechada a porta, espalha-se entre o povo a idéia de que se estava falsificando a ata. Na história dos movimentos populares muitas vezes o sinal da luta tem sido uma porta ou uma grade que se fecha diante do povo. Na excitação dos ânimos ocorreu logo, e impôs-se a muitos, a idéia de forçar a porta atrás da qual se suspeitava haver uma fraude em execução. Forçada a porta, o fiscal do Dr. Portela, o falecido major Esteves, apareceu armado e protegido por seu irmão e um seu sobrinho em frente do povo. Esse povo estava tão pouco disposto a matar e a morrer que recuou em uma distância igual ao comprimento desta sala, até precipitar-se pela escada abaixo, diante da pistola do major Esteves! Esse homem só fez recuar a multidão! Que ânimo tinha ela de fazer uma carnificina em São José! Foi somente depois, quando tendo José Mariano gritado a Esteves: “Senhor

Campanha Abolicionista no Recife – Eleições de 1884 159 major, não assassine assim seus irmãos”! Ele sem saber o que fazia disparou sobre José Mariano o grito fatal: – José Mariano está ferido! Produziu uma revolução no ânimo do povo, a multidão de novo precipitou-se para cima e travou-se então corpo a corpo a luta terrível em que morreram Esteves e seu sobrinho. Tudo isso passou-se tão rapidamente, de modo tão inesperado, no meio de um tão grande pânico, que somente o ódio partidário, ou antes a especulação partidária, poderia querer lançar sobre o Partido Liberal essa nódoa de sangue. Notai que em parte alguma nós, abolicionistas ou liberais, tivemos um único homem armado, e que, em diversas seções, os nossos mesários, como um deles me dizia, funcionaram entre assassinos. Na Paz, por exemplo, os conservadores estavam preparados para uma batalha, eles, o partido da ordem! Se sentiam ameaçados por nós, liberais, que fomos a todas as seções sem cogitar da possibilidade de disparar um tiro, era à autoridade que deviam pedir proteção. Parece incrível que nos conselhos de um partido conservador prevaleçam idéias tão sinistras, como essa de levar gente armada para as paróquias, legado da antiga eleição. Imagine-se que realmente era de temer – não de planos premeditados, porquanto todos reconhecem que nós liberais estávamos certos de ganhar a eleição no 1 o Distrito por grande maioria, mas sim do desapontamento do povo ao julgar-se traído – um movimento popular, espontâneo, confuso, desordenado, contra qualquer das seções conservadoras; deviam os nossos adversários preparar-se para resistir-lhe armando braços irresponsáveis? A fatalidade da eleição em São José foi haver gente armada na Mesa. Não há, absolutamente, o mais leve, o mais insignificante indício, para provar que a ordem pública seria alterada em São José se os conservadores não houvessem, primeiro, fechado a porta, criando a suspeita de clandestinidade, depois aparecido em armas contra o povo a fazer fogo de dentro para fora, e se, por último, o major Esteves não houvesse atirado contra José Mariano, desarmado e sem defesa, no dia mesmo do seu triunfo. Não há a mais tênue, a mais frágil indicação de que as represálias do pânico – como foram as mortes de São José – tivessem sido atos intencionais, sem provocação alguma, contra homens em legítima defesa. A repulsa do povo em grande distância é um fato de que todos foram testemunhas e em que são acordes, assim como a volta de parte desse mesmo povo repelido quando soou o grito de “José Mariano ferido!”

158 Joaquim Nabuco<br />

eleição do 1 o Distrito, que, todas, se esperava passassem na maior calma,<br />

não podia ter sido mais geral, e essa surpresa é a melhor prova da disposição<br />

dos ânimos. Exceto entre os organizadores da vitória conservadora, que tinham<br />

homens armados em São José, em Afogados e na Madalena, ninguém<br />

tinha pensado na possibilidade de luta a mão armada no 1 o Distrito. O que<br />

aconteceu em São José não podia ser mais imprevisto, nem mais casual.<br />

Os fatos passaram-se tão rapidamente, houve tanta imprudência<br />

dos dois lados, o material acumulado era tão explosivo, que nenhum partido<br />

tem direito de imputar ao outro o que chamarei propriamente a cena<br />

de sangue. Segundo o que me parece ser a verdade, pelo depoimento das<br />

testemunhas e pela verossimilhança, os fatos passaram-se desta forma.<br />

O Sr. José Mariano, deputado eleito, chegou com três ou quatro<br />

companheiros à Matriz de São José no momento em que se começava a<br />

lavrar a ata da eleição... Quando examinava um protesto apresentado por<br />

um mesário liberal (os conservadores dizem que esse protesto foi apresentado<br />

com a idéia de ganhar tempo para deixar chegar os invasores, o que<br />

mostra como tudo se explica uniformemente quando se tem uma idéia<br />

preconcebida e uma teoria que justificar), ouvem-se vivas do povo que se<br />

aproxima. O Sr. José Mariano tranqüiliza os mesários dizendo que vai ver o<br />

que é, e afirmando que não há intenção hostil da multidão. A Mesa porém<br />

sem confiar em José Mariano fecha a grande porta que a isolava da galeria<br />

e estabelece assim precipitadamente, num momento de terror, a clandestinidade<br />

da eleição.<br />

Fechada a porta, espalha-se entre o povo a idéia de que se estava<br />

falsificando a ata. Na história dos movimentos populares muitas vezes<br />

o sinal da luta tem sido uma porta ou uma grade que se fecha diante do<br />

povo. Na excitação dos ânimos ocorreu logo, e impôs-se a muitos, a idéia<br />

de forçar a porta atrás da qual se suspeitava haver uma fraude em execução.<br />

Forçada a porta, o fiscal do Dr. Portela, o falecido major Esteves, apareceu<br />

armado e protegido por seu irmão e um seu sobrinho em frente do povo.<br />

Esse povo estava tão pouco disposto a matar e a morrer que recuou em<br />

uma distância igual ao comprimento desta sala, até precipitar-se pela escada<br />

abaixo, diante da pistola do major Esteves! Esse homem só fez recuar a<br />

multidão! Que ânimo tinha ela de fazer uma carnificina em São José! Foi<br />

somente depois, quando tendo José Mariano gritado a Esteves: “Senhor

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