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A pena de morte no Portugal medievo

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Um luxo para um pais pobre?<br />

A <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> <strong>no</strong> <strong>Portugal</strong> <strong>medievo</strong><br />

Luis Miguel Duarte<br />

antes do estabelecimento da Inquisição, com o século XVI já bem avançado; só duas<br />

ou três informações muito marginais <strong>no</strong>s levaram a corrigir essa convicção. Não há<br />

quaisquer referências a <strong>morte</strong>s por afogamento, por empalamento ou por enterramento.<br />

Mais do que um simples apontamento <strong>de</strong> facto, isto sugere que o valor exemplar<br />

e intimidatório da <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> resultava algo enfraquecido; quase todos os que<br />

eram executados, eram-<strong>no</strong> na forca. Quer o cerimonial <strong>de</strong> enquadramento quer as<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sofrimento infligido eram por isso relativamente limitadas. Salvo casos<br />

absolutamente excepcionais, como gran<strong>de</strong>s execuções políticas, o po<strong>de</strong>r régio em<br />

<strong>Portugal</strong> não parece ter investido muito na espectacularida<strong>de</strong> das execuções capitais.<br />

Se relacionarmos a <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> com outras <strong>pena</strong>s corporais, como creio que<br />

<strong>de</strong>vemos fazer, <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo o leque <strong>de</strong> opções parece reduzido: quase exclusivamente<br />

açoites (sempre que se fala em tortura, é «tortura <strong>de</strong> açoites» 3 ), uma ou outra vez corte<br />

<strong>de</strong> orelhas a ladrões (que não seria uma amputação total, mas a<strong>pena</strong>s a ablação <strong>de</strong><br />

pequenas porções na parte superior das orelhas), amputação <strong>de</strong> mãos, casos <strong>de</strong> crianças<br />

pregadas pelas orelhas ao pelourinho, e grossas agulhas <strong>de</strong> albar<strong>de</strong>iros atravessadas<br />

na língua <strong>de</strong> blasfemadores. Seria a<strong>pena</strong>s esta a panóplia <strong>de</strong> sofrimentos e <strong>de</strong><br />

estigmas físicas <strong>de</strong> que a justiça portuguesa dispunha para impor aos <strong>de</strong>linquentes?<br />

Não estou seguro. Entre os numerosíssimos registos <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas da Câmara do Porto<br />

em 1482-1483, consta um peque<strong>no</strong> item sinistro: gastou-se 35 reais «num navalhão<br />

para fazer justiça». Um «navalhão» é uma “navalha gran<strong>de</strong>”, um “facão <strong>de</strong> caçador”.<br />

Para que servia: para <strong>de</strong>golar pessoas? Para cortar orelhas e mãos? Para infligir outro<br />

tipo <strong>de</strong> sofrimentos físicos que a documentação não <strong>de</strong>screve?<br />

2.2. Se observarmos a evolução diacrónica das leis (do século XII aos séculos XV e<br />

XVI), po<strong>de</strong>mos constatar uma tendência para reduzir os casos em que se prevê<br />

(sublinho, «em que se prevê») a aplicação da <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong>. Concretamente o Livro<br />

V das Or<strong>de</strong>nações Afonsinas, promulgadas em 1446, em numerosos dos seus títulos, e<br />

graças à utilização do estilo <strong>de</strong>cretório, inventaria muitos casos em que os reis passados<br />

previam, para <strong>de</strong>terminados crimes, a <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong>, mas em relação aos quais<br />

o rei Afonso V acrescenta uma <strong>de</strong>claração, cominando um castigo me<strong>no</strong>s drástico.<br />

Será seguro dizer que entre o século XIII e o século XVIII se percorreu um caminho<br />

linear <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> diminuir o número e a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crimes susceptíveis <strong>de</strong><br />

serem castigados com a <strong>pena</strong> capital? Não estou cem por cento seguro, até porque<br />

a chegada da Inquisição veio confundir <strong>de</strong> algum modo os dados do problema.<br />

2.3. Mas a interrogação mais interessante talvez seja outra: este direito <strong>pena</strong>l que,<br />

<strong>no</strong>s séculos XV, XVI e XVII continuava a prever tantos casos <strong>de</strong> <strong>pena</strong> capital, <strong>de</strong> tal<br />

modo que, segundo uma conhecida anedota histórica, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter lido o Livro V<br />

das <strong>no</strong>ssas Or<strong>de</strong>nações, Fre<strong>de</strong>rico da Prússia teria perguntado se ainda restava alguém<br />

vivo em <strong>Portugal</strong>, já que, numa leitura apressada, ficara com a sensação <strong>de</strong> que todos<br />

os peque<strong>no</strong>s ou gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>litos davam direito a forca, seria efectivamente aplicado<br />

3 Com um episódio único <strong>de</strong> «tratos <strong>de</strong> polé», já <strong>no</strong> início do século XVI, aplicado a uma mulher que,<br />

em conluio com o seu amante, um clérigo, terá morto o seu marido à punhalada.<br />

Clio & Crimen<br />

nº 4 (2007), pp. 66/94<br />

ISSN: 1698-4374<br />

D.L.: BI-1741-04

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