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A pena de morte no Portugal medievo

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Um luxo para um pais pobre?<br />

A <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong> <strong>no</strong> <strong>Portugal</strong> <strong>medievo</strong><br />

por igual. De modo que <strong>no</strong>s é difícil, hoje, avaliar o seu reinado nesta dimensão <strong>de</strong><br />

justiceiro, e perceber se havia uma parte <strong>de</strong> loucura, até <strong>de</strong> sadismo, eventualmente<br />

potenciados pelo <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> da sua amada Inês, ou se estamos a<strong>pena</strong>s perante um exemplo,<br />

em alguns traços extremo, <strong>de</strong> um rei medieval justiceiro, como muitos que<br />

houve por essa Europa fora.<br />

4. D. João II, o “Príncipe Perfeito”<br />

Luis Miguel Duarte<br />

Avançamos quase século e meio e vamos, <strong>no</strong> final da Ida<strong>de</strong> Média, encontrar o<br />

rei D. João II (1481-1495), por alcunha “o Príncipe Perfeito”, o <strong>no</strong>sso “Rei<br />

Católico”, para <strong>no</strong>s enten<strong>de</strong>rmos. Sempre nesta dimensão da aplicação da justiça e<br />

da <strong>pena</strong> <strong>de</strong> <strong>morte</strong>, <strong>de</strong>paramos com um rei me<strong>no</strong>s brutal e mais “político”. Devido a<br />

uma conspiração <strong>no</strong> seio da alta <strong>no</strong>breza contra o rei, somos brindados com o relato<br />

porme<strong>no</strong>rizado da execução do Duque <strong>de</strong> Bragança, na Praça central <strong>de</strong> Évora,<br />

em 1483:<br />

«E tanto que ho Duque entrou nas ditas casas forão logo juntos muitos carpinteiros, e<br />

officiaes, e com muyta brevida<strong>de</strong> fizerão hum alto e gran<strong>de</strong> cadafalso quasi <strong>no</strong> meo da<br />

praça, e hum corredor, que <strong>de</strong> hua janella das casas hia a elle, e <strong>no</strong> meo do cadafalso<br />

outro peque<strong>no</strong>, pouco mayor que hua mesa, mais alto com <strong>de</strong>grao, tudo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira cuberto<br />

<strong>de</strong> alto abaixo <strong>de</strong> pa<strong>no</strong>s negros <strong>de</strong> dó, e feito, como avia poucos dias que a El Rey<br />

perante o Duque disserão, que se fizera em Paris outra tal cerimonia a hum Duque que<br />

El Rey Luís <strong>de</strong> França [Luís XI] mandou <strong>de</strong>golar […] 27 .<br />

Vestirão lhe [ao Duque] hua gran<strong>de</strong> loba [túnica aberta, antiga, à moda eclesiástica],<br />

capello, e carapuça <strong>de</strong> dó, e atarão lhe diante hum cinto, com hua fita preta, os<br />

<strong>de</strong>dos pollegares das mãos, e em lhos atando lhe disserão, que ouvesse paciência e não se<br />

escandalizasse, porque assi era mandado por El Rey […].<br />

E porque a gente principal do Rey<strong>no</strong> acudio toda a el Rey, era a praça tão chea <strong>de</strong> gente<br />

d’armas, que não cabia, nem pollas ruas, e a Cida<strong>de</strong> toda em gran<strong>de</strong> revolta, o confortarão<br />

muyto [ao Duque], que <strong>de</strong> vista e rumor tão espantoso não tomasse torvaçam<br />

nem escândalo […].<br />

E falando com o confessor, perguntando-lhe se se lançaria, se sobio ao outro cadafalso<br />

mais alto don<strong>de</strong> todos o vião, e assentado nelle com os olhos em Nossa Senhora encomendando<br />

lhe sua alma, chegou a elle por <strong>de</strong>traz hum homem gran<strong>de</strong> todo coberto <strong>de</strong><br />

dó, que lhe não virão o rosto, o quall se affirma não ser algoz, e ser homem honrado,<br />

que estava pera o justiçarem, e por fazer esta justiça em tal pessoa foy perdoado, e com<br />

hua toalha <strong>de</strong> Olanda que trazia na mão lhe cubrio os olhos, e com muyta honestida<strong>de</strong><br />

o lançou <strong>de</strong> costas, pedindo-lhe primeiro perdão, e acabado hum espantoso pregão, que<br />

hum rey d’armas <strong>de</strong>zia, e dous pregoeyros em alta voz davam, o homem com hum gran<strong>de</strong>,<br />

e agudo cutelo, que tirou <strong>de</strong>baixo da loba, perante todos lhe cortou a cabeça. E acabado<br />

<strong>de</strong> o assi <strong>de</strong>golar se tor<strong>no</strong>u pêra a casa don<strong>de</strong> o Duque sayra, por o mesmo corredor,<br />

sem ninguém saber quem era, e o pregão dizia assi: “Justiça que manda fazer El<br />

Rey Nosso Senhor, manda <strong>de</strong>golar Dom Fernando, Duque que foy <strong>de</strong> Bragança, por<br />

27 Só vejo que se tratasse da execução do con<strong>de</strong>stável <strong>de</strong> França, em 19 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1475, por<br />

traição.<br />

Clio & Crimen<br />

nº 4 (2007), pp. 77/94<br />

ISSN: 1698-4374<br />

D.L.: BI-1741-04

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