No Compasso da História - MultiRio

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17.04.2013 Views

eais e tão apinhados estavam todos os navios, que mal havia espaço para que elas se deitassem nos conveses”. A água potável era pouca, a comida, de péssima qualidade. Diante do quadro, o almirante inglês ordenou que alguns passageiros fossem transferidos para navios britânicos; “foi uma sorte para os indivíduos assim enviados, pois os que permaneceram foram, realmente, dignos de pena”. Alguns historiadores e pesquisadores ainda divergem sobre as verdadeiras razões que levaram D. João a trazer a corte para o Brasil. Para Laurentino Gomes, autor do livro 1808, o príncipe regente teria enganado Napoleão com as seguidas promessas de acordo que jamais se concretizaram enquanto preparava a fuga da corte. Sejam lá quais tenham sido as razões, a verdade é que o resultado dessa jornada heroica pelo Atlântico foi que o Brasil deixou de ser colônia, e o Rio de Janeiro passou a capital do Império português. Para trás, ficou uma Lisboa abandonada à própria sorte, onde os portugueses que não conseguiram vaga no comboio rumo ao Brasil tiveram de lidar com a ira dos franceses, que encontraram uma cidade esvaziada do poder, mas ainda com muitas riquezas para serem saqueadas. El Rei chegou Foram dois meses de sofrida travessia até que o comboio real chegasse a Salvador, que reviveu, por alguns dias, o status de primeira capital da colônia. Seis dias depois de desembarcar na Bahia, D. João assinou o ato que revogava todas as restrições ao comércio exterior no Brasil: os portos brasileiros estavam abertos às nações amigas (Inglaterra e países aliados). Esse era o preço a pagar pela proteção inglesa: o fim do pacto colonial, pelo qual a colônia só podia negociar com Lisboa. Dizem que El Rei virá Das terras do além-mar Em sua nau azul Dizem que governará As terras de Cabral Do Norte até o Sul Dizem que El Rei trará A Corte Imperial Pra Terra Santa Cruz Dizem que a grande nau Virá de Portugal Bem perto do Natal o Dia em Que El Rei Voltou à terra de Santa Cruz (Sivuca e Paulinho Tapajós) 4 . Chegada da Família Real Portuguesa à Bahia, óleo sobre tela de Portinari (detalhe) Após 45 dias em Salvador, em 7 de março de 1808, finalmente a corte portuguesa chegou ao Rio de Janeiro. Transformada em capital do Império português, a cidade sofreria muitas e profundas transformações. As primeiras medidas de D. João seriam de caráter institucional e econômico, como a assinatura do alvará que permitia o estabelecimento de indústrias e manufaturas no Brasil. No entanto, com a entrada em grande quantidade dos produtos ingleses (tecidos, cristais, ferragens e sabonetes, entre muitos outros), que pagavam impostos muito 1808: Era no tempo do rei 57

1808: Era no tempo do rei 58 baixos, a atividade que mais se desenvolvia no país continuava a ser a agricultura. Todos os tratados assinados com a Inglaterra beneficiavam mais a burguesia comercial inglesa do que a aristocracia rural brasileira ou os comerciantes portugueses. A nova capital do Império A enseada tá luzindo, é Rio de Janeiro! A espingarda tá tinindo porque é [fevereiro Tem inglês que mete a fuça na água de [cheiro Cada preto é um desespero de atazaná A cidade compra e vende, parece um [vespeiro Cada um espera a hora de aferroá Canto de trabalho (Carlos Lyra e Aldir Blanc) O brigue Voador foi a primeira das embarcações a chegar à cidade do Rio de Janeiro, em 14 de janeiro de 1808. Seus ocupantes não desembarcaram; permaneceram a bordo até a chegada de D. Maria I e de D. João no começo de março. Mas as notícias sobre a conjuntura europeia, a invasão de Portugal por tropas francesas e a vinda da Família Real e da corte para o Rio de Janeiro, com suporte dos ingleses, logo chegaram aos habitantes da cidade. Esta passaria a ser capital do Reino até que a situação na Europa se normalizasse. Havia dois sentimentos entre a população. Por um lado, o de que, com a chegada do príncipe regente e de sua corte, a cidade nunca mais seria a mesma; por outro, uma pergunta sem resposta: onde iam se alojar as cerca de dez mil pessoas que, em breve, desembarcariam em solo fluminense? Os que desembarcaram na cidade em 8 de março de 1808 estavam cansados, preocupados, com medo e estranharam o calor da cidade, a paisagem e seus habitantes. O Rio de Janeiro mostrou sua face menos nobre: uma cidade suja, sem nenhum tipo de fossa ou tratamento para os dejetos, que eram atirados no meio da rua, e uma população composta, em grande parte, por escravos que andavam como maltrapilhos pelas ruas. Para aqueles que moravam aqui, o príncipe regente era diferente da visão que haviam construído. 5 . Jardim Botânico, litografia de P. G. Bertichem, 1956 A corte trouxe ministérios, secretarias, tribunais, repartições e muitos funcionários públicos. Mas foram necessários cinco anos para que fossem criados novos bairros e fundadas instituições que dariam início à formação dos funcionários para trabalhar no Reino: a Academia Militar, a Academia de Marinha, a Escola Real de Ciências, o Museu Nacional, o Jardim Botânico. Surgiram também a Biblioteca Real, o Teatro João Caetano e duas instituições muito importantes para o desenvolvimento da ex-colônia: o Banco do Brasil e a Imprensa Régia, pois, pela primeira vez, o Brasil passava a ter uma imprensa oficial. Salvador também se beneficiou: foi lá que surgiu a primeira faculdade brasileira, a Escola Médico-Cirúrgica. A edificação do Paço, antiga residência dos vice-reis, tendo como anexo o Convento do Carmo, foi a primeira acomodação da corte

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que mal havia espaço para que elas se<br />

deitassem nos conveses”. A água potável<br />

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Diante do quadro, o almirante inglês ordenou<br />

que alguns passageiros fossem transferidos<br />

para navios britânicos; “foi uma sorte<br />

para os indivíduos assim enviados, pois os<br />

que permaneceram foram, realmente, dignos<br />

de pena”.<br />

Alguns historiadores e pesquisadores ain<strong>da</strong><br />

divergem sobre as ver<strong>da</strong>deiras razões<br />

que levaram D. João a trazer a corte para<br />

o Brasil. Para Laurentino Gomes, autor do<br />

livro 1808, o príncipe regente teria enganado<br />

Napoleão com as segui<strong>da</strong>s promessas<br />

de acordo que jamais se concretizaram enquanto<br />

preparava a fuga <strong>da</strong> corte. Sejam lá<br />

quais tenham sido as razões, a ver<strong>da</strong>de é<br />

que o resultado dessa jorna<strong>da</strong> heroica pelo<br />

Atlântico foi que o Brasil deixou de ser colônia,<br />

e o Rio de Janeiro passou a capital do<br />

Império português.<br />

Para trás, ficou uma Lisboa abandona<strong>da</strong> à<br />

própria sorte, onde os portugueses que não<br />

conseguiram vaga no comboio rumo ao Brasil<br />

tiveram de li<strong>da</strong>r com a ira dos franceses,<br />

que encontraram uma ci<strong>da</strong>de esvazia<strong>da</strong> do<br />

poder, mas ain<strong>da</strong> com muitas riquezas para<br />

serem saquea<strong>da</strong>s.<br />

El Rei chegou<br />

Foram dois meses de sofri<strong>da</strong> travessia até<br />

que o comboio real chegasse a Salvador,<br />

que reviveu, por alguns dias, o status de<br />

primeira capital <strong>da</strong> colônia. Seis dias depois<br />

de desembarcar na Bahia, D. João assinou<br />

o ato que revogava to<strong>da</strong>s as restrições ao<br />

comércio exterior no Brasil: os portos brasileiros<br />

estavam abertos às nações amigas<br />

(Inglaterra e países aliados). Esse era o preço<br />

a pagar pela proteção inglesa: o fim do<br />

pacto colonial, pelo qual a colônia só podia<br />

negociar com Lisboa.<br />

Dizem que El Rei virá<br />

Das terras do além-mar<br />

Em sua nau azul<br />

Dizem que governará<br />

As terras de Cabral<br />

Do <strong>No</strong>rte até o Sul<br />

Dizem que El Rei trará<br />

A Corte Imperial<br />

Pra Terra Santa Cruz<br />

Dizem que a grande nau<br />

Virá de Portugal<br />

Bem perto do Natal<br />

o Dia em Que El Rei Voltou à terra de Santa Cruz<br />

(Sivuca e Paulinho Tapajós)<br />

4 . Chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> Família Real Portuguesa à Bahia, óleo sobre<br />

tela de Portinari (detalhe)<br />

Após 45 dias em Salvador, em 7 de março<br />

de 1808, finalmente a corte portuguesa<br />

chegou ao Rio de Janeiro. Transforma<strong>da</strong> em<br />

capital do Império português, a ci<strong>da</strong>de sofreria<br />

muitas e profun<strong>da</strong>s transformações.<br />

As primeiras medi<strong>da</strong>s de D. João seriam de<br />

caráter institucional e econômico, como a<br />

assinatura do alvará que permitia o estabelecimento<br />

de indústrias e manufaturas no<br />

Brasil. <strong>No</strong> entanto, com a entra<strong>da</strong> em grande<br />

quanti<strong>da</strong>de dos produtos ingleses (tecidos,<br />

cristais, ferragens e sabonetes, entre muitos<br />

outros), que pagavam impostos muito<br />

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