17.04.2013 Views

Janete da Rocha Machado - XI Encontro Estadual de História ...

Janete da Rocha Machado - XI Encontro Estadual de História ...

Janete da Rocha Machado - XI Encontro Estadual de História ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

LYA BASTIAN MEYER:<br />

A GRANDE DAMA DO BALÉ CLÁSSICO GAÚCHO<br />

Ja n e t e d a Ro c h a Ma c h a d o<br />

Mestran<strong>da</strong> do Curso <strong>de</strong> <strong>História</strong> - PUCRS.<br />

janeterm@gmail.com.<br />

Resumo<br />

Primeira bailarina clássica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Lya Bastian Meyer foi também a pioneira no ensino <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça no<br />

Estado. Dançarina e coreógrafa dos próprios números, Lya se apresentava no Brasil e no exterior. Moradora <strong>de</strong> Porto<br />

Alegre, Bairro Ipanema, a bailarina ensaiava seus passos <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça no “Bosque Encantado”, os jardins <strong>da</strong> belíssima<br />

chácara <strong>da</strong> Pedra Redon<strong>da</strong>, também conheci<strong>da</strong> por “Vila Clotil<strong>de</strong>”. Na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, apresentava-se sempre no Theatro<br />

São Pedro. Também fundou sua própria escola, a primeira <strong>de</strong> balé no estado e foi a responsável pela introdução <strong>da</strong><br />

ginástica rítmica e artística na Escola Superior <strong>de</strong> Educação Física <strong>da</strong> UFRGS. Graças a Lya, o balé criou raízes e<br />

se propagou pelo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e pelo Brasil. Lya Bastian Meyer morreu aos 95 anos em sua casa na Zona Sul<br />

<strong>de</strong> Porto Alegre.<br />

Palavras-chave: Lya Bastian Meyer. Balé. Pioneirismo <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça no Estado.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Por muito tempo, as mulheres foram relega<strong>da</strong>s ao silêncio e à invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. E isso se <strong>de</strong>ve<br />

ao fato <strong>de</strong> elas terem estado, ao longo dos anos, em um ambiente familiar privado. “Esboçase<br />

um relativo retraimento <strong>da</strong>s mulheres em relação ao espaço público: constituição <strong>de</strong> um<br />

espaço privado familiar predominantemente feminino” (PERROT, 2001: 179). O espaço<br />

<strong>da</strong>s sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s pertenceu, quase sempre, aos homens, “vistos como os representantes <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong><strong>de</strong>” (PERROT, 1991: 12), e foram por eles retratados:<br />

491<br />

O ofício do historiador é um ofício <strong>de</strong> homens que escrevem a história no masculino. Os campos<br />

que abor<strong>da</strong>m são os <strong>da</strong> ação e do po<strong>de</strong>r masculinos, mesmo quando anexam novos territórios.<br />

Econômica, a história <strong>da</strong> mulher improdutiva. Social, ela privilegia as classes e negligencia os<br />

sexos. Cultural ou mental, ela fala do Homem em geral, tão assexuado quanto a Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Célebres – piedosas ou escan<strong>da</strong>losas -, as mulheres alimentam as crônicas <strong>da</strong> pequena história,<br />

meras coadjuvantes <strong>da</strong> <strong>História</strong> (PERROT, 2001: 185).<br />

Por estar, a maioria <strong>de</strong>las, ausentes dos espaços públicos, as mulheres também<br />

estiveram fora <strong>da</strong>s fontes escritas e visuais. “Da <strong>História</strong>, muitas vezes a mulher é excluí<strong>da</strong>. É<br />

primeiramente, ao nível do relato, o qual, passa<strong>da</strong>s as efusões românticas, constitui-se como<br />

a representação do acontecimento político” (PERROT, 2001: 185). Ao longo <strong>da</strong> história,<br />

as mulheres, em suas tentativas <strong>de</strong> aparições públicas, inspiraram medo e receio ao sexo<br />

oposto. Ao longo do século <strong>XI</strong>X, com o surgimento <strong>da</strong>s manifestações feministas, ocorre<br />

uma reatualização <strong>de</strong>sse medo nos homens.<br />

Os (poucos) vestígios <strong>da</strong>s mulheres comuns foram apagados e <strong>de</strong>sprezados (muitas vezes


por elas próprias), e isso as relegou ao esquecimento e ao silêncio profundo. “A carência <strong>de</strong><br />

fontes diretas, liga<strong>da</strong> a essa mediação perpétua e indiscreta, constitui um tremendo meio <strong>de</strong><br />

ocultamento. Mulheres enclausura<strong>da</strong>s, como chegar até vocês?” (PERROT, 2001: 186). A<br />

autora lança um questionamento para o qual ela já tem resposta, e essas estão nos exemplos<br />

<strong>de</strong> fontes nas quais é possível encontrar informações distintas para reconstituir a história <strong>da</strong>s<br />

mulheres. Além <strong>da</strong>s fotografias, po<strong>de</strong>m-se buscar informações nos arquivos familiares como<br />

documentos privados. Além disso, po<strong>de</strong>-se recorrer a fontes orais, ou seja, <strong>de</strong>poimentos dos<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, os quais proporcionam a todos aqueles que foram silenciados pela história, a<br />

oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ganharem voz, saindo do silêncio a que foram confinados durante anos.<br />

Conforme Perrot (2001), um dos motivos para esse silêncio na historiografia é resultante do<br />

exclusivismo político, econômico e social masculino, on<strong>de</strong> a história prioriza<strong>da</strong> é a <strong>da</strong>s personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

femininas, ou, aquelas i<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong>s pelos homens, por sua beleza, virtu<strong>de</strong> ou heroísmo.<br />

492<br />

Os materiais que esses historiadores utilizam (arquivos diplomáticos ou administrativos,<br />

documentos parlamentares, biografias ou publicações periódicas) são produtos <strong>de</strong> homens que<br />

têm o monopólio do texto e <strong>da</strong> coisa públicos (PERROT, 2001: 186).<br />

Na perspectiva <strong>da</strong> historiadora Joan Scott, somente nas últimas déca<strong>da</strong>s é que a história<br />

<strong>da</strong>s mulheres se <strong>de</strong>finiu. A política feminista foi o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong>, pois as integrantes do<br />

movimento reclamavam uma história em que houvesse heroínas, <strong>de</strong>monstrando a atuação<br />

<strong>da</strong>s mulheres na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Lutavam também para que a opressão e a discriminação que as<br />

sufocavam fossem <strong>de</strong>nuncia<strong>da</strong>s pela história. Assim, é com os movimentos feministas <strong>da</strong>s<br />

déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1960 e 1970 que tem início uma nova constituição <strong>da</strong> história <strong>da</strong>s mulheres como<br />

campo específico do conhecimento.<br />

A partir <strong>de</strong>sse momento histórico, tem-se o registro oficial <strong>da</strong> presença <strong>da</strong>s mulheres<br />

em outros ambientes, não somente os domésticos. Michelle Perrot, especialista na história<br />

<strong>da</strong>s mulheres, faz emergir, por meio <strong>da</strong> pesquisa, narrativas históricas com <strong>de</strong>staque para o<br />

papel atuante <strong>de</strong>ssas mulheres como agentes sociais <strong>de</strong> sua própria história. Mary Del Priore<br />

norteia sua pesquisa pelo mesmo caminho. Priore (2011) traça os perfis femininos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

Brasil Colônia até os dias atuais, procurando enfatizar a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

experiências e <strong>da</strong>s realizações vivencia<strong>da</strong>s pelas mulheres ao longo dos anos.<br />

As mulheres não são passivas nem submissas. A miséria, a opressão, a dominação, por reais que<br />

sejam não bastam para contar a sua história. Elas estão presentes aqui e além. Elas são diferentes.<br />

Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos. Na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, na própria fábrica, elas têm outras<br />

práticas cotidianas, formas concretas <strong>de</strong> resistência – à hierarquia, à disciplina – que <strong>de</strong>rrotam a<br />

racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r, enxerta<strong>da</strong>s sobre seu uso próprio do tempo e do espaço. Elas traçam um<br />

caminho que é preciso reencontrar. Uma história outra. Uma outra história (PERROT, 2001: 212).<br />

Com uma circulação mais ampla <strong>da</strong>s mulheres nos meios públicos e sociais, uma<br />

<strong>da</strong>s primeiras conquistas femininas e também uma <strong>da</strong>s que provocaram maior resistência,<br />

ampliam-se as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para a construção <strong>de</strong> novas narrativas. O reconhecimento e<br />

a divulgação <strong>de</strong>ssas mulheres, como Lya Bastian Meyer, uma pioneira na <strong>da</strong>nça clássica<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, significa dizer que entre o público e o privado, entre os homens e<br />

as mulheres, as divisões se extinguem, recompondo-se, assim, uma nova or<strong>de</strong>m, pauta<strong>da</strong><br />

na possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas para o pesquisador e, consequentemente <strong>da</strong> construção <strong>de</strong><br />

novas narrativas.


2 LYA BASTIAN MEYER: PASSOS DE UMA PIONEIRA<br />

2.1 PRIMEIROS TEMPOS<br />

Primeira bailarina clássica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Eliane Clotil<strong>de</strong> Bastian Meyer, mais<br />

conheci<strong>da</strong> por Lya Bastian Meyer, foi também pioneira no ensino <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça no Estado.<br />

Coreógrafa dos próprios números, ela se apresentava no Brasil e no exterior. Chegou a<br />

<strong>da</strong>nçar em Berlim, pouco antes <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra e a receber um convite para se radicar<br />

no 3º Reich. Foi, reconheci<strong>da</strong>mente, a bailarina número um do Theatro São Pedro nos anos<br />

1930, on<strong>de</strong> apresentava os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> escola russa <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça, e foi por ela, que a ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Porto Alegre conheceu o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro balé clássico.<br />

Lya brin<strong>da</strong>va as plateias dos teatros com um fino encantamento artístico e um<br />

aprimoramento estético que não perdia para os melhores grupos <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça dos Estados Unidos<br />

e <strong>da</strong> Europa. Sempre atenta e superando-se, a bailarina dominava todos os seus movimentos,<br />

e assim, contava na linguagem dos gestos e no simbolismo dos ritmos coreográficos, a história<br />

do próprio balé.<br />

A <strong>da</strong>nça clássica, também conheci<strong>da</strong> por balé, é uma representação cênica que reúne<br />

uma série <strong>de</strong> técnicas e movimentos específicos. É a combinação <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, <strong>da</strong> música, dos<br />

cenários e figurinos, os quais resultam em uma interpretação visual completa. A princípio, o<br />

balé era apenas um divertimento <strong>de</strong> salão. Aos poucos, a <strong>da</strong>nça se estilizou, transformando-se<br />

em teatro com coreografia monta<strong>da</strong> e executa<strong>da</strong> por profissionais. Entre esses profissionais<br />

estão os bailarinos clássicos, como Lya.<br />

A arte <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçar remonta ao homem primitivo. Des<strong>de</strong> a pré-história o homem sempre<br />

procurou a <strong>da</strong>nça em situações festivas ou religiosas. Na i<strong>da</strong><strong>de</strong> média, ela acontecia nas ruas,<br />

on<strong>de</strong> atores e bailarinos interpretavam espetáculos nas feiras e nos limites dos castelos feu<strong>da</strong>is.<br />

Por seu caráter pagão, o teatro e a <strong>da</strong>nça foram combatidos pela igreja. Com o renascimento,<br />

as concepções <strong>de</strong> mundo e <strong>de</strong> arte alteram-se. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e do comércio<br />

amplia o imaginário europeu. Uma próspera classe burguesa vai apreciar a <strong>da</strong>nça e os<br />

espetáculos, entre eles o teatro. O balé surge como uma arte <strong>de</strong>ssa elite, apresentando em sua<br />

vestimenta, roupas e ornamentos pomposos, os quais agra<strong>da</strong>m essa burguesia ascen<strong>de</strong>nte.<br />

O balé clássico, tal como é conhecido hoje, surgiu na Itália no final do século XV. Tempos<br />

<strong>de</strong>pois foi levado para a França por Catarina <strong>de</strong> Médicis por ocasião do seu casamento com<br />

Henrique II. A França transformou-se, então, no gran<strong>de</strong> palco do balé mundial. Em 1661,<br />

foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a Aca<strong>de</strong>mia Real <strong>de</strong> Dança, atualmente conheci<strong>da</strong> por Balé <strong>da</strong> Ópera <strong>de</strong> Paris.<br />

O próprio Rei Luiz <strong>XI</strong>V, já em criança, começou a ter aulas e, aos 12 anos, fez a sua primeira<br />

apresentação.<br />

No final <strong>da</strong> era romântica, o centro mundial do balé passou <strong>de</strong> Paris para São Petersburgo,<br />

na Rússia, on<strong>de</strong> surge a era do balé mo<strong>de</strong>rno com a conheci<strong>da</strong> Escola Russa. Patrocina<strong>da</strong> por<br />

Catarina, a Gran<strong>de</strong>, a capital russa torna-se também uma capital cultural. Após a Primeira<br />

Guerra Mundial, o balé russo fomentou sua expansão por todo o mundo, tornando-se o<br />

celeiro <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s nomes <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça clássica. E será essa escola, a gran<strong>de</strong> formadora dos<br />

conhecimentos <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça <strong>de</strong> Lya Bastian Meyer.<br />

2.2 VIDA E OBRA<br />

Filha única <strong>de</strong> Oscar e Clotil<strong>de</strong>, Lya Bastian Meyer nasceu em 23 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1911,<br />

em Porto Alegre. Ao lado <strong>de</strong> seus pais, Lya teve uma infância feliz e tranquila, <strong>de</strong>sfrutando<br />

493


dos prazeres e <strong>da</strong>s alegrias <strong>da</strong> chácara na Zona Sul <strong>de</strong> Porto Alegre. A proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> a<br />

bailarina nasceu e morreu, foi edifica<strong>da</strong> às margens do Guaíba, no bairro Pedra Redon<strong>da</strong>.<br />

Em homenagem a sua esposa Clotil<strong>de</strong>, Oscar nomeou o bosque <strong>de</strong> Vila Clotil<strong>de</strong>, um refinado<br />

parque inglês on<strong>de</strong> Lya muitas vezes ensaiaria seus passos <strong>de</strong> balé. Proveniente <strong>de</strong> uma família<br />

<strong>de</strong> boa posição social e financeira, a menina foi envolta em um mundo <strong>de</strong> conforto, carinho<br />

e instrução. Estudou nos melhores colégios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e do exterior, o que lhe possibilitou,<br />

ain<strong>da</strong> muito jovem, a <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça.<br />

Primeira gaúcha a cruzar o oceano para estu<strong>da</strong>r balé, Lya era uma promessa diante dos<br />

olhos especialistas <strong>de</strong> Nenê Dreher Bercht e Mina Black Eckert, fun<strong>da</strong>doras do Instituto <strong>de</strong><br />

Cultura Física do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. O grupo se <strong>de</strong>dicava a esculpir jovens com sessões<br />

<strong>de</strong> ginástica artística e preparar bailarinos para saraus e festas. Após uma <strong>de</strong> suas aulas, os<br />

professores recomen<strong>da</strong>ram aos pais <strong>de</strong> Lya: “Esta menina tem que ir para a Alemanha se<br />

aperfeiçoar”. Assim, em 1928, com apenas <strong>de</strong>zessete anos, embarca para a Europa a fim <strong>de</strong><br />

se aperfeiçoar naquilo que mais gostava: o balé clássico.<br />

Em plena adolescência, Lya iniciou seus estudos com Eugénie Eduardowa, ex-primeira<br />

bailarina do Marien-Theater <strong>de</strong> São Petersburgo, em Berlim. Tempos <strong>de</strong>pois, continuou se<br />

aperfeiçoando com Rita Pokst, <strong>da</strong> ópera <strong>de</strong> Wiesba<strong>de</strong>n, Alemanha, e com Tatiana Gsowski,<br />

coreógrafa russa, resi<strong>de</strong>nte em Berlim. Após dois anos <strong>de</strong> aprendizado no exterior, Lya<br />

retorna ao Brasil, trazendo na bagagem a técnica e a graça do balé russo, consi<strong>de</strong>rado o<br />

melhor do mundo. Viajaria, novamente, para a Alemanha, no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1930,<br />

on<strong>de</strong> realizou vários recitais, apresentando criações próprias.<br />

494<br />

A bailarina brasileira Lia Bastien Meyer apresentou-se aos berlinenses com bailados <strong>de</strong> Albeniz,<br />

De Falla e Guahali; temos tido ocasião <strong>de</strong> apreciar repeti<strong>da</strong>s vezes a ‘Dança do fogo’ do ballet<br />

‘El Amor Brujo’, mas raras vezes ou mesmo nunca o vimos numa tão excelente e pessoal<br />

interpretação, com o aproveitamento <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> compasso, <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> som como o conseguiu Lia<br />

Bastien Meyer” (ANZEIGER, 1938: [s.p.]).<br />

Lya em apresentação pelos palcos <strong>da</strong> Alemanha/1938<br />

Fonte: Acervo <strong>da</strong> família.<br />

Em 1938, em plena ascensão nazista, teve aulas com Mary Wigman, a precursora<br />

do balé mo<strong>de</strong>rno na Alemanha. Com total liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estilo, sem os rigores <strong>da</strong> técnica<br />

clássica, apresentou a coreografia “Batuque”, com música do maestro Ra<strong>da</strong>més Gnattali,<br />

em espetáculos públicos e gratuitos. Mais tar<strong>de</strong> soube que eram shows patrocinados pelo<br />

partido nazista. A partir do gran<strong>de</strong> sucesso nos palcos <strong>de</strong> Berlim e inumeráveis elogios <strong>da</strong><br />

crítica alemã, Lya recebeu convites para permanecer na Alemanha.


Lya (ao centro <strong>de</strong> chapéu) embarcando para Alemanha-déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1930<br />

Fonte: Acervo <strong>da</strong> família.<br />

2.3 A TÉCNICA PERFEITA<br />

Lya Bastian Meyer costumava presentear seu público com os “Serões Coreográficos”,<br />

on<strong>de</strong> apresentava uma série <strong>de</strong> diferentes coreografias, entre elas, o “Quebra-Nozes” <strong>de</strong><br />

Tschaikowski, o “Les Sylphi<strong>de</strong>s” <strong>de</strong> Chopin”, o “Largo do Haen<strong>de</strong>l”, o “La Boutique<br />

Fantasque” e o “El Amor Brujo”. Esse último, a bailarina, no auge <strong>de</strong> sua performance,<br />

encenou também em Berlim, no Theatro Volksbuhne em 1938, transformando-se em um<br />

sucesso <strong>de</strong> público e <strong>de</strong> crítica.<br />

495<br />

O fogo do ballet já <strong>de</strong>monstrado em números anteriores atingiu o auge em Amor Brujo. O<br />

serpentear dos braços e mãos, conseguindo imitar fantásticas labare<strong>da</strong>s, <strong>de</strong>monstraram um<br />

perfeito <strong>de</strong>senvolvimento técnico, um domínio natural do corpo através do palpitante ritmo<br />

empreendido por ela. Uma interessante personali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sua dinâmica interpretação basea<strong>da</strong><br />

numa técnica perfeita enobrece ain<strong>da</strong> mais a sua arte. Maravilhosos os gestos <strong>de</strong> braços na <strong>da</strong>nça<br />

do fogo. Um quadro <strong>de</strong> beleza vital, <strong>de</strong> um forte colorido <strong>da</strong> raça brasileira (A FEDERAÇÃO, 1937:<br />

[s.p.]).<br />

Em “Sheereza<strong>de</strong>” <strong>de</strong> Rimsky Korsakoff, Lya compõe o ambiente oriental que sempre a<br />

fascinou. Querendo ser uma intérprete fiel <strong>de</strong> Rimsky, a bailarina lia todos os contos orientais<br />

que inspiraram o gran<strong>de</strong> compositor russo. Na coreografia há uma perfeita combinação entre<br />

melodia e movimento, pois conforme Meyer:<br />

O coreógrafo <strong>de</strong>ve aproveitar as suas bases sóli<strong>da</strong>s, pois a música contém to<strong>da</strong> a movimentação<br />

voluptuosa <strong>da</strong>s linhas do corpo feminino, o que é muito natural, pois é no Oriente que a mulher<br />

esplen<strong>de</strong> sua maior feminili<strong>da</strong><strong>de</strong>. A técnica <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, embora não possa fugir ao aca<strong>de</strong>micismo,<br />

tem <strong>de</strong> evocar to<strong>da</strong> a riqueza oriental, que resi<strong>de</strong> nos contos <strong>da</strong>s Mil e Uma Noites. (...) Sheraza<strong>de</strong><br />

simboliza a vitória <strong>da</strong> argúcia feminina sobre a força masculina. (MEYER, 1939: [s.p.]).<br />

A concepção e execução <strong>da</strong>s apresentações <strong>da</strong> bailarina obe<strong>de</strong>ciam sempre a um<br />

estilo acadêmico e a uma disciplina adquiridos na Europa, com os melhores <strong>da</strong>nçarinos<br />

e coreógrafos <strong>da</strong> Alemanha. Apesar disso, era um ballet com uma liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />

a qual resultava sempre momentos <strong>de</strong> rara beleza e impregnados <strong>de</strong> uma espirituali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

pelas impressões que transmitia ao público. Não foram raras as ocasiões em que a plateia<br />

<strong>de</strong>ixava o teatro impressiona<strong>da</strong> com o <strong>de</strong>sempenho <strong>da</strong> bailarina. Conforme jornal <strong>da</strong> época:<br />

“O público festejou com nutri<strong>da</strong>s e mereci<strong>da</strong>s palmas todos os participantes do magnífico


ecital que tão bela impressão <strong>de</strong>ixou”(FOLHA DO POVO, 1941: [s.p.]).<br />

Lya encenando “A Morte do Cisne”<br />

Fonte: Acervo <strong>da</strong> família.<br />

Lya também encenou “Joana D’Arc” para um Teatro São Pedro lotado. Uma dinâmica<br />

interpretação basea<strong>da</strong> na técnica perfeita <strong>de</strong> gestos e movimentos, o que tornava seus<br />

espetáculos, inesquecíveis obras <strong>de</strong> arte. No auge <strong>da</strong> carreira, Lya se apresentou em várias<br />

capitais brasileiras, entre elas, Florianópolis e Curitiba no 16º Festival <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Cultura<br />

Artística Brasílio Itiberê.<br />

3 ESCOLA DE BAILADOS LYA BASTIAN MEYER<br />

Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casa<strong>da</strong>, Lya continuou <strong>da</strong>nçando e viajando para o exterior. No<br />

finalzinho dos anos 1930 embarca novamente para a Europa para cursos <strong>de</strong> aperfeiçoamento<br />

na <strong>da</strong>nça. Em uma Alemanha Nazista se preparando para a guerra, que Lya encontra novos<br />

e fun<strong>da</strong>mentais ensinamentos com Mary Wigman, a precursora do balé mo<strong>de</strong>rno.<br />

O gran<strong>de</strong> sucesso <strong>da</strong> bailarina, sempre aplaudi<strong>da</strong> e elogia<strong>da</strong> pela crítica, levou-a a criar<br />

sua escola, a primeira oficial <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Lya foi a responsável pela<br />

formação <strong>de</strong> uma geração <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçarinos clássicos, especialmente entre as déca<strong>da</strong>s e 1930 e<br />

1950. Numa época em que as moças eram prepara<strong>da</strong>s apenas para o casamento, sem chances<br />

<strong>de</strong> um crescimento profissional, a bailarina abriu espaços para as novas gerações no balé.<br />

A <strong>da</strong>nça, cujo preconceito estava no fato <strong>de</strong> as meninas - senhoritas recata<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, mostrarem as pernas em cena, se apresentava como um árduo caminho para<br />

aquela que não se intimi<strong>da</strong>va e fazia <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s um <strong>de</strong>safio maior. Com um grupo<br />

numeroso <strong>de</strong> alunas, começou a coreografar e montar espetáculos, e com elas, viajava e se<br />

apresentava também pelo interior do estado. Bagé, Pelotas e Santa Maria foram algumas <strong>da</strong>s<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s que tiveram a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> assistir à geniali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> bailarina.<br />

496<br />

Santa Maria, 8 (C.S.) - Chegou a esta ci<strong>da</strong><strong>de</strong> a conheci<strong>da</strong> professora <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça, Lya Bastian<br />

Meyer, com vinte <strong>de</strong> suas alunas. (...) No Cinema Imperial, on<strong>de</strong> se <strong>da</strong>rá a noita<strong>da</strong> <strong>de</strong> arte, já<br />

tão ansiosamente espera<strong>da</strong>, será coloca<strong>da</strong> uma placa comemorativa. Falará, no ato inaugural,<br />

sau<strong>da</strong>ndo tão lídima representante <strong>da</strong> arte difícil <strong>de</strong> bailar bem (JORNAL DE SANTA MARIA,<br />

[s.d.]: [s.p.]).<br />

Os ensaios, geralmente aconteciam nos jardins <strong>da</strong> “Vila Clotil<strong>de</strong>”, a residência <strong>da</strong>


ailarina no Bairro Ipanema. A estes Lya nomeava <strong>de</strong> “O Bosque Encantado”. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

nasceu na chácara em Ipanema, o seu gosto pelas artes e pela natureza, mediado pela<br />

disciplina e pelo talento <strong>de</strong> jovem oriun<strong>da</strong> <strong>de</strong> imigrantes alemães e <strong>de</strong> uma classe social em<br />

ascensão.<br />

497<br />

Banha<strong>da</strong> na luz <strong>da</strong> tar<strong>de</strong> primaveril, as graciosas raparigas <strong>de</strong> pés alados, toma<strong>da</strong>s do <strong>de</strong>lírio<br />

<strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, evoluem à beira do lago. (...) isto, somente nas horas <strong>de</strong> lazer, pois o que a foto não<br />

mostra são as horas <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> exercício, este agora ain<strong>da</strong> mais intenso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a Escola <strong>de</strong><br />

Bailados Clássicos <strong>de</strong> Lia Bastian Meyer impôs-se à bela, mas árdua missão <strong>de</strong> formar as primeiras<br />

bailarinas profissionais rio-gran<strong>de</strong>nses. (MEYER, 1939: 11).<br />

Repeti<strong>da</strong>s vezes, Lya e suas alunas eram fotografa<strong>da</strong>s pelas lentes <strong>de</strong> fotógrafos <strong>de</strong><br />

jornais e revistas <strong>da</strong> época. A imagem congela<strong>da</strong> no tempo transmite hoje informações <strong>de</strong><br />

uma era que vai longe. Um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro encontro com o passado. “No maravilhoso parque <strong>da</strong><br />

Vila Clotil<strong>de</strong>, no Ipanema, a professora Lya Bastian Meyer e duas <strong>da</strong>s alunas mestres <strong>de</strong> sua<br />

esplendi<strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Bailados <strong>da</strong>nçam sob o sol, numa clara evocação <strong>da</strong> Grécia” (MEYER,<br />

1939: 11).<br />

Coreografia e sensuali<strong>da</strong><strong>de</strong> nos jardins <strong>da</strong> Vila Clotil<strong>de</strong><br />

Fonte: Acervo <strong>da</strong> família.<br />

A chácara e a mansão <strong>da</strong> Vila Clotil<strong>de</strong> ain<strong>da</strong> existe e atualmente servem <strong>de</strong> moradia<br />

a alguns <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, entre eles, Henrique, filho <strong>de</strong> Lya, sua esposa Maria Helena Luce<br />

Schmitz, seus filhos e netos. Sobre isso recor<strong>da</strong> Maria Helena Schmitz: “Faz 39 que eu<br />

moro aqui. Durante muitos anos vivi com minha sogra, a bailarina Lya Bastian Meyer”<br />

(SCHMITZ, 2011).<br />

As quarenta e cinco alunas <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Bailados <strong>de</strong> Lya foram coadjuvantes nas<br />

tempora<strong>da</strong>s líricas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, porém, tempos mais tar<strong>de</strong> e acompanha<strong>da</strong>s por gran<strong>de</strong>s<br />

orquestras, eram sucesso em apresentações memoráveis nos palcos do Theatro São Pedro.<br />

Num espetáculo que fará parte dos festejos <strong>da</strong> Semana <strong>da</strong> Pátria oficializado pelo Interventor<br />

Fe<strong>de</strong>ral, Lya Bastian Meyer apresentará ao público PortoAlegrense, pela primeira vez, o belíssimo<br />

ballet “La Boutique Fantasque”, maravilhosa música <strong>de</strong> Rossini & Respighi, que faz reviver a época<br />

<strong>de</strong> 1890, no interior <strong>de</strong> um magazine encantado, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senrolam fantásticos acontecimentos.<br />

(...) É <strong>de</strong> esperar-se, pois, que a noita<strong>da</strong> <strong>de</strong> sete <strong>de</strong> setembro, no velho e glorioso teatro <strong>da</strong> Praça<br />

<strong>da</strong> Matriz, constitua, entre nós, um sucesso sem par na história dos espetáculos <strong>de</strong> <strong>da</strong>nsa do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul (TEATRO SÃO PEDRO, [s.d.: s.p.]).<br />

Nos anos 1930, com a administração <strong>de</strong> Alberto Bins (1928 - 1937), a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> se renovava.


Decorrente <strong>de</strong> um ciclo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico do Estado, a capital experimentava<br />

um crescimento vertiginoso nas artes e na cultura em geral. A partir <strong>da</strong> remo<strong>de</strong>lação <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, surge uma nova cultura urbana. Um novo espaço <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> burguesa. São<br />

novos hotéis, cafés, confeitarias, teatros e cabarés sofisticados para uma elite que crescia em<br />

torno <strong>da</strong>s novas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s comerciais e industriais. Em 1939 já são duas aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça<br />

na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Além <strong>da</strong> escola <strong>da</strong> Lya Bastian Meyer, havia a Escola <strong>de</strong> Bailados Clássicos Tony<br />

Seitz Petzhold. Ambas, durante muitos anos, rivalizaram numa saudável disputa.<br />

Lya manteve sua escola <strong>de</strong> bailado até 1959, quando então passa a se <strong>de</strong>dicar somente<br />

as aulas <strong>de</strong> ginástica na universi<strong>da</strong><strong>de</strong>, on<strong>de</strong> foi a pioneira também na ginástica rítmica,<br />

introduzindo-a na Escola Superior <strong>de</strong> Educação Física <strong>da</strong> UFRGS. Em 1970, aposentouse,<br />

encerrando <strong>de</strong>finitivamente suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s profissionais. Pela contribuição ao balé no<br />

Brasil e pelo pioneirismo no Estado, recebeu a Comen<strong>da</strong> do Conselho Brasileiro <strong>de</strong> Dança,<br />

a última homenagem em vi<strong>da</strong>.<br />

Última aparição <strong>da</strong> bailarina-2005<br />

Acervo <strong>da</strong> família.<br />

Faleceu aos 95 anos em sua casa no bairro Ipanema, zona sul <strong>de</strong> Porto Alegre. Graças a<br />

ela, o balé criou raízes e se propagou pelo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e pelo Brasil. Durante muitos<br />

anos, todos os movimentos <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça tiveram sua direta participação. I<strong>de</strong>alismo, coragem e<br />

talento, fizeram <strong>de</strong> Lya, com certeza, a número um nesta arte - a primeira <strong>da</strong>ma do balé que<br />

encantou os porto-alegrenses. Lya Bastian Meyer será sempre um nome a ser lembrado. Será<br />

sempre uma estrela nos jardins <strong>da</strong> Vila Clotil<strong>de</strong>.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Durante muito tempo, a <strong>História</strong> foi escrita sob a ótica masculina e pela classe<br />

hegemônica. Portanto, esse tipo <strong>de</strong> estudo produziu um material bastante restrito, refletindo<br />

apenas a figura do homem como sujeito universal - suas relações expressavam somente uma<br />

versão <strong>da</strong> história. A figura <strong>da</strong> mulher ficou assim relega<strong>da</strong> a escassas aparições em função<br />

<strong>de</strong> ela ter estado restrita aos espaços domésticos, como a educação dos filhos e a atenção ao<br />

marido. As mulheres, ocupa<strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais para serem percebi<strong>da</strong>s pela história que, até então, se<br />

limitava a tratar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pública, domínio quase exclusivo dos homens não tinham voz.<br />

Porém, os movimentos feministas, anunciadores <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças e conquistas, mostrariam<br />

que a história po<strong>de</strong>ria ser escrita <strong>de</strong> outra forma. As reivindicações femininas à socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

foi o princípio <strong>da</strong> inclusão <strong>da</strong>s mulheres no espaço público do mercado <strong>de</strong> trabalho. Com a<br />

conquista <strong>de</strong>sse novo espaço na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, elas passaram a ser nota<strong>da</strong>s pelos historiadores.<br />

498


Dispostas a exercer diferentes ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a mulher vai atuar também nas artes, no teatro e<br />

na música.<br />

Ao longo dos anos, o balé se consagrou como uma <strong>da</strong>nça superior em todo o Oci<strong>de</strong>nte.<br />

E isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> o balé ser uma <strong>da</strong>nça <strong>de</strong>riva<strong>da</strong> <strong>da</strong> corte, ou seja, o resultado <strong>de</strong><br />

uma manifestação aristocrática. Além disso, ela apresenta elementos que estão diretamente<br />

relacionados à noção <strong>de</strong> civilização, como rigi<strong>de</strong>z corporal e disciplina. A coreografia, que<br />

sendo executa<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> músicas <strong>de</strong> concerto, as clássicas, é outro elemento que marca<br />

essa elitização do balé. Portanto, observa-se, ao longo dos anos, uma supremacia do balé<br />

sobre as <strong>de</strong>mais <strong>da</strong>nças. Com a evolução dos modos e costumes, as mulheres foram incluí<strong>da</strong>s<br />

como bailarinas e passaram a se <strong>de</strong>stacar nessa arte.<br />

Conforme Michelle Perrot, escrever sobre a história <strong>da</strong>s mulheres é um empreendimento<br />

relativamente novo e revelador <strong>de</strong> uma profun<strong>da</strong> transformação. Mostra que as mulheres têm<br />

uma história, ou seja, são agentes históricos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do problema grave <strong>da</strong> falta <strong>de</strong><br />

fontes. Sendo assim, escrever sobre uma <strong>de</strong>ssas mulheres implica levar a sério, o ofício do<br />

historiador. A recuperação <strong>da</strong> história <strong>de</strong> Lya Bastian Meyer, ancora<strong>da</strong> nas pesquisas, busca<br />

por imagens e pela orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, trazer à luz fatos novos e reveladores, não somente sobre a<br />

gran<strong>de</strong> <strong>da</strong>ma <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça clássica no estado, mas também sobre a história do balé.<br />

Pioneirismo, serie<strong>da</strong><strong>de</strong> e talento fizeram <strong>de</strong>ssa gaúcha um ícone na arte <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçar.<br />

Descen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> imigrantes alemães, Lya soube, igualmente, empreen<strong>de</strong>r, ao criar, em Porto<br />

Alegre, a primeira escola <strong>de</strong> bailados, a qual se tornou referência no Estado. Pertencente<br />

a uma família burguesa <strong>da</strong> Zona sul <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, po<strong>de</strong> se aperfeiçoar no exterior, trazendo<br />

para o Brasil conhecimentos acerca do melhor balé do mundo. A técnica e a graça <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça<br />

russa, apreendi<strong>da</strong> na Europa, foram apresenta<strong>da</strong>s por Lya, inúmeras vezes, para um Theatro<br />

São Pedro lotado. Elogiados pelo público e pela crítica <strong>da</strong> época, os espetáculos <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça<br />

tornaram-se inesquecíveis. Devido ao pioneirismo <strong>de</strong> Lya Bastian Meyer, a <strong>da</strong>nça clássica se<br />

propagou pelo Estado, criando raízes, as quais serviram para divulgar o nome <strong>da</strong> bailarina e<br />

<strong>de</strong> sua escola. Ambas associa<strong>da</strong>s ao talento, ao i<strong>de</strong>alismo e à coragem empreendidos em prol<br />

<strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> cultura no Estado.<br />

A FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 16 ago. 1937.<br />

CORREIO DO POVO. Porto Alegre, 25 mar. 1939.<br />

FOLHA DO POVO. Pelotas, 27 ago. 1941. [s.d.].<br />

REFERÊNCIAS<br />

MACHADO, <strong>Janete</strong> <strong>da</strong> <strong>Rocha</strong>. Ipanema: história e memórias <strong>de</strong> um Bairro <strong>da</strong> Zona Sul <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />

Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso. Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>História</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Facul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Porto-Alegrense (FAPA), Porto Alegre, 2011.<br />

_______. A primeira <strong>da</strong>ma do ballet clássico <strong>de</strong> Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 12 mar. 2011. Ca<strong>de</strong>rno<br />

Cultura, p. 2.<br />

_______. A leveza <strong>de</strong> Lya Bastian Meyer. Zero Hora, Porto Alegre, 19 maio 2011. Ca<strong>de</strong>rno Zona Sul. Disponível<br />

em: .<br />

Acesso em: 15 jun. 2012.<br />

_______. A primeira novela no Estado. Zero Hora, Porto Alegre, 25 <strong>de</strong>z. 2009. Ca<strong>de</strong>rno Zona Sul. Disponível<br />

em: . Acesso<br />

em: 15 jun. 2012.<br />

MEYER, Lya Bastian. Visões do bosque encantado. Revista do Globo, Porto Alegre, ano <strong>XI</strong> n. 248, p. 11, 25<br />

499


mar. 1939.<br />

PELLIN, Roberto. Revelando a Tristeza. Porto Alegre: Editora do Autor, 1979.<br />

PERROT, Michelle. <strong>História</strong> <strong>da</strong>s mulheres no Oci<strong>de</strong>nte. São Paulo: EBRADIL, 1991. (O século XX; v. 5).<br />

_______. Os excluídos <strong>da</strong> história. Operários, mulheres e prisioneiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 2001.<br />

PRIORI, Mary Del (Org.). <strong>História</strong> <strong>da</strong>s mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2011.<br />

SCHMITZ, M. H. Luce. Entrevista concedi<strong>da</strong> à autora. Porto Alegre, mar. 2011.<br />

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Disponível em: . Acesso em: 25 maio<br />

2012.<br />

TEATRO SÃO PEDRO. Propagan<strong>da</strong> <strong>da</strong> apresentação <strong>de</strong> Lya Bastian no Teatro São Pedro. Jornal <strong>da</strong> época.<br />

(Propagan<strong>da</strong>). 1932.<br />

500

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!