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RELENDO CÍCERO - Pós-Graduação em História - UFG

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<strong>RELENDO</strong> <strong>CÍCERO</strong>: A FORMAÇÃO DO ORADOR E SUA INSERÇÃO NA<br />

POLÍTICA ROMANA ( SÉCULO I a.C)<br />

Cássio Rodrigo Paula Silveira<br />

Resumo: Considerado um dos oradores mais destacados de seu t<strong>em</strong>po, Cícero nos<br />

chama a atenção não só por sua atuação nos tribunais, mas por sua produção, tanto no<br />

campo da eloqüência, quanto no campo Filosófico e Político. Seu conhecimento da<br />

eloqüência ultrapassa aspectos puramente técnicos. Neste sentido, a Filosofia torna-se<br />

importante ferramenta na produção da argumentação. Expomos neste artigo, o conteúdo<br />

relacionado ao projeto de dissertação apresentado junto ao programa de <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong><br />

<strong>em</strong> <strong>História</strong> (<strong>UFG</strong>). Selecionamos como fontes para nossa pesquisa as obras: A Invenção<br />

Retórica, Bruto e o Orador, todas obras de Cícero.Nossa pesquisa é voltada para a<br />

Formação do orador, segundo a visão de Cícero e como este orador foi perdendo espaço<br />

político no final da República, século I a.C.<br />

Palavras Chave: Retórica Antiga, Oratória, Persuasão, Cícero, República Romana.<br />

Introdução<br />

O objetivo de nossa pesquisa é fazer um estudo sobre a Formação do Orador e sua<br />

inserção dentro da política romana, no contexto de crise da República do século I a. C.<br />

Surgida na região da Magna Grécia, no século V a.C, a Retórica, enquanto técnica de<br />

persuasão, foi ganhando espaço no meio público, à medida <strong>em</strong> que as sociedades gregas<br />

abandonavam o uso da força pelo uso do simbólico.<br />

Aos poucos, v<strong>em</strong>os surgir “especialistas” no ensino e domínio das técnicas retóricas,<br />

dentre eles pod<strong>em</strong>os destacar os Sofistas.<br />

(...) equipar o espírito do cidadão para a carreira de hom<strong>em</strong> de Estado,<br />

formar a personalidade do futuro dirigente da cidade – tal é o programa que<br />

eles conceb<strong>em</strong>. ( MARROU, 1990: 83)<br />

O aspecto técnico da Retórica, e seu despreocupação com o conteúdo, <strong>em</strong> termos de<br />

Moral ou Verdade, não d<strong>em</strong>oraram a despertar, <strong>em</strong> pessoas como Platão, críticas, as quais<br />

acabaram por delegar à retórica status de “engano”, cabendo à Filosofia a Verdade.


Estigmatizada, a Retórica se distanciando da Filosofia, tornando-se, assim, uma disciplina<br />

“menor”.<br />

Com Cícero ter<strong>em</strong>os uma aproximação entre Filosofia e Retórica: versado <strong>em</strong> diversas<br />

áreas, entre elas a Filosofia, o orador ideal deverá buscar nesta a matéria para seu discurso.<br />

Desta forma, o Orador Ciceroniano, acaba por se tornar a síntese entre as duas disciplinas, à<br />

medida <strong>em</strong> que a preocupação com a técnica de composição do discurso sede ao modo como<br />

este discurso será transmitido, b<strong>em</strong> como seu conteúdo que, <strong>em</strong> sua maioria, está carregado de<br />

conteúdo moral.<br />

Com a crise da República Romana, assistimos a uma crise, também, da eloqüência.<br />

Deste modo, os Oradores e, consequent<strong>em</strong>ente, a retórica perde seu status de “prática” ligada<br />

à política para ceder espaço ao entretenimento com as declamationes.<br />

Optamos por estudar a Formação do Orador <strong>em</strong> três obras de Cícero: a Invenção<br />

Retórica, Bruto e Orador. Nestas três obras pod<strong>em</strong>os perceber como a eloqüência, enquanto<br />

prática retórica foi assimilada pelos romanos e como esta técnica de argumentação e<br />

persuasão encontrou espaço no meio público. Sendo reconhecido como um dos oradores que<br />

mais se destacaram <strong>em</strong> seu t<strong>em</strong>po e que mais obras produziu sobre a eloqüência, t<strong>em</strong>os <strong>em</strong><br />

Cícero, não só um político astuto, mas sobretudo, a representação de toda uma geração que<br />

via na República Romana a representação da Liberdade, construída pelos antepassados.<br />

O Orador ciceroniano e a República<br />

O Crescimento da Cidade de Roma, sua organização e suas conquistas, que fizeram<br />

desta uma das cidades mais importante da antiguidade, não foi algo que se deu da noite para o<br />

dia. Seu crescimento, enquanto Império deu-se principalmente pela organização de seu<br />

comércio, suas instituições, seu exército e, sobretudo, pelo corpo social forte e unido,<br />

chamado Nobilitas.( ALFOLDY, 1975: 59).<br />

L<strong>em</strong>brando que a formação do Império Romano foi um longo processo, pod<strong>em</strong>os, no<br />

entanto, destacar três fases que fizeram parte deste imperialismo.<br />

Na primeira fase, conhecida como “Guerra de Defesa”, Roma não promove ataques,<br />

mas se defende daqueles que, atraídos pelo seu crescimento, resolv<strong>em</strong> atacá-la. É importante<br />

destacarmos que, ao se defender dos ataques e invasões, Roma anexa as cidades vencidas: a<br />

região da “Salina”, a mais próxima foi a primeira região conquistada. Mais tarde, <strong>em</strong> 273 a.C.,<br />

ter<strong>em</strong>os a conquista das cidades da Magna- Grécia; estas cidades se encontravam<br />

enfraquecidas devido a conflitos internos.<br />

2


Após ter conquistado toda a península itálica, Roma dá início à conquista do império<br />

Cartaginês, o qual possuía a heg<strong>em</strong>onia da região da Sicília. Esta fase é conhecida como<br />

Guerra de expansão heg<strong>em</strong>ônica ou “Guerras Púnicas”: esta culminará com a destruição da<br />

cidade de Cartago, no norte da África.<br />

Quanto à terceira fase, esta t<strong>em</strong> início <strong>em</strong> 133 a.C. , quando, financiado por<br />

aristocratas e comerciantes que formava a sociedade dos republicanos, Roma inicia a chamada<br />

“Guerra de Expansão Econômica”, passando, assim, de Cidade-Estado a Cosmo-Pólis,<br />

dominado todo o mundo conhecido. É importante destacarmos que o Senado Romano se<br />

encontrava fortalecido, devido ao seu poder que foi aumentado, b<strong>em</strong> como seu aparelho<br />

militar, o qual se encontrava mais organizado e poderoso, contando com generais de renome,<br />

vistos muitas vezes como deuses.<br />

Com a entrada <strong>em</strong> Roma de grande quantidade de tributos, derivado de suas<br />

conquistas, esta conhece um período de inflações: seu custo de vida é aumentado, o que irá<br />

gerar mudanças nas formas de produção.<br />

Com os leilões de novas terras, nobres começam a formar latifúndios, fazendo com<br />

que pequenos proprietários se dirijam às cidades. Isto irá gerar uma “proletarização” do<br />

camponês que irá des<strong>em</strong>borcar na primeira crise da República, a qual será conhecida como<br />

“Questão dos Gracos”, na qual a Plebe irá pedir reforma agrária. A solução encontrada para<br />

esta questão será a fundação de colônias no exterior. Desta forma, a Plebe que reivindicava<br />

terras teria que sair de Roma.<br />

A segunda Crise enfrentada pela República se refere à fuga de escravos <strong>em</strong> massa <strong>em</strong><br />

direção à sua terra natal.<br />

A terceira Crise enfrentada por Roma diz respeito aos seus aliados que reivindicavam<br />

direitos políticos. Conhecida como “Guerra Social” (SOCH: aliados de Roma), esta somente<br />

será acalmada com a intervenção de dois Cônsules Romanos: Mário e Lúcio Cornélio Sila.<br />

Em 70 a.C. Roma contava com 910 mil cidadãos com direito a votar e a ser<strong>em</strong> eleitos.<br />

Não estando preparadas para comportar tantas pessoas, as instituições romanas logo entrarão<br />

<strong>em</strong> crise. Essa crise irá colaborar para a busca de um “Hom<strong>em</strong> Providencial”, ao qual caberia<br />

a tarefa de retirar Roma da crise <strong>em</strong> que se encontrava: instala-se uma verdadeira disputa<br />

entre os generais e suas respectivas Legiões.<br />

Pompeu, grande estrategista, de família eqüestre é escolhido pelo Senado para ser o novo<br />

reorganizador da República. Para tanto, recebe plenos poderes, mesmo s<strong>em</strong> ter seguido o<br />

Cursus Honórium.<br />

3


Entre 67 e 61 a.C., Roma enfrenta três grandes perigos: pirataria, invasão de povos<br />

estrangeiros e ataque à província da Ásia Menor. Todos estes probl<strong>em</strong>as serão resolvidos por<br />

Pompeu, restando-lhe ser aclamado como herói e dominar a República. No entanto, enquanto<br />

Pompeu estava fora, Roma enfrentou uma “Guerra Civil”, entre Optimates e Populares. Desta<br />

disputa surgirão dois líderes: Crasso, representante do Optimates e Júlio César, representante<br />

dos populares. Essa situação obrigará Pompeu a dividir o poder com estes dois novos líderes,<br />

o que dará início ao Primeiro Triunvirato, que se deu entre 56 e 48 a.C.<br />

Não contente com a divisão de poderes, César irá se lançar à conquista da Gália do<br />

Norte e da Bretanha. Voltando de forma gloriosa de suas batalhas, César matará Crasso e<br />

perseguirá Pompeu até o Egito onde o assassinará.<br />

Ao voltar, César declara que a República está <strong>em</strong> perigo e, <strong>em</strong> 44 a.C., consegue<br />

aprovação do Senado para sua ditadura perpétua. Mas, o mal-estar se instalará mesmo na<br />

República quando César mandar cunhar as moedas do Império com seu rosto (fazendo-se<br />

conhecido no Império), e passa a utilizar o título de “Imperador” e usa uma coroa de louros,<br />

l<strong>em</strong>brando a realeza que fora tão combatida para a formação da República.<br />

Assim, <strong>em</strong> 44 a.C., César é assassinado por seus opositores dando início a uma guerra civil.<br />

Cícero<br />

Cícero nasceu <strong>em</strong> Arpino, a 03 de janeiro de 106 a.C, era filho de uma família<br />

abastada da ord<strong>em</strong> eqüestre chamada Cícero que, segundo a tradição, tinha por antepassado<br />

alguém que ostentava na ponta do nariz uma verruga <strong>em</strong> forma de grão-de-bico (Cicer <strong>em</strong><br />

latim). Arpino era, nos finais do século II e princípio do século I a.C, um pequeno município<br />

provinciano do Lácio Meridional, a sudeste de Roma.<br />

Sua família cultivava, com o hábito de uma vida rústica e simples, o tradicional respeito pela<br />

m<strong>em</strong>ória dos antepassados e a prática antiga das virtudes romanas ancestrais, o chamado Mos<br />

Maiorum (“costume dos antepassados”), b<strong>em</strong> como uma nítida preferência pelo regime<br />

republicano, que fora implantado no espaço romano nos finais do século VI a. C., após o fim<br />

da monarquia etrusca. Assim, Cícero era, por nascimento e por educação um conservador.<br />

Ao longo das obras deixadas por Cícero, pod<strong>em</strong>os perceber que este rejeitava a<br />

possibilidade de um conhecimento certo, afirmando, assim, seu direito de adotar a posição<br />

que lhe parecesse <strong>em</strong> cada ocasião mais persuasiva. É importante ressaltarmos que o fato de<br />

este não ter se prendido a nenhuma escola determinada não significa que este não tenha<br />

sofrido influência de outros oradores e outros filósofos: Diódoto ensinou-lhe dialética; os<br />

peripatéticos ensinavam a argumentar <strong>em</strong> defesa dos dois lados de uma causa; os acadêmicos<br />

4


ensinavam a refutar todo e qualquer argumento. Esses últimos foram os mais importantes para<br />

Cícero.<br />

Em 79 e 77, Cícero foi para a Grécia para continuar seus estudos de retórica e<br />

filosofia. S<strong>em</strong>pre deixou clara a importância da filosofia na formação de um Orador, que <strong>em</strong><br />

sua opinião, deve ser capaz de argumentar sobre qualquer assunto.<br />

Foi ridicularizado, <strong>em</strong> Roma, e mal aceito pela classe dirigente que depreciativamente<br />

o rotulava de Homo Nouus (Hom<strong>em</strong> Novo). É importante l<strong>em</strong>brarmos que Homo Nouus era,<br />

para um patrício, todo e qualquer cidadão que não tivesse na família um magistrado curul (<br />

um edil, um pretor, um cônsul ou um Censor) e que aspirasse o carreira política.<br />

Cícero seguiu o Cursus Honorum, que são as etapas descritas acima que deveriam ser<br />

seguidas por aqueles que não tivess<strong>em</strong> magistrados <strong>em</strong> sua família, fazendo sua estréia nos<br />

tribunais durante a ditadura de Sila. Des<strong>em</strong>penhou seu primeiro cargo público, o de Questor<br />

ou oficial de finanças, na Sicília, onde, anos mais tarde, será o responsável pela acusação do<br />

cúpido governador Verres, <strong>em</strong> defesa da ilha.<br />

De volta a Roma, assumiu o cargo de edil, no qual promoveu os esperados espetáculos<br />

públicos com poucos gastos. Apesar desta moderação, superou outros candidatos e elegeu-se<br />

para dois altos cargos com a idade mínima exigida. Tornou-se, assim, Pretor com 40 anos de<br />

idade e Cônsul com 43 anos, no ano de 63 a. C. Havia já trinta anos que um Homo Nouus,<br />

cavaleiro ou plebeu, não ascendia ao consulado.<br />

Já <strong>em</strong> Roma, Cícero casou-se, com cerca de trinta anos, com Terência, filha de uma<br />

família distinta e rica, que lhe proporcionou um significativo dote <strong>em</strong> dinheiro e imóveis.<br />

Com cerca de sessenta anos de idade, e após algumas décadas de vida <strong>em</strong> comum, Cícero irá<br />

divorciar-se de Terência, casando-se, então, com Publília, uma jov<strong>em</strong> herdeira rica de qu<strong>em</strong><br />

era tutor.<br />

Quaisquer que tenham sido de, fato, os verdadeiros motivos para o divórcio e para a<br />

nova união de Cícero, não viria a durar muito t<strong>em</strong>po, apenas cerca de um ano, e não viria a<br />

sobreviver a um dos maiores desgostos de sua vida, se não o maior, a morte de Túlia, sua<br />

filha.<br />

A morte de sua filha, que se deu <strong>em</strong> fevereiro de 45 a.C, <strong>em</strong> decorrência de um parto,<br />

acabou por mergulhar o Orador no maior desgosto: durante meses não foi sequer capaz de<br />

trabalhar. Empenhou-se no projeto de construção de um t<strong>em</strong>plo <strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória da filha e<br />

escreveu uma Consolatio, que dirigiu a si mesmo, invocando a morte de grandes homens.<br />

Todos sabiam que Túlia fora, s<strong>em</strong> dúvida o maior e o mais profundo amor de Cícero.<br />

5


Além de Túlia, Cícero teve outro filho com Terência, Marco, <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

depositara grandes esperanças, mas que não lhe trouxe grandes alegrias. Enquanto Cícero<br />

sonhava <strong>em</strong> fazer de seu filho um grande Orador e Filósofo, este se preocupava <strong>em</strong><br />

“aproveitar a vida”. Instalado <strong>em</strong> Atenas, como filho de um alto dignatário, com casa luxuosa,<br />

escravos, libertos e uma folgada pensão, não se preocupou muito com os estudos, mas com<br />

festas: ganhou o hábito de beber e jamais parou. De marco, conserva-se uma carta <strong>em</strong> que se<br />

manifesta arrependido dos erros cometidos no passado e afirma seu comportamento ex<strong>em</strong>plar.<br />

Perto do fim da vida de Cícero, deu ao pai um grande motivo de orgulho e alegria:<br />

incorporou-se ao exército republicano que estava sendo organizado por Bruto.<br />

A preocupação de Cícero pela formação de seu filho, e seus conselhos de qual<br />

caminho é o melhor para aqueles que quer<strong>em</strong> se dedicar à vida política, pod<strong>em</strong> ser vistos<br />

claramente na obra Dos Deveres.<br />

Dentre os fatos que marcaram a vida política de Cícero, não poderíamos deixar de<br />

destacar a Conspiração de Catilina que o próprio Cícero provocou ao frustrar tanto as<br />

propostas radicais de perdão de dívidas, quanto as ambições do patrício Catilina. A execução<br />

de cidadãos romanos, por parte de Cícero, s<strong>em</strong> julgamento, provocou repulsa <strong>em</strong> alguns<br />

setores, o que culminou com o exílio de Cícero pelo tribuno Públio Clódio, no ano de 58 a. C.<br />

Seu retorno se deu no ano seguinte graças a Pompeu.<br />

As fontes<br />

Ao entrarmos <strong>em</strong> contato com as obras de Cícero, perceb<strong>em</strong>os uma grande<br />

preocupação do autor com o conteúdo e com a forma de suas obras. Independent<strong>em</strong>ente do<br />

t<strong>em</strong>a, pod<strong>em</strong>os perceber que as obras de Cícero carregam consigo, forte conteúdo Moral e<br />

grande profundidade Filosófica, certamente influência da educação romana e da cultura grega.<br />

Com o objetivo de criar no Cidadão um devotamento ao Estado, a Educação Romana<br />

se pautará no respeito ao costume dos antepassados, Mos Maiorum. .( MARROU, 1990: 366).<br />

Este respeito à tradição era transmitido através da família. Ela é, ao olhos dos romanos, o<br />

meio natural <strong>em</strong> que deve crescer e se formar o Cidadão.<br />

A utilização de ex<strong>em</strong>plos tirados da cultura grega, seja filósofos ou el<strong>em</strong>entos da<br />

<strong>História</strong> grega, nos atesta que o autor possuía amplo conhecimento, não só das discussões<br />

referentes à eloqüência grega e a Filosofia, como também da própria história grega:<br />

6


Penso s<strong>em</strong> dúvida que Platão, caso desejasse cultivar o discurso forense, tê-<br />

lo-ia feito de modo grave e copioso; e D<strong>em</strong>óstenes se tencionasse alardear o<br />

que aprendera de Platão, fá-lo-ia de forma brilhante e ataviada. Digo o<br />

mesmo de Aristóteles e Isócrates, cada um dos quais, deliciado com seus<br />

próprios estudos, desdenhou os do outro. ( Dos Deveres, I . 04)<br />

Contudo, Sócrates dizia brilhant<strong>em</strong>ente que o caminho mais próximo e<br />

curto para a Glória é ser o que se deseja parecer. ( Dos Deveres, II. 43)<br />

A influência da cultura grega na cultura romana, não se deu de s<strong>em</strong> nenhuma<br />

resistência. Prova disto foi o fato de as escolas de retóricos latinos, aberta <strong>em</strong> 93 por L. Plócio<br />

Galo, ter<strong>em</strong> sido fechadas no ano seguinte <strong>em</strong> virtude de um Edito dos Censores aristocratas,<br />

Cn. Domício Ahenobarbo e L. Licínio Crasso, como algo contrário aos costumes e à tradição<br />

dos ancestrais. Não será s<strong>em</strong> motivo, portanto que juntamente com o ensino da Retórica <strong>em</strong><br />

grego, também eram ministradas as aulas <strong>em</strong> latim. O uso do latim frente ao grego foi a forma<br />

encontrada para proteger a cultura romana frente a influencia do helenismo. Assim a<br />

Identidade é relacional, marcada pela diferença e sustentada pela exclusão 1 . Embora o contato<br />

com os gregos fizess<strong>em</strong> com que os romanos absorvess<strong>em</strong> muito de sua cultura, havia uma<br />

preocupação <strong>em</strong> dar uma caracterítica romana, aos aspectos recebido dos gregos. Como<br />

ex<strong>em</strong>plo t<strong>em</strong>os a Retórica.<br />

Levando-se <strong>em</strong> consideração que a argumentação está presente <strong>em</strong> toda forma de<br />

discurso, pod<strong>em</strong>os encontrar nas fontes, A Invenção Retórica, Brutus e o Orador, alguns<br />

el<strong>em</strong>entos comuns. Dentre este el<strong>em</strong>entos pod<strong>em</strong>os citar a constante utilização de Ex<strong>em</strong>plos,<br />

tanto tirados da história romana como da história grega. Estes ex<strong>em</strong>plos traz<strong>em</strong> consigo a<br />

tarefa de tornar mais claro um conteúdo que carrega consigo certa complexidade ou certa<br />

importância. Em termos de importância a utilização de ex<strong>em</strong>plos faz com que o conteúdo<br />

possa se assimilado pela m<strong>em</strong>ória que liga, através da analogia, o conteúdo e a seu respectivo<br />

ex<strong>em</strong>plo.<br />

Da mesma maneira que nas formas e nas figuras e imagens há algo perfeito<br />

e extraordinário, cuja imag<strong>em</strong> ideal, r<strong>em</strong>ete, mediante a imitação, tudo<br />

aquilo que não entra no domínio da vista, assim, também, cont<strong>em</strong>plamos<br />

<strong>em</strong> nosso espírito o ideal e buscamos, com nossos ouvidos, a imag<strong>em</strong> da<br />

perfeita eloqüência. ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 9)<br />

7


A utilização de metáforas 2 , também, não só torna presente um conteúdo que está<br />

ausente como confere maior clareza ao discurso. Além disto, a utilização de metáforas faz<br />

com que o auditório, ou aquele a qu<strong>em</strong> o discurso se dirige, possa acompanhar o raciocínio.<br />

É constante, também, nas obras ciceronianas a utilização de digressões. S<strong>em</strong>pre que o<br />

assunto necessita de uma amplitude maior, o autor faz uma digressão. Após o término de suas<br />

digressões, o autor retoma o assunto, fazendo que com que seu destinatário não se perca. A<br />

retomada do assunto, quase s<strong>em</strong>pre, se dá por meio da repetição do assunto que estava sendo<br />

tratado antes das digressões.<br />

Volt<strong>em</strong>os, pois, agora ao orador que quer<strong>em</strong>os esboçar e modelar com<br />

aquela eloqüência que Antônio não conheceu <strong>em</strong> ninguém. ( <strong>CÍCERO</strong>. O<br />

orador. 33)<br />

A justificativa do motivo da produção da obra, tanto no início como no decorrer de<br />

suas obras, também atestam a importância da discussão do assunto.<br />

Por último, merece destaque o fato do autor citar sua própria vida como ex<strong>em</strong>plo. Se,<br />

ao longo de suas obras Cícero faz constantes alusões a personagens gregos e romanos, ele<br />

também inclui-se entre estes personagens.<br />

Todo o meu discurso <strong>em</strong> defesa de Cecina girou <strong>em</strong> torno dos términos do<br />

interdito; expliquei as coisas obscuras mediante definições, citei o direito<br />

civil, esclareci os termos ambíguos. Em meu discurso sobre a lei Manília,<br />

elogiei a Pompeu, usei o estilo moderado com o qual recorri toda matéria<br />

que era objeto de elogio. ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 102)<br />

Tudo isto, confere autoridade ao autor e o torna digno de fé. Sua vida, neste sentido, acaba<br />

se tornando importante el<strong>em</strong>ento na produção de persuasão.<br />

A) A Invenção Retórica<br />

Quando Cícero se colocou a tarefa de escrever um ambicioso tratado, que deveria ser<br />

A Invenção Retórica, seu intuito era refletir o estado dos conhecimentos retóricos da época,<br />

conservando uma certa independência frente às fontes gregas, procurando adaptar seus<br />

conteúdos à realidade social e cultural romana. Embora houvesse planejado discutir as cinco<br />

partes da retórica, é um estudo somente da Inventio, isto é, dos vários tipos de causa e<br />

argumento que se deve utilizar <strong>em</strong> cada ocasião.<br />

8


Através desta fonte é possível termos uma idéia muito próxima daquilo que se<br />

ensinavam os Rhetores Latini. Além disto, o autor analisa, na introdução, certos princípios<br />

gerais sobre a natureza e a história da retórica.<br />

Assim, após longas reflexões, analises me levaram a concluir que a<br />

sabedoria s<strong>em</strong> eloqüência é pouco útil para os Estados, mas que a<br />

eloqüência s<strong>em</strong> sabedoria é quase prejudicial e nuca é útil. ( A Invenção<br />

Retórica, I. 01)<br />

Então um hom<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> dúvida superior e sábio, descobriu as qualidades que<br />

existiam nos homens , sua disposição para realizar grandes<br />

<strong>em</strong>preendimentos tornou possível desenvolve-las e melhora-las mediante a<br />

instrução. ( A Invenção Retórica, I. 02)<br />

É possível percebermos, ainda nesta primeira obra, um destacado interesse do autor<br />

pelos estudos filosóficos, b<strong>em</strong> como um tratamento bastante pormenorizado das fontes do<br />

direito, que deveu muito às discussões entre jurisconsultos e retores da geração anterior à sua.<br />

Vejamos, agora, os preceitos relativos a este estado de causa. Ambas as<br />

partes( ou todas, se houver mais de duas partes implicadas) dev<strong>em</strong> examinar<br />

os fundamentos do direito. Sua orig<strong>em</strong> está manifesta na natureza. Certos<br />

direitos passaram logo ao costume <strong>em</strong> virtude de sua utilidade (...)<br />

(A Invenção Retórica, II. 65)<br />

É importante destacarmos, ainda, que Cícero se esforça, nesta obra, por dar algo mais<br />

que os tradicionais manuais de retórica, ao definir sua posição <strong>em</strong> relação à questões teóricas<br />

gerais, tais como a relação entre filosofia e retórica; a orig<strong>em</strong> desta e sua função na sociedade<br />

ou a conveniência de se distinguir a boa e a má eloqüência.<br />

B) Bruto<br />

Na obra Bruto, Cícero descreve, as habilidades que deve possuir um bom orador.<br />

Além disto, analisa as diversas escolas <strong>em</strong> que se incluíam os “cultivadores” desta arte, desde<br />

o asianismo até o aticismo. Cícero declara, ao aticismo, sua adesão como a mais adequada ao<br />

discurso propriamente romano.<br />

A obra começa com a Laudatio Funebris de Hortênsio, qu<strong>em</strong>, apesar de diversas vezes<br />

ter-se enfrentado com Cícero <strong>em</strong> diversos processos, era, no entanto, seu amigo tanto no plano<br />

político quanto no plano pessoal.<br />

Ao longo da obra, Cícero apresenta uma “estética” da eloqüência e se ocupa da busca<br />

da beleza como prazer estético e como el<strong>em</strong>ento de persuasão. Também estão s<strong>em</strong>pre<br />

presentes as considerações sobre política, pois tanto na Grécia como <strong>em</strong> Roma, retórica e<br />

9


política s<strong>em</strong>pre andaram juntas: não havia um bom político que não fosse um bom orador e<br />

vice-versa.<br />

De modo geral, Cícero quer mostrar a seus concidadãos, que exaltavam somente os<br />

modelos gregos, que também <strong>em</strong> Roma a eloqüência, de rude e inculta <strong>em</strong> suas origens, foi<br />

amadurecendo ao longo dos séculos até alcançar, no t<strong>em</strong>po de Cícero, quase a perfeição.<br />

C) O Orador<br />

A obra O Orador, Composta no ano de 46 a.C.,é a última das obras escritas por Cícero<br />

sobre Retórica. Esta obra nos revela com maior clareza suas idéias sobre esta disciplina. Esta<br />

obra trata das qualidades que deve possuir o orador ideal, dentre elas o conhecimento de mais<br />

de uma ciência, b<strong>em</strong> como o decorum que é capacidade de ver o que é conveniente <strong>em</strong> cada<br />

momento. Cícero se ocupa, também, dos diversos estilos de oratória, a harmonia da frase e,<br />

finalmente, das partes do discurso e do ritmo que deve caracterizá-lo.<br />

É possível percebermos, na obra A Invenção Retórica, certa preocupação do autor<br />

com el<strong>em</strong>entos ligados à técnica, característica e influência da Retórica Grega e que, com o<br />

passar do t<strong>em</strong>po, foram se agregando novos el<strong>em</strong>entos à forma de se produzir o discurso.<br />

Dentre estes el<strong>em</strong>entos, merece destaque o fato do autor, já <strong>em</strong> sua maturidade, O Orador e<br />

Bruto, se preocupar tanto com el<strong>em</strong>entos ligados à forma como ao conteúdo do discurso. Esta<br />

preocupação com o conteúdo, nos atesta a influência da filosofia no pensamento ciceroniano.<br />

Assim, de mera técnica de argumentação, a Retórica recebe o status de ensinamento,<br />

resolvendo o conflito entre Retórica e Filosofia. Neste sentido, t<strong>em</strong>os o surgimento do Orador<br />

ciceroniano que, não só se sobressai <strong>em</strong> diversos estilos, como também se destaca por seu<br />

conteúdo Moral, que se reflete tanto <strong>em</strong> seus discursos, quanto <strong>em</strong> seu modo de vida<br />

O Orador Perfeito<br />

Embora a Retórica Romana fosse uma releitura da Retórica grega (MARROU, 1990:<br />

391 ), pod<strong>em</strong>os perceber que esta superou a mera aplicação de regras que garantiss<strong>em</strong> a<br />

persuasão. A importância dada por Cícero ao estudo da filosofia, nos atesta isto. A<br />

eloqüência, segundo Cícero, não é tirada da oratória, mas da filosofia:<br />

Confesso que sou um orador, formado não nas oficinas dos retores, mas<br />

pela acad<strong>em</strong>ia.” ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 12)<br />

10


Se, no período sofístico, tínhamos um <strong>em</strong>bate entre Filosofia e Retórica, devido a uma<br />

despreocupação com a Verdade, e portanto com o conteúdo do discurso, <strong>em</strong> Cícero esta<br />

questão é resolvida. Segundo o autor, ambas se compl<strong>em</strong>entam . Cícero chega a citar Péricles<br />

como ex<strong>em</strong>plo de bom Orador, principalmente por este ter tido contato com a Filosofia. E<br />

mais, Cícero critica ferozmente aqueles que acreditam que o simples fato de falar, os torna<br />

oradores.<br />

Por isto, Marco Antônio, a qu<strong>em</strong> na época de nossos antepassados concedeu<br />

o primeiro lugar na eloqüência, hom<strong>em</strong> por natureza agudíssimo e hábil, no<br />

único livro que nos deixou, disse que havia visto muitas pessoas que sabiam<br />

falar, mas <strong>em</strong> absoluto, a nenhum orador” ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 18)<br />

A Construção de um tratado de Retórica no inicio de sua carreira, nos atesta a<br />

preocupação do autor com os el<strong>em</strong>entos técnicos 3 , b<strong>em</strong> como a preocupação <strong>em</strong> se criar uma<br />

Retórica tipicamente Romana (MARROU, 1990: 402).<br />

A construção do Orador, como síntese entre Retórica e Filosofia, nos mostra a<br />

importância de se produzir um discurso com conteúdo, que tenha el<strong>em</strong>entos capaz de<br />

transmitir algum “ensinamento”, seja de conteúdo moral ou filosófico.<br />

Ao atribuir determinadas qualidades ao perfeito orador, Cícero critica a ausência<br />

destas mesmas qualidades entre os oradores de seu t<strong>em</strong>po. Dentre estas qualidades está o fato<br />

de alguns renomados oradores dominar<strong>em</strong> e sobressaír<strong>em</strong> <strong>em</strong> apenas um dos três estilos<br />

(Simples, Médio e Sublime ). Para Cícero, o orador perfeito não se sobressai <strong>em</strong> apenas um<br />

estilo, mas consegue se destacar nos três.<br />

Três são os estilos nos quais, separadamente, alguns t<strong>em</strong> se destacado, mas,<br />

isto é o que buscamos, poucos são os que t<strong>em</strong> feito por igual <strong>em</strong> todos(<br />

CICERO. O orador. 20)<br />

Não é tarefa fácil definir o orador perfeito. Primeiro, porque a perfeição é algo relativo<br />

e, depois, porque cada campo possui seu ex<strong>em</strong>plo de perfeição.<br />

Como definir uma regra ou fórmula, quando cada campo t<strong>em</strong> seu modelo<br />

de perfeição e quando há muitos campos?( CICERO. O orador. 36)<br />

11


Onde, então, encontraríamos o Orador perfeito? Para Cícero, no gênero judiciário,<br />

<strong>em</strong>bora tome grande quantidade de recursos do gênero d<strong>em</strong>onstrativo. O gênero<br />

d<strong>em</strong>onstrativo é, assim, definido pelo autor:<br />

do discurso:<br />

Assim, pois, no citado gênero d<strong>em</strong>onstrativo, se trata de um tipo de<br />

discurso agradável, fácil, abundante, com frases criativas e palavras<br />

harmoniosas (...). ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 43)<br />

E mais: há tantos tipos de oradores quanto tipos de estilo. ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 53)<br />

Mais importante que as palavras usadas no discurso ou seus adornos, é a transmissão<br />

Tendo encontrado o que dizer, e <strong>em</strong> que ord<strong>em</strong>, o mais importante é de que<br />

modo transmitir” ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 51)<br />

Entend<strong>em</strong>os por discurso, a ação de falar do Orador :<br />

Ainda que toda ação de falar seja um discurso, é no entanto, a ação de falar<br />

do orador que recebe o nome de discurso” ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 64)<br />

Para Cícero, o ato de falar consiste <strong>em</strong> duas coisas: ação e elocução. A ação é a<br />

eloqüência do corpo e se baseia na voz e no movimento:<br />

As mudanças na voz são tantas quanto as mudanças de sentimentos, os<br />

quais, por sua vez, são especialmente provocados pela voz.” ( CICERO. O<br />

orador. 55)<br />

A importância dos gestos e a postura do orador são tão importantes quanto a<br />

construção lógica de um discurso. Neste sentido, o orador deverá preparar a voz:<br />

Deverá ser moderado no olhar:<br />

(...) adotará um determinado tom de voz segundo o sentimento que queira<br />

dar a impressão que o afeta e segundo o sentimento que queira provocar no<br />

ânimo do ouvinte. ( CICERO. O orador. 55)<br />

Assim, pois, esse orador de primeira ord<strong>em</strong>, variará e mudará a voz,<br />

subindo-a algumas vezes e baixando-a <strong>em</strong> outras, percorrerá toda escala<br />

sonora.” ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 59)<br />

12


Assim como o rosto é a imag<strong>em</strong> da alma, assim os olhos são os intérpretes;<br />

os próprios assuntos que se tratam moderam sua alegria e, sucessivamente,<br />

sua tristeza.” ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 60)<br />

A debilidade na ação gera o desprestígio e enfraquece a autoridade. Não se dá crédito<br />

àqueles que não falam com o corpo. Assim, não basta o conteúdo da Filosofia para ser<br />

persuasivo. É necessário ter vitalidade, que apenas a oratória do Foro e capaz de ter (<br />

<strong>CÍCERO</strong>. O orador. 63)<br />

Um dos el<strong>em</strong>entos mais importantes para a atuação do orador é o Decorum, ou seja, o<br />

que é conveniente <strong>em</strong> cada ocasião.<br />

Será, pois, eloqüente – eloqüente é, com efeito, qu<strong>em</strong> pretend<strong>em</strong>os definir,<br />

segundo as indicações de Antônio –aquele que, nas causas forenses e civis,<br />

fala de forma que prove, agrade e convença (...)( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 69)<br />

Saber discernir o que é conveniente <strong>em</strong> cada momento, pode garantir a eficácia do<br />

discurso: ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador.70), Assim, como o não conhecer o que é conveniente pode<br />

levar ao erro, não só na vida, como na poesia e na eloqüência<br />

Efetivamente, da mesma forma que na vida, também nos discursos, o mais<br />

difícil é ver o que é conveniente” ( <strong>CÍCERO</strong>. O orador. 70)<br />

Esta sensibilidade de adequação ao momento, só pode ser adquirida com a prática, e<br />

portanto, com experiência e muito estudo.<br />

Afinal, não sei se a maioria de nossos oradores, não valiam mais por seu<br />

talento que por seus conhecimentos, de maneira que eram mais competentes<br />

na hora de pronunciar discursos que na hora de ensinar eloqüência” (<br />

<strong>CÍCERO</strong>. O orador. 143)<br />

Deste modo, o orador idealizado por Cícero t<strong>em</strong> conhecimento <strong>em</strong> mais de uma área,<br />

como Filosofia, Direito e <strong>História</strong>:<br />

Conheça, também, a sucessão de fatos e a história do passado, sobretudo<br />

de nossa cidade, mas também dos povos dominantes e de reis ilustres”. (<br />

<strong>CÍCERO</strong>. O orador. 120)<br />

A constituição de um orador com tamanha carga cultural e “sensibilidade” para<br />

perceber o momento de se aplicar suas estratégias discursivas, nos atestam o quanto persuadir<br />

se torna difícil à medida <strong>em</strong> que o público, ou destinatário, se torna exigente. Esta exigência<br />

13


se dá, principalmente, quando àqueles a qu<strong>em</strong> se destina o discurso, também t<strong>em</strong><br />

conhecimento das técnicas usadas na persuasão.<br />

Essa dinâmica da Retórica faz com que o estudo e a constante prática se torn<strong>em</strong><br />

el<strong>em</strong>entos imprescindíveis para se chegar à perfeição.<br />

Considerações finais<br />

É na prática, e não na simples construção da argumentação que se conhece o orador. E<br />

só um sist<strong>em</strong>a de governo que garanta a Liberade pode garantir o desenvolvimento deste<br />

“personag<strong>em</strong>”. Deste modo, quando a República entra <strong>em</strong> crise, t<strong>em</strong>os também uma crise na<br />

oratória, uma vez que é no meio político que se deve desenvolver a argumentação.<br />

Embora a Retórica existisse desde o século V, somente no século I a. C ter<strong>em</strong>os seu<br />

pleno florescimento. Este desenvolvimento da Retórica acompanhou, segundo nossa visão, o<br />

próprio desenvolvimento da cidade e de suas Instituições.<br />

Mais que um indivíduo dotado de conhecimentos, o Orador ciceroniano é um<br />

indivíduo ligado à prática Moral. É sua história de vida e seu comprometimento com a pátria<br />

e seus concidadão que lhe garantirá autoridade no falar. Indivíduos como César, também tinha<br />

conhecimento de Oratória, porém sua prática de vida contrária ao costume dos antepassados<br />

fazia dele um “inimigo”, segundo Cícero, da República Romana.<br />

Sendo assim, mais que o domínio de el<strong>em</strong>entos ligados à técnica, o Orador deveria ter<br />

uma postura que encontrasse aceitação entre os m<strong>em</strong>bros das mais diversas facções.<br />

Aos poucos, principalmente com a crise da República, este orador, comprometido com<br />

a vida pública, começa a perder espaço. Com as declamationes, O próprio status da retórica<br />

se transforma: não há mais uma preocupação com a produção de argumentos que possam<br />

levar à persuasão, mas com o deleite.<br />

Com o fim da República termina também o período da Liberdade, tão importante à<br />

oratória. Chega ao fim, segundo Cícero, o período dos Grandes Oradores.<br />

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2<br />

A metáfora é uma figura que se caracteriza por denominar representações para as quais não se encontra um<br />

designativo mais adequado. Dentre os processos próprios da metáfora, pod<strong>em</strong>os citar: Transferência ou<br />

transposição e a associação.<br />

3<br />

A preocupação com el<strong>em</strong>entos técnicos é algo que antecede o período ciceroniano e que, possivelmente, surge<br />

no período da primeira sofística. Para alguns sofistas, a retórica não passava de mera aplicação de regras, as<br />

quais tornava infalível.<br />

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