No Compasso da História - MultiRio
No Compasso da História - MultiRio No Compasso da História - MultiRio
ao sistematizar os principais golpes, passos e cantos da capoeira, Mestre Bimba deu a ela a estrutura para que se firmasse como um dos mais belos exemplos de miscigenação em nossa cultura. No limite entre a luta e a dança, acompanhada por instrumentos de percussão que fazem um som único – como o berimbau –, ela é hoje praticada por brasileiros de todas as classes, seja como esporte, seja como espetáculo para os turistas que se encantam com a plasticidade de seus movimentos. Festa na cozinha Quem quiser vatapá, ô Que procure fazer Primeiro o fubá Depois o dendê Procure uma nêga baiana, ô Que saiba mexer (...) Bota castanha de caju Um bocadinho mais Pimenta malagueta Um bocadinho mais Vatapá (Dorival Caymmi) Quem tomava conta da cozinha na casa- -grande dos senhores coloniais? As escravas negras. Então, quem disser que a África começou a entrar em nossa herança pela boca não estará errado. Primeiro, pelo modo de preparar e temperar os alimentos. Segundo, na introdução de ingredientes na então pobre culinária brasileira. Mas como enfrentar a carência de produtos comuns na África? Pela substituição. Não tem inhame? Usa-se a mandioca. Não tem pimenta africana? Abusa-se do azeite de dendê. Como a caça era parte muito importante da dieta africana, incorporaram-se à dieta brasileira os animais que estavam à mão, de caranguejos a tatus, incluindo na lista até os lagartos. 14 . Baianas do Acarajé, de Amneris Hartley Um detalhe muito importante é que na cozinha africana os assados comandam a boca dos fogões, o que faz com que os caldos ocupem um lugar de destaque. Daí vem o angu (caldo com farinha de milho) e até mesmo o pirão (caldo com farinha de mandioca), que já era consumido pelos índios. Foi essa mistura de culinárias portuguesa, indígena e africana que deu uma identidade própria à cozinha brasileira. Um bom exemplo de prato afro-indígena é o caruru, feito originalmente com ervas socadas no pilão, mas que recebeu o reforço do peixe e de legumes cozidos. Já o acarajé tem uma receita que é a própria miscigenação, incluindo feijão-fradinho, azeite de dendê, sal, cebola, camarão... 15 . Moqueca, um prato típico brasileiro Citando o grande historiador, antropólogo e jornalista Luís da Câmara Cascudo, “a mucama cozinheira aproveitou os elementos próximos. Comer camarão, lagosta, caranguejo, Raízes africanas – Capoeira, mungunzá e valentia 35
Raízes africanas – Capoeira, mungunzá e valentia 36 com molho seco de pimentas, é tanto do gosto indígena quanto do apetite africano. Reúnem-se, numa nacionalização gustativa, elementos indígenas e portugueses, tornados africanos pelo batismo do dendê, e alguns amerabas (indígenas brasileiros), como a moqueca e o caruru, ganham forma e viço na incessante adição dos novos componentes”. Se há alguma controvérsia nessa questão culinária, ela diz respeito à origem da feijoada. Segundo uma versão popular, os senhores de engenho distribuiriam entre os escravos os restos dos porcos que não eram levados à mesa. Misturados nas gamelas com outros ingredientes, esses “restos” teriam sido convertidos na famosa receita. Mas a pesquisa histórica derrubou o mito: a feijoada já era conhecida em Portugal, ainda que feita com feijão-branco e até carne bovina. O que ela ganhou no Brasil foi um contorno multiétnico, o que aumentou, em muito, as delícias que oferece... Todos no samba Madame diz que a raça não melhora Que a vida piora por causa do samba, Madame diz que o samba tem pecado Que o samba é coitado e devia acabar, Madame diz que o samba tem cachaça, Mistura de raça, mistura de cor, Madame diz que o samba democrata É música barata sem nenhum valor, Vamos acabar com o samba, Madame não gosta que ninguém sambe Vive dizendo que samba é vexame Pra que discutir com madame Pra que Discutir com Madame (Haroldo Barbosa e Janet de Almeida) Entre as dádivas mais preciosas que a África deu ao Brasil, está a música. Grande parte de nossa variedade rítmica, que encanta o mundo inteiro, vem do batuque que chegou pelas mãos e, mais tarde, pelos instrumentos de percussão aqui construídos pelos escravos. Essa música de acento tribal alcançou diversas partes do Brasil e em cada uma tomou uma roupagem. Na Bahia, samba-corrido, samba de roda; no Ceará, coco; no Maranhão, tambor de crioula; samba de coco em Pernambuco; partido-alto e jongo no Rio de Janeiro. Todas com a mesma raiz. No Rio de Janeiro, o samba urbano começou a ter uma identidade a partir do início do século XX. Personagem importante dessa época foi Tia Ciata, cozinheira baiana que veio para o Rio com 22 anos e aqui abriu uma casa para vender quitutes e abrigar os pagodes. Em torno dessa figura que encarnava tudo o que a Bahia tinha para dar – a religião, a comida e a música –, reuniu-se uma geração de sambistas na qual se destacavam Donga, Sinhô e João da Baiana. Em 1917, o primeiro samba gravado em disco é Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida: o primeiro e definitivo passo para o samba chegar a todas as camadas sociais do Rio de Janeiro. 16 . Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga
- Page 1 and 2: No Compasso da História
- Page 4: No Compasso da História ..........
- Page 8: Prefácio Recentemente, em um traba
- Page 12 and 13: Raízes indígenas Sinopse A histó
- Page 14 and 15: de mandioca - e teciam redes e cest
- Page 16 and 17: 6 . Reprodução de Descobrimento d
- Page 18 and 19: fundado o primeiro núcleo colonial
- Page 20 and 21: “Entendo por experiência o pouco
- Page 22 and 23: No século XIX, artistas, escritore
- Page 24 and 25: Passados 500 anos da chegada dos po
- Page 26 and 27: Pindorama. Brasil, 1970. Direção:
- Page 28 and 29: Raízes africanas - Capoeira, mungu
- Page 30 and 31: termos filosóficos, como a grega,
- Page 32 and 33: conjunto da obra, considerada por m
- Page 34 and 35: e morto em uma emboscada. Sua cabe
- Page 38 and 39: Apesar de o samba carioca ser recon
- Page 40 and 41: BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bah
- Page 42 and 43: Ouro em Minas Sinopse O ouro brasil
- Page 44 and 45: escravizar, pois eram necessários
- Page 46 and 47: dos exemplares mais magníficos do
- Page 48 and 49: palavras, sensibilidades e visões
- Page 50 and 51: foi transferida, paulatinamente, de
- Page 52 and 53: epública, não haveria exército r
- Page 54 and 55: Primeiro de Março, s/nº). Sugira
- Page 56 and 57: 1808: Era no tempo do rei Sinopse D
- Page 58 and 59: eais e tão apinhados estavam todos
- Page 60 and 61: na cidade. Em seguida, o Palácio d
- Page 62 and 63: praticando, inclusive, através de
- Page 64 and 65: discutir, abertamente, as questões
- Page 66 and 67: forma de governar o Brasil. Coroado
- Page 68 and 69: dinastia. De volta a Portugal, enfr
- Page 70: WILCKEN, Patrick. Império à Deriv
- Page 73 and 74: 1808: O Segundo Reinado 72 Entre do
- Page 75 and 76: 1808: O Segundo Reinado 74 A Revolu
- Page 77 and 78: 1808: O Segundo Reinado 76 afronta
- Page 79 and 80: 1808: O Segundo Reinado 78 Nesse pe
- Page 81 and 82: 1808: O Segundo Reinado 80 Foram te
- Page 83 and 84: 1808: O Segundo Reinado 82 Apesar d
- Page 85 and 86: 1808: O Segundo Reinado 84 Livros C
Raízes africanas – Capoeira, mungunzá e valentia<br />
36<br />
com molho seco de pimentas, é tanto do<br />
gosto indígena quanto do apetite africano.<br />
Reúnem-se, numa nacionalização gustativa,<br />
elementos indígenas e portugueses,<br />
tornados africanos pelo batismo do dendê,<br />
e alguns amerabas (indígenas brasileiros),<br />
como a moqueca e o caruru, ganham forma<br />
e viço na incessante adição dos novos<br />
componentes”.<br />
Se há alguma controvérsia nessa questão<br />
culinária, ela diz respeito à origem <strong>da</strong> feijoa<strong>da</strong>.<br />
Segundo uma versão popular, os<br />
senhores de engenho distribuiriam entre<br />
os escravos os restos dos porcos que não<br />
eram levados à mesa. Misturados nas gamelas<br />
com outros ingredientes, esses “restos”<br />
teriam sido convertidos na famosa receita.<br />
Mas a pesquisa histórica derrubou o mito: a<br />
feijoa<strong>da</strong> já era conheci<strong>da</strong> em Portugal, ain<strong>da</strong><br />
que feita com feijão-branco e até carne<br />
bovina. O que ela ganhou no Brasil foi um<br />
contorno multiétnico, o que aumentou, em<br />
muito, as delícias que oferece...<br />
Todos no samba<br />
Ma<strong>da</strong>me diz que a raça não melhora<br />
Que a vi<strong>da</strong> piora por causa do samba,<br />
Ma<strong>da</strong>me diz que o samba tem pecado<br />
Que o samba é coitado e devia acabar,<br />
Ma<strong>da</strong>me diz que o samba tem cachaça,<br />
Mistura de raça, mistura de cor,<br />
Ma<strong>da</strong>me diz que o samba democrata<br />
É música barata sem nenhum valor,<br />
Vamos acabar com o samba,<br />
Ma<strong>da</strong>me não gosta que ninguém sambe<br />
Vive dizendo que samba é vexame<br />
Pra que discutir com ma<strong>da</strong>me<br />
Pra que Discutir com Ma<strong>da</strong>me<br />
(Haroldo Barbosa e Janet de Almei<strong>da</strong>)<br />
Entre as dádivas mais preciosas que a África<br />
deu ao Brasil, está a música. Grande parte<br />
de nossa varie<strong>da</strong>de rítmica, que encanta o<br />
mundo inteiro, vem do batuque que chegou<br />
pelas mãos e, mais tarde, pelos instrumentos<br />
de percussão aqui construídos pelos<br />
escravos. Essa música de acento tribal alcançou<br />
diversas partes do Brasil e em ca<strong>da</strong><br />
uma tomou uma roupagem. Na Bahia, samba-corrido,<br />
samba de ro<strong>da</strong>; no Ceará, coco;<br />
no Maranhão, tambor de crioula; samba de<br />
coco em Pernambuco; partido-alto e jongo<br />
no Rio de Janeiro. To<strong>da</strong>s com a mesma raiz.<br />
<strong>No</strong> Rio de Janeiro, o samba urbano começou<br />
a ter uma identi<strong>da</strong>de a partir do início do<br />
século XX. Personagem importante dessa<br />
época foi Tia Ciata, cozinheira baiana que<br />
veio para o Rio com 22 anos e aqui abriu<br />
uma casa para vender quitutes e abrigar os<br />
pagodes. Em torno dessa figura que encarnava<br />
tudo o que a Bahia tinha para <strong>da</strong>r – a<br />
religião, a comi<strong>da</strong> e a música –, reuniu-se<br />
uma geração de sambistas na qual se destacavam<br />
Donga, Sinhô e João <strong>da</strong> Baiana. Em<br />
1917, o primeiro samba gravado em disco<br />
é Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almei<strong>da</strong>:<br />
o primeiro e definitivo passo para o<br />
samba chegar a to<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s sociais<br />
do Rio de Janeiro.<br />
16 . Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga