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A disputa de planos de cuidado na atenção domiciliar. Luis Claudio ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO<br />

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE<br />

FACULDADE DE MEDICINA<br />

LUIS CLAUDIO DE CARVALHO<br />

A DISPUTA DE PLANOS DE CUIDADO NA ATENÇÃO DOMICILIAR<br />

RIO DE JANEIRO<br />

2009


FICHA CATALOGRÁFICA<br />

Carvalho, <strong>Luis</strong> <strong>Claudio</strong> <strong>de</strong><br />

A <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> / <strong>Luis</strong><br />

Cláudio <strong>de</strong> Carvalho. -- Rio <strong>de</strong> Janeiro:UFRJ / Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Medici<strong>na</strong>, 2009.<br />

111 f.: il. ; 31 cm.<br />

Orientadores: Emerson Elias Merthy; Aluísio Gomes da Silva e<br />

Marcelo Gerardan Poirot Land.<br />

Dissertação (Mestrado) – UFRJ / Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medici<strong>na</strong> /<br />

Programa <strong>de</strong> pós-graduação em Clínica Médica, 2009.<br />

Referências bibliográficas: f. 46-50<br />

1. Gestão em Saú<strong>de</strong>. 2. Serviços <strong>de</strong> assistência <strong>domiciliar</strong>. 3.<br />

Atenção à saú<strong>de</strong>. 4. Cuidadores. 5. Clínica Médica - Tese. I. Merthy,<br />

Emerson Elias. II. Silva, Aluísio Gomes da. III. Land, Marcelo<br />

Gerardan Poirot. IV. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medici<strong>na</strong>, Pós-graduação em Clínica Médica. IV. Título.<br />

2


Aprovada em<br />

FOLHA DE APROVAÇÃO<br />

Luís <strong>Claudio</strong> <strong>de</strong> Carvalho<br />

A <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> <strong>na</strong> Atenção Domiciliar.<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado apresentada ao<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Clínica<br />

Médica da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, como requisito parcial a obtenção<br />

do título <strong>de</strong> Mestre em Medici<strong>na</strong> (Clínica<br />

Médica - Micropolítica do Trabalho e o<br />

Cuidado em Saú<strong>de</strong>)<br />

_____________________________________________________<br />

Dr. Emerson Elias Merhy<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

_____________________________________________________<br />

Dr. Aluísio Gomes da Silva Júnior<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense<br />

______________________________________________________<br />

Dr. Marcelo Gerardan Poirot Land<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

_____________________________________________________<br />

Dr. Neio Lúcio Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s Boechat<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

_____________________________________________________<br />

Dra. Maria Paula Cerqueira Gomes<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

________________________________________________________<br />

Dr. Túlio Batista Franco<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense<br />

3


Aos meus pais A<strong>de</strong>mir e Maria Lúcia, e ao meu irmão André Luiz, pessoas <strong>de</strong><br />

fibra que acreditam e lutam <strong>na</strong> e pela vida.<br />

4


Agra<strong>de</strong>cimentos<br />

Foram muitos os encontros durante a construção <strong>de</strong>ste estudo.<br />

Encontros com múltiplos significados.<br />

Com Evilásio, Sandra, Josi, Bia, Regi<strong>na</strong>, Adilson, Márcia Cristi<strong>na</strong> e Ricardo,<br />

Maria Hele<strong>na</strong>, Maria Selma, Maria Regi<strong>na</strong>, Maria Jorgi<strong>na</strong>, Maria Fátima, Maria<br />

Angela e <strong>de</strong>mais entes queridos pelo apoio e acolhimento familiar.<br />

A<strong>de</strong>mir Júnior e Maria Luísa pela inocência, alegria, espontaneida<strong>de</strong> e<br />

criativida<strong>de</strong>, possibilitam o resgate da minha própria infância e a potencialização das<br />

reflexões sobre este trabalho.<br />

Emerson e Mi<strong>na</strong>, como amigos, orientadores, parceiros <strong>de</strong> tantos anos,<br />

nossos laços se estreitam a cada momento <strong>na</strong> força do afeto.<br />

Ao Aluísio, meu amigo, a solidarieda<strong>de</strong> em nós está presente.<br />

Ao Marcelo pela oferta e disponibilida<strong>de</strong> para viabilização <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

Ao Paulo Eduardo e Magnânima Magda pela amiza<strong>de</strong>, amor, parceria <strong>na</strong><br />

caminhada da vida e <strong>na</strong> construção <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

A<strong>na</strong> Lúcia e <strong>de</strong>mais integrantes da Linha <strong>de</strong> Pesquisa Micropolítica do<br />

Trabalho e Cuidado em Saú<strong>de</strong> da Pós-Graduação do Departamento <strong>de</strong> Clínica<br />

Médica da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, pelos momentos <strong>de</strong> encontros<br />

on<strong>de</strong> me senti <strong>de</strong>sterritorializado, instigado a buscar conhecimento e aberto para as<br />

trocas.<br />

Mau e Pri, Ricardo, Elaine, João, Zulei<strong>de</strong>, Márcio e Thaísa, Fabiano, Annelyse<br />

e Roque e Marquinho, amigos <strong>de</strong> longa data que me apóiam, posicio<strong>na</strong>m-me e me<br />

instigam a continuar a caminhada.<br />

An<strong>na</strong> Alice, Durval e Fer<strong>na</strong>nda, amigos e terapeutas que me apóiam e<br />

5


incentivam minha reflexão sobre a vida e a profissão.<br />

Carla, Alanclai, Andrea, Patrícia, João, Kim, Marcos, Danielle, Luiz Fer<strong>na</strong>ndo,<br />

Paulinelle, Eduardo, Julia<strong>na</strong>, Antônio, A<strong>na</strong>, José Maria, Kuniaki, Dérbio, Solange,<br />

Silva<strong>na</strong>, Valéria e <strong>de</strong>mais colegas <strong>de</strong> trabalho que foram meus agentes facilitadores<br />

<strong>na</strong> conclusão <strong>de</strong>ste estudo, pelas liberações <strong>de</strong> horários, pela compreensão, por<br />

aceitarem meus limites, pela paciência, por esperarem. Com certeza sem vocês tudo<br />

teria sido muito, muito mais difícil.<br />

Agra<strong>de</strong>ço também as tantas pessoas que encontro e me <strong>de</strong>speço pela vida,<br />

on<strong>de</strong> a troca <strong>de</strong> afetos ocorrem <strong>de</strong> maneira intensa possibilitando reflexões como<br />

indivíduo e profissio<strong>na</strong>l.<br />

6


Lista <strong>de</strong> siglas<br />

ADT – AIDS – Atenção Domiciliar Terapêutica para portadores da Síndrome <strong>de</strong><br />

Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida<br />

BIPAP - Bi Level Airway Pressure (Dois Níveis <strong>de</strong> Pressão Positiva <strong>na</strong>s Vias<br />

Aéreas)<br />

DPOC – Doença Pulmo<strong>na</strong>r Obstrutiva Crônica<br />

PAD – Programa <strong>de</strong> Atenção Domiciliar<br />

SIDA-AIDS - Síndrome <strong>de</strong> Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida<br />

SUS – Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

UFRJ – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

7


Resumo<br />

A Atenção Domiciliar vem se apresentando no Brasil como uma modalida<strong>de</strong> que<br />

possui a potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma re<strong>de</strong> substitutiva com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ofertar uma<br />

produção do <strong>cuidado</strong> com qualida<strong>de</strong> e garantir à família e ao usuário a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lidar com a saú<strong>de</strong> e a doença por uma outra ótica. Esse trabalho apresenta uma<br />

reflexão sobre o a<strong>na</strong>lisador – <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> – percebido no estudo <strong>de</strong><br />

caso da pesquisa sobre implantação da <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> no Sistema Único <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> (SUS). A fim <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r a análise mais didática, observa-se o a<strong>na</strong>lisador sobre<br />

a ótica <strong>de</strong> três aspectos: o protagonismo e não protagonismo da mãe/<strong>cuidado</strong>ra; a<br />

clínica e o <strong>cuidado</strong>; domicílio como moradia e como estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Essa<br />

estratégia possibilita alguns apontamentos sobre a micropolítica do trabalho em<br />

saú<strong>de</strong> produtora <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> realizada pela equipe e pela <strong>cuidado</strong>ra observando o<br />

manejo <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> ofertada ao usuário.<br />

Palavras-chave: Serviços <strong>de</strong> Atenção Domiciliar; Trabalho; Cuidadores; Gestão em<br />

Saú<strong>de</strong>; Serviços <strong>de</strong> Atenção à Saú<strong>de</strong>.<br />

8


Abstract<br />

In Brazil, home medical care emerges as a potential alter<strong>na</strong>tive that offers quality<br />

care, ensuring relatives and patients the opportunity to handle health and disease<br />

from an innovative perspective. This paper provi<strong>de</strong>s a reflection on the a<strong>na</strong>lyzer –<br />

<strong>de</strong>bate over care plans - i<strong>de</strong>ntified in the case study on home medical care<br />

implementation´s investigation within the Single Health Care System (SUS). To make<br />

the a<strong>na</strong>lysis clearer, the a<strong>na</strong>lyzer is observed on the perspective of three aspects:<br />

the chief role, or not, of the mother/caregiver; the clinic and the care; home as a<br />

place to live and as a health service establishment. This strategy allows some notes<br />

on the micro policy of health care work in care production, involving both the team<br />

and carers, observing the ma<strong>na</strong>gement of the production of care provi<strong>de</strong>d to the<br />

user.<br />

Keywords: Home Care Services; Work; Caregivers; Health Ma<strong>na</strong>gement; Delivery<br />

Health Care.<br />

9


Sumário<br />

1- Introdução.............................................................................................................12<br />

2- Desenvolvimento..................................................................................................20<br />

3- Conclusão.............................................................................................................41<br />

4- Referências Bibliográficas..................................................................................46<br />

5- Anexos .................................................................................................................51<br />

10


Encontros e Despedidas<br />

Man<strong>de</strong> notícias do mundo <strong>de</strong> lá<br />

Diz quem fica<br />

Me dê um abraço, venha me apertar<br />

Tô chegando<br />

Coisa que gosto é po<strong>de</strong>r partir<br />

Sem ter <strong>planos</strong><br />

Melhor ainda é po<strong>de</strong>r voltar<br />

Quando quero<br />

Todos os dias é um vai-e-vem<br />

A vida se repete <strong>na</strong> estação<br />

Tem gente que chega pra ficar<br />

Tem gente que vai pra nunca mais<br />

Tem gente que vem e quer voltar<br />

Tem gente que vai e quer ficar<br />

Tem gente que veio só olhar<br />

Tem gente a sorrir e a chorar<br />

E assim, chegar e partir<br />

São só dois lados<br />

Da mesma viagem<br />

O trem que chega<br />

É o mesmo trem da partida<br />

A hora do encontro<br />

É também <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida<br />

A plataforma <strong>de</strong>ssa estação<br />

É a vida <strong>de</strong>sse meu lugar<br />

É a vida <strong>de</strong>sse meu lugar<br />

É a vida<br />

(M. Nascimento E F. Brant)<br />

1. Introdução<br />

11


No campo <strong>de</strong> práticas da saú<strong>de</strong> (DONNANGELO,1976), há a construção <strong>de</strong><br />

intervenções tecnologicamente orientadas que procuram atuar a partir <strong>de</strong> um lugar<br />

socialmente legitimado, como é o caso da medici<strong>na</strong> e da saú<strong>de</strong> pública, que se<br />

traduzem em ações sobre um outro, enquanto seu objeto se configura <strong>na</strong> busca <strong>de</strong><br />

certas fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s que não necessariamente são sempre as mesmas. Depen<strong>de</strong>m do<br />

contexto histórico e social no qual essas práticas se realizam.<br />

Vários autores o concebem, visando processos distintos - alguns enquanto<br />

intervenção sobre o corpo biológico socialmente investido (GONÇALVES, 1994),<br />

outros como lugar <strong>de</strong> busca da cura (LUZ, 2004), ou mesmo, nos atos produtores <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong> individual ou coletivo (MERHY, 1997 e 2002; PINHEIRO, FERLA, SILVA<br />

JUNIOR, 2004).<br />

Entretanto, há um elemento tenso nesse campo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> atos <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> que tem sido pouco explorado nos estudos que tomam para si a maneira<br />

como são conformados os processos <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>, e que faz referência ao fato <strong>de</strong><br />

que esses <strong>cuidado</strong>s sejam sempre um processo no qual um outro, como objeto, é<br />

alvo, mas, não necessariamente, esse outro é um ser inerte; ao contrário,<br />

sistematicamente, <strong>na</strong>s experiências cotidia<strong>na</strong>s <strong>de</strong> produção do <strong>cuidado</strong>, vê-se o<br />

quanto esse objeto-alvo das intervenções em saú<strong>de</strong> é efetivamente sujeito em ação<br />

(MERHY, 1997; PINHEIRO, 2001; FRANCO & MERHY, 2003; CECCIM, 2004).<br />

Essa situação tem sido percebida por muitos trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> como a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistir do usuário a um ato <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> por parte <strong>de</strong> um trabalhador<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o que é visto enquanto um momento negativo por parte dos distintos<br />

profissio<strong>na</strong>is. Porém, é possível olhar esse processo <strong>de</strong> modo mais comum do que<br />

parece, ou mesmo, constitutivo <strong>de</strong> qualquer momento relacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> em<br />

12


saú<strong>de</strong>, em qualquer lugar que ocorra.<br />

Destaca-se que o <strong>cuidado</strong> aqui referido não é entendido como um nível <strong>de</strong><br />

<strong>atenção</strong> do sistema, nem consoante a um procedimento simplificado, mas como<br />

uma ação integral, que tem significados e sentidos voltados para a compreensão <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> enquanto o direito <strong>de</strong> ser (PINHEIRO, FERLA, SILVA JUNIOR, 2004). A ação<br />

integral é também entendida como as “entre-relações” das pessoas (CECCIM,<br />

2004), ou seja, ação integral conforme os efeitos e repercussões <strong>de</strong> interações<br />

positivas entre usuários, profissio<strong>na</strong>is e instituições, que é traduzida em atitu<strong>de</strong>s tais<br />

quais: tratamento digno respeitoso, com qualida<strong>de</strong>, acolhimento e vínculo. O <strong>cuidado</strong><br />

traduz-se também <strong>na</strong> escolha ética e política das tecnologias a serem utilizadas <strong>na</strong><br />

resolução dos problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (MERHY, 1997 e 2002).<br />

Nesse trabalho, através <strong>de</strong> um estudo realizado no campo da inter<strong>na</strong>ção<br />

<strong>domiciliar</strong>, tomam-se as evidências <strong>de</strong>sse outro objeto-alvo como sujeito atuante,<br />

enquanto um processo efetivo <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> pelo <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>, não sendo um<br />

momento negativo <strong>de</strong> resistência, mas uma parte fundamental para compor os<br />

<strong>planos</strong> terapêuticos. A partir <strong>de</strong> então, algumas consequências são evi<strong>de</strong>nciadas<br />

quando se a<strong>na</strong>lisam os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>atenção</strong>.<br />

Este estudo é parte do projeto <strong>de</strong> pesquisa sobre <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>,<br />

implantação da modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> no âmbito do Sistema Único <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> - SUS, realizado pelos integrantes da linha <strong>de</strong> pesquisa Micropolítica do<br />

Trabalho e Gestão do Cuidado em Saú<strong>de</strong> do Departamento <strong>de</strong> Clínica Médica da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro - UFRJ.<br />

A <strong>de</strong>manda inicial do projeto <strong>de</strong> pesquisa foi avaliar as mo<strong>de</strong>lagens <strong>de</strong><br />

“Atenção Domiciliar e levantar mo<strong>de</strong>los possíveis <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento, regulação,<br />

avaliação e controle, particularmente frente a usuários com <strong>de</strong>pendência funcio<strong>na</strong>l,<br />

13


passíveis <strong>de</strong> intervenções terapêuticas, que pu<strong>de</strong>ssem assegurar melhora em seus<br />

níveis <strong>de</strong> autonomia e enfrentamento das questões pertinentes ao alívio do<br />

sofrimento e da morte humanizadas“. O objetivo manifesto pelo Ministério da Saú<strong>de</strong><br />

era o <strong>de</strong> produzir subsídios para a construção <strong>de</strong> uma Política Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Atenção<br />

Domiciliar para o SUS.<br />

Ao preten<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mecanismos, ações e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> em <strong>de</strong>fesa da vida individual e coletiva, no que tange às propostas<br />

conhecidas <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>, po<strong>de</strong> ser observado um conjunto expressivo <strong>de</strong><br />

singularida<strong>de</strong>s, inspiradas <strong>na</strong>s experiências inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e no intercâmbio entre<br />

peque<strong>na</strong>s iniciativas que iam pouco a pouco instalando-se em hospitais e<br />

secretarias <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> municipais e estaduais.<br />

À época da enunciação <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>manda, era possível observar no Brasil<br />

diversas experiências <strong>de</strong> elaboração e execução <strong>de</strong> propostas e projetos <strong>de</strong> ações<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> voltadas para <strong>atenção</strong> no âmbito do domicílio, ainda que com diversos<br />

matizes e projetos tecnoassistenciais. No país, existia um conjunto normativo para a<br />

<strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>, particularmente vinculado ao enfrentamento da SIDA/AIDS com a<br />

Atenção Domiciliar Terapêutica para AIDS (ADT-AIDS), e para a <strong>atenção</strong> aos<br />

idosos, com portarias específicas.<br />

A maior parte das experiências em curso aconteciam por conta <strong>de</strong><br />

administrações municipais e estabelecimentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, particularmente<br />

hospitalares, nos três níveis <strong>de</strong> governo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da existência ou não <strong>de</strong><br />

políticas <strong>de</strong> incentivo ou regulamentação <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento. As lógicas que podiam<br />

ser i<strong>de</strong>ntificadas no bojo das experiências também eram bastante variadas,<br />

envolvendo estratégias voltadas para a busca <strong>de</strong> substitutivida<strong>de</strong> em relação às<br />

ações e <strong>cuidado</strong>s tipicamente hospitalares, humanização do <strong>cuidado</strong> e mesmo<br />

14


estratégias econômicas <strong>de</strong> racio<strong>na</strong>lização <strong>de</strong> recursos assistenciais consi<strong>de</strong>rados<br />

escassos, bem ao modo da extensão <strong>de</strong> cobertura, dando maior capacida<strong>de</strong> à<br />

<strong>atenção</strong> hospitalar segundo o mo<strong>de</strong>lo médico hegemônico.<br />

A partir das diversas perguntas geradas pelas tensões existentes entre os<br />

diversos mo<strong>de</strong>los tecnoassistenciais, então i<strong>de</strong>ntificados, e, dado um processo<br />

disparado <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> uma política pública <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong>sta modalida<strong>de</strong><br />

no SUS, envolvendo ofici<strong>na</strong>s e grupos <strong>de</strong> trabalho entre atores e gestores, foi<br />

sugerida a re-elaboração da <strong>de</strong>manda <strong>na</strong> construção do projeto <strong>de</strong> pesquisa.<br />

METODOLOGIA<br />

A metodologia utilizada no projeto <strong>de</strong> mestrado foi a mesma i<strong>de</strong>alizada para o<br />

projeto <strong>de</strong> pesquisa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l realizado pela linha. A partir do trabalho <strong>de</strong> campo<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que foi encontrado o a<strong>na</strong>lisador que é o objeto <strong>de</strong> estudo<br />

<strong>de</strong>sta dissertação. Graças a este método po<strong>de</strong>-se conhecer um a<strong>na</strong>lisador que está<br />

se tor<strong>na</strong>ndo mais evi<strong>de</strong>nte a cada dia.<br />

A pesquisa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l construiu uma proposta metodológica que permitiu a<br />

análise dos diversos “modus operandi”, que se estabeleceram nos processos <strong>de</strong><br />

trabalho existentes. Buscou-se, no cotidiano <strong>de</strong>ssas produções, o como fazer, como<br />

significar, como cuidar e como lidar com as diversas situações que se tor<strong>na</strong>ram o<br />

eixo condutor <strong>de</strong>ssas práticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Em busca <strong>de</strong>sses objetivos, foi necessário abordar <strong>de</strong> que maneira tais<br />

experiências elegeram e or<strong>de</strong><strong>na</strong>ram suas caixas <strong>de</strong> ferramentas, saberes e<br />

tecnologias. Neste caso, consi<strong>de</strong>ram-se aquelas oriundas do campo das profissões<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, bem como as <strong>de</strong>rivadas das experiências e trocas entre as pessoas e<br />

15


famílias envolvidas nestas práticas.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento do locus do <strong>cuidado</strong>, do hospital em direção<br />

ao espaço da vida cotidia<strong>na</strong> das pessoas, ou seja , sua casa e território, possibilita a<br />

retomada do <strong>cuidado</strong> a partir <strong>de</strong> outros vínculos que não o profissio<strong>na</strong>l-usuário,<br />

como as distintas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vinculações que esse espaço possibilita, por exemplo,<br />

um familiar ou um vizinho <strong>cuidado</strong>r. Esta retomada <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s por parte<br />

da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte afetivo po<strong>de</strong> levar a um relacio<strong>na</strong>mento co-responsável com a<br />

equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, permitindo novas significações, para <strong>cuidado</strong>res, profissio<strong>na</strong>is e<br />

usuários.<br />

A) Seleção e re<strong>de</strong>finição das experiências:<br />

O grupo <strong>de</strong> pesquisa, seguindo o cronograma do Termo <strong>de</strong> Referência,<br />

produziu como critérios <strong>de</strong> escolha das cida<strong>de</strong>s, o seguinte: ser <strong>de</strong> uma das cinco<br />

regiões <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e ter experiência em andamento. É importante salientar que a<br />

escolha das cida<strong>de</strong>s ocorreu em parceria com técnicos do Ministério da Saú<strong>de</strong>,<br />

portadores <strong>de</strong> conhecimento prévio das experiências no território <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Sendo<br />

assim, as primeiras cida<strong>de</strong>s escolhidas foram: Ma<strong>na</strong>us - Região Norte; Sobral -<br />

Região Nor<strong>de</strong>ste; Londri<strong>na</strong> - Região Sul; Belo Horizonte – Região Su<strong>de</strong>ste; e Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro - Região Su<strong>de</strong>ste.<br />

Incorporando informações e sugestões <strong>de</strong> técnicos do Ministério da Saú<strong>de</strong>,<br />

quanto à Atenção Domiciliar <strong>na</strong> região centro-oeste, optou-se por a<strong>na</strong>lisar mais <strong>de</strong><br />

uma cida<strong>de</strong> <strong>na</strong> região su<strong>de</strong>ste, pois nela se concentram mais <strong>de</strong> 70% das<br />

experiências atualmente existentes. Os municípios escolhidos conformaram um<br />

agrupamento bastante representativo da configuração <strong>de</strong> porte e <strong>de</strong>senhos<br />

assistenciais da região.<br />

Após a escolha das cida<strong>de</strong>s, foi elaborado um Plano <strong>de</strong> Ação e o “Kit<br />

16


Pesquisador utilizado pelos pesquisadores nos campos, composto por: carta <strong>de</strong><br />

apresentação, termos <strong>de</strong> consentimento livre e esclarecido - mo<strong>de</strong>lo para os<br />

profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e outro para os usuários e familiares, questionário para o<br />

gestor do Programa <strong>de</strong> Atenção Domiciliar - PAD, e <strong>de</strong> casos traçadores 1 .<br />

O roteiro <strong>de</strong> entrevista foi estruturado tomando como referência os<br />

a<strong>na</strong>lisadores artificiais 2 <strong>de</strong>finidos pelo grupo <strong>de</strong> pesquisa [arranjos e composição da<br />

equipe; articulação do Programa com sistema local <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>; características do<br />

<strong>cuidado</strong>r; a conformação do ato <strong>de</strong> cuidar; racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> (efetivida<strong>de</strong>, eficiência e<br />

eficácia); avaliação do Programa (ferramentas <strong>de</strong> avaliação)]. Além da entrevista, foi<br />

utilizado também, como um dos instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, o “Diário <strong>de</strong><br />

Campo” (SILVA, 2004).<br />

Cada município investigado contou com pelo menos um pesquisador <strong>de</strong><br />

referência e mais dois pesquisadores auxiliares resi<strong>de</strong>ntes no local. Os<br />

pesquisadores locais foram previamente selecio<strong>na</strong>dos pelo “coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor local” do<br />

PAD, e a eles coube o levantamento prévio <strong>de</strong> dados, o acompanhamento da coleta<br />

<strong>de</strong> informações solicitadas nos formulários, a seleção dos casos traçadores, e a<br />

função <strong>de</strong> articular o pesquisador à cida<strong>de</strong> e com os outros profissio<strong>na</strong>is e pessoas<br />

envolvidas com o serviço local.<br />

B) Estudo <strong>de</strong> um caso traçador.<br />

Nessa fase ocorreu a indicação <strong>de</strong> vários casos traçadores pelos<br />

1 O caso traçador é um conceito originário das pesquisas em ciências biológicas e estudos clínicos,<br />

que po<strong>de</strong> ser aplicado ao campo da avaliação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (Kessner et al., 1973; Travassos,<br />

1985). O método permite avaliar o processo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> uma equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a partir da<br />

reconstituição <strong>de</strong> um caso, possibilitando uma melhor observação do ato <strong>de</strong> cuidar prestado ao<br />

usuário.<br />

2 “(...) são dispositivos inventados e implantados pelos a<strong>na</strong>listas institucio<strong>na</strong>is para propiciar a<br />

explicitação dos conflitos e sua resolução (...)”. (BAREMBLIT, 1992) rever outros a<strong>na</strong>listas<br />

insitucio<strong>na</strong>is<br />

17


pesquisadores locais, conformando um banco <strong>de</strong> casos. Procurou-se eleger os<br />

casos que tivessem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representar a modalida<strong>de</strong> no local, respeitando<br />

as categorias <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> e custo. É importante frisar que a seleção<br />

dos casos traçadores foi realizada em conjunto com as equipes PAD e utilizando<br />

também como critério <strong>de</strong> escolha do usuário típico do programa que gerava<br />

incomodo ou satisfação à equipe.<br />

A lógica <strong>de</strong> construção do caso traçador baseou-se <strong>na</strong> ferramenta fluxograma<br />

a<strong>na</strong>lisador (MERHY, 1997) com o objetivo <strong>de</strong> observar mais atentamente a<br />

micropolítica do trabalho em saú<strong>de</strong> <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> <strong>de</strong> um usuário. Para<br />

isso foi necessário conversar com os trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a <strong>cuidado</strong>ra e o<br />

usuário envolvidos <strong>na</strong> produção do caso e, também, por meio das suas falas<br />

reconstruiu-se o caminho trilhado pelo usuário e seus momentos <strong>de</strong> interface com os<br />

outros atores. As entrevistas com os profissio<strong>na</strong>is ocorreram <strong>na</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

com a <strong>cuidado</strong>ra e o usuário no domicílio.<br />

Vale <strong>de</strong>stacar que se optou por essa ferramenta por ela ter-se <strong>de</strong>monstrado<br />

em diversas experiências (MERHY, 1997; MENESES, 1998; MALTA, 2001; JORGE,<br />

2002; SILVA JÚNIOR, MERHY, CARVALHO, 2003; FRANCO & MERHY, 2003;<br />

FRANCO, 2003a; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005; SCHIFFLER et al, 2005) como<br />

um instrumento potente para a construção <strong>de</strong> mapas <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong><br />

um serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a sua articulação com a re<strong>de</strong>.<br />

O trabalho <strong>de</strong> campo 3 possibilitou perceber uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências<br />

em todo país, <strong>de</strong>monstrando similares e distintos a<strong>na</strong>lisadores (BAREMBLIT, 1992)<br />

i<strong>de</strong>ntificados durante o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro como pesquisador <strong>de</strong> referência no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do trabalho <strong>de</strong> campo em conjunto com outros pesquisadores<br />

3 O trabalho <strong>de</strong> campo foi realizado <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005 a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006.<br />

18


cartografamos vários casos traçadores. Entretanto, chamou-me a <strong>atenção</strong> e a dos<br />

<strong>de</strong>mais pesquisadores o caso do M. A curiosida<strong>de</strong> sobre caso foi aumentando e nos<br />

agenciando <strong>de</strong> maneira progressiva e intensa. No meu caso, dispararam-me vários<br />

processos <strong>de</strong> auto-análise no meu agir como profissio<strong>na</strong>l e indivíduo, levando-me a<br />

reações <strong>de</strong> atração e repulsa pelo caso. Contudo, apesar das sensações e<br />

sentimentos aflorados, continuei observando mais e mais o caso. O a<strong>na</strong>lisador que<br />

se <strong>de</strong>stacou no caso foi o da <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> entre a mãe/<strong>cuidado</strong>ra e<br />

a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Ele trouxe para o campo da saú<strong>de</strong> um novo agente, o<br />

familiar/<strong>cuidado</strong>r, que po<strong>de</strong> possibilitar cotidiamente novas formas <strong>de</strong> produzir o<br />

<strong>cuidado</strong> e <strong>de</strong> interação da família com a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Do familiar, quando<br />

assume o papel <strong>de</strong> familiar/<strong>cuidado</strong>r, é cobrado pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>sempenho técnico, porém ele não é consi<strong>de</strong>rado como tal <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> opi<strong>na</strong>r <strong>na</strong><br />

elaboração do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>. Esta nova figura trouxe algumas tensões e<br />

paradoxos para o campo da saú<strong>de</strong> que precisam ser clareados, tanto <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia<br />

produtiva do <strong>cuidado</strong> quanto <strong>na</strong> sua própria saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

O caso foi encontrado em um serviço hospitalar 4 que oferta o programa <strong>de</strong><br />

<strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001. A disponibilida<strong>de</strong> da equipe e da família para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do trabalho <strong>de</strong> campo foi muito importante para a realização do<br />

estudo. No <strong>de</strong>correr do processamento do material coletado <strong>na</strong>s entrevistas, a<br />

equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, pediu <strong>na</strong> medida do possível, o retorno dos resultados a fim <strong>de</strong><br />

aprimorar o seu processo <strong>de</strong> trabalho. Então, senti necessida<strong>de</strong> em conjunto com os<br />

<strong>de</strong>mais pesquisadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver à equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> as suas próprias falas através<br />

do fluxograma a<strong>na</strong>lisador, que possibilitaria aprofundar a reflexão do a<strong>na</strong>lisador e,<br />

<strong>de</strong> certa forma, ajudarem-nos a ter um olhar mais amplo do caso. Deste modo, foi<br />

4 Agra<strong>de</strong>ço a disponibilida<strong>de</strong> ofertada pela equipe e família do programa <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong><br />

pesquisado, pois sem as suas contribuições não seria possível realizar o estudo.<br />

19


possível promover uma análise mais específica das relações estabelecidas entre os<br />

trabalhadores e <strong>de</strong>stes com o usuário, além da percepção sobre as tecnologias<br />

utilizadas, os seus manejos e os problemas do processo <strong>de</strong> trabalho da equipe e<br />

mãe/<strong>cuidado</strong>ra <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>.<br />

Esses encontros favoreceram-me em minha análise sobre o a<strong>na</strong>lisador e o<br />

caso. Entretanto, os <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>volução para equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não<br />

serão apresentados neste trabalho, já que mereceria um acompanhamento mais<br />

<strong>de</strong>talhado do grupo, fato que não foi possível.<br />

Na tentativa <strong>de</strong> organizar <strong>de</strong> maneira mais didática minha reflexão sobre este<br />

a<strong>na</strong>lisador, dividi o presente estudo em três aspectos: protagonismo e não<br />

protagonismo da mãe/<strong>cuidado</strong>ra; a clínica e o <strong>cuidado</strong>; domicílio como moradia e<br />

como estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

2. Desenvolvimento<br />

O caso do M<br />

Segue abaixo um breve relato <strong>de</strong> um caso útil para possibilitar uma reflexão<br />

sobre a micropolítica do trabalho em saú<strong>de</strong> e a <strong>disputa</strong> sobre o <strong>cuidado</strong>.<br />

O caso escolhido para a elaboração do fluxograma a<strong>na</strong>lisador foi o <strong>de</strong> um<br />

menino <strong>de</strong> onze anos chamado M, que esteve sob inter<strong>na</strong>ção hospitalar durante<br />

quatro anos <strong>de</strong>vido a um quadro <strong>de</strong> pneumonia viral que evoluiu para Doença<br />

Pulmo<strong>na</strong>r Obstrutiva Crônica (DPOC).<br />

Sua primeira inter<strong>na</strong>ção hospitalar <strong>de</strong>u-se aos nove meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e seu<br />

ingresso no PAD do mesmo hospital ocorreu a partir dos quatro anos e meio <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>, pois ele além <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r aos critérios do programa <strong>de</strong>sta unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

(<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> oxigênio, clinicamente estável e tempo <strong>de</strong> inter<strong>na</strong>ção hospitalar<br />

20


alto) era carismático, conforme <strong>de</strong>scrito pelos integrantes da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>:<br />

(...) é uma criança extremamente sedutora nesse sentido, muito<br />

carismática, carinhosa. Nossa! Era o xodó <strong>de</strong> todo mundo, como ele<br />

tem muitos, mas o M (...) até pela própria ida<strong>de</strong>, aquela ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

brincar, conviver com as pessoas, (...) todo mundo ficou amigo <strong>de</strong>le,<br />

todo mundo queria ajudar (...) (Por exemplo: relato da enfermeira da<br />

equipe)<br />

Entretanto, para que ele pu<strong>de</strong>sse retor<strong>na</strong>r a casa foi necessário reconstruir o<br />

domicílio <strong>de</strong> sua família (a família ficou <strong>de</strong>salojada durante um ano, vivendo <strong>na</strong> casa<br />

<strong>de</strong> parentes). Segundo fotos que vi e informações colhidas, esse domicílio não tinha<br />

reboco, era um ambiente úmido e com baixa ventilação. Através <strong>de</strong> doações<br />

recolhidas no hospital e trabalho voluntário, o novo lar do M foi refeito. Esta nova<br />

casa teve sua sala ampliada, acoplada a uma cozinha estilo americano, e também<br />

ao banheiro. Olhando para este ambiente lembra-me uma enfermaria hospitalar.<br />

Entretanto, o quarto continuou margi<strong>na</strong>lizado com uma peque<strong>na</strong> janela, úmido e com<br />

ventilação restrita.<br />

A equipe PAD revela em seus relatos que não esperava que a obra durasse<br />

aquele tempo todo, foi um período angustiante 5 :<br />

(...) aí a gente num afã <strong>de</strong> loucura, que eu acho que a gente não vai<br />

fazer isso nunca mais, a gente arregimentou lá material <strong>de</strong><br />

construção, um engenheiro que doou lá pra fazer um projetinho lá<br />

para casa, e gente da comunida<strong>de</strong> para ajudar como pedreiro, olha<br />

até que numa época, num dado momento que gente viu a casa <strong>de</strong>la<br />

abaixo, acabou o barraco, ela morando lá no vizinho que também é<br />

da família, e a obra assim começando a passos <strong>de</strong> tartaruga, e a<br />

gente sem saber se ia conseguir chegar ao fim daquela história, olha<br />

aquilo foi uma angústia, eu até me arrepio (...) e aí o material não ia<br />

dar, mas a gente otimiza para po<strong>de</strong>r dar, e o engenheiro podia mas<br />

não podia, e aí o mutirão funcio<strong>na</strong>va, mas não funcio<strong>na</strong>va, olha a<br />

gente passou um gran<strong>de</strong> sufoco <strong>na</strong>quela época (...) (Por exemplo:<br />

relato do médico da equipe)<br />

5 É interessante <strong>de</strong>stacar que este período para a mãe não foi angustiante.<br />

21


No retorno ao lar, M necessitou <strong>de</strong> um aparato <strong>de</strong> equipamentos (BiPAP 6 ,<br />

concentrador <strong>de</strong> oxigênio e cilindro <strong>de</strong> oxigênio 7 ) e da presença regular em sua casa<br />

da equipe do Programa <strong>de</strong> Atenção Domiciliar (PAD), composta pela assistente<br />

social, fisioterapeutas, médico, enfermeira, técnica <strong>de</strong> enfermagem e psicóloga.<br />

Esse foi um momento <strong>de</strong> alegria e emoção tanto para M como para a família<br />

(representada pela mãe, duas irmãs, um sobrinho e o padrasto) e os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>. A mãe/<strong>cuidado</strong>ra expressa em palavras a emoção do momento <strong>de</strong> chegada<br />

da criança: “quando M veio para casa foi uma chora<strong>de</strong>ira da<strong>na</strong>da, todo mundo<br />

chorou (...)¨.<br />

A mãe assume o papel <strong>de</strong> mãe/<strong>cuidado</strong>ra, pessoa que ficou com o encargo<br />

<strong>de</strong> executar o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> elaborado pela equipe para o menino.<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua inter<strong>na</strong>ção <strong>domiciliar</strong>, a mãe/<strong>cuidado</strong>ra começou a não<br />

cumprir integralmente a conduta prescrita pela equipe, produzindo incômodos nos<br />

profissio<strong>na</strong>is, que reagiram com a elaboração <strong>de</strong> estratégias com o objetivo <strong>de</strong> fazer<br />

com que a mãe/<strong>cuidado</strong>ra passasse a cumprir o esperado/programado.<br />

Durante as entrevistas com os envolvidos, pô<strong>de</strong>-se perceber que a<br />

6 O BIPAP, abreviatura do termo em inglês Bi Level Positive Airway Pressure (Dois níveis <strong>de</strong> pressão<br />

positiva <strong>na</strong>s vias aéreas), tem como principal objetivo fornecer a<strong>de</strong>quada troca gasosa e reduzir o<br />

trabalho da respiração em pacientes com insuficiência respiratória. Site acessado no dia 25/11/2008 (<br />

http://www.abdim.org.br/bipap.php)<br />

7 Concentradores <strong>de</strong> oxigênio: são aparelhos ligados à re<strong>de</strong> elétrica, que possuem uma peneira<br />

molecular que retém o nitrogênio e <strong>de</strong>ixa passar oxigênio, fornecendo uma concentração <strong>de</strong> O2 (Fi<br />

O2) acima <strong>de</strong> 95%. Pela estabilida<strong>de</strong> do fluxo e não necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “recarregar” o sistema<br />

sema<strong>na</strong>lmente, tal fonte <strong>de</strong> O2 tor<strong>na</strong>-se mais econômica e prática. Desvantagens do concentrador <strong>de</strong><br />

O2 é o fato <strong>de</strong> ser ruidoso, pesado, e onerar a conta <strong>de</strong> luz do usuário.<br />

Cilindros <strong>de</strong> oxigênio comprimido: a forma mais conhecida <strong>de</strong> armaze<strong>na</strong>mento necessita <strong>de</strong><br />

recarregamentos frequentes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tempo <strong>de</strong> uso e do fluxo utilizado.<br />

Os cilindros, bem como os concentradores, mantém o doente restrito ao seu ambiente doméstico,<br />

permitindo a <strong>de</strong>ambulação somente até on<strong>de</strong> o tubo <strong>de</strong> latex po<strong>de</strong> se esten<strong>de</strong>r. Já existem cilindros<br />

<strong>de</strong> alumínio, que são bem mais leves, e po<strong>de</strong>m ser transportados com mais facilida<strong>de</strong> pelos doentes.<br />

No entanto, trata-se, ainda, <strong>de</strong> equipamento caro para a gran<strong>de</strong> maioria da nossa população. Site<br />

acessado no dia 25/11/2008 (http://www.hc.unicamp.br/servicos/<strong>domiciliar</strong>/cilindro.htm)<br />

22


mãe/<strong>cuidado</strong>ra não concordava completamente com o plano da equipe e tinha um<br />

plano próprio. A mãe permitia, por exemplo, que a criança brincasse com as outras<br />

crianças sem fazer uso <strong>de</strong> oxigênio, <strong>de</strong>ixava-a soltar pipa, brincar <strong>na</strong> areia, e assim<br />

por diante.<br />

“É que aí reúne as crianças todas e ele quer brincar, às vezes <strong>de</strong>ixo<br />

ele brincar mas, às vezes, eu tenho que chamar ele para ver um<br />

remédio, a nebulização (...) sei que ele não po<strong>de</strong> ficar muito fora do<br />

oxigênio, aí um pouquinho que eu <strong>de</strong>ixo, o <strong>de</strong>ixo brincar um<br />

pouquinho (...)”(Relato da mãe/<strong>cuidado</strong>ra)<br />

Tais ações não eram aprovadas pela equipe, pois M teria que ficar 24 horas<br />

ligado ao oxigênio. Durante a nossa observação aflorou um importante a<strong>na</strong>lisador<br />

<strong>na</strong>tural 8 do caso - <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> entre a mãe/<strong>cuidado</strong>ra e a equipe -<br />

que provocou uma série <strong>de</strong> indagações sobre a produção do <strong>cuidado</strong> pela equipe e<br />

mãe/<strong>cuidado</strong>ra: será que a equipe não <strong>de</strong>veria ser mais flexível <strong>na</strong> elaboração do<br />

plano? Por que a mãe/<strong>cuidado</strong>ra não participa da construção do plano? Quais são<br />

os <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> em <strong>disputa</strong>? É possível fazer uma composição?<br />

A Reflexão sobre o a<strong>na</strong>lisador - Disputa <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong><br />

A mãe, ao assumir o papel <strong>de</strong> mãe/<strong>cuidado</strong>ra, é cobrada pela equipe <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> por um <strong>de</strong>sempenho técnico, entretanto po<strong>de</strong> não ser consi<strong>de</strong>rada como tal<br />

<strong>na</strong> hora <strong>de</strong> opi<strong>na</strong>r sobre a elaboração do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>. Será que o mundo do<br />

<strong>cuidado</strong> é um lugar <strong>de</strong> encontros no território não profissio<strong>na</strong>l?<br />

Esta nova figura, a da mãe/<strong>cuidado</strong>ra, traz algumas tensões e paradoxos para<br />

o campo da saú<strong>de</strong> que precisam ser esclarecidos, tanto <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do<br />

8 “(...) são a<strong>na</strong>lisadores <strong>de</strong> fato, produzidos “espontaneamente” pela própria vida histórico-sociallibidi<strong>na</strong>l<br />

e <strong>na</strong>tural, como resultado <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ções e da sua margem <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.”<br />

(BAREMBLIT, 1992)<br />

23


<strong>cuidado</strong> como <strong>na</strong> sua própria saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Apresenta-se como uma<br />

nova aliada que po<strong>de</strong> contribuir para o aprimoramento da produção do <strong>cuidado</strong>, mas<br />

não é só isso, pois ela é sabida também.<br />

É importante, também, <strong>de</strong>stacar que as <strong>disputa</strong>s <strong>de</strong> projetos ocorrem<br />

cotidia<strong>na</strong>mente <strong>na</strong>s equipes e po<strong>de</strong>m garantir o potencial inovador da Atenção<br />

Domiciliar. Entretanto, essa característica está diretamente relacio<strong>na</strong>da, entre outras<br />

coisas, ao modo como as equipes encaram esse compartilhamento <strong>de</strong> produção do<br />

plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>. Essa <strong>disputa</strong> opera várias lógicas, como as profissio<strong>na</strong>is, as éticas<br />

e as políticas. Assim, esta situação tem o potencial <strong>de</strong> propiciar o aperfeiçoamento<br />

do trabalho em saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvido pelos profissio<strong>na</strong>is e os <strong>cuidado</strong>res.<br />

O caso do M nos possibilita uma reflexão sobre vários aspectos, cabendo, aqui,<br />

a exposição sobre três <strong>de</strong>les: o protagonismo e não protagonismo da mãe/<strong>cuidado</strong>ra;<br />

a clínica e o <strong>cuidado</strong>; domicílio como moradia e como estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

a) O protagonismo e não protagonismo da mãe/<strong>cuidado</strong>ra<br />

Buscando a ajuda <strong>de</strong> autores como Cecílio & Men<strong>de</strong>s (2004), que apontam que<br />

esses territórios tensos <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> <strong>de</strong>vem ser encarados como espaços <strong>de</strong><br />

negociações, novas pactuações, sempre consi<strong>de</strong>rando, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação<br />

<strong>de</strong> um discurso hegemônico e homogêneo com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> anular as diferenças<br />

irredutíveis portadas pelos atores reais. Eles visualizam como uma forma <strong>de</strong> enfrentar,<br />

em algum grau, o “mal-estar” presente <strong>na</strong> vida das organizações. Entretanto, esta<br />

citação mostra-se também relevante <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>.<br />

Merhy (2006b), a<strong>na</strong>lisando várias are<strong>na</strong>s, observou que a instituição <strong>de</strong> “praças<br />

<strong>de</strong> conversas” entre os trabalhadores e a mãe/<strong>cuidado</strong>ra, neste caso específico, po<strong>de</strong><br />

24


ser uma forma <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r o processo <strong>de</strong> trabalho da equipe e o da mãe/<strong>cuidado</strong>ra mais<br />

sinérgicos, pois po<strong>de</strong> possibilitar um comum entre eles que permita o entendimento do<br />

outro, propiciar que se façam pactuações <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong>, revelando outros<br />

assuntos pertinentes ao usuário, ao <strong>cuidado</strong>r e à equipe. O autor consi<strong>de</strong>ra os<br />

espaços praças <strong>na</strong>s organizações como espaços em que os profissio<strong>na</strong>is e as<br />

pessoas envolvidas <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m expor seus projetos, <strong>de</strong>sejos,<br />

necessida<strong>de</strong>s frente a <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do assunto pertinente ao grupo.<br />

Este autor leva-me a uma questão para o caso: o que po<strong>de</strong> ser comum entre a<br />

mãe/<strong>cuidado</strong>ra e a equipe?<br />

A existência <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> não pressupõe que exista necessariamente conflito: ao<br />

contrário, po<strong>de</strong> propiciar melhorias no processo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvido pela equipe,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja uma mo<strong>de</strong>lagem tecnológica do processo <strong>de</strong> trabalho, que permita, no<br />

ângulo do encontro a tecnologia leve, que possibilita enten<strong>de</strong>r, valorizar, respeitar o<br />

outro e, ao mesmo tempo, possibilitar o entendimento, valorização e respeito pelo<br />

outro. Há <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que é necessário existirem mecanismos que possibilitem<br />

situações no interior das equipes para <strong>de</strong>ixar que os profissio<strong>na</strong>is afetem e sejam<br />

afetados pelo usuário no seu pensar e agir.<br />

É importante frisar que as tecnologias por si próprias, não são boas ou más,<br />

este papel esta diretamente relacio<strong>na</strong>do com o ator que as opera, pois ele po<strong>de</strong><br />

utilizar as tecnologias para potencializar a vida do usuário bem como a morte.<br />

No caso, os profissio<strong>na</strong>is utilizam suas tecnologias seguindo a lógica médico<br />

hegemônica, que não valoriza a singularida<strong>de</strong>, a pessoa, a vida <strong>de</strong>ste ser. Os<br />

trabalhadores envolvidos não <strong>de</strong>monstraram uma forma <strong>de</strong> trabalhar em que a<br />

escuta e aprendizagem fossem nucleares; ao contrário, observou-se que a equipe<br />

tenta fazer com que a mãe/<strong>cuidado</strong>ra cumpra o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> elaborado por eles,<br />

25


ou tenta excluir/submeter a mãe/<strong>cuidado</strong>ra por meio <strong>de</strong> algumas atitu<strong>de</strong>s negativas,<br />

não compartilhando informações, ridicularizando o seu trabalho e assim por diante.<br />

Ela não tem capacida<strong>de</strong> para fazer isso não.<br />

A sujeira, a falta <strong>de</strong> organização, tudo fora do lugar (...) você chega<br />

lá tem que pedir licença ao lixo para entrar.<br />

E o prejudicado é ele (o paciente), fica cansado, (...) não po<strong>de</strong> ir lá<br />

(...) brincar e você <strong>de</strong>ixou o garoto, você está vendo o que aconteceu<br />

(...)”. (Relatos <strong>de</strong> integrantes da equipe PAD)<br />

Por outro lado, a mãe/<strong>cuidado</strong>ra assume também estes papéis, quando ignora<br />

o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> da equipe, ou assume o papel <strong>de</strong> mãe para obrigar a equipe a<br />

aceitar algumas situações criadas por ela, como, por exemplo, ao <strong>de</strong>ixar a criança<br />

brincar sem oxigênio.<br />

Mesmo sem conhecer Winnicott (1975), a mãe/<strong>cuidado</strong>ra valoriza a<br />

necessida<strong>de</strong> da criança <strong>de</strong> brincar que, segundo o autor, garante uma liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

criação para a criança e o adulto. É <strong>na</strong> brinca<strong>de</strong>ira que a ativida<strong>de</strong> criativa, física e<br />

mental se manifestam e através da “somação <strong>de</strong>ssas experiências” que é formada a<br />

base do sentimento do eu (self).<br />

O autor acredita que brincar não é um passatempo para a criança e sim uma<br />

prática vital para produção da sua subjetivida<strong>de</strong>.<br />

M expressa constantemente sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brincar e interagir com outras<br />

pessoas. A equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não escuta esta <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> M, mas felizmente sua a<br />

mãe/<strong>cuidado</strong>ra tem escutado.<br />

Ao buscar Cecílio (2001), a fim <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r um pouco melhor sobre o que<br />

seriam necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ele aponta que elas po<strong>de</strong>m ser classificadas em<br />

quatro conjuntos:<br />

26


1. Ter “boas condições <strong>de</strong> vida” – enten<strong>de</strong>-se que a maneira como se vive se traduz<br />

em diferentes necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

2. Ter acesso e po<strong>de</strong>r consumir toda a tecnologia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> melhorar e<br />

prolongar a vida.<br />

3. Criar vínculos (a)efetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou profissio<strong>na</strong>l –<br />

vínculo enquanto referência e relação <strong>de</strong> confiança, algo como “o rosto” do sistema <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> para o usuário.<br />

4. Garantir a “cada pessoa ter graus crescentes <strong>de</strong> autonomia no seu modo <strong>de</strong> levar a<br />

vida”.<br />

Fazendo um paralelo entre os conceitos trazidos por Cecílio (2001) e o caso,<br />

observa-se que os itens 2 e 3 são bem contemplados pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Entretanto, o bem-estar e aumento da autonomia da criança não são relevantes. E, no<br />

momento em que a mãe/<strong>cuidado</strong>ra si<strong>na</strong>liza que os profissio<strong>na</strong>is têm <strong>de</strong> valorizar a<br />

brinca<strong>de</strong>ira <strong>na</strong> vida <strong>de</strong> M, eles não dão ouvidos; preferem consi<strong>de</strong>rar como uma<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scuido, <strong>de</strong> não cumprimento do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> por parte <strong>de</strong>la.<br />

Apresenta-se, então, que a existência <strong>de</strong> uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atores sociais<br />

envolvidos no caso cria, constantemente, are<strong>na</strong>s <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s <strong>de</strong> idéias/projetos<br />

individuais e/ou coletivos para a produção do <strong>cuidado</strong>. Neste caso em particular, essa<br />

are<strong>na</strong> <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s apresenta-se como um problema para o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

trabalho da equipe, já que esta não enxerga a diversida<strong>de</strong> como uma certa forma <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> trabalho para a ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong> centrada no<br />

usuário.<br />

27


Essas orientações distintas levam a que se configure um cotidiano <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s<br />

constantes entre o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> da mãe/<strong>cuidado</strong>ra e o da equipe.<br />

Uma das <strong>de</strong>clarações realizadas por um dos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da <strong>atenção</strong><br />

<strong>domiciliar</strong> aponta alguns fatores que contribuem para a <strong>disputa</strong>:<br />

(...) no hospital você tem assim aquela distância que protege a<br />

equipe muito, <strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong>mais e a gente per<strong>de</strong> essa proteção<br />

quando vai para casa da pessoa, porque é a pessoa que manda <strong>na</strong><br />

casa <strong>de</strong>la, então aquele primeiro protetor que você tem, per<strong>de</strong> então<br />

eu acho que para o profissio<strong>na</strong>l o <strong>de</strong>sconforto é muito maior (...) a<br />

relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r muda, então ele é exigido para negociar, então uma<br />

coisa que é dada <strong>na</strong> base da or<strong>de</strong>m no hospital, <strong>na</strong> casa o pessoal<br />

até pensa mais não funcio<strong>na</strong> assim, tem mais que fazer aquele jogo<br />

<strong>de</strong> persuasão, geralmente as dificulda<strong>de</strong>s que dão são com mães<br />

que, ou são esses casos que geram negligências ou são mães que<br />

são boas <strong>de</strong>mais e começa a querer <strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong> um<br />

profissio<strong>na</strong>l porque foram solicitadas a fazer isso no hospital <strong>de</strong><br />

alguma maneira, então apren<strong>de</strong>ram, sabem, conhecem e às vezes o<br />

profissio<strong>na</strong>l tem dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com isso, porque às vezes<br />

atrapalham mesmo o atendimento (...)”<br />

Este relato possibilita reflexões sobre o caso <strong>de</strong> M. A mãe/<strong>cuidado</strong>ra, além <strong>de</strong><br />

ter sido solicitada a executar o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> elaborado pela equipe, está atuando<br />

em seu domicilio e cuidando <strong>de</strong> seu filho, que potencializa sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

protagonista também <strong>na</strong> elaboração do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>. Na sua casa, M não é<br />

ape<strong>na</strong>s um doente, mas uma criança, ou seja, um filho que tem uma doença.<br />

Esse domicílio provocou uma <strong>de</strong>sterritorialização do agir dos profissio<strong>na</strong>is e<br />

suas implicações com a doença do mo<strong>de</strong>lo hegemônico, pois não estão em um<br />

estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Vale ressaltar que, neste relato, mais dois outros aspectos serão discutidos<br />

posteriormente: a clínica e o <strong>cuidado</strong>; domicílio como moradia e como<br />

estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

28


É importante apontar que, no caso <strong>de</strong> M, tanto a mãe/<strong>cuidado</strong>ra quanto a<br />

equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> lutam pelo protagonismo do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> e trazem à ce<strong>na</strong> a não<br />

possibilida<strong>de</strong> da construção <strong>de</strong> uma pauta comum que vai criar uma impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> entendimento e consenso (ARAGÃO, 2002) <strong>de</strong> ambos os atores que não apareceu<br />

nos relatos coletados.<br />

Na revisão bibliográfica, encontro no autor Mendonça (2008) uma reflexão para<br />

gestão que acredito ser a<strong>de</strong>quada para a produção do <strong>cuidado</strong>. Ele aponta que o:<br />

“(...) fabricar espaços coletivos <strong>de</strong> análise, negociação e <strong>de</strong>cisão<br />

on<strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um é alterida<strong>de</strong> para o outro parece ser<br />

indispensável para uma relação produtiva em que o reconhecimento<br />

do outro é motor para o encontro <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s e soluções para<br />

problemas portados pelos trabalhadores <strong>na</strong>s duas direções.” (Ibi<strong>de</strong>m,<br />

2008)<br />

Trazendo para a realida<strong>de</strong> do caso, evi<strong>de</strong>ncia-se que estes trabalhadores<br />

seriam os atores: equipe e mãe/<strong>cuidado</strong>ra. Nesta produção <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>, a<br />

mãe/<strong>cuidado</strong>ra não é valorizada pelos profissio<strong>na</strong>is como uma pessoa que possa<br />

contribuir <strong>na</strong> elaboração do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

No estudo do caso, percebo que M <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos dois olhares para ter<br />

qualida<strong>de</strong> assistencial e uma vida melhor, pois, sem a equipe, a doença não é<br />

controlada e, sem a mãe/<strong>cuidado</strong>ra, seus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> criança acabam sendo<br />

renegados, prejudicando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua subjetivida<strong>de</strong>.<br />

b) A Clínica e o Cuidado<br />

29


Para reflexão <strong>de</strong>ste assunto, é importante <strong>de</strong>stacar algumas contribuições <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos autores que abordam estes temas: clínica e <strong>cuidado</strong>.<br />

Os primeiros autores que trago para “ce<strong>na</strong>” são Campos, Chakkour e Santos<br />

(1997, p.143) que discutem núcleo e campo <strong>de</strong> competência dos profissio<strong>na</strong>is<br />

médicos: o primeiro relacio<strong>na</strong>do às singularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada especialida<strong>de</strong>; o<br />

segundo ao lugar <strong>de</strong> intercessão entre as especialida<strong>de</strong>s.<br />

Posteriormente, Campos (1997) apresenta como falida a clínica oficial (a<br />

“clínica clínica”) que valoriza a doença reduzindo a pessoa, ape<strong>na</strong>s a um “Ser do<br />

doente” e a “clínica <strong>de</strong>gradada” que é influenciada “por interesses econômicos ou<br />

por <strong>de</strong>sequilíbrios muito pronunciados <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”. Ele aponta uma maneira <strong>de</strong><br />

superar este modo <strong>de</strong> operar a clínica pela utilização do campo e núcleo <strong>na</strong><br />

articulação do clínico <strong>de</strong> referência e o apoio especializado <strong>de</strong> forma matricial,<br />

nomeando-a como clínica ampliada (do sujeito). Ele acredita que através do campo<br />

po<strong>de</strong>-se:<br />

(...) superar a fragmentação entre a biologia, subjetivida<strong>de</strong> e<br />

sociabilida<strong>de</strong> operando-se com Projetos Terapêuticos amplos, que<br />

explicitem objetivos e técnicas da ação profissio<strong>na</strong>l e que<br />

reconheçam um papel ativo para o ex-paciente, para o enfermo em<br />

luta e em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong>, em geral, interligada, com a saú<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> outros (...) (CAMPOS, 1997)<br />

Este autor aposta que através do núcleo <strong>de</strong> competência que guia seu campo<br />

possa ocorrer uma ampliação <strong>de</strong> sua clínica no momento em que este campo faça<br />

interface com o <strong>de</strong> especialistas. Ele consi<strong>de</strong>ra que o matriciamento dado por<br />

algumas especialida<strong>de</strong>s contribuirá para ampliação da clínica, levando à clínica do<br />

30


sujeito. Isso caminha junto com a idéia <strong>de</strong> Basaglia <strong>de</strong> colocar a doença em<br />

suspenso e o cidadão em primeiro plano numa clara implicação da clinica como<br />

política. Entretanto, mesmo assim há aqui a noção <strong>de</strong> que o agir nesse caso é a<br />

clínica, o que traz o risco <strong>de</strong> qualquer ação em saú<strong>de</strong> ser do campo da clínica.<br />

Por isso, é importante apresentar as reflexões <strong>de</strong> outros autores, no sentido <strong>de</strong><br />

que nem tudo que se faz <strong>na</strong> assistência está limitado ao campo da clínica. Nesta<br />

hora apresenta-se uma tensão conceitual, pois, para Campos, o campo está<br />

atrelado aos núcleos das especialida<strong>de</strong>s e/ou das profissões e, portanto aos saberes<br />

que lhe substanciam. Já para Merhy, campo é local <strong>de</strong> prática, <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong> que não está atrelado ape<strong>na</strong>s ao território das tecnologias leve-duras, mas<br />

também aos territórios relacio<strong>na</strong>is on<strong>de</strong> operam sabedorias e não saberes <strong>de</strong> todos,<br />

implicados no encontro on<strong>de</strong> há a produção do <strong>cuidado</strong>. Como se os efeitos <strong>de</strong> um<br />

encontro com o outro no mundo do <strong>cuidado</strong> abrissem para muito além do próprio<br />

fazer clínico outros processos <strong>de</strong> “saberes” dos corpos que se agenciam, produzindo<br />

relações não expressas em linguagens que se representam pelas<br />

palavras/enunciados. (DELEUZE, 2002)<br />

Merhy (1998a), em seu trabalho, apresenta um conceito que possui interfaces<br />

com Ayres (2004) 9 , porém amplia a discussão sobre o assunto, pois Ayres dá centro<br />

à mediação do saber estruturado para operar os encontros como relação<br />

intersubjetiva; Merhy consi<strong>de</strong>ra que todo trabalhador <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong><br />

outra, produz <strong>cuidado</strong>, seja individual seja coletivo, operado em si no encontro para<br />

além das valises da cabeça como centro <strong>de</strong>sse processo. Até os profissio<strong>na</strong>is que<br />

não são reconhecidos próprios da saú<strong>de</strong>, como os porteiros <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

9 O autor consi<strong>de</strong>ra <strong>cuidado</strong> “(...) como <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> uma <strong>atenção</strong> à saú<strong>de</strong> imediatamente<br />

interessada no sentido existencial da experiência do adoecimento, físico ou mental, e, por<br />

conseguinte, também das práticas <strong>de</strong> promoção, proteção ou recuperação da saú<strong>de</strong>”. (Ayres, 2004,<br />

p.22)<br />

31


estão implicados com a produção do <strong>cuidado</strong>.<br />

Esse autor acredita que:<br />

os usuários buscam nos seus encontros com os trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

particularmente nos estabelecimentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a produção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong><br />

acolhimento, responsabilização e vínculo;<br />

o trabalho em saú<strong>de</strong> não é só o saber diagnosticar, prognosticar, curar,<br />

produzir análises epi<strong>de</strong>miológicas, realizar campanhas, mas também é um<br />

processo e um espaço <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> relações e intervenções, que se dá <strong>de</strong><br />

modo intercessor e partilhado, no qual há um jogo entre necessida<strong>de</strong>s e modos<br />

tecnológicos e não tecnológicos <strong>de</strong> agir;<br />

não há produção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> trocas <strong>de</strong> falas e escutas, <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong>s e<br />

responsabilizações, <strong>de</strong> vínculos e aceitações, se não houver um trabalho<br />

comprometido com a produção <strong>de</strong> mais vida como valor <strong>de</strong> uso inestimável e<br />

único.<br />

No campo da prática, é on<strong>de</strong> se constrói a ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>, on<strong>de</strong><br />

através das tecnologias operadas e da racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> empregada, conforme o agir do<br />

trabalho vivo reproduz-se um trabalho morto (MERHY, 1997). Trazendo esses<br />

conceitos para o caso, cada profissio<strong>na</strong>l e a mãe/<strong>cuidado</strong>ra possuem sua caixa <strong>de</strong><br />

ferramentas <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, distribuídas nos núcleos <strong>de</strong> competência<br />

específicos (tecnologias duras e leve-duras) e <strong>na</strong> dimensão <strong>cuidado</strong>ra (tecnologias<br />

leves), além do seu modo em si <strong>de</strong> produzir efeito no outro pelo simples encontro. O<br />

que vai propiciar a distinção entre os membros da equipe são as tecnologias que<br />

portam e a forma <strong>de</strong> operá-las, a legitimida<strong>de</strong> social para po<strong>de</strong>r fazer isso como<br />

32


trabalhador, atrelada à história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> cada um, suas implicações com o outro, sua<br />

cultura, condição social e assim por diante.<br />

Segundo o autor, a dimensão <strong>cuidado</strong>ra apresenta-se como um espaço além<br />

da clínica, revela-se como o território não só, mas, predomi<strong>na</strong>ntemente, das<br />

tecnologias leves e do mundo relacio<strong>na</strong>l, não sendo um campo específico <strong>de</strong> nenhum<br />

profissio<strong>na</strong>l, e sim a base para a atuação <strong>de</strong> todos. Ela é o espaço <strong>de</strong> maior<br />

intercessão entre os trabalhadores e usuários, com gran<strong>de</strong> potencial para produção<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> pela equipe, valorizando os vários sentidos da integralida<strong>de</strong>.<br />

As tecnologias leves, ao serem utilizadas como as or<strong>de</strong><strong>na</strong>doras da ca<strong>de</strong>ia<br />

produtiva do <strong>cuidado</strong>, quando operadas com o objetivo <strong>de</strong> potencializar a vida do<br />

usuário, possibilitam um compromisso permanente do profissio<strong>na</strong>l, tais como<br />

vínculo-responsabilização levando a uma maior implicação com a resolutivida<strong>de</strong><br />

(MERHY,1994) da ação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e com a garantia <strong>de</strong> autonomia do usuário, ou<br />

seja, o usuário como protagonista negociador <strong>de</strong> seu processo saú<strong>de</strong>-doença.<br />

Porém, há situações em que esse território tecnológico atua contrariamente,<br />

produzindo <strong>de</strong>pendência e morte.<br />

Merhy (1997, 2002) emprega uma metáfora para mostrar como o uso das<br />

tecnologias po<strong>de</strong> impactar no trabalho em saú<strong>de</strong>, expressando, inclusive, o mo<strong>de</strong>lo<br />

assistencial subjacente. Ele usa a “imagem” <strong>de</strong> três valises para <strong>de</strong>monstrar<br />

didaticamente o arse<strong>na</strong>l tecnológico <strong>de</strong> cada profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o que não<br />

significa um olhar compartimentalizado, pois os três tipos <strong>de</strong> tecnologias expressam<br />

processos produtivos singulares:<br />

a primeira valise representa os instrumentos e equipamentos (tecnologias<br />

duras);<br />

33


a segunda, os saberes estruturados, como a clínica e a epi<strong>de</strong>miologia<br />

(tecnologias leve-duras);<br />

a terceira, o espaço relacio<strong>na</strong>l trabalhador-usuário (tecnologias leves),<br />

espaço <strong>de</strong> relações entre sujeitos, que só têm materialida<strong>de</strong> em ato, como é o<br />

caso dos processos <strong>de</strong> acolhimento, vínculo e responsabilização (MERHY, 1994,<br />

1997, 1998a; SILVA JUNIOR, 2001; SILVA JUNIOR & MASCARENHAS, 2004),<br />

consi<strong>de</strong>rados práticas intercessoras (MERHY, 1998b) em saú<strong>de</strong>.<br />

O que o autor <strong>de</strong>staca nesses exemplos é que os arranjos entre essas<br />

“valises” são estratégicos, <strong>de</strong>finidores mesmo, do sentido dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> à<br />

saú<strong>de</strong> (MERHY, 2002).<br />

Vale ressaltar que a operação das tecnologias segue uma racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> ou<br />

sabedoria, como po<strong>de</strong>mos ver exemplificado no caso, on<strong>de</strong> a equipe apresenta um<br />

saber técnico-científico que é focado <strong>na</strong> doença, enquanto a mãe/<strong>cuidado</strong>ra<br />

possui uma sabedoria <strong>de</strong> mãe e <strong>cuidado</strong>ra que é direcio<strong>na</strong>do <strong>na</strong> vida da criança,<br />

acarretando distintos <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

(...) não po<strong>de</strong> ficar toda hora brincando porque ele não po<strong>de</strong> ficar<br />

muito fora do oxigênio, aí um pouquinho que eu <strong>de</strong>ixo, o <strong>de</strong>ixo<br />

brincar um pouquinho, aí vem cansado, ta vendo você ficou aí fora,<br />

agora vem cansado, aí vem ele, <strong>de</strong>scansa, aí vê televisão, essa é a<br />

vidinha <strong>de</strong>le, sentado o tempo inteiro vendo televisão, <strong>de</strong>senho, (...)<br />

(...) Ele não tem série, é porque até agora é assim, não sabe ler, não<br />

sabe escrever, vai passando, e vai e vai e vai, tem essa coisa, ele<br />

tem 9 anos e não sabe <strong>na</strong>da (...) eu só penso em ele ir pra escola<br />

agora, apren<strong>de</strong>r a ler, a escrever, tudo direitinho (...) Declarações <strong>de</strong><br />

mãe/<strong>cuidado</strong>ra sobre o M, <strong>na</strong>s quais <strong>de</strong>staca assuntos como projeto<br />

<strong>de</strong> vida e vinculo afetivo.<br />

Percebe-se que a mãe, ao olhar para o M, não observa um paciente, mas o<br />

seu filho que precisa <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> e <strong>de</strong> viver como uma criança. Entretanto, a equipe,<br />

34


seguindo uma racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da “clinica mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, orientada pela morte (a<strong>na</strong>tomia<br />

patológica), volta-se para a causa da doença (agente patogênico) e para sua origem<br />

espaço-temporal (localização orgânica e história sintomática)” (LUZ, 2006), tendo<br />

como objetivo a cura da doença.<br />

Essa distinção propicia várias <strong>disputa</strong>s com conflitos entre esses atores, <strong>na</strong>s<br />

quais o que é trazido pela mãe/<strong>cuidado</strong>ra não é legitimado pelo mo<strong>de</strong>lo médico<br />

hegemônico e consequentemente pela equipe do PAD. Deste modo, o que fazer<br />

com essa situação?<br />

Tal indagação leva-nos a uma reflexão sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova<br />

sabedoria que a figura do <strong>cuidado</strong>r nos traz, focada <strong>na</strong> produção <strong>de</strong> vida dos<br />

usuários.<br />

O a<strong>na</strong>lisador do caso permite verificar que os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, muitas<br />

vezes, operam com tecnologias, seguindo a lógica da “clínica oficial ou <strong>de</strong>gradada”.<br />

No entanto, seguindo a lógica <strong>de</strong>stas clínicas, os profissio<strong>na</strong>is utilizam as<br />

tecnologias duras combi<strong>na</strong>das com as leve-duras como guia <strong>na</strong> produção do<br />

<strong>cuidado</strong> prestada ao usuário, não havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escuta e <strong>de</strong> valorização<br />

da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> M <strong>de</strong> brincar e interagir mais com as outras crianças. Observa-<br />

se, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> praticada nessa situação que estudamos, que o agir do<br />

trabalhador está preso ao saber estruturado e ao equipamento, produto <strong>de</strong> um<br />

trabalho anterior (trabalho morto). Nesse sentido, o processo <strong>de</strong> trabalho é pré-<br />

programado, limitando a ação do trabalhador àquilo que já foi <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, por<br />

exemplo, pela programação do protocolo clínico.<br />

O posicio<strong>na</strong>mento da mãe/<strong>cuidado</strong>ra frente, ao plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> dado pelos<br />

profissio<strong>na</strong>is, tensio<strong>na</strong>-os, forçando-os a atuarem com uma prática além do<br />

procedimento centrada. Ela lhes aponta a olhar para uma das necessida<strong>de</strong>s<br />

35


primordiais da criança que é a <strong>de</strong> brincar como processo <strong>de</strong> se construir no mundo.<br />

Cabe ressaltar que isso não quer dizer só brincar com brinquedos, mas, sobretudo,<br />

sua relação como os outros do seu mundo aqui e agora. Durante o acompanhamento<br />

do caso, pu<strong>de</strong> perceber que eles têm dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lidar com esta situação e<br />

sentem-se incomodados. Assumem que eles estão certos e que a mãe/<strong>cuidado</strong>ra é<br />

<strong>de</strong>scuidada. Ela como mãe e <strong>cuidado</strong>ra faz com que o processo <strong>de</strong> trabalho<br />

executado por todos seja primordialmente baseado no usuário centrado, ou seja, que<br />

tal processo valorize as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> apontadas pelo usuário.<br />

A mãe/<strong>cuidado</strong>ra <strong>de</strong>monstra o esgotamento da tão chamada “clinica ampliada”<br />

e aponta com uma das alter<strong>na</strong>tivas para garantir uma <strong>atenção</strong> à saú<strong>de</strong> que responda<br />

as necessida<strong>de</strong>s do usuário: o <strong>cuidado</strong> baseado <strong>na</strong> sabedoria dos familiares em<br />

articulação com o saber da equipe. Este casamento po<strong>de</strong> propiciar um projeto<br />

terapêutico que realmente esteja a<strong>de</strong>quado à vida do usuário, ou seja, potencializa a<br />

sua subjetivida<strong>de</strong> e vida.<br />

A criança M faz agenciamentos constantes, por meio <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>mandas, o agir<br />

da mãe/<strong>cuidado</strong>ra e da equipe, levando a uma tensão no processo <strong>de</strong> trabalho<br />

<strong>de</strong>sempenhado por eles. É importante frisar que consi<strong>de</strong>ro agenciamento, conforme é<br />

apontado por Deleuze (1995): “acontece no momento que existem conexões e estas<br />

aumentam, e que não estão atreladas a i<strong>de</strong>ologias ou posicio<strong>na</strong>mentos”.<br />

Buscando auxilio <strong>na</strong> bibliografia referenciada para essa investigação, encontrei<br />

uma <strong>de</strong>finição interessante sobre tensões e conflitos <strong>de</strong>scrita por Mendonça (2008):<br />

“as tensões são potência, muitas vezes o conflito é sua cinética; o<br />

conflito como movimento, como produção e consumo energético,<br />

po<strong>de</strong> ser até <strong>de</strong>sconfortável, mas po<strong>de</strong> se dar em produção<br />

afirmativa <strong>de</strong> inovações, porém também po<strong>de</strong> se dar em sua forma<br />

específica <strong>de</strong> agir em práticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecimento, <strong>de</strong>srespeito,<br />

humilhação e vexação, ou paralisia e perda <strong>de</strong> potência.”(ibi<strong>de</strong>m,<br />

2008)<br />

36


No caso especifico, a equipe utiliza do seu saber para imobilizar a<br />

mãe/<strong>cuidado</strong>ra em sua ação, <strong>de</strong>svalorizando sua sabedoria <strong>na</strong> execução e<br />

elaboração do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

c) Domicílio como moradia e como estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

No caso <strong>de</strong> M, a casa da família foi reconstruída com a ação <strong>de</strong> apoio da<br />

equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para o retorno da criança ao lar. O novo domicílio sofreu forte<br />

influência hospitalar, tendo a conformação da sala como <strong>de</strong> uma enfermaria (local<br />

on<strong>de</strong> a criança fica maior parte <strong>de</strong> seu tempo, reproduzindo os momentos do<br />

hospital), como um processo <strong>de</strong> institucio<strong>na</strong>lização da instituição total do hospital no<br />

interior da própria casa.<br />

Para Costa (2008),“a casa carrega em si um significado e cada parte tem um<br />

significado. Ela é metáfora do próprio dono: abrigo, território, domínio, lar,<br />

referencial”. Desta feita, é evi<strong>de</strong>nte que a equipe mesmo com a melhor das<br />

intenções não permitiu que a família opi<strong>na</strong>sse <strong>na</strong> construção da nova casa,<br />

diminuindo a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>ste espaço como seu lar.<br />

O curioso é que durante as entrevistas com os familiares, a mãe/<strong>cuidado</strong>ra<br />

queria fazer uma reforma <strong>na</strong> casa, pois precisava <strong>de</strong> algumas alterações. Ela<br />

verbaliza que quer “uma casa normal!(...) com 2 quartos, sala, cozinha, banheiro,<br />

varanda, área <strong>de</strong> lavar roupa (...)”. Nesta fala reverbera bem este olhar trazido pela<br />

autora supracitada, pois <strong>de</strong>monstra um possível <strong>de</strong>sconforto <strong>de</strong>ste familiar com a<br />

casa i<strong>de</strong>alizada por outros.<br />

Não havendo intimida<strong>de</strong>, nem conforto e habitabilida<strong>de</strong>, a casa po<strong>de</strong><br />

matar? A casa constitui-se num símbolo situado (...), importante no<br />

37


diagnóstico psicológico e psico-social", e para o "simbolismo da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>" (Apud, COSTA)<br />

Outro ponto que é necessário ressaltar, conforme apontado pela fala <strong>de</strong> um<br />

dos integrantes da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, é que, no hospital, os trabalhadores estão<br />

protegidos <strong>de</strong> uma aproximação maior com a realida<strong>de</strong> do usuário, mas no domicílio<br />

a situação muda. Os profissio<strong>na</strong>is em um novo local, são <strong>de</strong>sterritorializados, on<strong>de</strong> a<br />

família é que manda <strong>na</strong> moradia. Deixando a equipe em <strong>de</strong>sconforto, um<br />

comportamento que se apresentou no caso foi a tentativa da equipe mesmo que<br />

inconscientemente <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r a moradia um estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

A família e a equipe, neste novo território, iniciou a <strong>disputa</strong> por este novo<br />

local: esta tentava tor<strong>na</strong>r um ambiente mais confortável para si, ao passo que aquela<br />

buscava, ao seu modo, atingir a mesma meta. A família luta por uma privacida<strong>de</strong><br />

que necessita ter em seu domicilio, conforme cita a autora: “a falta <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong> território individual é causa <strong>de</strong> sofrimento”. Esse conflito apresenta-se <strong>de</strong> várias<br />

maneiras e uma <strong>de</strong>las, são os conceitos implícitos <strong>de</strong> limpeza no domicilio que cada<br />

um trazia em sua fala.<br />

Ela (mãe/<strong>cuidado</strong>ra) não tem capacida<strong>de</strong> para fazer isso não.<br />

A sujeira, a falta <strong>de</strong> organização, tudo fora do lugar (...) você chega<br />

lá tem que pedir licença ao lixo para entrar.<br />

Relatos <strong>de</strong> membros da equipe PAD<br />

Indaga-se a partir <strong>de</strong>ste relato se o padrão <strong>de</strong> limpeza está relacio<strong>na</strong>do com o<br />

<strong>de</strong> um estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou o <strong>de</strong> um domicilio <strong>de</strong> baixa renda? Que padrão<br />

é esse? Até aon<strong>de</strong> a equipe está buscando uma maior compreensão <strong>de</strong>sta nova<br />

realida<strong>de</strong>? Ela está gerando um <strong>de</strong>sconforto para esta equipe?<br />

38


Na leitura do trabalho <strong>de</strong> Costa (2002), chamou-me a <strong>atenção</strong> o fato <strong>de</strong> que a<br />

medici<strong>na</strong>, no <strong>de</strong>correr dos séculos, trouxe para socieda<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> ações<br />

higienistas que acentuou seu trabalho no século XIX, maior controle das doenças.<br />

Entretanto, em contrapartida, ela a<strong>de</strong>ntrou <strong>na</strong> vida das pessoas no seu cotidiano, no<br />

seu lar, interferindo <strong>na</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada membro, <strong>de</strong> cada cidadão, no jeito <strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong> cada um.<br />

Em nome <strong>de</strong>ste discurso médico e da <strong>de</strong>fesa da vida, corpos<br />

individuais foram controlados e submetidos a uma rígida<br />

racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> médica, isto era ape<strong>na</strong>s um prenúncio do que viria<br />

realizar <strong>na</strong>s monumentais intervenções urba<strong>na</strong>s da segunda meta<strong>de</strong><br />

do século XIX. (COSTA, 2002, p.68)<br />

Enquanto a mãe/<strong>cuidado</strong>ra e a família tinham outros padrões <strong>de</strong> limpeza que<br />

não se enquadravam aos padrões hospitalares e <strong>de</strong> domicilio <strong>de</strong> classe média.<br />

Como po<strong>de</strong>-se garantir uma qualida<strong>de</strong> <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> sem comprometer a<br />

singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada família e sem tomar atitu<strong>de</strong>s discipli<strong>na</strong>doras, em busca <strong>de</strong><br />

relações intercessoras?<br />

A busca por este padrão <strong>de</strong> limpeza chegou a tal ponto no lar da família <strong>de</strong> M,<br />

que ficou condicio<strong>na</strong>do o fornecimento <strong>de</strong> uma cesta básica <strong>de</strong> alimentos à mudança<br />

nos hábitos <strong>de</strong> higiene da família. Em não havendo mudança, os membros não<br />

teriam acesso á cesta. Tal atitu<strong>de</strong> nos remete às ações típicas do século XIX,<br />

quando as estratégias biopolíticas dos estados <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is eram intensamente<br />

discipli<strong>na</strong>doras das populações e dos indivíduos. (FOUCAULT, 2007)<br />

(...) aí eu falei vou fazer assim uma estratégia com mãe/<strong>cuidado</strong>ra,<br />

<strong>de</strong> quinze em quinze dias vou te dar cesta básica, se você manter<br />

essa casa limpa (...) aí fiz um kit <strong>de</strong> limpeza, vassoura, sabão em pó,<br />

tudo (...) relato da enfermeira da equipe PAD.<br />

39


Essa situação nos faz refletir até aon<strong>de</strong> a ação do profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nos<br />

dias <strong>de</strong> hoje não está atrelada a esta concepção higienista, que, seguindo padrões,<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> um agir padronizado dos integrantes do domicilio que está <strong>de</strong>senvolvendo<br />

a modalida<strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>. No momento que estes moradores <strong>de</strong>scobrem<br />

linhas <strong>de</strong> fuga, a fim <strong>de</strong> preservar um pouco das suas singularida<strong>de</strong>s, a equipe<br />

a<strong>na</strong>lisa <strong>de</strong>scuido, <strong>de</strong>sleixo, principalmente por parte da mãe/<strong>cuidado</strong>ra.<br />

Esse quadro ao qual a Atenção Domiciliar nos remete é o da análise <strong>de</strong> um<br />

novo momento em que as equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e as famílias convivem em novo<br />

ambiente para ambos e no qual os cidadãos e suas moradias não são mais como as<br />

que se produziam no século XIX e, portanto, passíveis <strong>de</strong> relações muito tensas<br />

junto às várias estratégias biopolíticas operadas. Esse novo <strong>de</strong>safio coloca a equipe<br />

em situação obrigatória <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> negociar mais explicitamente com o outro no seu<br />

espaço <strong>domiciliar</strong> e isso exige <strong>de</strong>la, equipe, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver mais<br />

ações para conhecer melhor a realida<strong>de</strong> da família do seu usuário, ampliando sua<br />

escuta para produção do <strong>cuidado</strong>, tor<strong>na</strong>ndo-a protagonista também.<br />

(...) oferece mais liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>na</strong> condução das suas<br />

ativida<strong>de</strong>s (inclusive nos aspectos clínicos), permite um<br />

relacio<strong>na</strong>mento direto com as pessoas (sem intermediários) e<br />

permite conhecer contextos <strong>de</strong> vida; essa vivência mobiliza a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir alter<strong>na</strong>tivas coletivas, criativas e apropriadas<br />

para o <strong>cuidado</strong> e a produção da autonomia. Entretanto, esses<br />

trabalhadores convivem com um grau inusitado <strong>de</strong> autonomia das<br />

famílias <strong>na</strong> produção compartilhada dos projetos <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> que são<br />

implementados. (FEUERWERKER & MERHY, 2008)<br />

Segundo Feuerwerker & Merhy (2008), a casa possibilita um novo “espaço <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong>” que “po<strong>de</strong> remeter a uma i<strong>de</strong>ntificação e proximida<strong>de</strong> do <strong>cuidado</strong>r para<br />

além da função técnica e da instituição hospitalar”. Este novo local permite um leque<br />

40


<strong>de</strong> opções <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> e uma maior autonomia para a família do<br />

usuário.<br />

É um exercício para essa equipe, pois além <strong>de</strong> colocar à prova a sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conviver com esta família, ao mesmo tempo, tem <strong>de</strong> garantir a<br />

preservação da singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada familiar e a privacida<strong>de</strong> do lar. Como elaborar<br />

um plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> que dê conta disso? A busca <strong>de</strong> entendimento pela equipe com<br />

essa família não seria o melhor caminho?<br />

A <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> corre o risco, caso não olhe para isso, <strong>de</strong> propiciar a<br />

piora da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da família e, consequentemente, o adoecimento <strong>de</strong>sta, no<br />

momento em que este lar se transforme em “uma casa que mata” (COSTA, 2008).<br />

3. Conclusão<br />

A partir dos sucessivos relatos feitos pala equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do PAD, foi<br />

possível perceber que o maior incômodo <strong>de</strong>monstrado pelos trabalhadores em<br />

questão foi com o <strong>de</strong>scumprimento - por parte da mãe/<strong>cuidado</strong>ra - do plano <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong> elaborado por eles. Em momento algum, atentaram para o fato <strong>de</strong> que a<br />

criança pedia por um momento para brincar com as outras crianças; o que era<br />

ple<strong>na</strong>mente atendido pela mãe/<strong>cuidado</strong>ra.<br />

Essa ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-análise em conjunto com os trabalhadores<br />

<strong>de</strong>monstrou-me que, apesar da implicação dos profissio<strong>na</strong>is no trabalho que<br />

<strong>de</strong>senvolvem, estes continuam focados <strong>na</strong> doença, operam suas tecnologias<br />

seguindo a racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> médica hegemônica e os processos <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>s centrados<br />

em procedimentos profissio<strong>na</strong>is. Por mais que tentasse chamar <strong>atenção</strong> para as<br />

41


necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> M e da mãe/<strong>cuidado</strong>ra, eles enxergavam que M não estava<br />

seguindo a<strong>de</strong>quadamente o tratamento traçado por eles, <strong>de</strong>vido a não execução do<br />

plano terapêutico pela mãe/<strong>cuidado</strong>ra.<br />

Esse trabalho proporcionou o aumento <strong>de</strong> minha reflexão sobre o meu agir<br />

como individuo e profissio<strong>na</strong>l. O a<strong>na</strong>lisador <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> trouxe à<br />

to<strong>na</strong> uma realida<strong>de</strong> da modalida<strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> que muitas vezes não se<br />

valoriza por acreditar que ela veio para proporcio<strong>na</strong>r maior qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida para o<br />

usuário e a família. Entretanto, com a reflexão do caso M, po<strong>de</strong>-se perceber que<br />

esta realida<strong>de</strong> nem sempre está presente, já que o <strong>de</strong>srespeito por parte dos<br />

profissio<strong>na</strong>is po<strong>de</strong> existir e prejudicar a produção do <strong>cuidado</strong> que valorize a vida do<br />

usuário e <strong>de</strong> seus familiares.<br />

O movimento <strong>de</strong> entrar <strong>na</strong> casa das pessoas nos provoca a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

preparo diferente, <strong>de</strong>manda re<strong>de</strong>scobrir um novo ser profissio<strong>na</strong>l, já que gran<strong>de</strong><br />

parte ainda continua a ser formada para área hospitalar com todas as “proteções”<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> área física às roti<strong>na</strong>s previamente estabelecidas.<br />

Esse trabalho me proporcionou várias reflexões sobre a produção do <strong>cuidado</strong><br />

principalmente no domicilio. Que lugar é esse que <strong>de</strong>sterritorializa o profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>?<br />

No estudo, po<strong>de</strong>-se perceber que o profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> fora do ambiente<br />

hospitalar, que é lugar comum on<strong>de</strong> realiza sua formação e atua <strong>na</strong> maioria das<br />

vezes, sente-se num local “seguro”, porque conhece melhor as regras do nosocômio<br />

e, muitas vezes, ele manda, principalmente, o médico. Durante o caso, observei que<br />

a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> envolvida sentia-se incomodada no lar do usuário e tentava,<br />

através do saber da saú<strong>de</strong>, discipli<strong>na</strong>r, seguindo uma lógica higienista sobre o<br />

42


funcio<strong>na</strong>mento e regras <strong>de</strong>sta casa, tor<strong>na</strong>ndo o lar para o usuário e seus familiares<br />

um estabelecimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que não expressa a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta família. O<br />

ambiente <strong>domiciliar</strong> que tem uma gran<strong>de</strong> potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir uma melhor<br />

qualida<strong>de</strong> assistencial e <strong>de</strong> vida para o usuário e <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> produzir o <strong>cuidado</strong>,<br />

po<strong>de</strong> se transformar numa prisão com várias regras levando à “morte” os indivíduos<br />

que vivem nesta casa.<br />

Esse é um apontamento que o caso traz, como um gran<strong>de</strong> alerta para os<br />

profissio<strong>na</strong>is envolvidos nesta modalida<strong>de</strong> assistencial, pois po<strong>de</strong>mos estar iniciando<br />

uma forma mais potente <strong>de</strong> normatização e medicalização da socieda<strong>de</strong>, diminuindo<br />

ainda mais a autonomia do usuário e sua família.<br />

Observando o caso po<strong>de</strong>-se perceber que muitas ações são similares a estas<br />

estratégias do Estado, que até hoje a saú<strong>de</strong> vem utilizando em gran<strong>de</strong> escala como<br />

foi possível verificar no caso M. A historia <strong>de</strong>le traz para saú<strong>de</strong> coletiva o alerta <strong>de</strong><br />

que esse comportamento po<strong>de</strong> adoecer famílias ao invés <strong>de</strong> “curá-las”. Por exemplo:<br />

a situação da limpeza da casa que para a equipe era um ambiente sujo e a solução<br />

encontrada foi a <strong>de</strong> atrelar a limpeza à cesta básica. Atitu<strong>de</strong>s que remetem ao início<br />

do século XIX, em que estratégias biopolíticas eram adotadas pelo Estado a fim <strong>de</strong><br />

agir no modo <strong>de</strong> viver das famílias daquela época.<br />

Outro ponto importante sobre o qual esse trabalho provoca reflexão é o do<br />

papel do familiar/<strong>cuidado</strong>r e a sua inserção <strong>na</strong> elaboração do projeto terapêutico em<br />

conjunto com a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> agregar valor <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>-se a<strong>na</strong>lisar que muitas vezes o profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> tem uma formação<br />

baseada <strong>na</strong> medici<strong>na</strong> hegemônica, não valorizando o indivíduo e sim a doença. O<br />

familiar/<strong>cuidado</strong>r po<strong>de</strong> possibilitar uma ampliação <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>,<br />

pois seu olhar esta focado <strong>na</strong> vida <strong>de</strong> seu familiar, como ele po<strong>de</strong> viver melhor,<br />

43


estudar, trabalhar, brincar, divertir-se, sorrir, e assim por diante. Ele tensio<strong>na</strong><br />

constantemente o profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para elaborar um plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> usuário-<br />

centrado, ou seja, um plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> focado no indivíduo – usuário, <strong>na</strong> sua vida.<br />

Esse novo ator po<strong>de</strong> se apresentar como chave para garantirmos o <strong>cuidado</strong> que tem<br />

como meta a produção <strong>de</strong> vida. A participação <strong>de</strong>ste ator <strong>na</strong> elaboração do plano<br />

terapêutico po<strong>de</strong> ampliar e aprimorar a ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>.<br />

No caso a <strong>disputa</strong> do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> pela equipe e a mãe/<strong>cuidado</strong>ra gerou<br />

tensão constante no manejo da criança. O entendimento e o respeito mútuo não foi<br />

possível nesta situação e <strong>na</strong> leitura <strong>de</strong> alguns autores po<strong>de</strong> -se constatar que essa<br />

parceria entre ambos é possível. Entretanto, é um <strong>de</strong>safio cotidiano para equipe que<br />

muitas vezes não possui formação para lidar com essa situação. Uma das<br />

sugestões seria existir <strong>na</strong>s reuniões <strong>de</strong> equipe, ferramentas que propiciassem<br />

processos <strong>de</strong> auto-análise no grupo, que po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um olhar e um agir<br />

mais sensível para a construção coletiva do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>, valorizando sabedoria<br />

e saberes dos atores envolvidos.<br />

Para fi<strong>na</strong>lizar, reconheço a importância <strong>de</strong> enfatizar o terceiro aspecto<br />

discutido neste trabalho que foi o <strong>cuidado</strong> e a clínica, pois no momento da execução<br />

do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> a mãe/<strong>cuidado</strong>ra <strong>de</strong>monstra que não opera a clínica e sim o<br />

<strong>cuidado</strong>. Ela, a todo tempo, utiliza <strong>de</strong> sua sabedoria para produzir o <strong>cuidado</strong>, mesmo<br />

tendo que operar com tecnologias leve-duras. Ela constrói linhas <strong>de</strong> fugas para que<br />

M possa brincar, interagir com outras crianças, enfim, viver. Ela acaba indo além da<br />

clínica, pois não fica presa ao saber estruturado da medici<strong>na</strong>. Ela nos aponta que no<br />

cotidiano, nós profissio<strong>na</strong>is necessitamos agir além do saber estruturado,<br />

valorizando os encontros, os afetos que permeiam esse encontro e a vida do<br />

usuário.<br />

44


A clínica por si só não dá conta das diversida<strong>de</strong>s encontradas <strong>na</strong> Atenção à<br />

Saú<strong>de</strong>. No momento do encontro entre o usuário, a equipe e o familiar/<strong>cuidado</strong>r,<br />

<strong>de</strong>monstrou-se que é importante valorizar as tecnologias e não tecnologias dadas<br />

encontradas <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>.<br />

É importante lembrar que tive a oportunida<strong>de</strong> através da modalida<strong>de</strong> <strong>atenção</strong><br />

<strong>domiciliar</strong> a<strong>na</strong>lisar uma problemática que, muitas vezes, no dia do <strong>cuidado</strong> <strong>de</strong><br />

maneira geral não percebemos. A <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> é encontrada <strong>de</strong><br />

maneira geral <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> à saú<strong>de</strong>. Entretanto, no momento que observamos tal<br />

a<strong>na</strong>lisador no domicílio, tor<strong>na</strong>-se mais evi<strong>de</strong>nte, pois neste ambiente ele se <strong>de</strong>staca.<br />

Esta reflexão do trabalho apresenta-se como necessária para <strong>atenção</strong> à<br />

saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira geral, pois a produção do <strong>cuidado</strong> que não valoriza o encontro, a<br />

sabedoria e saberes que permeiam neste campo, muitas vezes, potencializa a<br />

doença ao invés da vida do usuário.<br />

45


4. Referências bibliográficas<br />

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47


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48


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serviços <strong>de</strong> porta aberta para a saú<strong>de</strong> e o mo<strong>de</strong>lo tecnoassistencial em <strong>de</strong>fesa<br />

da vida (ou como aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

colegiadamente reorganizar o processo <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> busca da qualida<strong>de</strong> das<br />

ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. In: CECÍLIO, L. C.(org.). Inventando a mudança <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

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49


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• WINNICOTT, Do<strong>na</strong>ld Woods. O Brincar & a Realida<strong>de</strong>. Editora: Imagino,<br />

Nacio<strong>na</strong>l, 1975.<br />

50


Anexos<br />

51


Anexo A<br />

Artigo em avaliação para publicação <strong>na</strong> Revista Ciência & Saú<strong>de</strong> Coletiva<br />

52


Disputa <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> <strong>na</strong> Inter<strong>na</strong>ção Domiciliar: uma reflexão<br />

necessária<br />

Resumo<br />

Luís <strong>Claudio</strong> <strong>de</strong> Carvalho 10<br />

Laura Camargo Macruz Feuerwerker 10<br />

Emerson Elias Merhy 10<br />

A Atenção Domiciliar vem se apresentando no Brasil como uma modalida<strong>de</strong> que<br />

possui a potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma re<strong>de</strong> substitutiva com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ofertar uma<br />

produção do <strong>cuidado</strong> com qualida<strong>de</strong> e garantir à família e ao usuário a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lidar com a saú<strong>de</strong> e a doença por uma outra ótica. Esse artigo apresenta uma<br />

reflexão sobre o a<strong>na</strong>lisador – <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> – percebido no estudo<br />

<strong>de</strong> caso da pesquisa sobre implantação da <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> 11 , no SUS. A análise<br />

discorreu sobre a micropolitica do trabalho em saú<strong>de</strong> produtora <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong><br />

realizada pela equipe e pela <strong>cuidado</strong>ra observando o manejo <strong>na</strong> produção do<br />

<strong>cuidado</strong> ofertada ao usuário<br />

Palavras-chave: Serviços <strong>de</strong> Atenção Domiciliar; Trabalho; Cuidadores; Gestão em<br />

Saú<strong>de</strong>; Serviços <strong>de</strong> Atenção à Saú<strong>de</strong>.<br />

• Introdução<br />

No campo <strong>de</strong> práticas da saú<strong>de</strong> (DONNANGELO,1976) - apesar <strong>de</strong> vários autores o<br />

conceberem como visando processos distintos – alguns enquanto intervenção sobre<br />

o corpo biológico socialmente investido (GONÇALVES, 1994), outros como lugar <strong>de</strong><br />

busca da cura (LUZ, 2004), ou mesmo, como atos produtores <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> individual<br />

ou coletivo (MERHY, 1997 e 2002; PINHEIRO, FERLA, SILVA JUNIOR, 2004) – há<br />

a construção <strong>de</strong> intervenções tecnologicamente orientadas que procuram atuar a<br />

partir <strong>de</strong> um lugar socialmente legitimado, como é o caso da medici<strong>na</strong> e da saú<strong>de</strong><br />

pública, que se traduzem em ações sobre um outro, enquanto seu objeto, porém em<br />

busca <strong>de</strong> certas fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s que não necessariamente são sempre as mesmas.<br />

10 Integrantes da linha <strong>de</strong> pesquisa Micropolítica do Trabalho e Cuidado em Saú<strong>de</strong> da pósgraduação<br />

do Departamento <strong>de</strong> Clínica Médica da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

11 Aprovado pela CEP do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ.<br />

53


Depen<strong>de</strong>m do contexto histórico e social no qual essas práticas se realizam.<br />

Entretanto, há um elemento tenso nesse campo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que<br />

tem sido pouco explorado nos estudos que tomam para si a maneira como são<br />

conformados os processos <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>, e que faz referência ao fato <strong>de</strong><br />

que esses <strong>cuidado</strong>s são sempre um processo no qual um outro, como objeto, é<br />

sempre alvo, mas não necessariamente esse outro é um ser inerte, ao contrário,<br />

sistematicamente <strong>na</strong>s experiências cotidia<strong>na</strong>s <strong>de</strong> produção do <strong>cuidado</strong> vê-se o<br />

quanto esse objeto-alvo das intervenções em saú<strong>de</strong> é efetivamente sujeito em ação<br />

(MERHY, 1997; PINHEIRO, 2001; FRANCO & MERHY, 2003; CECCIM, 2004).<br />

Essa situação tem sido percebida por muitos trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> como a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistir do usuário a um ato <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> por parte <strong>de</strong> um trabalhador<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, como que inventando seu jeito <strong>de</strong> se cuidar; o que é visto como um<br />

momento negativo por parte dos distintos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Porém, é possível<br />

olhar esse processo como mais comum do que parece, ou mesmo, como<br />

constitutivo <strong>de</strong> qualquer momento relacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>, em qualquer<br />

lugar que ocorra.<br />

Destaca-se que o <strong>cuidado</strong> aqui referido não é entendido como um nível <strong>de</strong> <strong>atenção</strong><br />

do sistema, nem como um procedimento simplificado, mas como uma ação integral,<br />

que tem significados e sentidos voltados para compreensão <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> como o direito<br />

<strong>de</strong> ser (PINHEIRO, FERLA, SILVA JUNIOR, 2004). A ação integral é também<br />

entendida como a “entre-relações” das pessoas (CECCIM, 2004), ou seja, ação<br />

integral como efeitos e repercussões <strong>de</strong> interações positivas entre usuários,<br />

profissio<strong>na</strong>is e instituições, que é traduzida em atitu<strong>de</strong>s como: tratamento digno<br />

respeitoso, com qualida<strong>de</strong>, acolhimento e vínculo. O <strong>cuidado</strong> traduz-se também <strong>na</strong><br />

escolha ética e política das tecnologias a serem utilizadas <strong>na</strong> resolução dos<br />

problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (MERHY, 1997 e 2002).<br />

Nesse texto, através <strong>de</strong> um estudo realizado no campo da inter<strong>na</strong>ção <strong>domiciliar</strong>,<br />

toma-se as evidências <strong>de</strong>sse outro objeto-alvo como sujeito atuante, enquanto um<br />

processo efetivo <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> pelo <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>, não sendo um momento<br />

negativo <strong>de</strong> resistência, mas como parte fundamental para compor os <strong>planos</strong><br />

54


terapêuticos. Tirando-se a partir disso algumas conseqüências para se pensar os<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>atenção</strong>.<br />

Este estudo é parte do projeto <strong>de</strong> pesquisa sobre <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> realizado <strong>na</strong><br />

linha <strong>de</strong> pesquisa supracitada.<br />

O projeto teve como objetivo avaliar as mo<strong>de</strong>lagens da “Atenção Domiciliar e<br />

levantar mo<strong>de</strong>los possíveis <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento, regulação, avaliação e controle,<br />

particularmente frente a usuários com <strong>de</strong>pendência funcio<strong>na</strong>l, passíveis <strong>de</strong><br />

intervenções terapêuticas, que assegurem melhora <strong>de</strong> níveis <strong>de</strong> autonomia e<br />

enfrentamento da questão do alívio do sofrimento e <strong>de</strong> morte humanizadas”.<br />

O trabalho <strong>de</strong> campo possibilitou-nos perceber uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências em<br />

todo país, <strong>de</strong>monstrando similares e distintos a<strong>na</strong>lisadores (BAREMBLIT, 1992)<br />

i<strong>de</strong>ntificados durante o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa.<br />

Neste artigo preten<strong>de</strong>-se trazer em maiores <strong>de</strong>talhes um a<strong>na</strong>lisador: a <strong>disputa</strong> do<br />

plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>, a partir <strong>de</strong> uma das experiências estudadas da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, em um serviço hospitalar 12 que tem a oferta da inter<strong>na</strong>ção <strong>domiciliar</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

2001.<br />

• Metodologia<br />

Nessa pesquisa trabalhou-se com as seguintes etapas:<br />

5. Mapeamento das experiências <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> <strong>na</strong> cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, on<strong>de</strong> foram i<strong>de</strong>ntificados alguns programas <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong><br />

conduzidos <strong>de</strong> modo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte pelas três esferas <strong>de</strong> gestão <strong>na</strong> saú<strong>de</strong><br />

(municipal, estadual e fe<strong>de</strong>ral).<br />

6. Trabalho <strong>de</strong> campo para reconhecimento e análise do serviço em foco, com a<br />

aplicação do “kit pesquisador”: composto por carta <strong>de</strong> apresentação; termos<br />

<strong>de</strong> consentimento livre e esclarecido - mo<strong>de</strong>lo para os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

e outro para os usuários e familiares; roteiro <strong>de</strong> entrevista para o gestor do<br />

12 Agra<strong>de</strong>cemos a disponibilida<strong>de</strong> ofertada pela equipe e família do programa <strong>de</strong> <strong>atenção</strong><br />

<strong>domiciliar</strong> pesquisado, pois sem as suas contribuições não seria possível realizarmos o<br />

estudo.<br />

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serviço <strong>de</strong> intervenção <strong>domiciliar</strong> do hospital.<br />

C) O roteiro <strong>de</strong> entrevista foi estruturado tomando como referência os<br />

a<strong>na</strong>lisadores artificiais 13 <strong>de</strong>finidos pelo grupo <strong>de</strong> pesquisa [arranjos e<br />

composição da equipe; articulação do Programa com sistema local <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;<br />

características do <strong>cuidado</strong>r; a conformação do ato <strong>de</strong> cuidar; racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong><br />

(efetivida<strong>de</strong>, eficiência e eficácia); avaliação do Programa (ferramentas <strong>de</strong><br />

avaliação)]. Além da entrevista, foi utilizado também, como um dos<br />

instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, o “Diário <strong>de</strong> Campo” (SILVA, 2004).<br />

7. Estudo <strong>de</strong> um caso traçador.<br />

D) Consi<strong>de</strong>ra-se o caso traçador como um método que permite avaliar o<br />

processo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> uma equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a partir da reconstituição <strong>de</strong><br />

um caso, possibilitando uma melhor observação do ato <strong>de</strong> cuidar prestado ao<br />

usuário. (KESSNER et al., 1973).<br />

E) A lógica <strong>de</strong> construção do caso traçador baseou-se <strong>na</strong> ferramenta fluxograma<br />

a<strong>na</strong>lisador (MERHY, 1997) com o objetivo <strong>de</strong> observar mais atentamente a<br />

micropolítica do trabalho em saú<strong>de</strong> <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> <strong>de</strong> um usuário.<br />

Para isso foi necessário conversar com os trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a<br />

<strong>cuidado</strong>ra e o usuário envolvidos <strong>na</strong> produção do caso e, também, por meio<br />

das suas falas reconstruiu-se o caminho trilhado pelo usuário e seus<br />

momentos <strong>de</strong> interface com os outros atores. As entrevistas com os<br />

profissio<strong>na</strong>is ocorreram <strong>na</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e com a <strong>cuidado</strong>ra e o usuário<br />

no domicílio.<br />

F) Vale <strong>de</strong>stacar que se optou por essa ferramenta por ela ter-se <strong>de</strong>monstrado<br />

em diversas experiências (MERHY, 1997; MENESES, 1998; MALTA, 2001;<br />

JORGE, 2002; SILVA JÚNIOR, MERHY, CARVALHO, 2003; FRANCO &<br />

MERHY, 2003; FRANCO, 2003a; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005;<br />

SCHIFFLER et al, 2005) como um instrumento potente para a construção <strong>de</strong><br />

mapas <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a sua articulação<br />

com a re<strong>de</strong>.<br />

G) Após o processamento do material coletado, realizou-se a <strong>de</strong>volução para<br />

equipe das suas falas por meio do fluxograma, possibilitando a sua<br />

interrogação acerca do processo <strong>de</strong> trabalho existente no serviço e <strong>na</strong> re<strong>de</strong><br />

13 “(...) são dispositivos inventados e implantados pelos a<strong>na</strong>listas institucio<strong>na</strong>is para<br />

propiciar a explicitação dos conflitos e sua resolução (...)”. (BAREMBLIT, 1992)<br />

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<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Desse modo foi possível promover uma análise mais específica<br />

das relações estabelecidas entre os trabalhadores e <strong>de</strong>stes com o usuário;<br />

além da percepção sobre as tecnologias utilizadas, os seus manejos e os<br />

problemas do processo <strong>de</strong> trabalho da equipe<br />

8. O caso do Feliz<br />

Segue abaixo um breve relato <strong>de</strong> um caso, útil para possibilitar uma reflexão sobre a<br />

micropolítica do trabalho em saú<strong>de</strong>.<br />

O caso escolhido para a elaboração do fluxograma a<strong>na</strong>lisador foi o <strong>de</strong> um menino <strong>de</strong><br />

nove anos chamado Feliz 14 , que esteve sob inter<strong>na</strong>ção hospitalar durante quatro<br />

anos <strong>de</strong>vido a um quadro <strong>de</strong> pneumonia viral que evoluiu para Doença Pulmo<strong>na</strong>r<br />

Obstrutiva Crônica (DPOC).<br />

Sua primeira inter<strong>na</strong>ção hospitalar <strong>de</strong>u-se aos nove meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e seu ingresso<br />

no Programa <strong>de</strong> Atenção Domiciliar (PAD) do mesmo hospital ocorreu a partir dos<br />

quatro anos e meio <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Entretanto, para que ele pu<strong>de</strong>sse retor<strong>na</strong>r para casa<br />

foi necessário reconstruir o domicílio <strong>de</strong> sua família (durante esse processo, a<br />

família ficou <strong>de</strong>salojada durante um ano, vivendo <strong>na</strong> casa <strong>de</strong> parentes).<br />

No retorno ao lar, Feliz necessitou <strong>de</strong> um aparato <strong>de</strong> equipamentos (concentrador <strong>de</strong><br />

O 2 , BiPAP e cilindro <strong>de</strong> O 2 ) e da presença regular em sua casa da equipe do<br />

Programa <strong>de</strong> Atenção Domiciliar (PAD), composta pela assistente social,<br />

fisioterapeutas, médico, enfermeira, técnica <strong>de</strong> enfermagem e psicóloga.<br />

Esse foi um momento <strong>de</strong> alegria tanto para Feliz como para a família (representada<br />

pela mãe, duas irmãs, um sobrinho e o padrasto). A mãe assume o papel <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong>ra, pessoa que ficou com encargo <strong>de</strong> executar o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> elaborado<br />

pela equipe para o menino.<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua inter<strong>na</strong>ção <strong>domiciliar</strong> a mãe começou a não cumprir<br />

14 Este nome foi escolhido pelo fato <strong>de</strong> a criança <strong>de</strong>monstrar constantemente este estado<br />

<strong>de</strong> espírito, situação confirmada pelas falas dos atores envolvidos no caso.<br />

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integralmente a conduta prescrita pela equipe, produzindo incômodo nos<br />

profissio<strong>na</strong>is, que a reagiram com a elaboração <strong>de</strong> estratégias com o objetivo <strong>de</strong><br />

fazer com que a <strong>cuidado</strong>ra passasse a cumprir o esperado/programado.<br />

Durante as entrevistas com os envolvidos pô<strong>de</strong>-se perceber que a <strong>cuidado</strong>ra não<br />

concordava completamente com o plano da equipe e tinha um plano próprio. A mãe<br />

permitia, por exemplo, que a criança brincasse com as outras crianças sem fazer<br />

uso <strong>de</strong> oxigênio, <strong>de</strong>ixava-a soltar pipa, brincar <strong>na</strong> areia, e assim por diante. Tais<br />

ações não eram aprovadas pela equipe, pois o Feliz teria que ficar 24 horas ligado<br />

ao oxigênio. Durante a nossa observação aflorou um importante a<strong>na</strong>lisador <strong>na</strong>tural 15<br />

do caso - <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> entre a <strong>cuidado</strong>ra e a equipe - que provocou<br />

uma série <strong>de</strong> indagações sobre a produção do <strong>cuidado</strong> pela equipe e <strong>cuidado</strong>ra:<br />

será que a equipe não <strong>de</strong>veria ser mais flexível <strong>na</strong> elaboração do plano? Por que a<br />

<strong>cuidado</strong>ra não participa da construção do plano? Como a<strong>de</strong>quar o plano da equipe<br />

ao da <strong>cuidado</strong>ra? Quais são os <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> em <strong>disputa</strong>?<br />

9. Refletindo sobre o a<strong>na</strong>lisador - Disputa <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong><br />

No caso do feliz nos possibilita uma reflexão sobre vários aspectos, sendo um <strong>de</strong>les<br />

a racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhada pelos atores chaves. On<strong>de</strong> a equipe apresenta um<br />

saber técnico-científico que é focado <strong>na</strong> doença, enquanto a <strong>cuidado</strong>ra possui um<br />

<strong>de</strong> mãe e <strong>cuidado</strong>r que é direcio<strong>na</strong>do <strong>na</strong> vida da criança, acarretando em distintos<br />

<strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

Percebe-se que a mãe ao olhar para o feliz, não observa um paciente e sim seu filho<br />

que precisa <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> e viver como uma criança. Entretanto, a equipe seguindo<br />

uma racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da “clinica mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, orientada pela morte (a<strong>na</strong>tomia patológica),<br />

volta-se para a causa da doença (agente patogênico) e para sua origem espaço-<br />

15 “(...) são a<strong>na</strong>lisadores <strong>de</strong> fato, produzidos “espontaneamente” pela própria vida<br />

histórico-social-libidi<strong>na</strong>l e <strong>na</strong>tural, como resultado <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ções e da sua<br />

margem <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.” (BAREMBLIT, 1992)<br />

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temporal (localização orgânica e história sintomática)” (LUZ, 2006), tendo como<br />

objetivo a cura da doença.<br />

Essa distinção propicia várias <strong>disputa</strong>s com conflitos entre esses atores, on<strong>de</strong> o que<br />

é trazido pela <strong>cuidado</strong>ra não é legitimado pelo mo<strong>de</strong>lo médico hegemônico e<br />

consequentemente pela equipe do PAD. E aí o que fazer com essa situação?<br />

Põe-nos para refletir sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> que a figura<br />

do <strong>cuidado</strong>r nos traz, focada <strong>na</strong> produção <strong>de</strong> vida e <strong>na</strong>s necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> dos<br />

usuários.<br />

É importante, neste caso, recuperar o conceito <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> tal como<br />

<strong>de</strong>senvolvido por Cecílio (2001).<br />

Segundo o autor, as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser classificadas em quatro<br />

conjuntos:<br />

Ter “boas condições <strong>de</strong> vida” – enten<strong>de</strong>-se que a maneira como se vive se traduz<br />

em diferentes necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Ter acesso e po<strong>de</strong>r consumir toda a tecnologia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> melhorar e<br />

prolongar a vida.<br />

Criar vínculos (a)efetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou profissio<strong>na</strong>l –<br />

vínculo enquanto referência e relação <strong>de</strong> confiança, algo como “o rosto” do<br />

sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para o usuário.<br />

Garantir a “Cada pessoa ter graus crescentes <strong>de</strong> autonomia no seu modo <strong>de</strong><br />

levar a vida”.<br />

Fazendo um paralelo com os conceitos trazidos por Cecílio (2001), percebe-se que a<br />

equipe não consegue garantir o primeiro e o quarto itens apresentados pelo autor,<br />

enquanto a mãe consegue contemplar todos os itens, mesmo que não ple<strong>na</strong>mente.<br />

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Outros pontos que merecem <strong>de</strong>staque são as tecnologias operadas e o trabalho em<br />

saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvido pela equipe e <strong>cuidado</strong>ra sobre as lógicas das racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s<br />

encontradas no estudo.<br />

Ao buscarmos <strong>na</strong> literatura o estudo sobre tecnologias em saú<strong>de</strong> percebe-se que<br />

vem acontecendo há mais <strong>de</strong> uma década, e foi iniciado por Gonçalves (1994), que<br />

apresentou a distinção entre as tecnologias que estão inscritas <strong>na</strong>s máqui<strong>na</strong>s e<br />

instrumentos <strong>de</strong> trabalho e aquelas relacio<strong>na</strong>das ao conhecimento técnico. O autor<br />

chamou as primeiras <strong>de</strong> “tecnologias materiais” e as outras, <strong>de</strong> “tecnologias não<br />

materiais”. Essa reflexão traz para foco a percepção do conhecimento como<br />

tecnologia. Ou seja, os profissio<strong>na</strong>is como sujeitos sociais portadores <strong>de</strong><br />

conhecimento e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ofertar uma assistência <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Sendo assim, as máqui<strong>na</strong>s e instrumentos (tecnologias materiais) <strong>de</strong>vem atuar como<br />

tecnologias auxiliares no trabalho em saú<strong>de</strong>, <strong>na</strong> <strong>de</strong>finição do diagnóstico e <strong>na</strong>s<br />

terapias. Já o trabalho humano apresenta-se como fundamental e insubstituível <strong>na</strong><br />

produção do <strong>cuidado</strong> (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).<br />

Dando continuida<strong>de</strong> aos estudos sobre o assunto, Merhy (1997, 2002) emprega uma<br />

metáfora para mostrar como o uso das tecnologias po<strong>de</strong> impactar no trabalho em<br />

saú<strong>de</strong>, expressando, inclusive, o mo<strong>de</strong>lo assistencial subjacente. Ele usa a<br />

“imagem” <strong>de</strong> três valises para <strong>de</strong>monstrar didaticamente o arse<strong>na</strong>l tecnológico <strong>de</strong><br />

cada profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o que não significa um olhar compartimentalizado, pois<br />

os três tipos <strong>de</strong> tecnologias expressam processos produtivos singulares:<br />

a primeira valise representa os instrumentos e equipamentos (tecnologias<br />

duras);<br />

a segunda, os saberes estruturados, como a clínica e a epi<strong>de</strong>miologia<br />

(tecnologias leve-duras);<br />

a terceira, o espaço relacio<strong>na</strong>l trabalhador-usuário (tecnologias leves),<br />

espaço <strong>de</strong> relações entre sujeitos, que só tem materialida<strong>de</strong> em ato, como é o<br />

caso dos processos <strong>de</strong> acolhimento, vínculo e responsabilização (MERHY, 1994,<br />

60


1997, 1998a; SILVA JUNIOR, 2001; SILVA JUNIOR & MASCARENHAS, 2004)<br />

consi<strong>de</strong>rados práticas intercessoras (MERHY, 1998b) em saú<strong>de</strong>.<br />

O que o autor quer ressaltar nesses exemplos é que os arranjos entre essas<br />

“valises” são estratégicos, <strong>de</strong>finidores mesmo, do sentido dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> à<br />

saú<strong>de</strong> (MERHY, 2002).<br />

O a<strong>na</strong>lisador do caso permite verificar que os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> a todo tempo,<br />

conforme foi <strong>de</strong>scrito, operam com tecnologias duras (equipamentos e protocolos<br />

clínicos), leve-duras (saber profissio<strong>na</strong>l) e leves (vínculo). Entretanto, seguindo a<br />

lógica da medici<strong>na</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> os profissio<strong>na</strong>is utilizam as tecnologias duras como guia<br />

<strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> prestada ao usuário, não havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escuta e<br />

<strong>de</strong> valorização da necessida<strong>de</strong> do Feliz <strong>de</strong> brincar e interagir mais com as outras<br />

crianças.<br />

Olhando para a <strong>cuidado</strong>ra, percebe-se que ela opera com outros tipos <strong>de</strong><br />

tecnologias: dura (manuseio dos equipamentos e medicamentos), leve-dura (saber<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>ra e mãe) e leve (vinculo-responsabilização, acolhimento, afeto, amiza<strong>de</strong>,<br />

parceria, etc). No caso <strong>de</strong>la, seguindo a lógica a produção <strong>de</strong> vida, utiliza-se das<br />

tecnologias leves como guia a produção do <strong>cuidado</strong> prestado ao Feliz, tor<strong>na</strong>ndo<br />

possível a <strong>atenção</strong> às necessida<strong>de</strong>s da criança.<br />

Ao observamos o trabalho em saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvido pela equipe, po<strong>de</strong>mos perceber<br />

que quem <strong>de</strong>fine o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> é o médico e os <strong>de</strong>mais profissio<strong>na</strong>is<br />

geralmente executam o combi<strong>na</strong>do. Porém, a <strong>cuidado</strong>ra a todo tempo impõe seu<br />

ritmo e necessida<strong>de</strong>s próprias e da criança, interferindo ativamente <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia<br />

produtiva do <strong>cuidado</strong>, sendo muitas vezes encarada pela equipe como uma pessoa<br />

que não a<strong>de</strong>riu ao plano, irresponsável e que não cuida.<br />

61


É válido lembrar que o <strong>de</strong>senvolvimento da “medici<strong>na</strong> científica” influenciou as<br />

<strong>de</strong>mais profissões da saú<strong>de</strong> e está baseado em uma visão biologicista e mecanicista<br />

do ser humano, <strong>na</strong> qual o corpo é visto como uma máqui<strong>na</strong>, elemento essencial do<br />

modo <strong>de</strong> produção capitalista. Desse modo, a mediação entre o homem e as<br />

doenças - realizada pelos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - passou a se dar cada vez mais a<br />

partir da incorporação crescente <strong>de</strong> procedimentos e equipamentos que permitiriam<br />

o “reparo” dos danos.<br />

Usando uma representação <strong>de</strong> Merhy (2002), a medici<strong>na</strong> tecnológica é a expressão<br />

<strong>de</strong> atos fragmentados sobre um usuário insumo, em que o vínculo, em vez <strong>de</strong> ser<br />

com o usuário, passa a ser com o exame, com a consulta, etc.<br />

Ao contrário do hegemônico, um mo<strong>de</strong>lo pautado no mundo <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s dos<br />

usuários será centrado <strong>na</strong>s tecnologias leves e leve-duras, configurando um<br />

processo <strong>de</strong> trabalho no qual o aspecto relacio<strong>na</strong>l (intercessor) tem forte existência<br />

(MERHY, 2002). Portanto, <strong>na</strong>s tecnologias leves, que <strong>de</strong>vem estar presentes no<br />

trabalho <strong>de</strong> todos os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, as práticas <strong>de</strong> acolhimento, vínculo e<br />

responsabilização são uma aposta que se coloca <strong>de</strong> modo anti-hegemônico às<br />

práticas centradas no núcleo duro das tecnologias e não no <strong>cuidado</strong>.<br />

Ao olharmos para o caso po<strong>de</strong>mos constatar que existem diferenças <strong>na</strong> produção do<br />

<strong>cuidado</strong>, como já <strong>de</strong>scrito acima.<br />

No <strong>cuidado</strong> prestado pela <strong>cuidado</strong>ra (primeira situação), a tecnologia leve comanda<br />

o processo <strong>de</strong> trabalho e o medicamento e os equipamentos funcio<strong>na</strong>m ape<strong>na</strong>s<br />

como auxílio. A relação entre <strong>cuidado</strong>ra e usuário tor<strong>na</strong>-se dinâmica, há escuta,<br />

percepção da singularida<strong>de</strong>, valorização dos gestos mútuos <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> e produção<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Já no <strong>cuidado</strong> prestado pela equipe (segunda situação), po<strong>de</strong>-se dizer que o<br />

processo <strong>de</strong> trabalho foi comandado pela tecnologia dura, materializada pelos<br />

equipamentos e saber estruturado dos profissio<strong>na</strong>is. Demonstra que o trabalhador<br />

62


ficou preso à conduta, ao protocolo clínico, aos seus padrões mantendo uma<br />

linguagem programada, sem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas interações, reduzindo o aspecto<br />

relacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> seu trabalho, reduzindo sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber outras<br />

necessida<strong>de</strong>s que não as ditadas pela ciência.<br />

Prosseguindo <strong>na</strong> análise do trabalho em saú<strong>de</strong> suscitada por este caso, recorremos<br />

mais uma vez a Merhy (1997, 2002), quando afirma que a produção <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> se<br />

realiza, sobretudo, por meio do “trabalho vivo em ato”, isto é, o trabalho humano no<br />

exato momento em que é executado e que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> essa produção.<br />

Nós já vimos que o trabalho em saú<strong>de</strong> se concretiza todo o tempo com<br />

instrumentos, normas, máqui<strong>na</strong>s, conformando, assim, um processo <strong>de</strong> trabalho no<br />

qual interagem diversos tipos <strong>de</strong> tecnologias. São essas interações que conferem<br />

um certo sentido ao modo <strong>de</strong> produzir saú<strong>de</strong>.<br />

Denomi<strong>na</strong>-se o trabalho feito em ato <strong>de</strong> “trabalho vivo em ato” e o trabalho realizado<br />

anteriormente, materializado como produto, <strong>de</strong> “trabalho morto” (MERHY, 1997,<br />

2002; FRANCO, 2003b).<br />

Merhy (2006a) aponta que no trabalho coexistem os dois tipos <strong>de</strong> trabalho,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que em todo processo <strong>de</strong> trabalho há o ajuste do trabalho em ato (exato<br />

momento <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> produtiva) e o consumo <strong>de</strong> produtos feitos em trabalhos<br />

anteriores. Por exemplo, a produção <strong>de</strong> um carro utiliza placas <strong>de</strong> aço. No processo<br />

<strong>de</strong> montagem em ato, os trabalhadores irão utilizar placas que já chegam prontas à<br />

indústria automotiva. Por sua vez, esse aço é produto da transformação da produção<br />

si<strong>de</strong>rúrgica, realizada anteriormente por outros trabalhadores da ca<strong>de</strong>ia<br />

metalmecânica. Desta forma, o trabalho <strong>de</strong> produzir carros combi<strong>na</strong> trabalhos em<br />

ato <strong>de</strong> trabalhadores que estão utilizando o produto do trabalho antes realizado por<br />

outros trabalhadores.<br />

63


Vale lembrar que o trabalho vivo interage constantemente com o trabalho morto, em<br />

processos nos quais interatuam diversos tipos <strong>de</strong> tecnologias. Portanto, se todo<br />

trabalho é mediado por tecnologias, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da forma como elas se combi<strong>na</strong>m<br />

no processo <strong>de</strong> trabalho, po<strong>de</strong> haver processos mais criativos, centrados <strong>na</strong>s<br />

relações, ou processos mais presos à lógica dos instrumentos duros, como as<br />

máqui<strong>na</strong>s.<br />

No <strong>de</strong>senvolvimento do processo <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que reúne trabalho<br />

vivo e morto, po<strong>de</strong>mos observar que ele será comandado pelo trabalho vivo ou<br />

morto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da tecnologia assumida pelo profissio<strong>na</strong>l como referência <strong>na</strong><br />

produção da saú<strong>de</strong>.<br />

Ao a<strong>na</strong>lisarmos o caso do Feliz, <strong>na</strong>s duas situações do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> da<br />

<strong>cuidado</strong>ra e do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> da equipe, observa-se que em ambas existe<br />

trabalho morto e vivo.<br />

Já vimos que <strong>na</strong> primeira situação, prevalece uma outra lógica <strong>de</strong> atuação da<br />

<strong>cuidado</strong>ra: os atos <strong>de</strong> fala, escuta e olhares. As tecnologias leves comandam o<br />

processo <strong>de</strong> trabalho, é o trabalho vivo que captura o morto.<br />

No processo <strong>de</strong> trabalho comandado pelo trabalho vivo, a <strong>cuidado</strong>ra <strong>de</strong>tém uma<br />

gran<strong>de</strong> margem <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para ser criativa, relacio<strong>na</strong>r-se com o Feliz,<br />

experimentar soluções para os problemas que surgem e, o que é mais importante,<br />

interagir, inserir o usuário no processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sua própria saú<strong>de</strong>, fazendo-o<br />

sujeito, ou seja, protagonista <strong>de</strong> seu processo saú<strong>de</strong>-doença (MINISTÉRIO DA<br />

SAÚDE, 2005).<br />

Tal perspectiva é central tanto <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> individual à saú<strong>de</strong> das<br />

pessoas individualmente, quanto <strong>na</strong> produção coletiva. Afi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> contas, o<br />

envolvimento da comunida<strong>de</strong> <strong>na</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão sobre o ambiente em que vive é<br />

tão importante quanto a participação do usuário <strong>na</strong> <strong>de</strong>cisão sobre a melhor conduta<br />

clínica para a sua saú<strong>de</strong>.<br />

64


Na segunda situação, o processo <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> <strong>de</strong>senvolvido pelos profissio<strong>na</strong>is é<br />

guiado pela tecnologia dura (equipamentos e protocolos clínicos), levando à captura<br />

do trabalho vivo pelo morto, ou seja, o agir do trabalhador está preso ao saber<br />

estruturado e ao equipamento, produto <strong>de</strong> um trabalho anterior. Nesse sentido, o<br />

processo <strong>de</strong> trabalho é pré-programado, limitando a ação do trabalhador àquilo que<br />

já foi <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, por exemplo, pela programação do protocolo clínico.<br />

Essas orientações distintas levam a que se configure um cotidiano <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s<br />

constantes entre o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> da <strong>cuidado</strong>ra e o da equipe.<br />

A existência <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> não pressupõe que exista necessariamente conflito. Ao<br />

contrário, po<strong>de</strong>m propiciar melhorias no processo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvido pela<br />

equipe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam encaradas com o intuito <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, valorizar, respeitar o<br />

outro e, ao mesmo tempo, possibilitar o entendimento, valorização e respeito pelo<br />

outro. Se cada profissio<strong>na</strong>l se dispuser a olhar para a situação <strong>de</strong>ste modo, permitirá<br />

afetar e ser afetado pelo outro no seu pensamento e agir.<br />

Durante as entrevistas com os profissio<strong>na</strong>is envolvidos não se evi<strong>de</strong>nciou esta<br />

disposição <strong>de</strong> escuta ou aprendizagem. Ao contrário, ficou claro que a equipe tenta<br />

fazer com que a <strong>cuidado</strong>ra cumpra o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> elaborado por eles, ou tenta<br />

excluir/submeter a mãe por meio <strong>de</strong> algumas atitu<strong>de</strong>s negativas, não compartilhando<br />

informações, ridicularizando o seu trabalho e assim por diante.<br />

Por outro lado, a <strong>cuidado</strong>ra assume também estes papéis, quando ignora o plano <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong> da equipe, ou assume o papel <strong>de</strong> mãe para obrigar a equipe a aceitar<br />

algumas situações criadas por ela.<br />

Fica claro, então, que a existência <strong>de</strong> uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitos envolvidos no caso<br />

criam constantemente are<strong>na</strong>s <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s <strong>de</strong> idéias/projetos individuais e/ou coletivos<br />

para a produção do <strong>cuidado</strong>. Neste caso em particular, essa are<strong>na</strong> <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s<br />

65


apresenta-se como um problema para o <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho da equipe, já<br />

que esta não enxerga a diversida<strong>de</strong> como uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aperfeiçoar o<br />

processo <strong>de</strong> trabalho para a ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>.<br />

Segundo Merhy (2006b), a instituição <strong>de</strong> “praças <strong>de</strong> conversas” entre os trabalhadores<br />

e a <strong>cuidado</strong>ra po<strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r o processo <strong>de</strong> trabalho da equipe e da<br />

<strong>cuidado</strong>ra mais sinérgicos, pois po<strong>de</strong>m possibilitar o entendimento do outro, propiciar<br />

que se façam pactuações <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> e revelar outros assuntos<br />

pertinentes ao usuário, ao <strong>cuidado</strong>r e à equipe.<br />

O autor consi<strong>de</strong>ra as praças como espaços em que os profissio<strong>na</strong>is e as pessoas<br />

envolvidas <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m expor seus projetos, <strong>de</strong>sejos, necessida<strong>de</strong>s<br />

frente a <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do assunto pertinente o grupo.<br />

A expansão da dimensão <strong>cuidado</strong>ra po<strong>de</strong>ria ser uma outra maneira <strong>de</strong> tentar<br />

aproximar mais esta equipe da <strong>cuidado</strong>ra. E como seria isso?<br />

Segundo Merhy (1998a), todo trabalhador <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra,<br />

produz <strong>cuidado</strong>, seja ele um <strong>cuidado</strong> individual ou coletivo. Até os profissio<strong>na</strong>is que<br />

não são consi<strong>de</strong>rados próprios da saú<strong>de</strong>, como os porteiros, po<strong>de</strong>m produzir <strong>cuidado</strong> .<br />

Assim, acredita-se que:<br />

os usuários buscam nos seus encontros com os trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

particularmente nos estabelecimentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a produção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong><br />

acolhimento, responsabilização e vínculo;<br />

o trabalho em saú<strong>de</strong> não é só o saber diagnosticar, prognosticar, curar,<br />

produzir análises epi<strong>de</strong>miológicas, realizar campanhas, mas também é um<br />

processo e um espaço <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> relações e intervenções, que se dá <strong>de</strong><br />

modo partilhado, e no qual há um jogo entre necessida<strong>de</strong>s e modos tecnológicos<br />

<strong>de</strong> agir;<br />

66


não há produção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> trocas <strong>de</strong> falas e escutas, <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong>s e<br />

responsabilizações, <strong>de</strong> vínculos e aceitações, se não houver um trabalho<br />

comprometido com a produção <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> uso.<br />

Trazendo esses conceitos para o caso, cada profissio<strong>na</strong>l e a <strong>cuidado</strong>ra possuem sua<br />

caixa <strong>de</strong> ferramentas com as tecnologias em saú<strong>de</strong>, distribuídas nos núcleos <strong>de</strong><br />

competência específicos (tecnologias duras e leve-duras) e <strong>na</strong> dimensão <strong>cuidado</strong>ra<br />

(tecnologias leves). O que vai propiciar a distinção entre os membros da equipe são<br />

as tecnologias que portam e a forma <strong>de</strong> operá-las, atrelada à história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> cada<br />

um, cultura, condição social e assim por diante.<br />

Segundo o autor, a dimensão <strong>cuidado</strong>ra revela-se como o território das tecnologias<br />

leves, não sendo um campo específico <strong>de</strong> nenhum profissio<strong>na</strong>l e sim a base para a<br />

atuação <strong>de</strong> todos. Ela é o espaço <strong>de</strong> maior interseção entre os trabalhadores e entre<br />

trabalhadores e usuários, com gran<strong>de</strong> potencial para produção <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> pela<br />

equipe, valorizando os sentidos da integralida<strong>de</strong>.<br />

As tecnologias leves, ao serem utilizadas como as or<strong>de</strong><strong>na</strong>doras da ca<strong>de</strong>ia produtiva<br />

do <strong>cuidado</strong>, possibilitam um compromisso permanente do profissio<strong>na</strong>l, tais como<br />

vínculo-responsabilização levando a uma maior implicação com a resolutivida<strong>de</strong><br />

(MERHY, 1994) da ação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e com a garantia <strong>de</strong> autonomia do usuário, ou<br />

seja, o usuário como protagonista <strong>de</strong> seu processo saú<strong>de</strong>-doença.<br />

No caso do Feliz a interação da equipe com a <strong>cuidado</strong>ra mostra-se difícil, pois a mãe<br />

utiliza como guia as tecnologias leves e a equipe usa as duras, diminuindo o espaço<br />

<strong>de</strong> interface entre os dois campos <strong>de</strong> produção do <strong>cuidado</strong>. Além disso, os<br />

trabalhadores não consi<strong>de</strong>ram a <strong>cuidado</strong>ra como um membro da equipe, dificultando<br />

ainda mais a produção <strong>de</strong> um <strong>cuidado</strong> mais resolutivo para a criança.<br />

10.Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>is<br />

67


É importante <strong>de</strong>stacar que recentemente o Ministério da Saú<strong>de</strong> lançou a Política<br />

Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Inter<strong>na</strong>ção Domiciliar 16 , instituída no Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS) que<br />

incentiva a criação <strong>de</strong> novas equipes <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> pelo país. Preten<strong>de</strong>-se<br />

investir inicialmente em cada equipe formada R$ 50 mil e posteriormente o valor <strong>de</strong><br />

R$ 20 mil mensalmente.<br />

A política incentiva em outras a existência do <strong>cuidado</strong>r, um membro da família com<br />

tempo e disponibilida<strong>de</strong> para cuidar do paciente. Esse <strong>cuidado</strong>r será trei<strong>na</strong>do por<br />

alguém da equipe e será responsável pela alimentação, medicação, monitoração, e<br />

<strong>de</strong>verá ter capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acio<strong>na</strong>r um serviço pré-hospitalar <strong>de</strong> urgência (Samu,<br />

Corpo <strong>de</strong> Bombeiros ou qualquer outro serviço <strong>na</strong> localida<strong>de</strong>) para situações <strong>de</strong><br />

crise.<br />

O familiar ao assumir o papel <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>r é cobrado pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>sempenho técnico, entretanto, po<strong>de</strong> não ser consi<strong>de</strong>rado como tal <strong>na</strong> hora <strong>de</strong><br />

opi<strong>na</strong>r sobre a elaboração do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

Esta nova figura traz algumas tensões e paradoxos para o campo da saú<strong>de</strong> que<br />

precisam ser clareados, tanto <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong> como <strong>na</strong> sua própria<br />

saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Apresenta-se como um novo aliado que po<strong>de</strong> contribuir<br />

para o aprimoramento da produção do <strong>cuidado</strong>.<br />

É importante, também, <strong>de</strong>stacar que as <strong>disputa</strong>s <strong>de</strong> projetos ocorrem cotidia<strong>na</strong>mente<br />

<strong>na</strong>s equipes e po<strong>de</strong>m garantir o potencial inovador da Atenção Domiciliar.<br />

Entretanto, essa característica está diretamente relacio<strong>na</strong>da, entre outras coisas, no<br />

como as equipes encaram esse compartilhamento <strong>de</strong> produção do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

Ou seja, esta situação é capaz <strong>de</strong> propiciar o aperfeiçoamento do trabalho em saú<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvido pelos profissio<strong>na</strong>is e os <strong>cuidado</strong>res.<br />

11.Referências bibliográficas<br />

16 Portaria GM n° 2.529, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2006.<br />

68


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69


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MENESES, Consuelo Sampaio. A unicida<strong>de</strong> do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> em<br />

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Ciências Médicas, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campi<strong>na</strong>s, Campi<strong>na</strong>s, 1998.<br />

MERHY, Emerson Elias. Atenção Domiciliar: lugar <strong>de</strong> encontro da<br />

medicalização com a re<strong>de</strong> substitutiva ou transição tecnológica e / ou<br />

reestruturação produtiva <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>: um <strong>de</strong>bate necessário <strong>na</strong> Atenção Domiciliar.<br />

“paper” distribuído no I Seminário Interno <strong>de</strong> Atenção Domiciliar da linha <strong>de</strong><br />

pesquisa: Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saú<strong>de</strong>. UFRJ, Rio <strong>de</strong><br />

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reescrevendo o público. São Paulo: Xamã; 1998a. p. 103-20.<br />

____________________.O SUS e um dos seus dilemas: mudar a gestão e a<br />

lógica do processo <strong>de</strong> trabalho em saú<strong>de</strong>. In: TEIXEIRA, S.F. (organizadora).<br />

Movimento sanitário: 20 anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia. São Paulo. CEBES, 1998b.<br />

____________________. Em busca do tempo perdido: A micropolítica do<br />

trabalho vivo em saú<strong>de</strong>. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (orgs.). Agir em saú<strong>de</strong>:<br />

um <strong>de</strong>safio para o público. São Paulo/Buenos Aires: Hucitec/Lugar Editorial,<br />

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serviços <strong>de</strong> porta aberta para a saú<strong>de</strong> e o mo<strong>de</strong>lo tecnoassistencial em <strong>de</strong>fesa<br />

da vida (ou como aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

colegiadamente reorganizar o processo <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> busca da qualida<strong>de</strong> das<br />

70


ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. In: CECÍLIO, L. C.(org.). Inventando a mudança <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

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em saú<strong>de</strong> <strong>na</strong> Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medici<strong>na</strong> da UFRJ. In Revista Brasileira <strong>de</strong> Educação<br />

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cartografias da gerência. Tese (Doutorado em Saú<strong>de</strong> Coletiva) - Departamento<br />

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Estadual <strong>de</strong> Campi<strong>na</strong>s. Campi<strong>na</strong>s, 2004.<br />

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BARBOZA, Paulo (org.). Curso <strong>de</strong> Autogestão em Saú<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

71


Fiocruz/ENSP. v. 4 , p.82-107, 2001.<br />

Anexo B<br />

Capítulo do livro sobre <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> do Instituto Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s Figueira<br />

A produção do <strong>cuidado</strong> <strong>na</strong> Atenção Domiciliar e o seu encontro com as<br />

<strong>disputa</strong>s e a morte <strong>na</strong> casa<br />

72


• Introdução<br />

Luís <strong>Claudio</strong> <strong>de</strong> Carvalho 17<br />

Magda <strong>de</strong> Souza Chagas 17<br />

Emerson Elias Merhy 17<br />

A modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Atenção Domiciliar tem sido experimentada no país há mais<br />

<strong>de</strong> quatro décadas <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> enfrentar o elevado custo das inter<strong>na</strong>ções<br />

hospitalares, custo <strong>de</strong>corrente da crescente incorporação <strong>de</strong> novas tecnologias<br />

duras (MERHY, 1997) e do aumento da expectativa <strong>de</strong> vida, e com esta última o<br />

crescente aumento da <strong>de</strong>manda por assistência (REHEN & TRAD, 2005).<br />

No entanto, ao estudarmos algumas experiências foi possível perceber novos<br />

e antigos arranjos que tanto explicitam o tipo diferenciado <strong>de</strong> assistência ofertado <strong>na</strong><br />

<strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>, <strong>de</strong>senham novos cenários e jogam luz para on<strong>de</strong> o sistema <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong> direcio<strong>na</strong>r sua <strong>atenção</strong>, como reafirmam o mo<strong>de</strong>lo hegemônico atual ao<br />

reproduzi-lo. Seja <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inter<strong>na</strong>ção <strong>domiciliar</strong>, seguindo uma lógica<br />

hospitalar <strong>de</strong>ntro do domicílio; seja <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> no domicílio, que procura<br />

construir novas formas <strong>de</strong> cuidar; ou no <strong>cuidado</strong> paliativo com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

resignificar a morte para todos que vivenciam o processo <strong>de</strong> morte e morrer - pessoa<br />

que morre, família e profissio<strong>na</strong>is (MERHY & FEUERWERKER, 2007).<br />

Para a<strong>na</strong>lisar a <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> é necessário levar em consi<strong>de</strong>ração os<br />

diversos atores que encontramos no cenário e a posição que ocupam. Como <strong>na</strong>da<br />

<strong>de</strong>ve ser visto pela lente da unilateralida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> um caleidoscópio Merhy<br />

trás para ce<strong>na</strong> dois pontos <strong>de</strong> discussão para a<strong>na</strong>lisarmos a <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>, um<br />

<strong>de</strong>les é a medicalização apresentada por Don<strong>na</strong>ngelo,on<strong>de</strong> a modalida<strong>de</strong> sob a<br />

égi<strong>de</strong> da ampliação do acesso consolida a hegemonia existente; o outro é a<br />

substitutivida<strong>de</strong> como um processo contra hegemônico, a construção <strong>de</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

serviços que possam verda<strong>de</strong>iramente substituir as práticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> existentes<br />

17 Integrantes da linha <strong>de</strong> pesquisa da linha <strong>de</strong> pesquisa Micropolítica do Trabalho e Cuidado em<br />

Saú<strong>de</strong> da pós-graduação do Departamento <strong>de</strong> Clínica Médica da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro.<br />

73


(MERHY, 2006a).<br />

No vasto campo conhecido como <strong>de</strong> práticas da saú<strong>de</strong><br />

(DONNANGELO,1976), concebido por vários autores como visando processos<br />

distintos – alguns enquanto intervenção sobre o corpo biológico socialmente<br />

investido (GONÇALVES, 1994), outros como lugar <strong>de</strong> busca da cura (LUZ, 2004), ou<br />

mesmo, como atos produtores <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> individual ou coletivo (MERHY, 1997 e<br />

2002; PINHEIRO, FERLA, SILVA JUNIOR, 2004) – há a construção <strong>de</strong> intervenções<br />

tecnologicamente orientadas que procuram atuar a partir <strong>de</strong> um lugar socialmente<br />

legitimado. Como é o caso da medici<strong>na</strong> e da saú<strong>de</strong> pública, que se traduzem em<br />

ações sobre um outro, enquanto seu objeto.<br />

Entretanto, há um elemento tenso nesse campo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> atos <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> que tem sido pouco explorado nos estudos que tomam para si a maneira<br />

como são conformados os processos <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>, e que faz referência ao<br />

fato <strong>de</strong> que esses <strong>cuidado</strong>s são sempre um processo no qual um outro, como objeto,<br />

é sempre alvo, mas não necessariamente esse outro é um ser inerte, ao contrário,<br />

sistematicamente <strong>na</strong>s experiências cotidia<strong>na</strong>s <strong>de</strong> produção do <strong>cuidado</strong> vê-se o<br />

quanto esse objeto-alvo das intervenções em saú<strong>de</strong> é efetivamente sujeito em ação<br />

(MERHY, 1997; PINHEIRO, 2001; FRANCO & MERHY, 2003; CECCIM, 2004).<br />

Essa situação tem sido percebida por muitos trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> como a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistir do usuário a um ato <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> por parte <strong>de</strong> um trabalhador<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, como que inventando seu jeito <strong>de</strong> se cuidar; o que é visto como um<br />

momento negativo por parte dos distintos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Porém, é possível<br />

olhar esse processo como mais comum do que parece, ou mesmo, como<br />

constitutivo <strong>de</strong> qualquer momento relacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>, em qualquer<br />

lugar que ocorra.<br />

Destaca-se que o <strong>cuidado</strong> aqui referido não é entendido como um nível <strong>de</strong><br />

<strong>atenção</strong> do sistema, nem como um procedimento simplificado, mas como uma ação<br />

integral, que tem significados e sentidos voltados para compreensão <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> como<br />

o direito <strong>de</strong> ser (PINHEIRO, FERLA, SILVA JUNIOR, 2004). A ação integral é<br />

também entendida como a “entre-relações” das pessoas (CECCIM, 2004), ou seja,<br />

74


ação integral como efeitos e repercussões <strong>de</strong> interações positivas entre usuários,<br />

profissio<strong>na</strong>is e instituições, que é traduzida em atitu<strong>de</strong>s como: tratamento digno<br />

respeitoso, com qualida<strong>de</strong>, acolhimento e vínculo. O <strong>cuidado</strong> traduz-se também <strong>na</strong><br />

escolha ética e política das tecnologias a serem utilizadas <strong>na</strong> resolução dos<br />

problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (MERHY, 1997 e 2002).<br />

Nesse texto, através <strong>de</strong> um estudo realizado no campo da <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>,<br />

toma-se as evidências <strong>de</strong>sse outro objeto-alvo como sujeito atuante, o <strong>cuidado</strong>r, que<br />

possibilita novas formas <strong>de</strong> produzir o <strong>cuidado</strong> e <strong>de</strong> interação da família com a<br />

equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Ao mesmo tempo, esse indivíduo assume responsabilida<strong>de</strong>s sobre<br />

o manejo do <strong>cuidado</strong> prestado ao usuário, muitas vezes sobrecarregando os<br />

afazeres cotidianos do lar. Como o <strong>cuidado</strong>r lida com esta situação? E o seu projeto<br />

<strong>de</strong> vida foi alterado ao assumir este papel? Como é a sua relação com a equipe <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>? Ele tem <strong>de</strong>scanso? Ele tem apoio do programa? Ele acha que precisa <strong>de</strong><br />

apoio? Quais são as tensões e paradoxos cotidianos? Que tecnologias <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong><br />

ele utiliza?<br />

Este estudo é parte do projeto <strong>de</strong> pesquisa sobre <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> realizado<br />

<strong>na</strong> linha <strong>de</strong> pesquisa da linha <strong>de</strong> pesquisa Micropolítica do Trabalho e Cuidado em<br />

Saú<strong>de</strong> da pós-graduação do Departamento <strong>de</strong> Clínica Médica da Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

O projeto teve como objetivo avaliar as mo<strong>de</strong>lagens da “Atenção Domiciliar e<br />

levantar mo<strong>de</strong>los possíveis <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento, regulação, avaliação e controle,<br />

particularmente frente a usuários com <strong>de</strong>pendência funcio<strong>na</strong>l, passíveis <strong>de</strong><br />

intervenções terapêuticas, que assegurem melhora <strong>de</strong> níveis <strong>de</strong> autonomia e<br />

enfrentamento da questão do alívio do sofrimento e <strong>de</strong> morte humanizadas”.<br />

O trabalho <strong>de</strong> campo 18 possibilitou-nos perceber uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

experiências em todo país, <strong>de</strong>monstrando similares e distintos a<strong>na</strong>lisadores<br />

(BAREMBLIT, 1992) i<strong>de</strong>ntificados durante o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa. As<br />

cida<strong>de</strong>s selecio<strong>na</strong>das foram Ma<strong>na</strong>us, Sobral, Belo Horizonte, Campi<strong>na</strong>s, Marília, Rio<br />

18 Agra<strong>de</strong>cemos a disponibilida<strong>de</strong> ofertada pela equipe e família do programa <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong><br />

pesquisado, pois sem as suas contribuições não seria possível realizarmos o estudo.<br />

75


<strong>de</strong> Janeiro e Londri<strong>na</strong>.<br />

Neste capitulo selecio<strong>na</strong>mos para reflexão dois campos <strong>de</strong>ssa pesquisa, a do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro e a <strong>de</strong> Londri<strong>na</strong>, que tor<strong>na</strong>ram muito evi<strong>de</strong>ntes dois a<strong>na</strong>lisadores que<br />

surgiram também em alguns dos campos estudados: a <strong>disputa</strong> do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong><br />

que a investigação no Rio <strong>de</strong> Janeiro trouxe <strong>de</strong> modo muito forte para a análise; e a<br />

<strong>atenção</strong> ao modo <strong>de</strong> morrer experenciada junto a equipe <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>s paliativos em<br />

Londri<strong>na</strong>.<br />

• Metodologia<br />

Foram <strong>de</strong>senvolvidas as seguintes etapas:<br />

12. Na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro - Mapeamento das experiências<br />

<strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> <strong>na</strong> cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> foram i<strong>de</strong>ntificados alguns<br />

programas <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> conduzidos <strong>de</strong> modo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

pelas três esferas <strong>de</strong> gestão <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> (municipal, estadual e fe<strong>de</strong>ral);<br />

13. Na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londri<strong>na</strong> – Selecio<strong>na</strong>do serviço <strong>de</strong> Cuidado<br />

Paliativo (CP) <strong>de</strong>senvolvido no Programa <strong>de</strong> Atenção Domiciliar<br />

municipal. Entrevistados todos os profissio<strong>na</strong>is diretamente ligados ao<br />

CP: coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor do programa,enfermeira, dois auxiliares <strong>de</strong><br />

enfermagem, psicóloga, assistente social, nutricionista e fisioterapeuta.<br />

14. Trabalho <strong>de</strong> campo para reconhecimento e análise do<br />

serviço <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong>, com a aplicação do “kit pesquisador”:<br />

composto por carta <strong>de</strong> apresentação; termos <strong>de</strong> consentimento livre e<br />

esclarecido - mo<strong>de</strong>lo para os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e outro para os<br />

usuários e familiares; roteiro <strong>de</strong> entrevista para o gestor do serviço <strong>de</strong><br />

intervenção <strong>domiciliar</strong> do hospital.<br />

H) O roteiro <strong>de</strong> entrevista foi estruturado tomando como<br />

referência os a<strong>na</strong>lisadores artificiais 19 <strong>de</strong>finidos pelo grupo <strong>de</strong><br />

pesquisa [arranjos e composição da equipe; articulação do<br />

programa com sistema local <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>; características do <strong>cuidado</strong>r;<br />

a conformação do ato <strong>de</strong> cuidar; racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> (efetivida<strong>de</strong>,<br />

19 “(...) são dispositivos inventados e implantados pelos a<strong>na</strong>listas institucio<strong>na</strong>is para propiciar a<br />

explicitação dos conflitos e sua resolução (...)”. (BAREMBLIT, 1992)<br />

76


eficiência e eficácia); avaliação do programa (ferramentas <strong>de</strong><br />

avaliação)]. Além da entrevista, foi utilizado também, como um dos<br />

instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, o “Diário <strong>de</strong> Campo” (SILVA,<br />

2004).<br />

15. Estudo <strong>de</strong> um caso traçador.<br />

I) Consi<strong>de</strong>ra-se o caso traçador como um método que<br />

permite avaliar o processo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> uma equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a<br />

partir da reconstituição <strong>de</strong> um caso, possibilitando uma melhor<br />

observação do ato <strong>de</strong> cuidar prestado ao usuário. (KESSNER et al.,<br />

1973).<br />

J) A lógica <strong>de</strong> construção do caso traçador baseou-se <strong>na</strong><br />

ferramenta fluxograma a<strong>na</strong>lisador (MERHY, 1997) com o objetivo<br />

<strong>de</strong> observar mais atentamente a micropolítica do trabalho em saú<strong>de</strong><br />

<strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> <strong>de</strong> um usuário. Para isso foi necessário<br />

conversar com os trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a <strong>cuidado</strong>ra e o usuário,<br />

os envolvidos <strong>na</strong> produção do caso e, também, por meio das suas<br />

falas reconstruiu-se o caminho trilhado pelo usuário e seus<br />

momentos <strong>de</strong> interface com os outros atores. As entrevistas com os<br />

profissio<strong>na</strong>is ocorreram <strong>na</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e com a <strong>cuidado</strong>ra e o<br />

usuário no domicílio.<br />

K) Vale <strong>de</strong>stacar que se optou por essa ferramenta por ela<br />

ter-se <strong>de</strong>monstrado em diversas experiências (MERHY, 1997;<br />

MENESES, 1998; MALTA, 2001; JORGE, 2002; SILVA JÚNIOR,<br />

MERHY, CARVALHO, 2003; FRANCO & MERHY, 2003; FRANCO,<br />

2003a; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005; SCHIFFLER et al, 2005)<br />

como um instrumento potente para a construção <strong>de</strong> mapas <strong>de</strong><br />

processos <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a sua articulação<br />

com a re<strong>de</strong>.<br />

L) Após o processamento do material coletado, realizou-se<br />

a <strong>de</strong>volução para equipe das suas falas por meio do fluxograma,<br />

possibilitando a sua interrogação acerca do processo <strong>de</strong> trabalho<br />

existente no serviço e <strong>na</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Desse modo foi possível<br />

promover uma análise mais específica das relações estabelecidas<br />

entre os trabalhadores e <strong>de</strong>stes com o usuário; além da percepção<br />

77


sobre as tecnologias utilizadas, os seus manejos e os problemas do<br />

processo <strong>de</strong> trabalho da equipe.<br />

• Refletindo os a<strong>na</strong>lisadores:<br />

3.1 - Disputa <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong><br />

Percebe-se <strong>na</strong>s experiências estudadas a <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> entre<br />

o <strong>cuidado</strong>r e a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que nos possibilitou uma reflexão sobre vários<br />

aspectos, sendo um <strong>de</strong>les a racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhada pelos atores chaves.<br />

On<strong>de</strong> a equipe apresenta um saber técnico-científico que é focado <strong>na</strong> doença,<br />

enquanto o <strong>cuidado</strong>r possui um <strong>de</strong> mãe, ou pai, ou seja, <strong>de</strong> familiar e <strong>cuidado</strong>r<br />

que é direcio<strong>na</strong>do <strong>na</strong> vida do paciente, acarretando em distintos <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

“É, que aí reúne as crianças todas e ele quer brincar, às vezes <strong>de</strong>ixo ele<br />

brincar mas, às vezes eu tenho que chamar ele para ver um remédio, a<br />

nebulização, “ você vem , faz e <strong>de</strong>pois você volta lá”! (...)”<br />

“(...) não po<strong>de</strong> ficar toda hora brincando porque ele não po<strong>de</strong> ficar muito fora<br />

do oxigênio, aí um pouquinho que eu <strong>de</strong>ixo, o <strong>de</strong>ixo brincar um pouquinho, aí<br />

vem cansado, ta vendo você ficou aí fora, agora vem cansado, aí vem ele,<br />

<strong>de</strong>scansa, aí vê televisão, essa é a vidinha <strong>de</strong>le, sentado o tempo inteiro<br />

vendo televisão, <strong>de</strong>senho, (...)”<br />

“(...) Ele não tem série, é porque até agora é assim, não sabe ler, não sabe<br />

escrever, vai passando, e vai e vai e vai, tem essa coisa, ele tem 9 anos e<br />

não sabe <strong>na</strong>da (...) eu só penso em ele ir pra escola agora, apren<strong>de</strong>r a ler, a<br />

escrever, tudo direitinho, (...)”<br />

“(...) Eu me <strong>de</strong>dico muito (...) a ela, <strong>de</strong> repente é porque eu sou uma pessoa<br />

assim, o meu amor pela minha mãe, eu não sei, eu acho que ele é diferente<br />

<strong>de</strong> todos os amores que eu já vi em toda minha vida, não que eu quero ser a<br />

tal, é porque eu sou assim, tem coisa que eu sinto, transborda <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro pra<br />

fora, (...)”.<br />

78


Declarações <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>res sobre os usuários/familiares da <strong>atenção</strong><br />

<strong>domiciliar</strong>, <strong>na</strong>s quais <strong>de</strong>stacam assuntos como projeto <strong>de</strong> vida e vinculo<br />

afetivo.<br />

Observa-se que o <strong>cuidado</strong>r ao olhar para o ente querido doente, não observa<br />

um paciente e sim seu familiar que precisa <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> e viver como uma pessoa.<br />

Entretanto, a equipe seguindo uma racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da “clinica mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, orientada<br />

pela morte (a<strong>na</strong>tomia patológica), volta-se para a causa da doença (agente<br />

patogênico) e para sua origem espaço-temporal (localização orgânica e história<br />

sintomática)” (LUZ, 2006), tendo como objetivo a cura da doença.<br />

Essa distinção propicia várias <strong>disputa</strong>s com conflitos entre esses atores, on<strong>de</strong><br />

o que é trazido pelo <strong>cuidado</strong>r não é legitimado pelo mo<strong>de</strong>lo médico hegemônico e<br />

consequentemente pela equipe do PAD. E aí o que fazer com essa situação?<br />

Põe-nos para refletir sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> que a<br />

figura do <strong>cuidado</strong>r nos traz, focada <strong>na</strong> produção <strong>de</strong> vida e <strong>na</strong>s necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> dos usuários.<br />

É importante, neste caso, recuperar o conceito <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> tal<br />

como <strong>de</strong>senvolvido por Cecílio (2001).<br />

Segundo o autor, as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser classificadas em<br />

quatro conjuntos:<br />

Ter “boas condições <strong>de</strong> vida” – enten<strong>de</strong>-se que a maneira como se vive se<br />

traduz em diferentes necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Ter acesso e po<strong>de</strong>r consumir toda a tecnologia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> melhorar<br />

e prolongar a vida.<br />

Criar vínculos (a)efetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou profissio<strong>na</strong>l<br />

– vínculo enquanto referência e relação <strong>de</strong> confiança, algo como “o rosto”<br />

do sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para o usuário.<br />

79


Garantir a “Cada pessoa ter graus crescentes <strong>de</strong> autonomia no seu modo<br />

<strong>de</strong> levar a vida”.<br />

Fazendo um paralelo com os conceitos trazidos por Cecílio (2001), observa-<br />

se que os itens 2 e 3 são bem contemplados pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Já os <strong>de</strong>mais,<br />

são atendidos <strong>de</strong> maneira mais ple<strong>na</strong> quando existe uma interação com o <strong>cuidado</strong>r.<br />

Essa conexão possibilita uma maior clareza da realida<strong>de</strong> do usuário e sua família<br />

pela equipe.<br />

Outros pontos que merecem <strong>de</strong>staque são as tecnologias operadas e o<br />

trabalho em saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvido pela equipe e <strong>cuidado</strong>r sobre as lógicas das<br />

racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s encontradas no estudo.<br />

Ao buscarmos <strong>na</strong> literatura o estudo sobre tecnologias em saú<strong>de</strong> percebe-se<br />

que este já acontece há mais <strong>de</strong> uma década, e foi iniciado por Gonçalves (1994),<br />

que apresentou a distinção entre as tecnologias que estão inscritas <strong>na</strong>s máqui<strong>na</strong>s e<br />

instrumentos <strong>de</strong> trabalho e aquelas relacio<strong>na</strong>das ao conhecimento técnico. O autor<br />

chamou as primeiras <strong>de</strong> “tecnologias materiais” e as outras, <strong>de</strong> “tecnologias não<br />

materiais”. Essa reflexão traz para foco a percepção do conhecimento como<br />

tecnologia. Ou seja, os profissio<strong>na</strong>is como sujeitos sociais portadores <strong>de</strong><br />

conhecimento e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ofertar uma assistência <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Sendo assim, as máqui<strong>na</strong>s e instrumentos (tecnologias materiais) <strong>de</strong>vem<br />

atuar como tecnologias auxiliares no trabalho em saú<strong>de</strong>, <strong>na</strong> <strong>de</strong>finição do diagnóstico<br />

e <strong>na</strong>s terapias. Já o trabalho humano apresenta-se como fundamental e<br />

insubstituível <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).<br />

Dando continuida<strong>de</strong> aos estudos sobre o assunto, Merhy (1997, 2002)<br />

emprega uma metáfora para mostrar como o uso das tecnologias po<strong>de</strong> impactar no<br />

trabalho em saú<strong>de</strong>, expressando, inclusive, o mo<strong>de</strong>lo assistencial subjacente. Ele<br />

usa a “imagem” <strong>de</strong> três valises para <strong>de</strong>monstrar didaticamente o arse<strong>na</strong>l tecnológico<br />

80


<strong>de</strong> cada profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o que não significa um olhar compartimentalizado,<br />

pois os três tipos <strong>de</strong> tecnologias expressam processos produtivos singulares:<br />

a primeira valise representa os instrumentos e equipamentos<br />

(tecnologias duras);<br />

a segunda, os saberes estruturados, como a clínica e a epi<strong>de</strong>miologia<br />

(tecnologias leve-duras);<br />

a terceira, o espaço relacio<strong>na</strong>l trabalhador-usuário (tecnologias<br />

leves), espaço <strong>de</strong> relações entre sujeitos, que só tem materialida<strong>de</strong> em ato,<br />

como é o caso dos processos <strong>de</strong> acolhimento, vínculo e responsabilização<br />

(MERHY, 1994, 1997, 1998a; SILVA JUNIOR, 2001; SILVA JUNIOR &<br />

MASCARENHAS, 2004) consi<strong>de</strong>rados práticas intercessoras (MERHY, 1998b)<br />

em saú<strong>de</strong>.<br />

O que o autor quer ressaltar nesses exemplos é que os arranjos entre essas<br />

“valises” são estratégicos, <strong>de</strong>finidores mesmo, do sentido dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> à<br />

saú<strong>de</strong> (MERHY, 2002).<br />

O a<strong>na</strong>lisador <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> permite verificar que os<br />

profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> frequentemente, operam com tecnologias duras<br />

(equipamentos e protocolos clínicos), leve-duras (saber profissio<strong>na</strong>l) e leves<br />

(vínculo). Entretanto, seguindo a lógica da medici<strong>na</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> os profissio<strong>na</strong>is muitas<br />

vezes utilizam as tecnologias duras como guia <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> prestada ao<br />

usuário, não havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escuta e <strong>de</strong> valorização da necessida<strong>de</strong> do<br />

paciente.<br />

Olhando para o <strong>cuidado</strong>r, percebe-se que ele opera com outros tipos <strong>de</strong><br />

tecnologias: dura (manuseio dos equipamentos e medicamentos), leve-dura (saber<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>r e familiar) e leve (vinculo-responsabilização, acolhimento, afeto,<br />

amiza<strong>de</strong>, parceria, etc). No caso <strong>de</strong>la, seguindo a lógica a produção <strong>de</strong> vida, utiliza-<br />

se das tecnologias leves como guia a produção do <strong>cuidado</strong> prestado ao familiar,<br />

tor<strong>na</strong>ndo possível a <strong>atenção</strong> às necessida<strong>de</strong>s do paciente.<br />

81


Ao observamos o trabalho em saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvido pelas equipes, <strong>na</strong> maioria<br />

das vezes, po<strong>de</strong>mos perceber que quem <strong>de</strong>fine o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> é o médico e os<br />

<strong>de</strong>mais profissio<strong>na</strong>is geralmente executam o combi<strong>na</strong>do. Porém, o <strong>cuidado</strong>r a todo<br />

tempo impõe seu ritmo e necessida<strong>de</strong>s próprias e do familiar, interferindo ativamente<br />

<strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>, sendo muitas vezes encarado pelas equipes como<br />

uma pessoa que não a<strong>de</strong>riu ao plano, irresponsável e que não cuida.<br />

Conforme po<strong>de</strong>mos constatar <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas dos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, apresenta-<br />

das abaixo, sobre uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da <strong>cuidado</strong>ra e suas ações <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>:<br />

“Ela não tem capacida<strong>de</strong> para fazer isso não.”<br />

“A sujeira, a falta <strong>de</strong> organização, tudo fora do lugar (...) você chega lá tem<br />

que pedir licença ao lixo para entrar.”<br />

“E o prejudicado é ele (o paciente), fica cansado, (...) não po<strong>de</strong> ir lá (...)<br />

brincar e você <strong>de</strong>ixou o garoto, você está vendo o que aconteceu (...)”<br />

Fica claro, então, que a existência <strong>de</strong> uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitos envolvidos<br />

no caso cria constantemente are<strong>na</strong>s <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s <strong>de</strong> idéias/projetos individuais e/ou<br />

coletivos para a produção do <strong>cuidado</strong>. Neste caso em particular, essa are<strong>na</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>disputa</strong>s apresenta-se como um problema para o <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho da<br />

equipe, já que esta não enxerga a diversida<strong>de</strong> como uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aperfeiçoar<br />

o processo <strong>de</strong> trabalho para a ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong>.<br />

Essas orientações distintas levam a que se configure um cotidiano <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s<br />

constantes entre o plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> do <strong>cuidado</strong>r e o da equipe.<br />

Uma das <strong>de</strong>clarações realizadas por um dos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da <strong>atenção</strong><br />

<strong>domiciliar</strong> aponta alguns fatores que contribuem para a <strong>disputa</strong>:<br />

“(...) no hospital você tem assim aquela distância que protege a equipe<br />

muito, <strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong>mais e a gente per<strong>de</strong> essa proteção quando<br />

vai para casa da pessoa, porque é a pessoa que manda <strong>na</strong> casa <strong>de</strong>la,<br />

então aquele primeiro protetor que você tem, per<strong>de</strong> então eu acho que<br />

82


pro profissio<strong>na</strong>l o <strong>de</strong>sconforto é muito maior (...) a relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

muda, então ele é exigido para negociar , então uma coisa que é dada<br />

<strong>na</strong> base da or<strong>de</strong>m no hospital, <strong>na</strong> casa o pessoal até pensa mais não<br />

funcio<strong>na</strong> assim, tem mais que fazer aquele jogo <strong>de</strong> persuasão,<br />

geralmente as dificulda<strong>de</strong>s que dão são com mães que, ou são esses<br />

casos que geram negligências ou são mães que são boas <strong>de</strong>mais e<br />

começa a querer <strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong> um profissio<strong>na</strong>l porque<br />

foram solicitadas a fazer isso no hospital <strong>de</strong> alguma maneira, então<br />

apren<strong>de</strong>ram, sabem, conhecem e às vezes o profissio<strong>na</strong>l tem<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com isso, porque às vezes atrapalham mesmo o<br />

atendimento (...)”<br />

A existência <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> não pressupõe que exista necessariamente conflito. Ao<br />

contrário, po<strong>de</strong>m propiciar melhorias no processo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvido pela<br />

equipe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam encaradas com o intuito <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, valorizar, respeitar o<br />

outro e, ao mesmo tempo, possibilitar o entendimento, valorização e respeito pelo<br />

outro. Se cada profissio<strong>na</strong>l se dispuser a olhar para a situação <strong>de</strong>ste modo, permitirá<br />

afetar e ser afetado pelo outro no seu pensamento e agir.<br />

Segundo Merhy (2006b), a instituição <strong>de</strong> “praças <strong>de</strong> conversas” entre os<br />

trabalhadores e o <strong>cuidado</strong>r po<strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r o processo <strong>de</strong> trabalho da<br />

equipe e do <strong>cuidado</strong>r mais sinérgicos, pois po<strong>de</strong>m possibilitar o entendimento do<br />

outro, propiciar que se façam pactuações <strong>na</strong> produção do <strong>cuidado</strong> e revelar outros<br />

assuntos pertinentes ao usuário, ao <strong>cuidado</strong>r e à equipe.<br />

O autor consi<strong>de</strong>ra as praças como espaços em que os profissio<strong>na</strong>is e as<br />

pessoas envolvidas <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m expor seus projetos, <strong>de</strong>sejos,<br />

necessida<strong>de</strong>s frente a <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do assunto pertinente o grupo.<br />

A expansão da dimensão <strong>cuidado</strong>ra po<strong>de</strong>ria ser uma outra maneira <strong>de</strong> tentar<br />

aproximar mais esta equipe do <strong>cuidado</strong>r. E como seria isso?<br />

83


Segundo Merhy (1998a), todo trabalhador <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra,<br />

produz <strong>cuidado</strong>, seja ele um <strong>cuidado</strong> individual ou coletivo. Até os profissio<strong>na</strong>is que<br />

não são consi<strong>de</strong>rados próprios da saú<strong>de</strong>, como os porteiros, po<strong>de</strong>m produzir <strong>cuidado</strong>.<br />

Assim, acredita-se que:<br />

os usuários buscam nos seus encontros com os trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

particularmente nos estabelecimentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a produção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong><br />

acolhimento, responsabilização e vínculo;<br />

o trabalho em saú<strong>de</strong> não é só o saber diagnosticar, prognosticar, curar,<br />

produzir análises epi<strong>de</strong>miológicas, realizar campanhas, mas também é um<br />

processo e um espaço <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> relações e intervenções, que se dá<br />

<strong>de</strong> modo partilhado, e no qual há um jogo entre necessida<strong>de</strong>s e modos<br />

tecnológicos <strong>de</strong> agir;<br />

não há produção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> trocas <strong>de</strong> falas e escutas, <strong>de</strong><br />

cumplicida<strong>de</strong>s e responsabilizações, <strong>de</strong> vínculos e aceitações, se não<br />

houver um trabalho comprometido com a produção <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> uso.<br />

Trazendo esses conceitos para a pesquisa, cada profissio<strong>na</strong>l e <strong>cuidado</strong>r<br />

possuem sua caixa <strong>de</strong> ferramentas com as tecnologias em saú<strong>de</strong>, distribuídas nos<br />

núcleos <strong>de</strong> competência específicos (tecnologias duras e leve-duras) e <strong>na</strong> dimensão<br />

<strong>cuidado</strong>ra (tecnologias leves). O que vai propiciar a distinção entre os membros da<br />

equipe são as tecnologias que portam e a forma <strong>de</strong> operá-las, atrelada à história <strong>de</strong><br />

vida <strong>de</strong> cada um, cultura, condição social e assim por diante.<br />

Segundo o autor, a dimensão <strong>cuidado</strong>ra revela-se como o território das<br />

tecnologias leves, não sendo um campo específico <strong>de</strong> nenhum profissio<strong>na</strong>l e sim a<br />

base para a atuação <strong>de</strong> todos. Ela é o espaço <strong>de</strong> maior interseção entre os<br />

trabalhadores e entre trabalhadores e usuários, com gran<strong>de</strong> potencial para produção<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> pela equipe, valorizando os sentidos da integralida<strong>de</strong>.<br />

84


As tecnologias leves, ao serem utilizadas como as or<strong>de</strong><strong>na</strong>doras da ca<strong>de</strong>ia<br />

produtiva do <strong>cuidado</strong>, possibilitam um compromisso permanente do profissio<strong>na</strong>l, tais<br />

como vínculo-responsabilização levando a uma maior implicação com a<br />

resolutivida<strong>de</strong> (MERHY, 1994) da ação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e com a garantia <strong>de</strong> autonomia do<br />

usuário, ou seja, o usuário como protagonista <strong>de</strong> seu processo saú<strong>de</strong>-doença.<br />

3.2 – Morte: <strong>atenção</strong> ao modo <strong>de</strong> morrer em uma equipe <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>s<br />

paliativos<br />

A produção do <strong>cuidado</strong>, do “trabalho vivo em ato” (MERHY, 2002) <strong>na</strong> equipe<br />

<strong>de</strong> Cuidado Paliativo(CP) 20 ligado ao Programa <strong>de</strong> Atenção Domiciliar da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Londri<strong>na</strong>, exter<strong>na</strong>liza a complexa, mas não complicada possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relação<br />

interpessoal entre profissio<strong>na</strong>is da área da saú<strong>de</strong>, <strong>cuidado</strong>r e paciente. Estes<br />

profissio<strong>na</strong>is assumem a complexida<strong>de</strong> da vida sem expressão do medo <strong>de</strong> se<br />

per<strong>de</strong>rem no caminho, não cultivam intenção <strong>de</strong> proteção que distancia do outro,<br />

nem criam isolamento ou camada protetora. Essas pessoas expõem-se aos<br />

sentimentos, às reflexões, ao sofrimento, à dor do outro, vivem e percebem a<br />

transferência e a fragilida<strong>de</strong>. Como diz Merhy, utilizando-se <strong>de</strong> Guattari, sujeitos que<br />

se sujeitam sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser sujeitados.<br />

Entrar <strong>na</strong> casa das pessoas acen<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> operar com a mudança<br />

do mo<strong>de</strong>lo assistencial hospitalocêntrico; distanciando-se do médico-centrado on<strong>de</strong><br />

a pessoa/paciente não tem sua autonomia respeitada, diferente <strong>de</strong>ste espaço<br />

indivíduo-família on<strong>de</strong> para entrar é necessária permissão, é necessário apren<strong>de</strong>r e<br />

apreen<strong>de</strong>r a dinâmica da casa, respeitar os movimentos e roti<strong>na</strong>s, olhar e interagir<br />

com cada pessoa <strong>na</strong>/para produção do <strong>cuidado</strong>.<br />

20 “A proposta fundamental dos <strong>cuidado</strong>s paliativos é oferecer conforto e proteção, favorecendo uma<br />

sensação <strong>de</strong> segurança. A palavra –chave é <strong>cuidado</strong>”.(KÓVACS, 2003a).<br />

85


A morte, embora presente nos espaços <strong>de</strong> serviços da saú<strong>de</strong>, encontra-se<br />

como a “morte interdita”, exilada, encaixotada e tratada como o insucesso (ARIÈS,<br />

2003), sendo poucas as iniciativas e ofertas <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> e preparo para quem vai<br />

morrer, para a família, para os profissio<strong>na</strong>is e <strong>cuidado</strong>res. Como aponta Kóvacs<br />

(2003b), o mais difícil às vezes não é lidar com a morte e sim acompanhar a pessoa<br />

viva no processo <strong>de</strong> morrer.<br />

Os profissio<strong>na</strong>is do CP vivenciam e cuidam das pessoas no momento, no<br />

processo ainda temido pela humanida<strong>de</strong> (KÓVACS, 2002), a morte. Neste processo<br />

<strong>de</strong> forma inesperada expressam vida, vivências, apostas, <strong>de</strong>sejos, sofrimentos dos<br />

próprios profissio<strong>na</strong>is e dos outros. O que suscita questões/reflexões como: O que<br />

faz com que estas pessoas não <strong>de</strong>sistam <strong>de</strong> trabalhar com a morte? Qual (quais)<br />

o(s) motivo(s) <strong>de</strong> trabalhar diretamente <strong>na</strong> ponta do processo <strong>de</strong> morrer? Neste local<br />

que tantos buscam afastamento, distanciamento e repudiam. Quais ferramentas<br />

encontram-se presentes <strong>na</strong>s suas valises 21 durante o encontro, durante esta<br />

“interseção partilhada” entre a pessoa/profissio<strong>na</strong>l e a pessoa/paciente/família?<br />

3.2.1 - Existe Vida Trabalhando com a Morte (?)<br />

A experiência direta com o processo <strong>de</strong> morrer provoca <strong>na</strong>s pessoas que<br />

trabalham no CP auto-conhecimento, apren<strong>de</strong>m a lidar com imagens e histórias<br />

carregadas <strong>de</strong> simbolismos que expressam, <strong>de</strong> forma sintética, dilemas,<br />

aprendizagem, medos e anseios presentes <strong>na</strong> profundida<strong>de</strong> do psiquismo. Po<strong>de</strong>m<br />

então entrar em um diálogo mais profundo com os pacientes e grupos envolvidos em<br />

problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> importantes. Os profissio<strong>na</strong>is do CP se vêem cotidia<strong>na</strong>mente<br />

confrontados com a vulnerabilida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong>. Mas também lidam com a dualida<strong>de</strong><br />

que lhes foi imposta através do mo<strong>de</strong>lo biomédico, romper com esta dualida<strong>de</strong> e<br />

vivenciar o drama e a existência huma<strong>na</strong> <strong>de</strong> quem cuidam, este é um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio<br />

(KÓVACS, 2003a).<br />

21 Para Merhy (2002) as valises “representam caixas <strong>de</strong> ferramentas tecnológicas, como saberes e<br />

seus <strong>de</strong>sdobramentos materiais e não-materiais, que fazem sentido <strong>de</strong> acordo com os lugares que<br />

ocupam nesse encontro e conforme as fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s do manejo”..<br />

86


O vínculo entre profissio<strong>na</strong>l da saú<strong>de</strong> e usuário, tão falado e pretendido seu<br />

alcance em diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>atenção</strong>, é visto como mo<strong>de</strong>lador e facilitador<br />

do <strong>cuidado</strong>, uma vez que ao “tocar” a pessoa que se encontra vulnerável pelo<br />

quadro <strong>de</strong> “<strong>de</strong>pendência”, atingimos o ser emocio<strong>na</strong>l da pessoa. É com este<br />

“atingimento” que se consegue fazer com que o paciente/pessoa acate o plano<br />

terapêutico que foi estabelecido. Esta é uma maneira <strong>de</strong> operar e “trabalhar” a<br />

questão do vínculo.<br />

Aqui o vínculo, unido ao contato físico e ao toque, ganha a dimensão dos<br />

humanos em contato. Não é necessário <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar no vínculo como<br />

mo<strong>de</strong>lador e facilitador do <strong>cuidado</strong> no seu aspecto “negativo”, se é que po<strong>de</strong>mos ou<br />

<strong>de</strong>vemos pensar dicotomicamente, mas o toque traz ao vínculo uma outra dimensão<br />

que lança, remete e aproxima. Uma tecnologia leve nem sempre incluída nos<br />

processos terapêuticos, do cuidar.<br />

Seguindo a classificação Merhy (1997) referente as tecnologias no trabalho<br />

em saú<strong>de</strong>, anteriormente apresentadas, é possível observar que os trabalhadores<br />

dos <strong>cuidado</strong>s paliativos encontram-se envolvidos, operando com muita freqüência as<br />

tecnologias leves e transitam com facilida<strong>de</strong> em campos tão excluídos pela ciência<br />

como no caso da espiritualida<strong>de</strong>, religião, toque, envolvimento, afetivida<strong>de</strong>. Cassorla<br />

(KÓVACS, 2003a) ao falar da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhamento no momento “da<br />

passagem para morte” afirma que quando “tecnologia, máqui<strong>na</strong>s e objetos<br />

concretos, frutos <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, não são suficientes para que a<br />

humanida<strong>de</strong> viva melhor. Seres humanos não po<strong>de</strong>m viver sem a ajuda <strong>de</strong> outros<br />

seres humanos, em todas as circunstâncias vitais, e principalmente, em momentos-<br />

chave, como a Morte”.<br />

Gleizer (2005) ao escrever sobre Espinosa e a afetivida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong> refere que<br />

para aquele filósofo, “o corpo humano é um indivíduo extremamente complexo,<br />

sendo composto <strong>de</strong> vários corpos, cada um dos quais também muito composto.<br />

Graças a essa complexida<strong>de</strong>, ele é apto a afetar e a ser afetado <strong>de</strong> diversas<br />

maneiras pelos corpos exteriores, sendo capaz <strong>de</strong> reter as afecções, isto é, as<br />

modificações nele causadas por essas interações”.<br />

87


O trabalho executado pelos profissio<strong>na</strong>is da equipe <strong>de</strong> CP, embora em uso <strong>de</strong><br />

tecnologias leve-dura e dura, com muita freqüência difere do dia-dia <strong>de</strong> tantos outros<br />

profissio<strong>na</strong>is. Eles re-<strong>de</strong>scobrem novos espaços e ao re-inventarem caminhos,<br />

fazem <strong>na</strong> realida<strong>de</strong> o que discutimos e i<strong>de</strong>alizamos <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> à saú<strong>de</strong> nos<br />

microespaços. Como diante do viver a autonomia do paciente/pessoa diante da<br />

morte, ao aceitar o direito da pessoa <strong>de</strong> participar e/ou direcio<strong>na</strong>r seu processo <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong> o profissio<strong>na</strong>l mais uma vez é posto diante <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sdobramento, ele<br />

busca resposta em perguntas não preparadas.<br />

A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> presenciar a primeira morte e perceber a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

respeitar não ape<strong>na</strong>s a vonta<strong>de</strong> do paciente, mas reconhecer o próprio limite do seu<br />

agir profissio<strong>na</strong>l, foi relatado por um dos profissio<strong>na</strong>is. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />

morrer, <strong>de</strong> saber que o uso <strong>de</strong> uma técnica, um procedimento, impediria a morte<br />

acontecer, respeitar o pedido do paciente e <strong>de</strong>ixa-lo partir, entrar em confronto direto<br />

com a onipotência que pensa ter <strong>na</strong>s mãos. A onipotência <strong>de</strong> dar a vida - levar à<br />

morte.<br />

Para <strong>de</strong>ixar o outro <strong>de</strong>cidir, é necessário disponibilida<strong>de</strong>, amadurecimento,<br />

compaixão, <strong>de</strong>sprendimento <strong>de</strong> quem cuida e não <strong>disputa</strong>r, como o a<strong>na</strong>lisador já<br />

mencio<strong>na</strong>do a <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> <strong>planos</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>s, que po<strong>de</strong> acontecer entre o<br />

profissio<strong>na</strong>l e o paciente/pessoa ou entre o profissio<strong>na</strong>l e a família. Diante <strong>de</strong> casos<br />

que po<strong>de</strong>riam parecer <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>, a equipe <strong>de</strong> CP incorpora,<br />

acatada, realiza a sugestão/solicitação do usuário buscando-se verda<strong>de</strong>iramente<br />

aten<strong>de</strong>r suas necessida<strong>de</strong>s.<br />

Mesmo com experiências profissio<strong>na</strong>is anteriores estes profissio<strong>na</strong>is não<br />

receberam preparação, seja nos locais <strong>de</strong> formação, seja nos espaços <strong>de</strong> trabalho<br />

<strong>de</strong> como lidar com este componente especial e comum que é o compartilhar,<br />

vivenciar relações/relacio<strong>na</strong>mentos humanos diretamente interligados no trabalho<br />

que executam.<br />

O <strong>de</strong>spreparo para lidar com a “dor emocio<strong>na</strong>l” 22 , com o sofrimento do outro e<br />

com sua própria dor, é reflexo do mo<strong>de</strong>lo assistencial que ainda é empregado, o<br />

22 Termo utilizado por um dos profissio<strong>na</strong>is entrevistados no CP <strong>de</strong> Londri<strong>na</strong>.<br />

88


mo<strong>de</strong>lo biomédico newtoniano-cartesiano. Neste mo<strong>de</strong>lo o corpo é consi<strong>de</strong>rado uma<br />

máqui<strong>na</strong> com suas peças a<strong>na</strong>lisadas e o papel dos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> tem sido<br />

o <strong>de</strong> intervir física e quimicamente para consertar o <strong>de</strong>feito no funcio<strong>na</strong>mento do<br />

mecanismo enguiçado. Nesta perspectiva a vida entendida globalmente não<br />

<strong>de</strong>sperta interesse do modo científico <strong>de</strong> conhecimento que só se ocupa com o que<br />

é mensurável. Este padrão <strong>de</strong> pesquisa e trabalho em saú<strong>de</strong> tornou-se o único<br />

instrumento aceito como legítimo <strong>de</strong> compreensão da vida e <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição dos<br />

caminhos <strong>de</strong> organização da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>svalorizando as percepções oriundas dos<br />

sentimentos, da intuição, da inspiração poética e da vivência religiosa (MERHY,<br />

2002).<br />

Ao centrar o <strong>cuidado</strong> no que a ciência informa, ao privilegiar e priorizar o uso<br />

<strong>de</strong> equipamentos, em <strong>de</strong>trimento ao conhecimento da complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver e sentir<br />

daquele a que se aten<strong>de</strong>, este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> incorporar o que individualiza, <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> levar em consi<strong>de</strong>ração que o processo terapêutico é uma trama também <strong>de</strong> agir-<br />

sentir. Kóvacs (2003A) cita Kubler-Ross quando esta última aponta como uma<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento nos médicos a compaixão, que po<strong>de</strong>mos expandir<br />

para todos os profissio<strong>na</strong>is que trabalham <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong>, tendo a compaixão a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “curar” qualquer coisa. Kubler-Ross (1998) consi<strong>de</strong>ra que “se<br />

pudéssemos ensi<strong>na</strong>r aos nossos estudantes o valor da tecnologia o valor da ciência<br />

e da tecnologia, ensi<strong>na</strong>ndo a um tempo a arte e a ciência do inter-relacio<strong>na</strong>mento<br />

humano, o <strong>cuidado</strong> humano e total ao paciente, sentiríamos um progresso real. Se<br />

não fosse feito mau uso da ciência e da tecnologia no incremento da <strong>de</strong>struição,<br />

prolongando a vida em vez <strong>de</strong> torná-la mais huma<strong>na</strong>”.<br />

Além do preparo para trabalhar com este campo tão velho e tão novo<br />

utilizando técnicas <strong>de</strong> observação do outro, <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> enfrentamento para o outro,<br />

<strong>de</strong> caminhos para o outro vivenciar e ou sublimar suas questões <strong>de</strong> vida, é<br />

constante e primordial a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhamento <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l da saú<strong>de</strong><br />

mental junto a equipe <strong>de</strong> CP.<br />

Abaixo algumas expressões <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>is do CP sobre a satisfação <strong>de</strong><br />

trabalhar em um serviço que tem como objetivo cuidar no processo <strong>de</strong> morrer, a<br />

escolha por continuar:<br />

89


“Eu sei que eu gosto do meu serviço gosto <strong>de</strong> ajudar as pessoas, e eu não<br />

gosto <strong>de</strong> ver ninguém sofrendo! Eu acho que ninguém gosta! Então eu acho<br />

que cada vez que um paciente precisa <strong>de</strong> mim, eu me sinto bem com o meu<br />

serviço e saio muito bem por ele não precisar ir pro hospital.”<br />

“Pra mim isso é uma satisfação muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar! Pra mim ainda é<br />

melhor trabalhar com CP.Eu prefiro trabalhar pacientes da oncologia.”<br />

“(...) Mas acho que isso aqui é vicio mesmo, não tem jeito mais. Uma hora<br />

que começa não consegue parar. (...) Quando eu cheguei aqui, eu não sabia<br />

<strong>na</strong>da, mas hoje eu não saio daqui, tive até a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair para outros<br />

serviços privados, mas eu não tenho vonta<strong>de</strong> mais não!”<br />

“(...)São 10 anos <strong>de</strong> profissão. Eu já passei por todos os lados e não tem<br />

comparação! Quando você tá ali do lado <strong>de</strong> um doente que tá morrendo a<br />

gratificação é muito maior. Você leva, sabe? Aquilo <strong>de</strong>le! Você tem um<br />

instante assim, o fi<strong>na</strong>lzinho. Sabe assim, quando o ser humano ele fica tão<br />

aberto, tão assim vulnerável que você consegue assim <strong>de</strong>scobrir tudo <strong>de</strong>le. É<br />

assim que ele fica, ele fica super vulnerável, fica um pedacinho <strong>de</strong> gente.<br />

Sabe?Com todos os <strong>de</strong>feitos, todas as qualida<strong>de</strong>s. Então você consegue<br />

pegar isso <strong>de</strong>le e consegue apren<strong>de</strong>r muito mais com essa mulher que tá<br />

com problema, que tá com <strong>de</strong>pressão.”<br />

Uma via <strong>de</strong> mão dupla é criada e vivenciada sem que os construtores se<br />

percebam construtores construindo o caminho, em ato, ali <strong>na</strong>quele momento passos,<br />

corpo, tudo “envolvimento”.<br />

O <strong>de</strong>snudar-se ocorre entre as pessoas que se relacio<strong>na</strong>m. É claro que<br />

alguns mais e outros menos, como em tudo <strong>na</strong> vida. O usuário ao se mostrar<br />

vulnerável, ao se <strong>de</strong>snudar, provoca e força o <strong>de</strong>snudar do profissio<strong>na</strong>l, seja em que<br />

grau for, provocando e, quem sabe, sendo seu facilitador num processo <strong>de</strong> auto-<br />

análise.<br />

Para Vasconcelos(2005) o trabalho em saú<strong>de</strong> enfrenta problemas complexos,<br />

carregados <strong>de</strong> múltiplas dimensões, em que o conhecimento científico tem respostas<br />

90


ape<strong>na</strong>s para alguns aspectos e a razão é insuficiente para lidar com toda esta<br />

complexida<strong>de</strong>, exigindo também a intuição, a emoção e a acuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> percepção<br />

sensível. Consi<strong>de</strong>rando que para cuidar inteiramente <strong>de</strong> uma pessoa é preciso estar<br />

presente como pessoa inteira, é preciso ter <strong>de</strong>senvolvido e integrado, em si, as<br />

dimensões racio<strong>na</strong>l, sensitiva, afetiva e intuitiva, sem o que a experiência <strong>de</strong><br />

vulnerabilida<strong>de</strong> e dor dos pacientes tor<strong>na</strong>r-se á opressiva e sofrida, obrigando-os a<br />

se protegerem com uma série <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />

Esta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>(CP), no interior <strong>de</strong> sua realização provoca re-<br />

visão no pensar o fator envolvimento, tão falado e excluído do <strong>cuidado</strong> a partir das<br />

escolas <strong>de</strong> formação e entrando nos espaços terapêuticos, on<strong>de</strong> a pessoa que se<br />

envolve não é vista como “profissio<strong>na</strong>l”.<br />

“Eu não pensei em me proteger(do contato com paciente), isso é um<br />

problema <strong>de</strong>le. A gente também encontra outros aí também. Porque eu acho<br />

que é um amigo que eu vejo. Ali eu não vejo um paciente só. Tanto que a<br />

amiza<strong>de</strong> vem. Então é uma coisa, você procura se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um amigo ?!É<br />

um contato permanente(...)”<br />

“Ah, mudou bastante a maneira <strong>de</strong> pensar (sobre a morte) é que nem eu falei<br />

pra você, né?!(...)Depois que eu entrei no CP, que eu comecei a me envolver<br />

a gente passa a perceber que a gente não po<strong>de</strong> dar. Como é que se fala?<br />

Assim: você tem que entrar <strong>na</strong> família envolver a família, mas você não po<strong>de</strong><br />

se envolver ,se você se envolver, aí você acaba <strong>de</strong>sistindo <strong>de</strong> tudo. (...)mas<br />

quando você tá sozinho, muitas vezes fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> sema<strong>na</strong> né?! Quando você vai<br />

pra frente a frente, você já vai pensando no que você vai fazer pra não se<br />

envolver com o paciente. Porque tem certos pacientes que você acaba se<br />

envolvendo a partir do contexto todinho da família e da doença. Aí você<br />

acaba ,você acaba se envolvendo e aí você acaba entrando no assunto do<br />

jeito que eles querem e <strong>na</strong> verda<strong>de</strong> eles sentem aquilo do jeito que eles<br />

querem.”<br />

Neste caso o que pu<strong>de</strong>mos ver aqui é um entregar-se. Como se a proximida-<br />

<strong>de</strong> com a morte, mesmo do outro, este viver constante a vulnerabilida<strong>de</strong> e fragilida<strong>de</strong><br />

huma<strong>na</strong> tocasse tanto que rompesse a linha verda<strong>de</strong>iramente tênue entre o ser pro-<br />

91


fissio<strong>na</strong>l e ser pessoa. A morte e o processo <strong>de</strong> morrer operam aqui como revitaliza-<br />

dores da vida, das relações, da importância do contato humano.<br />

Trabalhando com a morte e com o processo <strong>de</strong> morrer estes profissio<strong>na</strong>is<br />

<strong>de</strong>param-se com questões que continuam sendo margi<strong>na</strong>lizadas por pessoas e pelo<br />

corpo social que resistem à reflexão sobre a finitu<strong>de</strong> huma<strong>na</strong>. No entanto, <strong>na</strong> equipe<br />

<strong>de</strong> CP esta questão é latente, pensar sobre a morte do outro provoca um<br />

<strong>de</strong>sdobramento praticamente incontrolável sobre a sua própria condição <strong>de</strong> ser<br />

finito.<br />

Estes profissio<strong>na</strong>is expressaram que consi<strong>de</strong>ram muito importante e<br />

primordial manter alegria e bom humor. Não como algo forçado, mas como<br />

expressão <strong>de</strong> vida, como necessida<strong>de</strong>, como momento <strong>de</strong> respiro para continuar a<br />

caminhar entre as dores e os sofrimentos <strong>de</strong> quem cuidam, mas sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ter e<br />

cultivar a leveza. Na construção do caminho, que se faz caminhando, o respeito às<br />

crenças do paciente/usuário surge em muitas falas e, neste caso in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> se o<br />

profissio<strong>na</strong>l pratica ou não alguma religião. A expressão <strong>de</strong> quem trabalha <strong>na</strong> equipe<br />

<strong>de</strong> CP refere-se à respeitar o movimento da pessoa e da família quando o<br />

movimento existe ou, tentar oferecer algo que os acompanha, que po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>do espiritualida<strong>de</strong>, religião, fé ou simplesmente Deus.<br />

De posse <strong>de</strong> conhecimentos que a vivência lhes apresentou, ou agindo como<br />

gostariam que fizessem com eles, operam e carregam o respeito às crenças como<br />

dispositivo para ajudar no manejo/<strong>cuidado</strong> do doente e diminuição do sofrimento da<br />

família.<br />

4. Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>is<br />

É importante <strong>de</strong>stacar que recentemente o Ministério da Saú<strong>de</strong> lançou a<br />

92


Política Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Inter<strong>na</strong>ção Domiciliar 23 , instituída no Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

(SUS) que incentiva a criação <strong>de</strong> novas equipes <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> <strong>domiciliar</strong> pelo país.<br />

Preten<strong>de</strong>-se investir inicialmente em cada equipe formada R$ 50 mil e<br />

posteriormente o valor <strong>de</strong> R$ 20 mil mensalmente.<br />

A política incentiva a existência do <strong>cuidado</strong>r, um membro da família com<br />

tempo e disponibilida<strong>de</strong> para cuidar do paciente. Esse <strong>cuidado</strong>r será trei<strong>na</strong>do por<br />

alguém da equipe e será responsável pela alimentação, medicação, monitoração, e<br />

<strong>de</strong>verá ter capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acio<strong>na</strong>r um serviço pré-hospitalar <strong>de</strong> urgência (SAMU,<br />

Corpo <strong>de</strong> Bombeiros ou qualquer outro serviço <strong>na</strong> localida<strong>de</strong>) para situações <strong>de</strong><br />

crise.<br />

O familiar ao assumir o papel <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>r é cobrado pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>sempenho técnico, entretanto, po<strong>de</strong> não ser consi<strong>de</strong>rado como tal <strong>na</strong> hora <strong>de</strong><br />

opi<strong>na</strong>r sobre a elaboração do plano <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

A figura do <strong>cuidado</strong>r traz algumas tensões e paradoxos para o campo da<br />

saú<strong>de</strong> que precisam ser clareados, tanto <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>cuidado</strong> como <strong>na</strong><br />

sua própria saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Apresenta-se como um novo aliado que po<strong>de</strong><br />

contribuir para o aprimoramento da produção do <strong>cuidado</strong>.<br />

É importante, também, <strong>de</strong>stacar que as <strong>disputa</strong>s <strong>de</strong> projetos ocorrem<br />

cotidia<strong>na</strong>mente <strong>na</strong>s equipes e po<strong>de</strong>m garantir o potencial inovador da Atenção<br />

Domiciliar. Entretanto, essa característica está diretamente relacio<strong>na</strong>da, entre outras<br />

coisas, no como as equipes encaram esse compartilhamento <strong>de</strong> produção do plano<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>. Ou seja, esta situação é capaz <strong>de</strong> propiciar o aperfeiçoamento do<br />

trabalho em saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvido pelos profissio<strong>na</strong>is e os <strong>cuidado</strong>res.<br />

Existe algo que difere os profissio<strong>na</strong>is do CP, um algo além da<br />

responsabilização, que é a implicação. A implicação foi observada e esteve presente<br />

também em outros campos da pesquisa (MERHY & FEUERWECKER, 2007), como<br />

está presente comumente no campo da saú<strong>de</strong> mental.<br />

23 Portaria GM n° 2.529, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2006.<br />

93


Consi<strong>de</strong>ramos que esta mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> no domicílio possibilita a<br />

criação <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> viver a morte. A volta da morte para casa, além <strong>de</strong><br />

possibilitar sua discussão em ambientes particulares, introduz e facilita o resgate da<br />

autonomia <strong>de</strong> quem vivencia os <strong>cuidado</strong>s paliativos e tem a morte anunciada.<br />

O movimento <strong>de</strong> entrar <strong>na</strong> casa das pessoas <strong>de</strong>manda preparo diferente,<br />

<strong>de</strong>manda re<strong>de</strong>scobrir um novo ser profissio<strong>na</strong>l, já que gran<strong>de</strong> parte ainda continua a<br />

ser formado para área hospitalar com todas as “proteções” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> área física as<br />

roti<strong>na</strong>s previamente estabelecidas.<br />

O grupo <strong>de</strong> CP chamou <strong>atenção</strong> quanto à expressão freqüente da vonta<strong>de</strong>, do<br />

<strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong> continuar a trabalhar com este tipo <strong>de</strong> “paciente”, com pessoas “pacientes<br />

termi<strong>na</strong>is”, que mesmo diante da termi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, a cada dia, a cada novo contato e<br />

experiência lhes trazem tanta e tanta renovada vida. No entanto, mesmo diante das<br />

expressões exter<strong>na</strong>lizadas, não po<strong>de</strong>mos nos furtar à observação que para essas<br />

pessoas envolvidas com <strong>cuidado</strong> paliativo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhamento e/ou<br />

supervisão com profissio<strong>na</strong>l da saú<strong>de</strong> mental é vital e urgente.<br />

Por último, não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> apontar como questão o investimento<br />

no chamado núcleo familiar, que merece ainda ser muito explorada no <strong>de</strong>bate<br />

brasileiro <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> outros lugares para produzir o <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong> - que<br />

vem sendo conduzido pelas apostas <strong>na</strong> construção dos Programas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da<br />

Família, <strong>na</strong> realização <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> substitutiva em saú<strong>de</strong> mental no interior da<br />

Reforma Psiquiátrica e <strong>na</strong> produção <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s como Atenção Domiciliar.<br />

Isso porque o imaginário brasileiro é muito pautado pela imagem <strong>de</strong> uma<br />

família solidária, recheada por um amor cristão, que a faz o lugar <strong>de</strong> investimento<br />

privilegiado para criar novos sentidos para um fazer como é a produção do <strong>cuidado</strong><br />

em saú<strong>de</strong>, que visa <strong>de</strong>sconstruir o modo hegemônico, profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

procedimento centrado e institucio<strong>na</strong>lizador em serviços especializados<br />

(manicômios, hospitais, centros <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, entre outros). Entretanto, os chamados<br />

núcleos familiares não respon<strong>de</strong>m necessariamente a essa fantasia coletiva que<br />

essas políticas carregam, e quando isso acontece, essas mesmas políticas, que têm<br />

criado experiências interessantes, o que reconhecemos, não têm muitos outros<br />

94


arse<strong>na</strong>is <strong>de</strong> apostas para fora <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>alização do que seria a família como centro<br />

único <strong>de</strong> uma aposta <strong>de</strong> tamanho porte.<br />

Por isso, nesse fi<strong>na</strong>l, apontamos esse paradoxo: ir para a casa não é<br />

necessariamente encontrar práticas familiares pautadas pelo amor romântico, muitas<br />

vezes ir para a casa exige ter que <strong>de</strong>sconstruir núcleos familiares tão conservadores<br />

quanto o mo<strong>de</strong>lo hegemônico <strong>de</strong> cuidar e isso pe<strong>de</strong> um arse<strong>na</strong>l <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> fazer<br />

muito para além do apelo moral <strong>de</strong> se produzir um bom <strong>cuidado</strong> por pura a<strong>de</strong>são<br />

amorosa. Há que se abrir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se produzir esse amor em ambas as<br />

direções, como evi<strong>de</strong>ntemente a aposta em Londri<strong>na</strong> <strong>de</strong>ixa ver <strong>de</strong> modo bem nítido.<br />

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medicalização com a re<strong>de</strong> substitutiva ou transição tecnológica e / ou<br />

reestruturação produtiva <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>: um <strong>de</strong>bate necessário <strong>na</strong> Atenção Domiciliar.<br />

“paper” distribuído no I Seminário Interno <strong>de</strong> Atenção Domiciliar da linha <strong>de</strong><br />

pesquisa: Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saú<strong>de</strong>. UFRJ, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro. 2006a.<br />

____________________. Público e privado: entre aparelhos, rodas e praças.<br />

In: ACIOLE, Giovanni Gurgel . A Saú<strong>de</strong> no Brasil - Cartografias do Público e do<br />

Privado. São Paulo, HUCITEC, 2006b.<br />

____________________. Saú<strong>de</strong>: a cartografia do Trabalho Vivo. São Paulo:<br />

HUCITEC, 2002.<br />

____________________. A perda da dimensão <strong>cuidado</strong>ra <strong>na</strong> produção da<br />

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trabalhar a assistência. In: CAMPOS, C.R.; MALTA, D.C.; REIS, A.T.; SANTOS,<br />

A.F.; MERHY, E.E. (organizadores). Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> em Belo Horizonte:<br />

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____________________.O SUS e um dos seus dilemas: mudar a gestão e a<br />

lógica do processo <strong>de</strong> trabalho em saú<strong>de</strong>. In: TEIXEIRA, S.F. (organizadora).<br />

Movimento sanitário: 20 anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia. São Paulo. CEBES, 1998b.<br />

____________________. Em busca do tempo perdido: A micropolítica do<br />

trabalho vivo em saú<strong>de</strong>. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (orgs.). Agir em saú<strong>de</strong>:<br />

um <strong>de</strong>safio para o público. São Paulo/Buenos Aires: Hucitec/Lugar Editorial,<br />

1997.<br />

____________________. Em Busca da Qualida<strong>de</strong> dos Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>: os<br />

serviços <strong>de</strong> porta aberta para a saú<strong>de</strong> e o mo<strong>de</strong>lo tecnoassistencial em <strong>de</strong>fesa<br />

da vida (ou como aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

colegiadamente reorganizar o processo <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> busca da qualida<strong>de</strong> das<br />

ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. In: CECÍLIO, L. C.(org.). Inventando a mudança <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Hucitec. São Paulo. 1994.<br />

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> facilitadores <strong>de</strong> educação<br />

permanente em saú<strong>de</strong>: unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem - trabalho e relações <strong>na</strong><br />

97


produção do <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>. Ministério da Saú<strong>de</strong>/Fiocruz. Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

2005<br />

PINHEIRO, Roseni. As Práticas do Cotidiano <strong>na</strong> Relação Oferta e Demanda<br />

dos Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>: um campo <strong>de</strong> estudo e construção da integralida<strong>de</strong>. In:<br />

PINHEIRO, R.; MATTOS, R.A. (Org.) Os Sentidos da Integralida<strong>de</strong> <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> e<br />

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_______________.; FERLA, Alcindo Antônio; SILVA JUNIOR, Aluísio Gomes,<br />

A integralida<strong>de</strong> <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> à saú<strong>de</strong> da população. In: MARINS, J.J.N.; REGO, S.;<br />

LAMPERT, J. B.; ARAÚJO, J.G.C. (Org.). Educação médica em transformação -<br />

instrumentos para a construção <strong>de</strong> novas realida<strong>de</strong>s. São Paulo:<br />

HUCITEC/ABEM, 2004, v., p. 269-284.<br />

REHEN, Tânia Cristi<strong>na</strong> M.S.B.; TRAD, Leny Alves B.. Assistência <strong>domiciliar</strong><br />

em saú<strong>de</strong>: subsídios para um projeto <strong>de</strong> <strong>atenção</strong> básica brasileira. Ciência e<br />

Saú<strong>de</strong> Coletiva, 10(sup): 231-242, 2005.<br />

SCHIFFLER, Ângela Carla da Rocha; CAMPOS, Carlos Eduardo Aguilera;<br />

Vieira; VIEIRA, Melli<strong>na</strong> Marques; MENDONÇA, Paulo Eduardo Xavier.<br />

Perspectivas da utilização do fluxograma a<strong>na</strong>lisador no ensino da administração<br />

em saú<strong>de</strong> <strong>na</strong> Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medici<strong>na</strong> da UFRJ. In Revista Brasileira <strong>de</strong> Educação<br />

Médica, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 29, n.3, p. 191-200, set./<strong>de</strong>z. 2005.<br />

SILVA, A<strong>na</strong> Lúcia Abrahão. Produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> e gestão em saú<strong>de</strong>:<br />

cartografias da gerência. Tese (Doutorado em Saú<strong>de</strong> Coletiva) - Departamento<br />

<strong>de</strong> Medici<strong>na</strong> Preventiva e Social, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas, Universida<strong>de</strong><br />

Estadual <strong>de</strong> Campi<strong>na</strong>s. Campi<strong>na</strong>s, 2004.<br />

SILVA JUNIOR, Aluísio Gomes. MASCARENHAS, Mônica T. Avaliação da<br />

Atenção Básica em Saú<strong>de</strong> sob a Ótica da Integralida<strong>de</strong> Aspectos Conceituais e<br />

Metodológicos. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R.A. (Org.) Cuidado: as fronteiras<br />

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(Org.). Construção da integralida<strong>de</strong>: cotidiano, saberes e práticas em saú<strong>de</strong>. Rio<br />

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98


VASCONCELOS, Eymard Mourão(org.) A Espiritualida<strong>de</strong> no trabalho em<br />

saú<strong>de</strong>. São Paulo, Hucitec, 2005.<br />

99


Anexo C<br />

Artigo Publicado <strong>na</strong> revista Salud Colectiva<br />

100


Luís <strong>Claudio</strong> <strong>de</strong> Carvalho 1<br />

Laura Camargo Macruz Feuerwerker 2<br />

Emerson Elias Merhy 3<br />

1 Médico, Universidad<br />

Fe<strong>de</strong>ral Fluminense. Magíster<br />

en Clínica Médica,<br />

Universidad Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Río<br />

<strong>de</strong> Janeiro (UFRJ). Integrante<br />

<strong>de</strong> la línea <strong>de</strong> investigación<br />

Micropolítica <strong>de</strong>l Trabajo y<br />

el Cuidado en Salud <strong>de</strong>l programa<br />

<strong>de</strong> posgrado <strong>de</strong>l<br />

Departamento <strong>de</strong> Clínica<br />

Médica, UFRJ, Brasil.<br />

lucacarv@uol.com.br<br />

2 Médica, Universidad <strong>de</strong><br />

San Pablo (USP). Doctora en<br />

Salud Pública, USP.<br />

Profesora <strong>de</strong> la Universidad<br />

Fluminense. Investigadora <strong>de</strong><br />

la línea <strong>de</strong> investigación<br />

Micropolítica <strong>de</strong>l Trabajo y<br />

el Cuidado en Salud <strong>de</strong>l programa<br />

<strong>de</strong> posgrado <strong>de</strong>l<br />

Departamento <strong>de</strong> Clínica<br />

Médica, Universidad Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> Río <strong>de</strong> Janeiro, Brasil.<br />

laura.macruz@gmail.com<br />

3 Médico, Universidad <strong>de</strong><br />

San Pablo. Libre-Docente,<br />

Universidad <strong>de</strong>l Estado <strong>de</strong><br />

Campi<strong>na</strong>s. Profesor <strong>de</strong>l<br />

Posgrado <strong>de</strong>l Departamento<br />

<strong>de</strong> Clínica Médica,<br />

Universidad Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Río<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Coordi<strong>na</strong>dor <strong>de</strong><br />

la línea <strong>de</strong> investigación<br />

Micropolítica <strong>de</strong>l Trabajo y<br />

el Cuidado en Salud, Brasil.<br />

emerson.merhy@gmail.com<br />

Disputas en torno a los planes <strong>de</strong><br />

<strong>cuidado</strong> en la inter<strong>na</strong>ción <strong>domiciliar</strong>ia:<br />

u<strong>na</strong> reflexión necesaria<br />

ARTÍCULO / ARTICLE<br />

The <strong>de</strong>bate over care plans in home medical care:<br />

a necessary reflection<br />

RESUMEN La Atención Domiciliaria se presenta en Brasil como u<strong>na</strong> modalidad <strong>de</strong> atención<br />

a la salud con potencial substitutivo y capacidad <strong>de</strong> ofrecer <strong>cuidado</strong> con calidad,<br />

garantizando a la familia y al usuario la oportunidad <strong>de</strong> manejar salud y enfermedad<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> u<strong>na</strong> óptica innovadora. Este artículo presenta u<strong>na</strong> reflexión sobre el a<strong>na</strong>lizador<br />

–<strong>disputa</strong> <strong>de</strong> planes <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>– i<strong>de</strong>ntificado en uno <strong>de</strong> los estudios <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> la investigación<br />

sobre implantación <strong>de</strong> la atención <strong>domiciliar</strong>ia en el Sistema Único <strong>de</strong> Salud<br />

(SUS). El foco <strong>de</strong>l análisis fue la micropolítica <strong>de</strong>l trabajo en salud en la producción <strong>de</strong>l<br />

<strong>cuidado</strong>, involucrando al equipo y a las/los <strong>cuidado</strong>res.<br />

PALABRAS CLAVE Servicios <strong>de</strong> Atención <strong>de</strong> Salud a Domicilio; Trabajo; Cuidadores;<br />

Gestión en Salud; Prestación <strong>de</strong> Atención <strong>de</strong> Salud.<br />

ABSTRACT In Brazil, home medical care emerges as a potential alter<strong>na</strong>tive that offers<br />

quality care, ensuring relatives and patients the opportunity to handle health and disease<br />

from an innovative perspective. This article provi<strong>de</strong>s a reflection on the a<strong>na</strong>lyzer<br />

–<strong>de</strong>bate over care plans– i<strong>de</strong>ntified in one of the case studies on home medical care<br />

implementation’s investigation within the Single Health Care System (SUS). The a<strong>na</strong>lysis<br />

focuses on the micro policy of health care work in care production, involving both the<br />

team and carers.<br />

KEY WORDS Home Care Services; Work; Caregivers; Health Ma<strong>na</strong>gement; Delivery of<br />

Health Care.<br />

259<br />

SALUD COLECTIVA, Buenos Aires, 3(3): 259-269, Septiembre - Diciembre, 2007


SALUD COLECTIVA, Buenos Aires, 3(3): 259-269, Septiembre - Diciembre, 2007<br />

260 LUÍS C. DE CARVALHO, LAURA C. M. FEUERWERKER, EMERSON ELIAS MERHY<br />

INTRODUCCIÓN<br />

En el campo <strong>de</strong> las prácticas <strong>de</strong> salud (1)<br />

–a pesar <strong>de</strong> haber distintas comprensiones sobre<br />

su <strong>na</strong>turaleza, como intervención sobre el cuerpo<br />

biológico socialmente investido (2), como<br />

lugar <strong>de</strong> búsqueda <strong>de</strong> la cura (3) o como actos<br />

productores <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> individual o colectivo<br />

(4,5,6)– hay u<strong>na</strong> construcción <strong>de</strong> intervenciones<br />

tecnológicamente orientadas que buscan actuar a<br />

partir <strong>de</strong> un lugar socialmente legitimado, como<br />

es el caso <strong>de</strong> la medici<strong>na</strong> y <strong>de</strong> la salud pública,<br />

que se traducen en acciones sobre un otro, como<br />

objeto, en búsqueda <strong>de</strong> ciertas fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s que no<br />

necesariamente son las mismas sino que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<br />

<strong>de</strong>l contexto histórico y social en el cual esas<br />

prácticas se realizan.<br />

Sin embargo, existe un elemento <strong>de</strong> tensión<br />

en este campo <strong>de</strong> producción <strong>de</strong> actos <strong>de</strong><br />

salud que ha sido poco explorado en los estudios<br />

que a<strong>na</strong>lizan la manera en que se conforman los<br />

procesos <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> en salud. Ese elemento se<br />

refiere al hecho <strong>de</strong> que estos <strong>cuidado</strong>s son siempre<br />

un proceso en el cual un otro, como objeto,<br />

es el blanco <strong>de</strong> las acciones, pero no necesariamente<br />

es un ser inerte; por el contrario, sistemáticamente<br />

en las experiencias cotidia<strong>na</strong>s <strong>de</strong> producción<br />

<strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> se percibe cuánto este objeto-blanco<br />

<strong>de</strong> las intervenciones en salud es efectivamente<br />

un sujeto en acción (4,7-9).<br />

Esa situación muchas veces es percibida<br />

por los trabajadores <strong>de</strong> salud como la capacidad<br />

<strong>de</strong>l usuario <strong>de</strong> resistir a un acto <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> profesio<strong>na</strong>l,<br />

como si estuviera inventando su modo<br />

<strong>de</strong> cuidarse. Eso generalmente es visto como algo<br />

negativo por parte <strong>de</strong> los distintos profesio<strong>na</strong>les<br />

<strong>de</strong> salud. Sin embargo, es posible reconocer este<br />

proceso como más común <strong>de</strong> lo que parece, o<br />

también como constitutivo <strong>de</strong> cualquier momento<br />

relacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> en salud, en cualquier<br />

lugar don<strong>de</strong> ocurra.<br />

Se <strong>de</strong>staca que el <strong>cuidado</strong> aquí referido<br />

no es entendido como un nivel <strong>de</strong> atención <strong>de</strong>l<br />

sistema, ni como un procedimiento simplificado,<br />

sino como u<strong>na</strong> acción integral, que tiene significados<br />

y sentidos volcados hacia la comprensión<br />

<strong>de</strong> la salud como <strong>de</strong>recho (6). La acción integral<br />

es también entendida como la "interrelación" <strong>de</strong><br />

las perso<strong>na</strong>s (9), o sea, la acción integral como<br />

efectos y repercusiones <strong>de</strong> interacciones positivas<br />

entre usuarios, profesio<strong>na</strong>les e instituciones,<br />

que es traducida en actitu<strong>de</strong>s como: tratamiento<br />

digno respetuoso, <strong>de</strong> calidad, protección<br />

y vínculo. El <strong>cuidado</strong> se traduce también<br />

en la elección ética y política <strong>de</strong> las tecnologías<br />

a ser utilizadas en la resolución <strong>de</strong> los problemas<br />

<strong>de</strong> salud (4,5).<br />

En este texto, a través <strong>de</strong> un estudio realizado<br />

en el campo <strong>de</strong> la inter<strong>na</strong>ción <strong>domiciliar</strong>ia,<br />

se parte <strong>de</strong> la evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> ese otro, objetoblanco,<br />

como sujeto actuante, en un proceso<br />

efectivo <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> por el <strong>cuidado</strong> en salud. No<br />

se consi<strong>de</strong>ra esto como un momento negativo <strong>de</strong><br />

resistencia, sino como parte fundamental <strong>de</strong> la<br />

construcción <strong>de</strong> los planes terapéuticos. A partir<br />

<strong>de</strong> allí, se sacan algu<strong>na</strong>s consecuencias para pensar<br />

los mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> atención.<br />

El proyecto <strong>de</strong> investigación citado anteriormente<br />

tuvo como objetivo evaluar las modalida<strong>de</strong>s<br />

existentes <strong>de</strong> "Atención Domiciliaria y proponer<br />

mo<strong>de</strong>los posibles <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamiento, regulación,<br />

evaluación y control, particularmente frente<br />

a los usuarios con <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia funcio<strong>na</strong>l, candidatos<br />

a intervenciones terapéuticas que aseguren<br />

mayores niveles <strong>de</strong> autonomía, y alivio <strong>de</strong>l<br />

sufrimiento" (a).<br />

El trabajo <strong>de</strong> campo nos permitió percibir<br />

u<strong>na</strong> diversidad <strong>de</strong> experiencias en todo el<br />

país, siendo posible i<strong>de</strong>ntificar a<strong>na</strong>lizadores<br />

comunes y específicos (10) a lo largo <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sarrollo<br />

<strong>de</strong> la investigación.<br />

En este artículo se preten<strong>de</strong> puntualizar<br />

la <strong>disputa</strong> <strong>de</strong>l plan <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>, a partir <strong>de</strong> u<strong>na</strong> <strong>de</strong><br />

las experiencias estudiadas en la ciudad <strong>de</strong> Río<br />

<strong>de</strong> Janeiro.<br />

METODOLOGÍA<br />

En esta investigación se <strong>de</strong>sarrollaron<br />

las siguientes etapas:<br />

1. Mapeo <strong>de</strong> las experiencias <strong>de</strong> atención <strong>domiciliar</strong>ia,<br />

para i<strong>de</strong>ntificar los programas <strong>de</strong> atención<br />

<strong>domiciliar</strong>ia conducidos <strong>de</strong> manera in<strong>de</strong>pendiente<br />

por las tres esferas <strong>de</strong> gestión en<br />

salud (municipal, provincial y <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l) en el<br />

ámbito <strong>de</strong>l Sistema Único <strong>de</strong> Salud (SUS).


2. Trabajo <strong>de</strong> campo para el reconocimiento y<br />

análisis <strong>de</strong>l servicio focalizado, mediante la<br />

aplicación <strong>de</strong>l "kit investigador" compuesto<br />

por: carta <strong>de</strong> presentación; términos <strong>de</strong> consentimiento<br />

libre y esclarecido –mo<strong>de</strong>lo para los<br />

profesio<strong>na</strong>les <strong>de</strong> la salud y otro para los usuarios<br />

y familiares; guía <strong>de</strong> entrevista para el gestor<br />

<strong>de</strong>l servicio <strong>de</strong> atención <strong>domiciliar</strong>ia (han<br />

sido a<strong>na</strong>lizados todos los servicios existentes).<br />

→ La guía <strong>de</strong> entrevista fue estructurada<br />

tomando como referencia los a<strong>na</strong>lizadores<br />

artificiales (b), <strong>de</strong>finidos por el equipo <strong>de</strong><br />

investigación [modos <strong>de</strong> organización y<br />

composición <strong>de</strong>l equipo; articulación <strong>de</strong>l<br />

Programa con el sistema local <strong>de</strong> salud;<br />

características <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>r; la conformación<br />

<strong>de</strong>l acto <strong>de</strong> cuidar; racio<strong>na</strong>lidad (efectividad,<br />

eficiencia y eficacia); evaluación<br />

<strong>de</strong>l Programa (herramientas <strong>de</strong> evaluación)].<br />

A<strong>de</strong>más, también fue utilizado el<br />

"Diario <strong>de</strong> Campo" para la recolección <strong>de</strong><br />

datos (11).<br />

3. Estudio <strong>de</strong> casos trazadores.<br />

→ El caso trazador es un método que permite<br />

evaluar el proceso <strong>de</strong> trabajo <strong>de</strong> un equipo<br />

<strong>de</strong> salud a partir <strong>de</strong> la reconstitución <strong>de</strong> la<br />

trayectoria <strong>de</strong> un caso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> distintos puntos<br />

<strong>de</strong> vista y a partir <strong>de</strong> distintas fuentes,<br />

posibilitando un mejor análisis <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong><br />

prestado al usuario (12).<br />

→ La lógica <strong>de</strong> construcción <strong>de</strong>l caso trazador<br />

se basó en la herramienta "flujograma<br />

a<strong>na</strong>lizador" (4) con el objetivo <strong>de</strong> observar<br />

más atentamente la micropolítica <strong>de</strong>l trabajo<br />

en salud en la producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>.<br />

Para ello fue necesario entrevistar a<br />

los trabajadores <strong>de</strong> salud, al <strong>cuidado</strong>r/a y<br />

al usuario involucrados en la conducción<br />

<strong>de</strong>l caso. Por medio <strong>de</strong> sus palabras se<br />

reconstruyó el camino recorrido por el<br />

usuario y sus momentos <strong>de</strong> intercomunicación<br />

con los otros actores. Las entrevistas<br />

con los profesio<strong>na</strong>les han sido realizadas<br />

en la unidad <strong>de</strong> salud y con el/la <strong>cuidado</strong>r(a)<br />

y el usuario en el domicilio. En<br />

cada ciudad, se ha construido un banco<br />

<strong>de</strong> casos trazadores y los más significativos<br />

(elegidos en conjunto con los equipos<br />

locales) han sido a<strong>na</strong>lizados.<br />

DISPUTAS EN TORNO A LOS PLANES DE CUIDADO EN LA INTERNACIÓN DOMICILIARIA<br />

→ Vale <strong>de</strong>stacar que se ha optado por esta<br />

herramienta, dado que ha <strong>de</strong>mostrado ser<br />

efectiva en diversas experiencias (4,8,13-<br />

19). Es un instrumento potente para la<br />

construcción <strong>de</strong> mapas <strong>de</strong> procesos <strong>de</strong> trabajo<br />

<strong>de</strong> un servicio <strong>de</strong> salud y <strong>de</strong> su articulación<br />

con la red.<br />

→ Luego <strong>de</strong>l procesamiento <strong>de</strong>l material recolectado,<br />

se realizó la <strong>de</strong>volución hacia el<br />

equipo, a través <strong>de</strong> un flujograma, posibilitando<br />

que ellos se interrogaran respecto al<br />

proceso <strong>de</strong> trabajo existente en el servicio y<br />

en la red <strong>de</strong> servicios <strong>de</strong> salud. De este<br />

modo fue posible promover un análisis más<br />

específico <strong>de</strong> las relaciones establecidas<br />

entre los trabajadores y entre ellos y el usuario,<br />

a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> la percepción sobre las tecnologías<br />

utilizadas, sus manejos y los problemas<br />

<strong>de</strong>l proceso <strong>de</strong> trabajo <strong>de</strong>l equipo.<br />

EL CASO DEL NIÑO FELIZ<br />

A continuación, se presenta un breve<br />

relato <strong>de</strong> un caso, útil para posibilitar u<strong>na</strong> reflexión<br />

sobre la micropolítica <strong>de</strong>l trabajo en salud.<br />

El caso seleccio<strong>na</strong>do para la elaboración<br />

<strong>de</strong>l flujograma a<strong>na</strong>lizador fue el <strong>de</strong> un niño <strong>de</strong><br />

nueve años llamado Feliz (c), que estuvo inter<strong>na</strong>do<br />

en un hospital durante cuatro años <strong>de</strong>bido a un cuadro<br />

<strong>de</strong> neumonía viral que evolucionó a u<strong>na</strong><br />

Enfermedad Pulmo<strong>na</strong>r Obstructiva Crónica (EPOC).<br />

Su primera inter<strong>na</strong>ción hospitalaria ocurrió<br />

a los nueve meses <strong>de</strong> edad y su ingreso en el<br />

Programa <strong>de</strong> Atención Domiciliaria (PAD) <strong>de</strong>l<br />

mismo hospital ocurrió a partir <strong>de</strong> los cuatro años<br />

y medio <strong>de</strong> edad. Sin embargo, para que el niño<br />

pudiera retor<strong>na</strong>r a su casa fue necesario que se<br />

reconstruyera el domicilio <strong>de</strong> su familia (durante<br />

ese proceso, la familia había estado viviendo en<br />

la casa <strong>de</strong> parientes durante un año).<br />

De regreso a su casa, Feliz necesitó <strong>de</strong><br />

la utilización <strong>de</strong> algunos equipos (concentrador<br />

<strong>de</strong> O 2 , BiPAP y cilindro <strong>de</strong> O 2 ), a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> la<br />

presencia regular <strong>de</strong>l equipo <strong>de</strong>l Programa <strong>de</strong><br />

Atención Domiciliaria (PAD) en su casa. El equipo<br />

está compuesto por la trabajadora social, fisioterapeutas,<br />

médico, enfermera, técnica <strong>de</strong> enfermería<br />

y psicóloga.<br />

261<br />

SALUD COLECTIVA, Buenos Aires, 3(3): 259-269, Septiembre - Diciembre, 2007


SALUD COLECTIVA, Buenos Aires, 3(3): 259-269, Septiembre - Diciembre, 2007<br />

262 LUÍS C. DE CARVALHO, LAURA C. M. FEUERWERKER, EMERSON ELIAS MERHY<br />

El momento <strong>de</strong>l regreso fue <strong>de</strong> gran<br />

alegría, tanto para Feliz como para la familia<br />

(representada por la madre, dos herma<strong>na</strong>s, un<br />

sobrino y el padrastro). La madre asume entonces<br />

el papel <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>ra, es quien se encarga<br />

<strong>de</strong> ejecutar el plan <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> elaborado por el<br />

equipo para el niño.<br />

A lo largo <strong>de</strong> la inter<strong>na</strong>ción <strong>domiciliar</strong>ia,<br />

la madre <strong>de</strong>jó <strong>de</strong> cumplir integralmente la<br />

conducta prescrita por el equipo, produciendo<br />

cierta incomodidad en los profesio<strong>na</strong>les, que<br />

reaccio<strong>na</strong>ron proponiendo estrategias con el<br />

objetivo <strong>de</strong> lograr que la <strong>cuidado</strong>ra cumpliera lo<br />

esperado/programado.<br />

Durante las entrevistas con los involucrados<br />

fue posible percibir que la <strong>cuidado</strong>ra no<br />

estaba totalmente <strong>de</strong> acuerdo con el plan <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>s<br />

propuesto por el equipo; ella tenía un plan<br />

propio. Por ejemplo, la madre permitía que el<br />

niño jugara con otros niños sin hacer uso continuo<br />

<strong>de</strong>l oxígeno; le permitía remontar barriletes,<br />

jugar en la are<strong>na</strong>, etc. Tales acciones no eran<br />

aprobadas por el equipo, quienes consi<strong>de</strong>raban<br />

que el niño <strong>de</strong>bía estar las 24 horas ligado al oxígeno.<br />

Durante nuestra observación afloró un<br />

importante a<strong>na</strong>lizador <strong>na</strong>tural <strong>de</strong>l caso (d) –la <strong>disputa</strong><br />

sobre los planes <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> entre la <strong>cuidado</strong>ra<br />

y el equipo– que provocó u<strong>na</strong> serie <strong>de</strong> indagaciones<br />

respecto a la producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>: ¿el<br />

equipo no <strong>de</strong>bería ser más flexible en la elaboración<br />

<strong>de</strong>l plan? ¿Por qué la <strong>cuidado</strong>ra no podía participar<br />

<strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong>l plan? ¿Es posible<br />

compatibilizar los dos planes <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>? ¿Cuáles<br />

son los planes <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> en <strong>disputa</strong>?<br />

REFLEXIONANDO SOBRE EL<br />

ANALIZADOR DISPUTA DE PLANES<br />

DE CUIDADO<br />

El caso <strong>de</strong> Feliz nos posibilita reflexio<strong>na</strong>r<br />

sobre diversos aspectos, entre ellos, la racio<strong>na</strong>lidad<br />

que orienta las acciones <strong>de</strong> los actores<br />

clave. El equipo trabaja sobre todo con un saber<br />

técnico-científico focalizado en la enfermedad,<br />

mientras que la <strong>cuidado</strong>ra trabaja con un saber<br />

<strong>de</strong> madre y <strong>cuidado</strong>ra que está direccio<strong>na</strong>do a la<br />

producción <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>l niño, acarreando los distintos<br />

planes <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

Se percibe que la madre, al mirar a<br />

Feliz, no observa un paciente sino a su hijo, que<br />

necesita <strong>cuidado</strong> y también vivir como un niño.<br />

Sin embargo, el equipo, siguiendo la racio<strong>na</strong>lidad<br />

<strong>de</strong> la "clínica mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, orientada por la<br />

muerte (a<strong>na</strong>tomía patológica), se asienta en la<br />

causa <strong>de</strong> la enfermedad (agente patogénico) y en<br />

su origen espacio-temporal (localización orgánica<br />

e historia sintomática)" (3), teniendo como<br />

objetivo el control/cura <strong>de</strong> la enfermedad.<br />

Esa distinción propicia varias <strong>disputa</strong>s y<br />

conflictos entre los actores, siendo que el saber<br />

que trae la <strong>cuidado</strong>ra no es legitimado por el<br />

mo<strong>de</strong>lo médico hegemónico y, consecuentemente,<br />

por el equipo <strong>de</strong>l PAD.<br />

¿Qué hacer frente a esa situación?<br />

Reflexio<strong>na</strong>mos sobre la posibilidad <strong>de</strong> u<strong>na</strong> nueva<br />

racio<strong>na</strong>lidad que nos trae la figura <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>r,<br />

focalizada en la producción <strong>de</strong> vida y en las<br />

necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> salud <strong>de</strong> los usuarios.<br />

Es importante, en este caso, recuperar el<br />

concepto <strong>de</strong> necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> salud tal como es<br />

<strong>de</strong>sarrollado por Cecílio (20).<br />

Según el autor, las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> salud<br />

pue<strong>de</strong>n ser clasificadas en cuatro conjuntos:<br />

1. Tener "bue<strong>na</strong>s condiciones <strong>de</strong> vida", entendiéndose<br />

que el modo <strong>de</strong> vida produce diferentes<br />

necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> salud.<br />

2. Tener acceso y po<strong>de</strong>r consumir toda la tecnología<br />

<strong>de</strong> salud capaz <strong>de</strong> mejorar y prolongar<br />

la vida.<br />

3. Desarrollar vínculos (a)efectivos entre cada<br />

usuario y un equipo y/o profesio<strong>na</strong>l, vínculo<br />

comprendido como referencia y relación <strong>de</strong><br />

confianza, algo así como "la cara" <strong>de</strong>l sistema<br />

<strong>de</strong> salud para el usuario.<br />

4. Garantizar que "cada perso<strong>na</strong> pueda <strong>de</strong>sarrollar<br />

mayores grados <strong>de</strong> autonomía en su modo<br />

<strong>de</strong> llevar la vida".<br />

Trazando un paralelo con los conceptos<br />

formulados por Cecílio (20), se percibe que el<br />

equipo no consigue garantizar el primero y el<br />

cuarto ítem, presentados por el autor, mientras la<br />

madre consigue contemplar todos los ítems, aunque<br />

no ple<strong>na</strong>mente.<br />

Otros puntos que merecen ser <strong>de</strong>stacados<br />

son las tecnologías utilizadas en el trabajo en<br />

salud <strong>de</strong>sarrollado por el equipo, y las utilizadas


por la <strong>cuidado</strong>ra consi<strong>de</strong>rando las racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s<br />

i<strong>de</strong>ntificadas.<br />

En la literatura, la producción sobre tecnologías<br />

en salud viene incrementándose hace<br />

más <strong>de</strong> u<strong>na</strong> década, y fue iniciada por Gonçalves<br />

(2), que presentó la distinción entre las tecnologías<br />

que están inscritas en las máqui<strong>na</strong>s y en los<br />

instrumentos <strong>de</strong> trabajo y aquellas relacio<strong>na</strong>das<br />

al conocimiento técnico. El autor <strong>de</strong>nominó a las<br />

primeras como "tecnologías materiales" y a las<br />

otras como "tecnologías no materiales". La novedad<br />

<strong>de</strong> su proposición es construir la comprensión<br />

<strong>de</strong>l conocimiento como tecnología. O sea,<br />

los profesio<strong>na</strong>les pasan a ser comprendidos como<br />

sujetos sociales portadores <strong>de</strong> conocimiento y<br />

capacidad <strong>de</strong> ofertar u<strong>na</strong> asistencia <strong>de</strong> calidad.<br />

De ese modo, el trabajo humano se presenta<br />

como fundamental e insustituible en la producción<br />

<strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>. Ya las máqui<strong>na</strong>s e instrumentos<br />

(tecnologías materiales) <strong>de</strong>ben cumplir el<br />

papel <strong>de</strong> tecnologías auxiliares en el trabajo en<br />

salud, posibilitando la <strong>de</strong>finición <strong>de</strong>l diagnóstico<br />

y <strong>de</strong> las terapias (18).<br />

Dando continuidad a los estudios<br />

sobre el tema, Merhy (4,5) emplea u<strong>na</strong> metáfora<br />

para mostrar cómo el uso <strong>de</strong> las tecnologías<br />

pue<strong>de</strong> impactar en el trabajo en salud, expresando,<br />

incluso, el mo<strong>de</strong>lo asistencial subyacente.<br />

Él utiliza la "imagen" <strong>de</strong> tres maletines para<br />

<strong>de</strong>mostrar didácticamente el arse<strong>na</strong>l tecnológico<br />

<strong>de</strong> cada profesio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> salud, lo que no significa<br />

u<strong>na</strong> mirada compartimentada, pues los<br />

tres tipos <strong>de</strong> tecnologías expresan procesos productivos<br />

singulares:<br />

→ el primer maletín representa los instrumentos<br />

y equipamientos (tecnologías duras);<br />

→ el segundo, los saberes estructurados, como la<br />

clínica y la epi<strong>de</strong>miología (tecnologías blandas-duras);<br />

→ el tercero, el espacio relacio<strong>na</strong>l trabajadorusuario<br />

(tecnologías blandas), espacio <strong>de</strong> relaciones<br />

entre sujetos, que solamente tiene<br />

materialidad en el acto, como es el caso <strong>de</strong> los<br />

procesos <strong>de</strong> protección, vínculo y responsabilización<br />

(4,21-24) consi<strong>de</strong>rados como prácticas<br />

<strong>de</strong> intersección en salud (25).<br />

Lo que el autor quiere resaltar con estos<br />

ejemplos es que las combi<strong>na</strong>ciones entre los tres<br />

DISPUTAS EN TORNO A LOS PLANES DE CUIDADO EN LA INTERNACIÓN DOMICILIARIA<br />

"maletines" son estratégicas, <strong>de</strong>finidoras <strong>de</strong>l sentido<br />

<strong>de</strong> los mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> atención a la salud (5).<br />

En este caso se pue<strong>de</strong> verificar que los<br />

profesio<strong>na</strong>les <strong>de</strong> salud operan con tecnologías<br />

duras (equipamientos y protocolos clínicos),<br />

blandas-duras (saber profesio<strong>na</strong>l) y blandas (vínculo).<br />

Sin embargo, siguiendo la lógica <strong>de</strong> la<br />

medici<strong>na</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, los profesio<strong>na</strong>les utilizan las<br />

tecnologías duras como guía en la producción<br />

<strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>, no habiendo posibilidad <strong>de</strong> escucha<br />

y <strong>de</strong> valoración <strong>de</strong> la necesidad <strong>de</strong> Feliz <strong>de</strong> jugar<br />

e interactuar con otros niños.<br />

Observando a la <strong>cuidado</strong>ra, se percibe<br />

que ella opera con otra combi<strong>na</strong>ción <strong>de</strong> tecnologías:<br />

dura (manipulación <strong>de</strong> los equipos y medicamentos),<br />

blanda-dura (saber <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>ra y<br />

madre) y blanda (vínculo-responsabilización,<br />

protección, afecto, amistad, compañerismo, etc.).<br />

En su caso, siguiendo la lógica <strong>de</strong> la producción<br />

<strong>de</strong> vida, son las tecnologías blandas las que operan<br />

como guía <strong>de</strong> la producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong><br />

prestado a Feliz, haciendo posible la atención a<br />

sus necesida<strong>de</strong>s.<br />

Al observar el trabajo en salud <strong>de</strong>sarrollado<br />

por este equipo, po<strong>de</strong>mos percibir que es el<br />

médico quien <strong>de</strong>fine el plan <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> y los<br />

<strong>de</strong>más profesio<strong>na</strong>les generalmente ejecutan lo<br />

pautado. Pero la <strong>cuidado</strong>ra impone su ritmo, atendiendo<br />

a las necesida<strong>de</strong>s propias y las <strong>de</strong>l niño,<br />

interfiriendo activamente en la ca<strong>de</strong><strong>na</strong> productiva<br />

<strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>, siendo muchas veces mirada por el<br />

equipo como alguien que no se ha adherido al<br />

plan, como alguien irresponsable y que no cuida.<br />

Es válido recordar que el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong><br />

la "medici<strong>na</strong> científica" influyó sobre las <strong>de</strong>más<br />

profesiones <strong>de</strong> la salud, basado en u<strong>na</strong> perspectiva<br />

biologicista y mecanicista <strong>de</strong>l ser humano, en<br />

la cual el cuerpo es mirado como u<strong>na</strong> máqui<strong>na</strong>,<br />

elemento esencial <strong>de</strong>l modo <strong>de</strong> producción capitalista.<br />

De este modo, la mediación entre el hombre<br />

y las enfermeda<strong>de</strong>s –realizada por los profesio<strong>na</strong>les<br />

<strong>de</strong> la salud– pasó darse cada vez más a<br />

partir <strong>de</strong> la creciente incorporación <strong>de</strong> procedimientos<br />

y equipamientos que permitirían el<br />

"reparo" <strong>de</strong> los daños.<br />

Utilizando u<strong>na</strong> representación <strong>de</strong><br />

Merhy (5), la medici<strong>na</strong> tecnológica es la expresión<br />

<strong>de</strong> actos fragmentados sobre un usuarioinsumo,<br />

don<strong>de</strong> el vínculo pasa a estar con el examen,<br />

con la consulta y no con el usuario.<br />

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SALUD COLECTIVA, Buenos Aires, 3(3): 259-269, Septiembre - Diciembre, 2007


SALUD COLECTIVA, Buenos Aires, 3(3): 259-269, Septiembre - Diciembre, 2007<br />

264 LUÍS C. DE CARVALHO, LAURA C. M. FEUERWERKER, EMERSON ELIAS MERHY<br />

Al contrario <strong>de</strong> lo hegemónico, un<br />

mo<strong>de</strong>lo pautado en el mundo <strong>de</strong> las necesida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> los usuarios estará centrado en las tecnologías<br />

blandas y blandas-duras, configurando un<br />

proceso <strong>de</strong> trabajo en el cual el aspecto relacio<strong>na</strong>l<br />

(<strong>de</strong> intersección) tiene u<strong>na</strong> presencia fuerte<br />

(5). Por lo tanto, en las tecnologías blandas, que<br />

están presentes en el trabajo <strong>de</strong> todos los profesio<strong>na</strong>les<br />

<strong>de</strong> la salud, las prácticas <strong>de</strong> protección,<br />

vínculo y responsabilización son u<strong>na</strong> apuesta<br />

anti-hegemónica <strong>de</strong> alter<strong>na</strong>tiva a las prácticas<br />

centradas en el núcleo duro <strong>de</strong> las tecnologías y<br />

no en el <strong>cuidado</strong>.<br />

El caso presentado posibilita constatar<br />

que hay diferencias en la producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>,<br />

como ya fue <strong>de</strong>scrito anteriormente. En el<br />

<strong>cuidado</strong> prestado por la <strong>cuidado</strong>ra, la tecnología<br />

blanda comanda el proceso <strong>de</strong> trabajo y el medicamento<br />

y los equipamientos operan como auxiliares.<br />

La relación entre <strong>cuidado</strong>ra y usuario es<br />

dinámica, hay escucha, percepción <strong>de</strong> la singularidad,<br />

valorización <strong>de</strong> los movimientos mutuos<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> y producción <strong>de</strong> salud.<br />

Ya en el <strong>cuidado</strong> prestado por el equipo,<br />

se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que el proceso <strong>de</strong> trabajo es<br />

comandado por la tecnología dura, materializada<br />

en los equipamientos y procedimientos y en la<br />

tecnología blanda-dura, materializada en el saber<br />

estructurado <strong>de</strong> los profesio<strong>na</strong>les. De ese modo,<br />

el trabajador quedó atrapado en la conducta, en<br />

el protocolo clínico, a sus patrones, manteniendo<br />

un lenguaje programado, sin posibilidad <strong>de</strong> nuevas<br />

interacciones, reduciendo el aspecto relacio<strong>na</strong>l<br />

<strong>de</strong> su trabajo, reduciendo su capacidad <strong>de</strong><br />

percibir otras necesida<strong>de</strong>s que no sean las dictadas<br />

por la ciencia.<br />

Prosiguiendo, recurrimos u<strong>na</strong> vez más a<br />

Merhy (4,5), cuando afirma que la producción <strong>de</strong><br />

la salud se realiza, sobre todo, a través <strong>de</strong>l "trabajo<br />

vivo en acto", es <strong>de</strong>cir, el trabajo humano en<br />

el exacto momento en que es ejecutado y que<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> esa producción.<br />

Ya vimos que el trabajo en salud se concretiza<br />

mediante los instrumentos, saberes, normas,<br />

máqui<strong>na</strong>s; o sea, es un proceso <strong>de</strong> trabajo<br />

en el cual interactúan diversos tipos <strong>de</strong> tecnologías.<br />

Son esas interacciones que confieren un cierto<br />

sentido al modo <strong>de</strong> producir salud.<br />

El trabajo hecho en acto es <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>do<br />

"trabajo vivo en acto" y el trabajo realizado<br />

anteriormente, materializado como producto,<br />

es el "trabajo muerto" (4,5,26). Merhy (27) indica<br />

que en el trabajo coexisten los dos tipos <strong>de</strong><br />

trabajo.<br />

Así, en todo proceso <strong>de</strong> trabajo hay un<br />

ajuste <strong>de</strong>l trabajo en acto (exacto momento <strong>de</strong> la<br />

actividad productiva) y el consumo <strong>de</strong> productos<br />

hechos en trabajos anteriores. Por ejemplo, la<br />

producción <strong>de</strong> un automóvil utiliza placas <strong>de</strong><br />

acero; en el proceso <strong>de</strong> montaje en acto, los trabajadores<br />

utilizarán placas que llegaron listas a la<br />

industria automotriz. A su vez, el acero es producto<br />

<strong>de</strong> la producción si<strong>de</strong>rúrgica, realizada<br />

anteriormente por otros trabajadores <strong>de</strong> la ca<strong>de</strong><strong>na</strong><br />

metalmecánica. De esta forma, el trabajo <strong>de</strong><br />

producir automóviles combi<strong>na</strong> trabajos en acto<br />

<strong>de</strong> trabajadores que están utilizando el producto<br />

<strong>de</strong>l trabajo antes realizado por otros trabajadores.<br />

Vale recordar que el trabajo vivo interactúa constantemente<br />

con el trabajo muerto, en procesos en<br />

los cuales interactúan diversos tipos <strong>de</strong> tecnologías.<br />

Por lo tanto, si todo trabajo es mediado por<br />

tecnologías, <strong>de</strong>pendiendo <strong>de</strong> cómo ellas se combi<strong>na</strong>n,<br />

pue<strong>de</strong> haber procesos más creativos, centrados<br />

en las relaciones, o procesos más presos a<br />

la lógica <strong>de</strong> los instrumentos duros, como las<br />

máqui<strong>na</strong>s.<br />

En el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong>l proceso <strong>de</strong> trabajo<br />

en el área <strong>de</strong> la salud, que combi<strong>na</strong> trabajo vivo y<br />

muerto, po<strong>de</strong>mos observar que el comando –por<br />

trabajo vivo o muerto– se <strong>de</strong>fine <strong>de</strong>pendiendo <strong>de</strong><br />

la tecnología asumida por el profesio<strong>na</strong>l como<br />

referencia en la producción <strong>de</strong> la salud.<br />

En el caso <strong>de</strong> Feliz, existe trabajo vivo<br />

y trabajo muerto en las dos situaciones <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>:<br />

<strong>de</strong> la <strong>cuidado</strong>ra y <strong>de</strong>l equipo. En el <strong>cuidado</strong><br />

<strong>de</strong> la madre, prevalece u<strong>na</strong> lógica no tecnificada<br />

<strong>de</strong> actuación: los actos <strong>de</strong> habla, escucha<br />

y la mirada. Las tecnologías blandas comandan<br />

el proceso <strong>de</strong> trabajo y es el trabajo vivo el que<br />

captura al muerto.<br />

En el proceso <strong>de</strong> trabajo comandado<br />

por el trabajo vivo, la <strong>cuidado</strong>ra <strong>de</strong>tenta un<br />

gran margen <strong>de</strong> libertad para ser creativa, relacio<strong>na</strong>rse<br />

con Feliz, experimentar soluciones<br />

para los problemas que surgen y –lo más<br />

importante– interactuar, incorporar al usuario<br />

en el proceso <strong>de</strong> producción <strong>de</strong> su misma<br />

salud, posibilitando que sea protagonista <strong>de</strong> su<br />

proceso salud-enfermedad (18).


Tal perspectiva es central, tanto en la<br />

producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> individual <strong>de</strong> la salud <strong>de</strong><br />

las perso<strong>na</strong>s como en la producción colectiva.<br />

Pues la participación activa <strong>de</strong> la comunidad en<br />

la toma <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisión sobre el ambiente en que<br />

vive es tan importante como la participación <strong>de</strong>l<br />

usuario en la <strong>de</strong>cisión sobre la mejor conducta<br />

clínica para su salud.<br />

En la otra situación, el proceso <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong><br />

<strong>de</strong>sarrollado por los profesio<strong>na</strong>les es guiado<br />

por la tecnología dura (equipamientos y protocolos<br />

clínicos), llevando a la captura <strong>de</strong>l trabajo<br />

vivo por el muerto, o sea, la acción <strong>de</strong>l trabajador<br />

está presa al saber estructurado y al equipamiento,<br />

producto <strong>de</strong> un trabajo anterior. En este sentido,<br />

el proceso <strong>de</strong> trabajo es pre-programado,<br />

limitando la acción <strong>de</strong>l trabajador a lo que ya fue<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, por ejemplo, por la programación<br />

<strong>de</strong>l protocolo clínico.<br />

Esas orientaciones distintas para el plan<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> llevan a que se configure un cotidiano<br />

<strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s constantes entre la <strong>cuidado</strong>ra y el equipo.<br />

La existencia <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> no presupone necesariamente<br />

conflicto. Al contrario, pue<strong>de</strong> propiciar<br />

mejoras en el proceso <strong>de</strong> trabajo <strong>de</strong>sarrollado por<br />

el equipo, mientras exista u<strong>na</strong> predisposición<br />

para enten<strong>de</strong>r, valorar, respetar al otro y, al<br />

mismo tiempo, posibilitar el entendimiento, valoración<br />

y respeto por el otro. Si cada profesio<strong>na</strong>l<br />

se dispone a mirar la situación <strong>de</strong> este modo, se<br />

permitirá afectar y ser afectado por el otro en su<br />

pensamiento, sentimiento y acción.<br />

Durante las entrevistas con los profesio<strong>na</strong>les<br />

involucrados en este caso, no se ha evi<strong>de</strong>nciado<br />

esta disposición <strong>de</strong> escucha o aprendizaje.<br />

Al contrario, quedó claro que el equipo intenta<br />

someter a la <strong>cuidado</strong>ra, buscando que cumpla el<br />

plan <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> elaborado por ellos, o bien<br />

intenta excluir/someter a la madre a través <strong>de</strong><br />

algu<strong>na</strong>s actitu<strong>de</strong>s negativas, no compartiendo<br />

informaciones, ridiculizando su trabajo, etc.<br />

Por otro lado, la <strong>cuidado</strong>ra asume también<br />

el quiebre <strong>de</strong>l diálogo, cuando ignora las<br />

recomendaciones <strong>de</strong>l equipo, o cuando utiliza su<br />

papel <strong>de</strong> madre para obligar al equipo a aceptar<br />

algu<strong>na</strong>s situaciones.<br />

Queda claro, entonces, que la existencia<br />

<strong>de</strong> u<strong>na</strong> diversidad <strong>de</strong> sujetos involucrados en la<br />

gestión <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> propicia constantemente are<strong>na</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s <strong>de</strong> i<strong>de</strong>as/proyectos individuales<br />

DISPUTAS EN TORNO A LOS PLANES DE CUIDADO EN LA INTERNACIÓN DOMICILIARIA<br />

y/o colectivos para la orientación <strong>de</strong>l trabajo. En<br />

este caso particular, esa are<strong>na</strong> <strong>de</strong> <strong>disputa</strong>s se presenta<br />

como un problema para ambas partes.<br />

Según Merhy (28), la institución <strong>de</strong><br />

"plazas <strong>de</strong> conversación" entre los trabajadores y<br />

la <strong>cuidado</strong>ra podría ser u<strong>na</strong> forma <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r el<br />

proceso más sinérgico, pues podría posibilitar el<br />

entendimiento <strong>de</strong>l otro, propiciar pautas en la<br />

producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> y revelar otros asuntos<br />

pertinentes al usuario, al <strong>cuidado</strong>r y al equipo.<br />

El autor consi<strong>de</strong>ra las “plazas” como<br />

espacios <strong>de</strong> comunicación don<strong>de</strong> los profesio<strong>na</strong>les<br />

y las perso<strong>na</strong>s involucradas pue<strong>de</strong>n exponer sus<br />

proyectos, <strong>de</strong>seos, necesida<strong>de</strong>s frente a <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do<br />

asunto pertinente a la producción <strong>de</strong> la salud.<br />

La expansión <strong>de</strong> la dimensión <strong>cuidado</strong>ra<br />

podría ser otra manera <strong>de</strong> intentar aproximar<br />

más al equipo <strong>de</strong> la <strong>cuidado</strong>ra. ¿Y cómo podría<br />

pasar eso?<br />

Según Merhy (22), todo trabajador <strong>de</strong><br />

salud, <strong>de</strong> u<strong>na</strong> forma o <strong>de</strong> otra, produce <strong>cuidado</strong>,<br />

sea <strong>cuidado</strong> individual o colectivo. Hasta los profesio<strong>na</strong>les<br />

no consi<strong>de</strong>rados propios <strong>de</strong> la salud,<br />

como los recepcionistas, pue<strong>de</strong>n producir <strong>cuidado</strong><br />

o <strong>de</strong>s-<strong>cuidado</strong>.<br />

Así, se cree que:<br />

→ los usuarios buscan en los encuentros con los<br />

trabajadores <strong>de</strong> salud, particularmente en los<br />

establecimientos <strong>de</strong> salud, la producción <strong>de</strong><br />

espacios <strong>de</strong> protección, responsabilización y<br />

vínculo;<br />

→ el trabajo en salud no se limita al saber diagnosticar,<br />

pronosticar, curar, producir análisis<br />

epi<strong>de</strong>miológicos, realizar campañas, sino que<br />

también es un proceso y un espacio <strong>de</strong> producción<br />

<strong>de</strong> relaciones e intervenciones, que<br />

ocurre <strong>de</strong> modo compartido, y en el cual hay<br />

un juego entre necesida<strong>de</strong>s y modos tecnológicos<br />

<strong>de</strong> actuar;<br />

→ no hay producción <strong>de</strong> espacios <strong>de</strong> intercambio,<br />

<strong>de</strong> hablar y escuchar, <strong>de</strong> complicida<strong>de</strong>s y<br />

responsabilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> vínculos y aceptaciones,<br />

si no hay trabajo comprometido con la<br />

producción <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> uso.<br />

Mirando el caso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> estos conceptos,<br />

se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que cada profesio<strong>na</strong>l y la <strong>cuidado</strong>ra<br />

poseen su caja <strong>de</strong> herramientas con las tecnologías<br />

en salud, distribuidas en los núcleos <strong>de</strong><br />

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competencia específicos (tecnologías duras y<br />

blandas-duras) y en la dimensión <strong>cuidado</strong>ra (tecnologías<br />

blandas). Lo que va a propiciar la distinción<br />

entre los miembros <strong>de</strong>l equipo son las tecnologías<br />

que portan y la forma <strong>de</strong> operarlas, vinculada<br />

a los encuentros, a la historia <strong>de</strong> vida <strong>de</strong><br />

cada uno, su cultura, condición social, etc.<br />

Según Merhy, la dimensión <strong>cuidado</strong>ra<br />

se revela como el territorio <strong>de</strong> las tecnologías<br />

blandas, no configurándose como campo específico<br />

<strong>de</strong> ningu<strong>na</strong> <strong>de</strong> las profesiones, sino como la<br />

base para la actuación <strong>de</strong> todos. Ella es el espacio<br />

<strong>de</strong> mayor intersección entre los trabajadores y<br />

entre trabajadores y usuarios, con un gran potencial<br />

para la producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> por parte <strong>de</strong>l<br />

equipo, valorando los sentidos <strong>de</strong> la integralidad.<br />

Las tecnologías blandas, siendo utilizadas como<br />

las or<strong>de</strong><strong>na</strong>doras <strong>de</strong> la ca<strong>de</strong><strong>na</strong> productiva <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>,<br />

posibilitan un compromiso permanente <strong>de</strong>l<br />

profesio<strong>na</strong>l, tales como vínculo-responsabilización,<br />

llevándolo a involucrarse con la resolutividad<br />

<strong>de</strong> la acción <strong>de</strong> salud (21) y con la garantía<br />

<strong>de</strong> autonomía <strong>de</strong>l usuario, o sea, el usuario como<br />

protagonista <strong>de</strong> su proceso salud-enfermedad.<br />

En el caso <strong>de</strong> Feliz, la interacción <strong>de</strong>l<br />

equipo con la <strong>cuidado</strong>ra se muestra difícil, pues la<br />

madre utiliza como guía las tecnologías blandas y<br />

el equipo las duras, disminuyendo el espacio <strong>de</strong><br />

intercomunicación entre los dos campos <strong>de</strong> producción<br />

<strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>. A<strong>de</strong>más, los trabajadores no<br />

consi<strong>de</strong>ran la <strong>cuidado</strong>ra como un miembro <strong>de</strong>l<br />

equipo, dificultando aún más la producción <strong>de</strong> un<br />

<strong>cuidado</strong> más resolutivo para el niño.<br />

CONSIDERACIONES FINALES<br />

El trabajo en salud se produce mediante<br />

el encuentro (individual o colectivo) entre<br />

trabajadores y usuarios y se concreta por medio<br />

<strong>de</strong> la utilización <strong>de</strong> u<strong>na</strong> combi<strong>na</strong>ción <strong>de</strong> tecnologías<br />

(duras, blandas-duras y blandas).<br />

Ese encuentro involucra siempre un<br />

cierto grado <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> entre planes <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

Esa <strong>disputa</strong> se explicita más o menos <strong>de</strong>pendiendo<br />

<strong>de</strong> las posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ejercicio <strong>de</strong> autonomía<br />

<strong>de</strong>l usuario (o <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>r en el caso <strong>de</strong> la atención<br />

<strong>domiciliar</strong>ia). A<strong>de</strong>más, <strong>de</strong>pendiendo <strong>de</strong> la<br />

combi<strong>na</strong>ción <strong>de</strong> tecnologías y <strong>de</strong> la disposición<br />

<strong>de</strong> reconocimiento mutuo <strong>de</strong> los agentes, tiene<br />

como resultado el conflicto o la construcción<br />

compartida <strong>de</strong>l plan <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>.<br />

Para haber co-producción, es fundamental<br />

que el/los trabajador/es reconozcan como legítima<br />

la formulación <strong>de</strong> un plan <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> por<br />

parte <strong>de</strong>l usuario o <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>r y que las tecnologías<br />

que favorezcan la comunicación y la construcción<br />

<strong>de</strong> vínculos orienten el trabajo en salud.<br />

En la atención <strong>domiciliar</strong>ia existe u<strong>na</strong><br />

explicitación <strong>de</strong> la existencia <strong>de</strong> <strong>disputa</strong> <strong>de</strong> planes<br />

<strong>de</strong> <strong>cuidado</strong>, ya que uno <strong>de</strong> sus presupuestos<br />

es que el <strong>cuidado</strong>r asuma parte <strong>de</strong> los <strong>cuidado</strong>s<br />

que en otro esce<strong>na</strong>rio <strong>de</strong> práctica sería ofertada<br />

por los equipos <strong>de</strong> salud.<br />

La figura <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>r trae algu<strong>na</strong>s tensiones<br />

y paradojas para el campo <strong>de</strong> la salud que<br />

necesitan ser mejor comprendidas, tanto en la<br />

ca<strong>de</strong><strong>na</strong> productiva <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong> como en los efectos<br />

que ser <strong>cuidado</strong>r produce sobre su misma<br />

salud y calidad <strong>de</strong> vida.<br />

Se presenta –el <strong>cuidado</strong>r– como un<br />

nuevo aliado, que pue<strong>de</strong> contribuir al mejoramiento<br />

<strong>de</strong> la producción <strong>de</strong>l <strong>cuidado</strong>, ya que trae<br />

las referencias <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> la vida hacia el<br />

esce<strong>na</strong>rio <strong>de</strong>l trabajo en salud.


NOTAS FINALES<br />

a. El estudio a<strong>na</strong>lizó experiencias <strong>de</strong> Atención<br />

Domiciliaria en el ámbito <strong>de</strong>l SUS en todas las<br />

regiones <strong>de</strong> país. Los servicios existentes en<br />

Sobral (Ce), Belo Horizonte (MG), Río <strong>de</strong> Janeiro<br />

(RJ), Marilia (SP), Londri<strong>na</strong> (PR) han sido a<strong>na</strong>lizados<br />

<strong>de</strong> acuerdo con la metodología <strong>de</strong>scripta.<br />

b. "[...] son dispositivos inventados e implantados<br />

por los a<strong>na</strong>listas institucio<strong>na</strong>les para propiciar la<br />

explicitación <strong>de</strong> los conflictos y su resolución<br />

[...]" (10).<br />

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c. Este nombre fue escogido por el hecho <strong>de</strong> que<br />

el niño <strong>de</strong>mostraba constantemente este estado<br />

<strong>de</strong> espíritu, situación confirmada por los actores<br />

involucrados en el caso.<br />

d. "[...] son los a<strong>na</strong>lizadores <strong>de</strong> hecho, producidos<br />

"espontáneamente" por la vida misma, históricosocial-libidi<strong>na</strong>l<br />

y <strong>na</strong>tural, como resultado <strong>de</strong> sus<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ciones y <strong>de</strong> su margen <strong>de</strong> libertad."<br />

(10).<br />

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268 LUÍS C. DE CARVALHO, LAURA C. M. FEUERWERKER, EMERSON ELIAS MERHY<br />

Saú<strong>de</strong>: um campo <strong>de</strong> estudo e construção da<br />

integralida<strong>de</strong>. En: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores.<br />

Os Sentidos da Integralida<strong>de</strong> <strong>na</strong> <strong>atenção</strong><br />

e no <strong>cuidado</strong> à saú<strong>de</strong>. Río <strong>de</strong> Janeiro: IMS, UERJ,<br />

ABRASCO; 2001.<br />

8. Franco TB, Merhy EE. Programa <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da<br />

Família (PSF): Contradições <strong>de</strong> um Programa<br />

Desti<strong>na</strong>do à Mudança do Mo<strong>de</strong>lo<br />

Tecnoassistencial. En: Merhy EE, et al. O trabalho<br />

em saú<strong>de</strong>: olhando e experienciando o SUS no<br />

cotidiano. San Pablo: Hucitec 2003. p. 55-124.<br />

9. Ceccim RB. Equipe <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>: a perspectiva<br />

entre-discipli<strong>na</strong>r <strong>na</strong> produção dos atos terapêuticos.<br />

En: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores.<br />

Cuidado: as fronteiras da integralida<strong>de</strong>. San<br />

Pablo: Hucitec; 2004.<br />

10. Baremblit GF. Compêndio <strong>de</strong> Análise<br />

Institucio<strong>na</strong>l e outras correntes: teoria e prática.<br />

Río <strong>de</strong> Janeiro: Rosa dos Tempos; 1992.<br />

11. Silva ALA. Produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> e gestão<br />

em saú<strong>de</strong>: cartografias da gerência. [Tesis<br />

<strong>de</strong> Doctorado en Salud Colectiva]. Campi<strong>na</strong>s:<br />

UNICAMP; 2004.<br />

12. Kessner E, Kalk C, Singer J. Assessing Health<br />

Quality. The Case for Tracers. The New England<br />

Jour<strong>na</strong>l of Medicine. 1973;288(1):189-194.<br />

13. Meneses CS. A unicida<strong>de</strong> do Sistema Único <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> em questão: a integralida<strong>de</strong> e a hierarquização<br />

do <strong>cuidado</strong> sob a perspectiva do trabalho<br />

vivo. [Disertación <strong>de</strong> Maestría en Salud<br />

Colectiva]. Campi<strong>na</strong>s: UNICAMP; 1998.<br />

14. Malta DC. Buscando novas mo<strong>de</strong>lagens em<br />

saú<strong>de</strong>, as contribuições do Projeto Vida e<br />

Acolhimento para a mudança do processo <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>na</strong> re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> Belo Horizonte,<br />

1993-1996. [Tesis <strong>de</strong> Doctorado] Campi<strong>na</strong>s:<br />

UNICAMP; 2001.<br />

15. Jorge AO. A gestão hospitalar sob a perspectiva<br />

da micropolítica do trabalho vivo. [Tesis <strong>de</strong><br />

Doctorado en Salud Colectiva]. Campi<strong>na</strong>s: UNI-<br />

CAMP; 2002.<br />

16. Silva Junior AG, Merhy EE, Carvalho LC.<br />

Refletindo sobre o ato <strong>de</strong> cuidar da saú<strong>de</strong>. En:<br />

Pinheiro R, Mattos RA, organizadores.<br />

Construção da integralida<strong>de</strong>: cotidiano, saberes e<br />

práticas em saú<strong>de</strong>. Río <strong>de</strong> Janeiro: IMS, UERJ;<br />

2003. p. 89-112.<br />

17. Franco TB. Fluxograma <strong>de</strong>scritor e projetos<br />

terapêuticos para análise <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

em apoio ao planejamento: o caso <strong>de</strong> Luz (MG).<br />

En: Merhy EE, et al., organizadores. O trabalho<br />

em saú<strong>de</strong>: olhando e experienciando o SUS no<br />

cotidiano. San Pablo: Hucitec; 2003. p. 161-198.<br />

18. Ministério da Saú<strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

facilitadores <strong>de</strong> educação permanente em saú<strong>de</strong>:<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem-trabalho e relações <strong>na</strong><br />

produção do <strong>cuidado</strong> em saú<strong>de</strong>. Río <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Ministério da Saú<strong>de</strong>, Fiocruz; 2005.<br />

19. Schiffler da Rocha AC, Campos Aguilera CE,<br />

Vieira Marques M; Mendonça PEX. Perspectivas<br />

da utilização do fluxograma a<strong>na</strong>lisador no ensino<br />

da administração em saú<strong>de</strong> <strong>na</strong> Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Medici<strong>na</strong> da UFRJ. Revista Brasileira <strong>de</strong><br />

Educação Médica. 2005;29(3):191-200.<br />

20. Cecílio <strong>de</strong> Oliveira LC. As necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> como conceito estruturante <strong>na</strong> luta pela integralida<strong>de</strong><br />

e equida<strong>de</strong> <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> em saú<strong>de</strong>. En:<br />

Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os Sentidos<br />

da Integralida<strong>de</strong> <strong>na</strong> <strong>atenção</strong> e no <strong>cuidado</strong> à saú<strong>de</strong>.<br />

Río <strong>de</strong> Janeiro: IMS, UERJ, ABRASCO; 2001.<br />

21. Merhy EE. Em Busca da Qualida<strong>de</strong> dos<br />

Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>: os serviços <strong>de</strong> porta aberta<br />

para a saú<strong>de</strong> e o mo<strong>de</strong>lo tecnoassistencial em<br />

<strong>de</strong>fesa da vida (ou como aproveitar os ruídos do<br />

cotidiano dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e colegiadamente<br />

reorganizar o processo <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> busca da<br />

qualida<strong>de</strong> das ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. En: Cecílio <strong>de</strong><br />

Oliveira LC, organizador. Inventando a mudança<br />

<strong>na</strong> saú<strong>de</strong>. San Pablo: Hucitec; 1994.<br />

22. Merhy EE. A perda da dimensão <strong>cuidado</strong>ra <strong>na</strong><br />

produção da saú<strong>de</strong>: uma discussão do mo<strong>de</strong>lo<br />

assistencial e da intervenção no seu modo <strong>de</strong> trabalhar<br />

a assistência. En: Campos CR, Malta DC,<br />

Reis AT, Santos AF, Merhy EE, organizadores.<br />

Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> em Belo Horizonte:<br />

reescrevendo o público. San Pablo: Xamã; 1998.<br />

p. 103-120.<br />

23. Silva Junior AG. Lógicas <strong>de</strong> programas ações<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. En: Barboza P, organizador. Curso <strong>de</strong><br />

Autogestão em Saú<strong>de</strong>. Río <strong>de</strong> Janeiro: Fiocruz,<br />

ENSP; 2001. p. 82-107.<br />

24. Silva Junior AG, Mascarenhas MT. Avaliação<br />

da Atenção Básica em Saú<strong>de</strong> sob a Ótica da<br />

Integralida<strong>de</strong> Aspectos Conceituais e<br />

Metodológicos. En: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores.<br />

Cuidado: as fronteiras da integralida<strong>de</strong>.<br />

San Pablo: Hucitec; 2004.<br />

25. Merhy EE. O SUS e um dos seus dilemas:<br />

mudar a gestão e a lógica do processo <strong>de</strong> trabalho<br />

em saú<strong>de</strong>. En: Teixeira SF, organizadora.<br />

Movimento sanitário: 20 anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia.<br />

San Pablo: CEBES; 1998.


26. Franco TB. Processos <strong>de</strong> trabalho e transição<br />

tecnológica <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> [Tesis <strong>de</strong> Doctorado].<br />

Campi<strong>na</strong>s: UNICAMP; 2003.<br />

27. Merhy EE, Feuerwerker LCM. Atenção<br />

Domiciliar: lugar <strong>de</strong> encontro da medicalização<br />

com a re<strong>de</strong> substitutiva ou transição tecnológica<br />

e/ou reestruturação produtiva <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>: um <strong>de</strong>bate<br />

necessário <strong>na</strong> Atenção Domiciliar. Trabajo pre-<br />

DISPUTAS EN TORNO A LOS PLANES DE CUIDADO EN LA INTERNACIÓN DOMICILIARIA<br />

sentado en el I Seminário Interno <strong>de</strong> Atenção<br />

Domiciliar da linha <strong>de</strong> pesquisa: Micropolítica<br />

do Trabalho e o Cuidado em Saú<strong>de</strong>. Río <strong>de</strong><br />

Janeiro: UFRJ; 2006.<br />

28. Merhy EE. Público e privado: entre aparelhos,<br />

rodas e praças. En: Aciole GG. A Saú<strong>de</strong> no Brasil:<br />

Cartografias do Público e do Privado. San Pablo:<br />

Hucitec; 2006.<br />

FORMA DE CITAR<br />

Carvalho LC, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Disputas en torno a los planes <strong>de</strong> <strong>cuidado</strong> en la Inter<strong>na</strong>ción Domiciliaria: u<strong>na</strong><br />

reflexión necesaria. Salud Colectiva. 2007;3(3):259-269.<br />

Recibido el 5 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007<br />

Versión fi<strong>na</strong>l presentada el 23 <strong>de</strong> septiembre <strong>de</strong> 2007<br />

Aprobado el 19 <strong>de</strong> octubre <strong>de</strong> 2007<br />

269<br />

SALUD COLECTIVA, Buenos Aires, 3(3): 259-269, Septiembre - Diciembre, 2007

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