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Campanha Abolicionista no Recife – Eleições de 1884 145 a que estão sujeitos! Quantas vezes, à porta dessas casas, hesitei em entrar, pensando que era um sarcasmo ir pedir voto a esse povo que nenhum interesse tem na política desde que a política nenhum interesse tem por ele! Parecia-me na posição em que me acho que era aumentar a aflição, pedir que tomasse parte na eleição a homens carregados de filhos e que não têm em parte alguma trabalho, cuja vida é uma lamentação perpétua e hereditária, e aos quais a sociedade não mostra a mínima simpatia e não dá a mínima proteção! Sim, senhores, parecia-me um sarcasmo essa visita, e mais de uma vez só tive coragem para atravessar o limiar da porta além da qual eu ia encontrar sempre o mesmo triste espetáculo, ver o mesmo horizonte, o mesmo futuro de nossas famílias pobres, o mesmo abandono do nosso povo à necessidade que o oprime, a angústia da fome adiada de hora em hora pela caridade alheia – além da qual eu via a mendicidade, doença das nações decrépitas e das populações congestas, despontando como uma nódoa na face deste país novo e ainda não povoado, a fisionomia, enfim, de uma raça que vai perdendo a esperança, tendo tanto esperado em vão! ... (Sensação.) Mais de uma vez, dizia eu, só tive coragem para entrar como candidato no lar de famílias que via reduzidas à condição de nada ter e de nada poder esperar, porque entrava ali em nome de uma classe ainda mais infeliz do que a dos nossos proletários, a dos escravos, porque eu representava por indicação nacional desgraças ainda maiores, sofrimentos ainda maiores, sofrimentos talvez de outra natureza, porém ainda mais cruciantes. (Sensação prolongada. Pausa.) Hoje que temos chegado ao termo dessa campanha é direito nosso proclamar o modo pelo qual a dirigimos. Foi como vistes uma luta travada com um adversário que fugia à publicidade e manobrava somente no segredo e no silêncio da cabala. (Aplausos repetidos.) Nessa luta tudo o que dissemos e fizemos foi perante vós, diante de milhares de testemunhas. Também por isso não travamos o combate no terreno pessoal, discutindo indivíduos, mas no terreno impessoal, discutindo idéias. (Aplausos.) Preferi a cabala à propaganda; preferi conquistar a opinião a mendigar votos. (Aplausos.) Neste mês de novembro falei quase dia por dia. Os meus discursos foram ouvidos por milhares de pessoas. Elas que digam se falei duas linguagens, se encobri o meu pensamento, se prometi alguma coisa que não estivesse de acordo com as promessas, ou melhor, com os compromissos do
146 Joaquim Nabuco movimento abolicionista... Vede pelo contrário a atitude falsa e coacta dos nossos adversários, a desconfiança que têm do povo, o medo que têm das idéias e o silêncio profundo em que atravessam como sombras o cenário das lutas eleitorais! (Aplausos.) Na véspera da batalha é preciso calcular as contingências todas da ação, e isso nos coloca, aos abolicionistas, diante de diversas hipóteses parlamentares. A primeira é constituirmos maioria abolicionista, o que importa a votação do projeto Dantas. A segunda é sermos minoria abolicionista numa Câmara liberal; a terceira é sermos minoria abolicionista numa Câmara conservadora. Devo dizer que essas duas hipóteses se resumem numa só: a necessidade de uma dissolução. Nem a maioria conservadora há de ser tão grande que os conservadores possam governar com a próxima Câmara, nem o Partido Liberal há de consentir em ter a sua política frustrada e muito menos dirigida por qualquer pequeno grupo que se queira ligar à oposição. Nos dois casos o Imperador terá novamente que escolher entre os liberais e os conservadores, e eu acredito que o chefe do Estado não há de divorciar a monarquia do movimento abolicionista... (Aplausos.) Os conservadores intimam já ao Imperador a alternativa célebre de Gambetta a Mac-Mahon: “Submeter-se ou demitir-se”. Em uma das sessões mais agitadas da última Câmara eu observei um deputado conservador, vendo o relevo que eles davam nas suas censuras à influência da Coroa, que o Partido Conservador parecia estar abrindo mão da Monarquia e fazendo oferecimentos à República. “E quem lhe diz”, foi a resposta, “que já não temos pensado nela?” Mas, no meu entender pelo menos, se a Monarquia tivesse que consultar o seu interesse somente e não os seus deveres para com a pátria – que o é também da dinastia, o que continuará a sê-lo quando mesmo ela deixe de reinar –, ainda assim o verdadeiro caminho a seguir seria o de estar ao lado dos inimigos da escravidão até a destruição completa desse regime... (Aplausos.) Ao estudar o caráter e o alcance das novas eleições para a vista delas tomar uma deliberação sua, se preciso for, o Imperador não se deve cingir ao exame único dos algarismos e aos resultados finais do escrutínio. Se o Partido Conservador triunfasse de modo a poder governar com a sua maioria sem o recurso da dissolução, a hipótese seria outra, mas, como essa
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movimento abolicionista... Vede pelo contrário a atitude falsa e coacta dos<br />
nossos adversários, a desconfiança que têm do povo, o medo que têm das<br />
idéias e o silêncio profundo em que atravessam como sombras o cenário das<br />
lutas eleitorais! (Aplausos.)<br />
Na véspera da batalha é preciso calcular as contingências todas da<br />
ação, e isso nos coloca, aos abolicionistas, diante de diversas hipóteses parlamentares.<br />
A primeira é constituirmos maioria abolicionista, o que importa<br />
a votação do projeto Dantas. A segunda é sermos minoria abolicionista<br />
numa Câmara liberal; a terceira é sermos minoria abolicionista numa Câmara<br />
conservadora. Devo dizer que essas duas hipóteses se resumem numa<br />
só: a necessidade de uma dissolução. Nem a maioria conservadora há de<br />
ser tão grande que os conservadores possam governar com a próxima Câmara,<br />
nem o Partido Liberal há de consentir em ter a sua política frustrada<br />
e muito menos dirigida por qualquer pequeno grupo que se queira ligar à<br />
oposição. Nos dois casos o Imperador terá novamente que escolher entre os<br />
liberais e os conservadores, e eu acredito que o chefe do Estado não há de<br />
divorciar a monarquia do movimento abolicionista... (Aplausos.)<br />
Os conservadores intimam já ao Imperador a alternativa célebre<br />
de Gambetta a Mac-Mahon: “Submeter-se ou demitir-se”. Em uma das<br />
sessões mais agitadas da última Câmara eu observei um deputado conservador,<br />
vendo o relevo que eles davam nas suas censuras à influência da Coroa,<br />
que o Partido Conservador parecia estar abrindo mão da Monarquia e fazendo<br />
oferecimentos à República. “E quem lhe diz”, foi a resposta, “que já<br />
não temos pensado nela?”<br />
Mas, no meu entender pelo menos, se a Monarquia tivesse que<br />
consultar o seu interesse somente e não os seus deveres para com a pátria<br />
– que o é também da dinastia, o que continuará a sê-lo quando mesmo ela<br />
deixe de reinar –, ainda assim o verdadeiro caminho a seguir seria o de estar<br />
ao lado dos inimigos da escravidão até a destruição completa desse regime...<br />
(Aplausos.)<br />
Ao estudar o caráter e o alcance das novas <strong>eleições</strong> para a vista<br />
delas tomar uma deliberação sua, se preciso for, o Imperador não se deve<br />
cingir ao exame único dos algarismos e aos resultados finais do escrutínio.<br />
Se o Partido Conservador triunfasse de modo a poder governar com a sua<br />
maioria sem o recurso da dissolução, a hipótese seria outra, mas, como essa