You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Um luxo para um pais pobre?<br />
A <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> <strong>no</strong> <strong>Portugal</strong> <strong>medievo</strong><br />
<strong>de</strong> rei misericordioso e pai compreensivo e, fazendo jus à palavra que, segundo<br />
Shakespeare, melhor ficava na boca <strong>de</strong> um rei, a palavra perdão, esquecer o malefício,<br />
mesmo o mais grave, a troco <strong>de</strong> uns milhares <strong>de</strong> reais e <strong>de</strong> uns a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> serviço em<br />
Tânger, Arzila ou Ceuta.<br />
Em Março <strong>de</strong> 1514 eram impressas as Or<strong>de</strong>nações Manuelinas, cujo livro 5º se<br />
ocupa, como nas anteriores Or<strong>de</strong>nações Afonsinas, do direito <strong>pena</strong>l e do processocrime.<br />
Os historiadores do direito rejubilam: com a <strong>no</strong>va energia e as infinitas possibilida<strong>de</strong>s<br />
da imprensa, o direito <strong>pena</strong>l da monarquia chegaria agora a todos os cantos<br />
do rei<strong>no</strong>.Três a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois, em Junho <strong>de</strong> 1517, o mesmo rei D. Manuel promulga<br />
o primeiro Regimento dos Perdões. Este regimento, na prática, anula, porque contorna,<br />
o direito <strong>pena</strong>l laboriosamente aperfeiçoado, ao estabelecer uma tabela com a<br />
multa e o <strong>de</strong>gredo correspon<strong>de</strong>nte a cada crime, dispensando a partir daí o rei <strong>de</strong> ter<br />
uma participação tão activa na concessão <strong>de</strong> perdões, que se tornara absolutamente<br />
massiva.<br />
E <strong>no</strong> entanto, em 1520, como vimos, a cida<strong>de</strong> do Porto executaria cinco homens.<br />
Num clima geral <strong>de</strong> relativa permissivida<strong>de</strong> ou, melhor, <strong>de</strong> pouca vonta<strong>de</strong> para utilizar<br />
a <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> como dispositivo <strong>pena</strong>l e <strong>de</strong> lhe preferir outros castigos, será<br />
que as justiças locais, concelhias e senhoriais, me<strong>no</strong>s sensíveis a consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong><br />
estratégia político-militar, continuavam a fazer bom uso da forca? Fica a pergunta,<br />
como <strong>no</strong> título.<br />
Mas eu, que sou talvez excessivamente crítico com tudo aquilo <strong>de</strong> que mais gosto<br />
(o meu clube, a minha Universida<strong>de</strong>, a minha cida<strong>de</strong> e o meu país), não posso acabar<br />
sem lembrar aos que me dão a honra <strong>de</strong> me ouvir que <strong>Portugal</strong> foi o primeiro<br />
país do mundo a acabar formalmente com a <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong>, por uma lei <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong><br />
Julho <strong>de</strong> 1867 (embora, como se disse na altura, a <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> já tivesse sido abolida<br />
<strong>no</strong> coração <strong>de</strong> todos muitos a<strong>no</strong>s antes). De modo que as últimas palavras não<br />
serão minhas, mas sim <strong>de</strong> Victor Hugo, em 1876: «Está pois a <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> abolida<br />
nesse <strong>no</strong>bre <strong>Portugal</strong>, peque<strong>no</strong> povo que tem uma gran<strong>de</strong> história. [...] Felicito a vossa nação.<br />
<strong>Portugal</strong> dá o exemplo à Europa. Desfrutai <strong>de</strong> antemão essa imensa glória.A Europa imita -<br />
rá <strong>Portugal</strong>. Morte à <strong>morte</strong>! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio.A liberda<strong>de</strong> é uma<br />
cida<strong>de</strong> imensa da qual todos somos concidadãos!».<br />
7. Bibliografia<br />
Luis Miguel Duarte<br />
BAZÁN DÍAZ, Iñaki: Delincuencia y criminalidad en el País Vasco en la transición <strong>de</strong><br />
la Edad Media a la Mo<strong>de</strong>rna. Departamento <strong>de</strong>l Interior <strong>de</strong>l Gobier<strong>no</strong> <strong>de</strong>l País Vasco,<br />
Bilbao, 1995.<br />
DUARTE, Luís Miguel: Justiça e Criminalida<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>Portugal</strong> Medievo (1459-1481).<br />
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1999.<br />
DUARTE, Luís Miguel: «Retalhos da Vida <strong>de</strong> um Rei<strong>no</strong>», O Tempo <strong>de</strong> Vasco da<br />
Gama, dir. <strong>de</strong> Diogo Ramada Curto. Difel, Lisboa, 1998, pp. 305-318.<br />
Clio & Crimen<br />
nº 4 (2007), pp. 83/94<br />
ISSN: 1698-4374<br />
D.L.: BI-1741-04