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JAMB CULTURA - Associação Médica Brasileira

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Acervo do Museu da Medicina do Centro Médico de Ribeirão Preto<br />

Jamb Cultura<br />

Este caderno é parte integrante do Jornal da <strong>Associação</strong> <strong>Médica</strong> <strong>Brasileira</strong> (AMB) – Coordenação: Hélio Barroso dos Reis<br />

Bimestral janeiro/fevereiro de 2012 – nº 13<br />

Autor: Dr. Célio Ronchini Lima<br />

Obra: Lóbulos Hepáticos Clássicos<br />

Dimensões: 25 x 20 e 7 cm de altura<br />

Técnica utilizada: papel<br />

Ano: 2000<br />

Boa Leitura<br />

O<br />

trabalho médico é árduo, incessante,<br />

cansativo, mas muito gratificante.<br />

Trabalhamos 60, 70 e até mais horas<br />

por semana e nunca devemos ter em mente<br />

que o mais importante é o foco nos nossos<br />

queridos pacientes.<br />

Nós médicos precisamos também estudar,<br />

manter o ensino médico continuado, a atualização<br />

profissional. Necessitamos ainda do convívio<br />

com a família, com os amigos, do lazer.<br />

O Jamb Cultura mostra bem o que nós médicos<br />

também fazemos com muito prazer. Temos a<br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104<br />

Célio Ronchini Lima, nascido em Ribeirão Preto<br />

– SP, 1932. Atualmente com 79 anos, formado<br />

em Medicina em 1958 na Faculdade Nacional<br />

de Medicina (Praia Vermelha), fez especialização<br />

em coloproctologia pela Sociedade <strong>Brasileira</strong><br />

de Coloproctologia e pela <strong>Associação</strong> <strong>Médica</strong><br />

<strong>Brasileira</strong> (1960); membro jubilado dessa<br />

sociedade e membro da Sociedade <strong>Brasileira</strong> da<br />

História da Medicina. Utiliza a escultura desde os<br />

anos 60 em materiais plásticos (argila, durepoxi<br />

e outros) para representar esquematicamente<br />

estruturas anatômicas e anatomopatológicas,<br />

as quais foram motivos para várias exposições<br />

realizadas em congressos de cirurgia e de coloproctologia,<br />

em diversas cidades do Brasil. É o<br />

responsável pelo Museu da Medicina do Centro<br />

Médico de Ribeirão Preto, desde a sua criação<br />

em 2000. Nesse museu encontram-se mais de<br />

400 esculturas que representam áreas da medicina<br />

como: biologia celular, embriologia, morfologia,<br />

patologia e hepatologia. Na foto, a peça<br />

faz parte de uma coleção de ortopedia.<br />

oportunidade de aqui ver af lorar muitos valo-<br />

res, de vermos a divulgação do que também<br />

fazemos e muito bem.<br />

Deleitemo-nos com essa prazerosa leitura,<br />

que também diz muito do que somos, especialmente<br />

sensíveis.<br />

Vamos adiante, trabalhando e produzindo<br />

(cultura também), para que vivamos mais e<br />

melhor. Feliz 2012 a todos!<br />

Florentino Cardoso,<br />

Presidente da AMB<br />

97


98<br />

Jamb Cultura<br />

Crônica<br />

Tudo começou ao ser-me enviado um paciente<br />

com um problema pulmonar, cujos clínicos não<br />

haviam conseguido solucionar, necessitando de<br />

uma biopsia pulmonar, cujo diagnóstico efetuado<br />

pelo Dr. Matosinho França revelou tratar-se de<br />

asbestose. Apresentei o caso no Congresso Nacional<br />

de Pneumologia e Tisiologia da Bahia, que<br />

acabou se transformando em um sucesso, ante a<br />

singularidade da época, onde praticamente não<br />

havia referências diagnósticas em nossas estatísticas.<br />

Fui, em seguida, procurado pelo presidente<br />

da maior firma do mundo ocidental (estávamos em<br />

plena era da guerra fria) para colaborar na aplicação<br />

dos meios possíveis à prevenção da eventual<br />

doença pulmonar derivada da inalação do pó, em<br />

sua fábrica em Guarulhos. Somente o gigantesco<br />

aspirador para as áreas onde havia pó custara na<br />

época a bagatela de um milhão de dólares. Já nesta<br />

ocasião proliferavam-se as temidas “litigations” na<br />

América do Norte, daí seu temor. Além de impormos<br />

os índices preconizados pelas recomendações<br />

do departamento de trabalho americano, exigia-se<br />

dos funcionários máscaras, uniformes especiais,<br />

banho após a jornada de trabalho, armários diferenciados<br />

para a roupa de trabalho e a de uso pessoal,<br />

proibição absoluta de fumar, umidificação constante<br />

nos locais onde havia pó, apresentação de um<br />

audiovisual educativo em que se explicava o trabalho<br />

com o amianto, a fim de conscientizar os operários<br />

para o risco. Pesquisávamos constantemente<br />

a quantidade de fibras de amianto por volume de<br />

ar, controle periódico radiológico e funcional dos<br />

pulmões. Resolvemos introduzir uma nova linha<br />

de pesquisa no ambiente de trabalho, solicitando a<br />

colaboração dos professores Donato de Prospero e<br />

Carlos Andretta, da Faculdade de Ciências <strong>Médica</strong>s<br />

da Santa Casa de São Paulo, com a aquiescência<br />

dos operários. Assim, cada um recebia no início da<br />

jornada de trabalho um frasco de boca larga, preso<br />

à cintura, no qual expectoravam durante toda a<br />

jornada de trabalho. Este frasco era trocado todos os<br />

dias nos subsequentes três dias. Foram pesquisados<br />

corpos asbestiformes, corpos ferruginosos e célula<br />

de câncer. Estas últimas nunca foram encontradas,<br />

mas nos outros dois itens percebemos coisas curiosas.<br />

Mesmo os mais novos, com todos os recursos já<br />

mencionados, apresentavam entre os fumantes fora<br />

do ambiente de trabalho, maior incidência daquelas<br />

variáveis, em contraste com funcionários mais<br />

velhos não fumantes. Isto mostrava o grande perigo<br />

Num curso de inglês<br />

da associação amianto e fumo. O trabalho teve<br />

repercussão, especialmente no meio específico,<br />

tendo então sido convidado a participar de<br />

um simpósio sobre a matéria, em Denver, nos<br />

Estados Unidos, e na cidade de Asbestos, onde<br />

se localizavam as minas Jeffrey, as maiores do<br />

mundo ocidental, no Canadá. Surpreso com o<br />

convite, mas sabendo de minhas deficiências<br />

naquela língua, fui obrigado a fazer um curso<br />

intensivo. Recomendaram-me uma escola, que<br />

só pelo nome já me deixara cativo: “West Side<br />

School”, recordando a opereta americana, travestida<br />

com a célebre história de Romeu e Julieta,<br />

entre duas gangues na parte mais problemática<br />

de Nova York, na peça de Arthur Laurents,<br />

musicada brilhantemente por Leonard Bernstein,<br />

pontificando entre outros a belíssima, cativante<br />

e inesquecível Nathalie Wood, a “Julieta”<br />

local. Entre os trabalhos, além da prática oral,<br />

deveria criar textos e traduzir obras consagradas.<br />

Foi uma destas, que tinha a ver com o fundo<br />

daquele bairro problemático da cidade de Nova<br />

York, que me encantei com o enredo, que verti<br />

ao nosso vernáculo:<br />

A Verdadeira pátria de Saburo<br />

Cordelia Baird Gross<br />

Tradução – M.I.Rollemberg<br />

Há muitos anos, fui professora de um grupo<br />

de rapazes problemáticos em um colégio da<br />

cidade de Nova York. Eram altos, fortes, barulhentos,<br />

com péssimo comportamento. Ocasionalmente<br />

aparecia um bom estudante. Um dia,<br />

um rapaz japonês, Saburo Yamasaki, foi registrado<br />

em minha classe. Era pequeno e frágil. A<br />

única coisa mais sólida em Saburo eram suas<br />

grossas lentes e uma enorme maleta de documentos<br />

de cor preta. Ao entrar na sala curvou-se<br />

com extrema reverência, e os rapazes na classe<br />

imediatamente passaram a imitá-lo fazendo<br />

pequenas reverências uns aos outros. Como estivesse<br />

apressada quanto aos detalhes da admissão<br />

de Saburo, grunhidos e ruídos estranhos<br />

começaram a vir dos outros estudantes.<br />

Quando levantei os olhos e os fixei raivosamente,<br />

vários rapazes levantaram a pele junto a<br />

seus olhos a fim de produzir um efeito oriental.<br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104


Felizmente, Saburo estava olhando para mim e não<br />

percebeu estas mímicas.<br />

Não havia lugares vagos. Assim, a fim de<br />

arranjar-lhe lugar, pedi a Dino para sentar-se com<br />

Gregor. Tão logo Saburo sentou-se, seus vizinhos<br />

fingiram estar sentindo mal. Comecei então rapidamente<br />

a lição, e determinei que fosse feita em voz<br />

alta. Para cada rapaz foi solicitado dissertar sobre<br />

um pequeno trecho. Com a continuação, os rapazes<br />

mais perto de Saburo o olhavam fixamente e<br />

poucos olhares eram amistosos. A maleta de Saburo<br />

desapareceu debaixo de sua carteira. Vi perfeitamente<br />

quando Gregor deu um chute na mesma.<br />

Esta era uma velha gozação que deliciava a classe.<br />

Esperando cessar as hostilidades crescentes, decidi<br />

pedir a Saburo que falasse a respeito de si próprio.<br />

Saburo dirigiu-se à frente da classe. Dino imediatamente<br />

esparramou um punhado de tachinhas<br />

sobre o banco que Saburo havia deixado. Procurei<br />

lembrar a mim mesma para removê-las antes que<br />

Saburo retornasse a ela.<br />

“Professora e caros colegas”, Saburo iniciou no<br />

inglês mais preciso e excelente que havia ouvido<br />

até então naquela sala, “nasci nesta cidade, mas<br />

devido aos meus traços - como vocês vêm, não sou<br />

como vocês – ninguém pensava que fosse americano.<br />

Quando comecei a ir à escola, os meninos<br />

jogavam pedras em mim e me chamavam japonês.<br />

Isto me tornava muito infeliz.” A classe pareceu<br />

estar ouvindo sem nenhum interesse. “Minha mãe<br />

morreu”, disse Saburo” e meu pai enviou-me para<br />

ficar com meus avós, os quais nunca tinha visto e<br />

que moravam no Japão. Antes que pudesse retornar<br />

aos Estados Unidos, começou a guerra entre<br />

os dois países. Fui então encaminhado à escola do<br />

vilarejo. Lá os meninos jogavam pedras em mim e<br />

chamavam-me de gringo. Era então muito infeliz.”<br />

O magrinho Saburo, com sua voz alta, apresentava<br />

uma tonalidade impessoal. À proporção que<br />

falava, sorria como um velho homem lembrandose<br />

de sua juventude. “A guerra prosseguiu e coisas<br />

desagradáveis foram acontecendo comigo. Na<br />

casa de meus avós eu sempre ouvia que a América<br />

estava perdendo batalhas e isto me entristecia. Na<br />

escola, meus colegas não queriam sequer comer<br />

comigo. Nenhum tinha interesse em tirar alguma<br />

coisa de mim. Simplesmente gritavam comigo,<br />

chamando-me como se fosse um demônio, o que<br />

significava “o cabelo avermelhado”, embora meu<br />

cabelo fosse preto. Comecei então a me afastar da<br />

escola. Ficava escondido atrás das árvores e rezava.<br />

Algumas vezes chorava. Às vezes pensava em<br />

matar-me. Imaginava que não seria bem recebido Fig. Ponte do Brooklyn – Nova York<br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104<br />

em nenhum lugar da Terra.” Quando Saburo<br />

parou um momento, vi Dino discretamente retirar<br />

as tachinhas que havia colocado em sua cadeira.<br />

“Certa manhã”, continuou, meu tio – a única<br />

pessoa que foi gentil comigo – pegou sua bicicleta<br />

para trabalhar em Hiroshima. Esta era sua rotina<br />

diária. Novamente fui me esconder entre as árvores.<br />

Subitamente houve uma luz fantástica, uma<br />

explosão violentíssima e depois um silêncio aterrador.<br />

Em seguida, caiu uma avalanche de neve.<br />

Pensei naquele momento que o mundo estivesse<br />

morrendo.” A voz de Saburo parou subitamente<br />

e ele lançou seu olhar através da classe com uma<br />

expressão de terror. Depois, continuou rapidamente<br />

“haverei de me lembrar de todos estes detalhes<br />

durante toda minha vida. Meu tio nunca mais<br />

voltou, mas logo a guerra acabou. Agora finalmente<br />

retornei à minha verdadeira pátria. Da mesma<br />

forma ela mudou, porém parece mais bela que<br />

nunca, e não jogam mais pedras em mim. Agora,<br />

apesar de apresentar os mesmos traços de antes,<br />

todos me chamam americano.” Houve então um<br />

desconcertante silêncio como nunca acontecera<br />

naquela classe. Imediatamente Gregor levantouse<br />

e dirigiu a Saburo um cumprimento através de<br />

uma pequena reverência. Logo em seguida todos<br />

os rapazes levantaram-se num salto e suavemente,<br />

quase com ternura, começaram a aplaudir calorosamente<br />

enquanto Saburo caminhava de volta à<br />

sua carteira. Sorriu a todos e sentou-se, pegando<br />

sua maleta embaixo de sua carteira, que ali estava<br />

como a havia deixado.<br />

M. I. Rollemberg,<br />

Cirurgião Torácico,<br />

São Paulo/SP<br />

99


100<br />

Jamb Cultura<br />

Crônica<br />

Numa linda noite de outono, um enamorado<br />

estava sozinho em uma favela; a porta do barraco /<br />

era sem trinco /mas a lua furando o seu zinco / salpicava<br />

de estrela o seu chão e “enfeitava a noite do seu<br />

bem”.<br />

Enquanto isso, no centro da cidade, um homem<br />

magro e abatido caminhava vagarosamente. De repente,<br />

estava ali “um corpo estendido do chão”. Para na<br />

contramão, atrapalhando o trânsito”.<br />

É socorrido e logo recupera a consciência e mesmo<br />

no tumulto, é reconhecido por um amigo<br />

- “Olá, como vai?”<br />

- “Eu vou indo, e você?”<br />

Apesar da relativa melhora, o amigo decide levá-lo<br />

de ônibus a um pronto-socorro. Assim, “vão rodando<br />

a cidade a procurar’’. Encontra um hospital cheio, com<br />

uma fila imensa e tenta sem sucesso ser atendido na<br />

frente, mas é impedido por uma funcionária da portaria<br />

“com nervos de aço / sem sangue na veia / e sem<br />

coração”. Não iria desistir. Desse modo, ainda levemente<br />

tonto e muito estressado, gritava: “ Se eu perder<br />

esse ônibus que sai agora às onze horas, só amanhã de<br />

manhã.’’<br />

Mesmo com todo o caos na saúde, a equipe do<br />

pronto-socorro estava completa e antes que pudesse<br />

imaginar, chega a sua vez. É recebido por um médico<br />

de olhar sereno. Logo que entrou, foi dizendo: -<br />

Doutor, “tire o seu sorriso do caminho / que eu quero<br />

passar / com a minha dor”. O médico calmamente pede<br />

ao paciente para sentar.<br />

- Qual é o seu nome?<br />

- João.<br />

Uma Vida em Ritmo de MPB<br />

- Bem, doutor, já perdi as contas de “quantas noites<br />

não durmo / ao rolar-me na cama.’’ Além disso, o<br />

“calor das cobertas / não aquece direito / não há nada<br />

no mundo / que possa afastar / esse frio do meu peito.’’<br />

O médico examina minuciosamente o paciente,<br />

solicita um raio X de tórax e faz uma investigação<br />

epidemiológica para tuberculose. Tudo negativo. Devido<br />

a sua formação holística, decide interrogar seu João<br />

sobre a sua família.<br />

- Seu João, tem tido problemas em casa?<br />

- Doutor, “sei que todos vão dizer / que é tudo<br />

mentira / e que não pode ser / mas “já tive mulheres /<br />

do tipo atrevida / do tipo acanhada / do tipo vivida /<br />

casada / carente, solteira / feliz”, mas a atual foi como<br />

“um rio que passou em minha vida / e meu coração se<br />

deixou levar.’’ No começo, tudo era uma maravilha;<br />

porém, com o passar do tempo, foram ‘‘tantas coisinhas<br />

miúdas / roendo / comendo / arrasando aos poucos<br />

com o nosso ideal.’’<br />

Fiquei desempregado, “e sem o seu trabalho / o<br />

homem não tem honra / e sem a sua honra / se morre /<br />

se mata”. E para piorar “você sabe o que é ter um amor,<br />

meu senhor / ter loucura por uma mulher / e depois<br />

encontrar esse amor / meu senhor / nos braços de um<br />

tipo qualquer.’’<br />

Graça a Deus, “seu médico’’, não matei nem morri<br />

de amor, mas a partir daquele dia, sempre que perguntarem<br />

por mim, peço para dizer “que fui por aí / levando<br />

o meu violão / debaixo do braço / em qualquer botequim<br />

eu paro.’’<br />

Hoje, não me alimentei direito e tomei “uns tragos”<br />

a mais e passei mal. Por sorte, encontrei o senhor que<br />

soube me ouvir e compreender que “o homem também<br />

chora / também deseja colo / palavras amenas,/ precisa<br />

de carinho,/ precisa de ternura,/ precisa de um abraço /<br />

da própria candura.’’<br />

Por tudo, muito obrigado. “Ah, se todos fossem<br />

iguais a você”.<br />

Roberto Passos do Amaral,<br />

Pediatra,<br />

Vila Velha/ES<br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104


Crônica<br />

Sexta-feira, 20 de janeiro de 2012. Onze horas da<br />

manhã. Um radiante dia de verão. Acabo de sepultar<br />

minha mãe. Estou elaborando a suprema e algoz mãe<br />

de todas as dores, essa sombra que escurece a alma e<br />

inunda tudo com um pesado vazio. Nunca necessitei<br />

tanto da presença de minha mãe para suportar o cruel<br />

sofrimento de sua ausência. Busco por ela em todos os<br />

lugares e não mais a encontro. Meu peito se encolhe, sob<br />

o peso dessa realidade, com medo do futuro e puxando<br />

o oxigênio do passado para respirar. Meu alquebrado<br />

coração arfa e grita no eco do vazio clamando uma<br />

explicação, mas eu não sei o que responder para ele.<br />

As horas correm céleres, em direção ao infinito,<br />

deixando para trás aquela noite em que a grande protetora<br />

de minha vida foi golpeada pela morte, termo de<br />

todas as coisas. Eu ainda não consigo alcançar o tempo<br />

que corre na minha frente. Perco as forças enquanto<br />

navego na imensidão desse senhor dos acontecimentos.<br />

Minha mãe enfrentou a mais árdua tarefa que<br />

nos cumpre enfrentar: adormecer no frio repouso da<br />

morte. Consola-me ter assistido essa passagem tão<br />

temida, observando que minha mãe parou de respirar<br />

sem angústia, como se tivesse ido dormir. O sono<br />

é uma maneira de sentir a morte, que Deus nos mostra<br />

no decurso da vida. Enquanto estamos dormindo, nada<br />

tememos, pois nada podemos sentir sem a presença<br />

do tempo. Graças ao Criador do Universo, que minha<br />

mãe serviu durante sua longa existência, o tempo foi<br />

demasiado curto no momento do seu passamento. Há<br />

bastante tempo, sua vida vinha acumulando tempo.<br />

Tive a sorte de ter uma genitora centenária. O longo<br />

tempo que me brindou amá-la, foi curto para tomá-la<br />

de mim. Observando a chama de sua vida queimando,<br />

me causava apreensão o sofrimento que poderia estar<br />

sendo reservado para ela. Embora perfeitamente lúcida,<br />

três dias antes de partir, minha mãe disse: eu vou<br />

morrer. Nesse momento senti que a vida estava suspensa<br />

nos seus lábios avisando que ela iria me deixar só.<br />

Deixo aqui a gratidão pelo amor que recebi de<br />

minha mãe durante toda minha vida. Continuarei<br />

me nutrindo dele enquanto viver. A dor, essa velha<br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104<br />

Pranto<br />

companheira do ser humano, nos ensina que a vida<br />

cozinha suas alegrias nos temperos dos tormentos. A<br />

morte se alimenta da vida. Essa é nossa última ceia.<br />

Também sou grato ao destino por não me oferecer<br />

nada além do que eu poderia suportar. Tive minha mãe<br />

para vir ao mundo. Minha vida foi saudada pelas suas<br />

lágrimas de alegria. Amparei minha mãe na corajosa<br />

missão de deixar o mundo. Devolvo suas lágrimas,<br />

guardadas durante 60 anos nos meus olhos e que tanto<br />

foram usadas para regar minha esperança.<br />

João Evangelista Teixeira Lima,<br />

Clínico Geral e Gastroenterologista,<br />

Vila Velha/ES<br />

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102<br />

Jamb Cultura<br />

espaço poético<br />

Acróstico, com<br />

versos em<br />

redondilho<br />

maior, para o<br />

ortopedista:<br />

Manlio Napoli<br />

Mãos e mente de um gênio,<br />

A serviço da ciência.<br />

Noventa anos... um prêmio!<br />

Legítima existência.<br />

Inovou com a sua arte,<br />

Operando e ensinando.<br />

Na classe, um baluarte,<br />

Amizades foi plantando.<br />

Profícua vida de glória,<br />

Obrigado PROFESSOR!<br />

Louvamos a su história,<br />

Inebriados de amor!!!<br />

Arnóbio Moreira Félix,<br />

Ortopedista<br />

Belo Horizonte/MG<br />

Aos oftalmologistas<br />

Olhos d´Alma<br />

Da minha terra e d´outros continentes<br />

palmilharam meus pés lugares tantos<br />

que levo, na memória, permanentes<br />

painéis que sabe Deus somente quantos.<br />

Neles, flores vicejam persistentes<br />

na orgia viridente de seus mantos...<br />

passam pássaros – ouço-lhes os cantos:<br />

e seres, aos milhões, indiferentes:<br />

Companheiros de história mundo afora<br />

vivem em meu silêncio, só que agora<br />

morando a solidão de minha calma...<br />

Esse museu de imagens, que bendigo,<br />

nas trevas que me cercam, vai comigo<br />

para eu vê-lo com os olhos de minha alma:<br />

Jurandyr Amadir<br />

Jundiaí/SP<br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104


espaço poético<br />

Os psiquiatras<br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104<br />

O alcoólatra<br />

A copos de aguardente dedicado,<br />

de carraspanas célebres freguez,<br />

era a imagem cruel da estupidez,<br />

de uma cativa matula cercado...<br />

Derretia-se em total desfaçatez<br />

em seus diários porres o coitado...<br />

da noção de ridículo privado,<br />

era alguém de burlesca sordidez.<br />

Aos conselhos fazia ouvidos moucos<br />

e tachava seus críticos de loucos<br />

e as dores da família triviais...<br />

Como escravo exclusivo da bebida,<br />

já sem mais compromissos com a vida,<br />

querer voltar agora não dá mais:<br />

Jurandyr Amadir<br />

Jundiaí/SP<br />

O Natal e o ano<br />

findo<br />

Mais um ano se passa<br />

Depressa demais passou<br />

No calendário o Natal chegou<br />

Como costume dos anos<br />

Trouxe o que era doce<br />

E se acabou<br />

Um novo vai chegar<br />

Chegará com notícias de sempre<br />

Nem doces, nem salgadas<br />

Apenas caramelos por cima<br />

O Papai Noel sempre de saco<br />

Espera com sonhos de crianças<br />

Minimizar fome e ignorância<br />

O povo cantará cânticos natalinos<br />

Sapatinhos e cartas ornam sonhos<br />

E tudo ficará como está<br />

Crianças na rua e o crack a rolar<br />

Queimar e cheirar pra vida melhorar<br />

Meu Deus é Natal!<br />

Todos a comemorar<br />

Promessas vão se realizar<br />

O ano novo vai chegar<br />

Pra novos sonhos sonhar<br />

Por mais um ano esperar<br />

Quando irá melhorar?<br />

José Luiz Mestrinho,<br />

Cirurgião Geral<br />

Brasília/DF<br />

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104<br />

Jamb Cultura<br />

Dicas cuLturais<br />

são Paulo/sP<br />

Museu da Língua Portuguesa<br />

No dia 26 de março, o Museu da Língua Portuguesa<br />

abrirá para convidados a mostra “Universo de Jorge<br />

Amado”, com cenografia de Daniela Thomas e curadoria<br />

da Fundação Jorge Amado. A exposição, a partir da obra<br />

do escritor, o primeiro da Bahia a ser homenageado no<br />

museu, contará a vida e obra deste grande romancista<br />

brasileiro, conhecido internacionalmente. Durante o<br />

ano de 2012, o museu manterá seu horário expandido de<br />

visita, permanecendo aberto até 22h nas últimas terçasfeiras<br />

de cada mês.<br />

Endereço: Praça da Luz, s/nº - Luz - São Paulo-SP - Tel.:<br />

(11) 3326-0775<br />

Funcionamento: de terça a domingo, das 10h às 18h<br />

Ingressos: R$ 6 e meia-entrada – pagamento somente<br />

em dinheiro. Entrada gratuita aos sábados<br />

http://www.museudalinguaportuguesa.org.br<br />

Museu do Futebol<br />

A partir de janeiro, em parceria com a Federação<br />

Paulista de Futebol, ingressos de partidas de futebol<br />

darão desconto para entrada de visita ao Museu.<br />

Endereço: Praça Charles Miller, s/nº - Estádio Paulo Ma-<br />

Colaboração<br />

O Jamb Cultura é um espaço aberto que estimula<br />

a literatura e valoriza as manifestações culturais do<br />

Brasil. Para isso, convidamos os médicos a enviar artigos,<br />

crônicas, poesias, textos sobre cultura e história da<br />

Medicina para o Conselho Editorial.<br />

A/C Hélio Barroso dos Reis (Diretor Cultural): Rua São<br />

Carlos do Pinhal, 324 – Bela Vista – São Paulo/SP -<br />

CEP: 01333-903 - ou pelo e-mail: cultural@amb.org.br<br />

Participe e colecione!<br />

Normas para publicação de artigo no Jamb Cultura<br />

1) ser médico(a) associado (a) à <strong>Associação</strong> <strong>Médica</strong> <strong>Brasileira</strong>,<br />

através da Federada de sua região.<br />

2) texto de aproximadamente 1 lauda, em arial 12.<br />

3) se houver fotografias, favor identificá-las, colocar o cré-<br />

dito e enviar em 300 dpi, anexadas fora do texto (JPG).<br />

4) o material será apreciado pelos membros do Conselho<br />

Editorial antes de sua publicação.<br />

5) ao enviar ao Conselho, informar autorização de<br />

publicação.<br />

6) assinar o artigo com: nome, especialidade, cidade,<br />

estado e endereço para correspondência.<br />

chado de Carvalho - Pacaembu - São Paulo-SP - Tel.: (11)<br />

3664-3848<br />

Funcionamento: de terça a domingo, das 9h às 17h (bilheteria<br />

e entrada até as 17h)<br />

Ingressos: R$ 6 e meia-entrada para estudantes com<br />

carteirinha, idosos, aposentados e professores da rede<br />

pública (estadual e municipal). Entrada gratuita às<br />

quintas-feiras<br />

http://www.museudofutebol.org.br<br />

Museu da Casa <strong>Brasileira</strong><br />

Ameaçados – Lugares em Risco no século 21<br />

A exposição apresenta o ensaio documental do fotógrafo<br />

Érico Hiller, que percorreu cinco locais do planeta que<br />

podem desaparecer neste século em função das ações<br />

do homem e das mudanças climáticas. Visitação: 8 de<br />

fevereiro a 25 de março<br />

Endereço: Av. Brigadeiro Faria Lima, 2,705 - Jardim Paulistano<br />

- São Paulo-SP - Tel.: (11) 3032-3727 / 3032-2564<br />

Funcionamento: de terça a domingo, das 10h às 18h<br />

Ingressos: R$ 4 e meia-entrada para estudantes e aposentados.<br />

Entrada gratuita para crianças até 10 anos e idosos<br />

acima de 60 anos. Entrada gratuita aos domingos<br />

http://www.mcb.sp.gov.br<br />

<strong>JAMB</strong> <strong>CULTURA</strong><br />

Edição Bimestral | janeiro e fevereiro de 2012<br />

www.amb.org.br | cultural@amb.org.br<br />

Presidente: Florentino de Araújo Cardoso Filho<br />

Coordenador e Diretor Cultural: Hélio Barroso dos Reis<br />

Diretora de Comunicações: Jane Maria Cordeiro Lemos<br />

Diretor de Marketing: José Carlos Vianna Collares Filho<br />

Conselho Editorial (2011-2014): Antonio Roberto Batista (Campinas/SP - região Sudeste)<br />

Armando José China Bezerra (Brasília/DF - região Centro-Oeste)<br />

Carlos David Araújo Bichara (Belém/PA - região Norte)<br />

Gilson Barreto (Campinas/SP – região Sudeste)<br />

Giovanni Guido Cerri (São Paulo/SP – região Sudeste)<br />

Guido Arturo Palomba (São Paulo/SP – região Sudeste)<br />

Hélio Barroso dos Reis (Vitória/ES – região Sudeste)<br />

José Luiz Gomes do Amaral (São Paulo/SP – região Sudeste)<br />

Murillo Ronald Capella (Florianópolis/SC – região Sul)<br />

Roque Andrade (Salvador/BA – região Nordeste)<br />

Yvonne Capuano (São Paulo/SP – região Sudeste)<br />

Apoio cultural: Departamento de Comunicações da AMB<br />

Secretária: Denilia Dias<br />

Revisão: Natália Cesana<br />

Projeto Editorial: Sollo Comunicação<br />

O Jamb Cultura somente publica matérias assinadas, as quais não são de responsabilidade<br />

da <strong>Associação</strong> <strong>Médica</strong> <strong>Brasileira</strong><br />

J a m b C u l t u r a 2012; 2(13): 97-104

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