No Compasso da História - MultiRio

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17.04.2013 Views

passeatas, sendo que uma delas levou cem mil pessoas à Avenida Rio Branco, com a participação forte de artistas, políticos, estudantes e quem mais era contra o regime militar. No dia 13 de dezembro de 1968, uma crise no Congresso provocada por um discurso do deputado Márcio Moreira Alves era o pretexto de que Costa e Silva precisava para decretar o Ato Institucional número 5, que lhe dava poderes para fechar o Congresso, cassar mais mandatos e institucionalizar a repressão. O AI-5 só viria a ser revogado no fim do governo Ernesto Geisel, em 1978, por meio da Emenda Constitucional nº 1. A tesoura da censura Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Eu pergunto a você Onde vai se esconder Da enorme euforia Como vai proibir Quando o galo insistir Em cantar Água nova brotando E a gente se amando Sem parar Apesar de Você (Chico Buarque) Um dos primeiros e mais nocivos efeitos de um regime fechado é a censura aos meios de comunicação, que ficam proibidos de veicular determinadas notícias. Logo em seguida, o alvo são os artistas, que se veem obrigados a submeter suas obras a censores que determinarão se elas podem ou não ser exibidas. Esse era o quadro em 1969, justamente no período em que as artes no Brasil viviam uma fase de grande criatividade, impulsionadas pelos acontecimentos internos e de outros países. Assim foi com o teatro, o cinema, a televisão, os jornais, a música, as artes plásticas. Tudo o que era produzido no Brasil tinha que passar, antes, pelo crivo dos censores. Uma geração de compositores foi submetida à censura, mas não só os compositores: também os intérpretes estavam sendo vigiados de perto, para que não propagassem mensagens que desagradassem às autoridades. 4 . Capa de exemplar da revista Realidade de 1966 Apesar de tudo, grandes nomes de nossa música se consolidaram durante essa época. A era dos festivais, como ficou conhecido o período de 1965 até 1972, teve grande parte de seu brilho sob o olhar feroz da censura, e mesmo assim conseguiu produzir canções e lançar artistas importantes. Muitas vezes os compositores usaram de sua imaginação para tocar em temas polêmicos, desafiando os censores, que nem sempre percebiam a intenção por trás das letras de suas músicas. Ninguém segura este país 205

Ninguém segura este país 206 Os grandes intérpretes também tiveram um papel decisivo nesse processo, ainda que colocando em risco suas carreiras. Neste capítulo, vamos conhecer a história de dois grandes ídolos que marcaram seu tempo com interpretações inesquecíveis e polêmicas: Elis Regina e Wilson Simonal. A pimentinha gaúcha Nos dias de hoje é bom que se proteja Ofereça a face pra quem quer que seja Nos dias de hoje esteja tranquilo Haja o que houver pense nos seus filhos Não ande nos bares, esqueça os amigos Não pare nas praças, não corra perigo Não fale do medo que temos da vida Não ponha o dedo na nossa ferida Cartomante (Ivan Lins e Vitor Martins) 5 . Álbum Dois na Bossa, recorde de vendas em 1965 Elis Regina (1945-1982), que nasceu em Porto Alegre mas cedo se mudou para São Paulo, é considerada por alguns críticos e historiadores de nossa música a melhor intérprete brasileira de todos os tempos. Alcançou o sucesso em 1965, no Festival da TV Excelsior, interpretando Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Seu estilo, no começo da carreira, era muito dramático, claramente influenciado por uma das deusas da Era do Rádio, Ângela Maria. Elis foi a primeira artista brasileira a vender um milhão de discos, com o LP Dois na Bossa, em que ela e o cantor Jair Rodrigues encantaram o país, com um repertório dos melhores, interpretado com muito balanço e bom humor. O disco inclui um pot-pourri (arranjo em que trechos de várias músicas se sucedem) que até hoje emociona quem escuta e que foi executado por muitos outros artistas. 6 . Elis Regina, técnica e interpretação que marcaram a MPB Dona de uma técnica vocal invejável, Elis projetou alguns dos maiores compositores de nossa música: Milton Nascimento, Ivan Lins, João Bosco, Aldir Blanc, Renato Teixeira. Para ela, não havia um gênero único. Cantou bossa nova, samba, rock, jazz, e algumas de suas interpretações tornaram-se marca registrada, como Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza), Como Nossos Pais (Belchior), O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc), Querelas do Brasil (Mauricio Tapajós e Aldir Blanc) e Águas de Março (Antonio Carlos Jobim), entre tantas outras. Elis Regina foi a primeira grande estrela brasileira da era pós-rádio e soube usar, com maestria, todos os seus recursos cênicos para se

passeatas, sendo que uma delas levou cem<br />

mil pessoas à Aveni<strong>da</strong> Rio Branco, com a participação<br />

forte de artistas, políticos, estu<strong>da</strong>ntes<br />

e quem mais era contra o regime militar.<br />

<strong>No</strong> dia 13 de dezembro de 1968, uma crise<br />

no Congresso provoca<strong>da</strong> por um discurso do<br />

deputado Márcio Moreira Alves era o pretexto<br />

de que Costa e Silva precisava para<br />

decretar o Ato Institucional número 5, que<br />

lhe <strong>da</strong>va poderes para fechar o Congresso,<br />

cassar mais man<strong>da</strong>tos e institucionalizar a<br />

repressão. O AI-5 só viria a ser revogado no<br />

fim do governo Ernesto Geisel, em 1978, por<br />

meio <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 1.<br />

A tesoura <strong>da</strong> censura<br />

Apesar de você<br />

Amanhã há de ser<br />

Outro dia<br />

Eu pergunto a você<br />

Onde vai se esconder<br />

Da enorme euforia<br />

Como vai proibir<br />

Quando o galo insistir<br />

Em cantar<br />

Água nova brotando<br />

E a gente se amando<br />

Sem parar<br />

Apesar de Você<br />

(Chico Buarque)<br />

Um dos primeiros e mais nocivos efeitos de<br />

um regime fechado é a censura aos meios<br />

de comunicação, que ficam proibidos de<br />

veicular determina<strong>da</strong>s notícias. Logo em segui<strong>da</strong>,<br />

o alvo são os artistas, que se veem<br />

obrigados a submeter suas obras a censores<br />

que determinarão se elas podem ou não<br />

ser exibi<strong>da</strong>s. Esse era o quadro em 1969,<br />

justamente no período em que as artes no<br />

Brasil viviam uma fase de grande criativi<strong>da</strong>de,<br />

impulsiona<strong>da</strong>s pelos acontecimentos internos<br />

e de outros países.<br />

Assim foi com o teatro, o cinema, a televisão,<br />

os jornais, a música, as artes plásticas.<br />

Tudo o que era produzido no Brasil tinha que<br />

passar, antes, pelo crivo dos censores. Uma<br />

geração de compositores foi submeti<strong>da</strong> à<br />

censura, mas não só os compositores: também<br />

os intérpretes estavam sendo vigiados<br />

de perto, para que não propagassem mensagens<br />

que desagra<strong>da</strong>ssem às autori<strong>da</strong>des.<br />

4 . Capa de exemplar <strong>da</strong> revista Reali<strong>da</strong>de de 1966<br />

Apesar de tudo, grandes nomes de nossa<br />

música se consoli<strong>da</strong>ram durante essa época.<br />

A era dos festivais, como ficou conhecido o<br />

período de 1965 até 1972, teve grande parte<br />

de seu brilho sob o olhar feroz <strong>da</strong> censura,<br />

e mesmo assim conseguiu produzir canções<br />

e lançar artistas importantes. Muitas vezes<br />

os compositores usaram de sua imaginação<br />

para tocar em temas polêmicos, desafiando<br />

os censores, que nem sempre percebiam a<br />

intenção por trás <strong>da</strong>s letras de suas músicas.<br />

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