No Compasso da História - MultiRio

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17.04.2013 Views

modernista de Mário de Andrade, o filme começa com o parto do anti-herói vivido por Grande Otelo, tão preguiçoso que levou seis anos para começar a falar. O personagem foi visto como um símbolo do nosso povo, que usa sua criatividade (e o famoso jeitinho brasileiro) para sobreviver na selva das cidades e enfrentar os gigantes da burguesia e do imperialismo norte-americano. 20 . Cena do filme Macunaíma, com Grande Otelo O fim do sonho O sonho acabou Quem não dormiu no sleeping bag Nem sequer sonhou... o Sonho Acabou (Gilberto Gil) A empolgação de 1968 teve também o seu contrário. No segundo semestre, na França, a polícia retomou a Universidade de Sorbonne, ocupada pelos estudantes; na Tchecoslováquia, tanques soviéticos acabaram com a Primavera de Praga. No Brasil, policiais prenderam mais de mil estudantes em Ibiúna, no interior de São Paulo, quando realizavam um congresso clandestino da então extinta União Nacional dos Estudantes. No Congresso Nacional, o deputado Marcio Moreira Alves fez um discurso que propunha à população boicotar as comemorações do 7 de Setembro, realizadas pelas Forças Armadas. Entre outras coisas, dizia que as moças deveriam se recusar a dançar nos bailes com os cadetes. O governo do marechal Costa e Silva tentou processar o deputado, mas o Congresso recusou. Em 13 de dezembro, foi decretado o Ato Institucional número 5, que fechou o Congresso, suprimiu direitos políticos dos cidadãos, cassou mandatos de parlamentares e proibiu manifestações públicas de qualquer natureza. 21 . Marcio Moreira Alves no discurso que antecedeu o AI-5 Um show provocador Atenção Tudo é perigoso Tudo é divino maravilhoso Atenção para o refrão É preciso estar atento e forte Não temos tempo de temer a morte Atenção para a estrofe e pro refrão Pro palavrão, para a palavra de ordem Atenção para o samba exaltação Divino Maravilhoso (Caetano Veloso) Tropicália 199

Tropicália 200 Ainda no segundo semestre, Caetano, Gil e Os Mutantes estrearam na boate Sucata, no Rio de Janeiro, um show provocador. No cenário, duas bandeiras: em uma, se lia “Yes, nós temos bananas”, e, na outra, “Seja herói, seja marginal”, a já famosa homenagem de Hélio Oiticica ao bandido Cara de Cavalo. Em cena, Caetano gritava “Chega de saudade”, seguido de gritos e ruídos distorcidos de guitarra, dava cambalhotas e se arrastava pelo chão. Parte do público adorava, parte odiava. “Isso é uma apelação, fora, fora!”, protestou uma moça, sem saber que ela fazia parte do espetáculo, já que os holofotes também se voltavam para a plateia. Um boato de que Caetano teria cantado o Hino Nacional em cena provocou a proibição do espetáculo e o fechamento da boate. Uma denúncia, algo muito comum no clima político da época, levou à prisão dos músicos baianos, que depois de soltos foram obrigados a se exilar em Londres. 22 . Caetano Veloso na boate Sucata, no Rio, em 1968 O sonho continua Muitas das paixões nascidas em 1968 e desdobradas pelo Tropicalismo continuam vivas. Hoje, estudiosos do período afirmam que estudantes, músicos e intelectuais experimentaram e ampliaram os limites dos horizontes políticos, sexuais, comportamentais e existenciais. Meu caminho pelo mundo Eu mesmo traço A Bahia já me deu Régua e compasso Quem sabe de mim sou eu Aquele abraço! Aquele Abraço (Gilberto Gil) Para o jornalista Zuenir Ventura, “essa grande aventura não foi um folhetim de capa e espada, mas um romance sem ficção. O melhor de seu legado não está no gesto – muitas vezes desesperado; em outras, autoritário – mas na paixão com que foi à luta, dando a impressão de que estava disposta a entregar a vida para não morrer de tédio”. Segundo os jornalistas Ernesto Soto e Regina Zappa, “1968 indicou a necessidade de criação de uma nova ordem mundial voltada fundamentalmente para o homem, com a implantação da igualdade entre os sexos, do respeito à vida e ao meio ambiente, do planejamento ecológico e da defesa dos direitos das minorias”. 23 . Capa do livro do jornalista Zuenir Ventura sobre os acontecimentos que marcaram o ano de 1968

modernista de Mário de Andrade, o filme começa<br />

com o parto do anti-herói vivido por<br />

Grande Otelo, tão preguiçoso que levou seis<br />

anos para começar a falar. O personagem foi<br />

visto como um símbolo do nosso povo, que<br />

usa sua criativi<strong>da</strong>de (e o famoso jeitinho<br />

brasileiro) para sobreviver na selva <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des<br />

e enfrentar os gigantes <strong>da</strong> burguesia e<br />

do imperialismo norte-americano.<br />

20 . Cena do filme Macunaíma, com Grande Otelo<br />

O fim do sonho<br />

O sonho acabou<br />

Quem não dormiu no sleeping bag<br />

Nem sequer sonhou...<br />

o Sonho Acabou<br />

(Gilberto Gil)<br />

A empolgação de 1968 teve também o seu<br />

contrário. <strong>No</strong> segundo semestre, na França,<br />

a polícia retomou a Universi<strong>da</strong>de de Sorbonne,<br />

ocupa<strong>da</strong> pelos estu<strong>da</strong>ntes; na Tchecoslováquia,<br />

tanques soviéticos acabaram com<br />

a Primavera de Praga. <strong>No</strong> Brasil, policiais<br />

prenderam mais de mil estu<strong>da</strong>ntes em Ibiúna,<br />

no interior de São Paulo, quando realizavam<br />

um congresso clandestino <strong>da</strong> então<br />

extinta União Nacional dos Estu<strong>da</strong>ntes.<br />

<strong>No</strong> Congresso Nacional, o deputado Marcio<br />

Moreira Alves fez um discurso que propunha<br />

à população boicotar as comemorações do 7<br />

de Setembro, realiza<strong>da</strong>s pelas Forças Arma<strong>da</strong>s.<br />

Entre outras coisas, dizia que as moças<br />

deveriam se recusar a <strong>da</strong>nçar nos bailes com<br />

os cadetes.<br />

O governo do marechal Costa e Silva tentou<br />

processar o deputado, mas o Congresso<br />

recusou. Em 13 de dezembro, foi decretado<br />

o Ato Institucional número 5, que fechou o<br />

Congresso, suprimiu direitos políticos dos<br />

ci<strong>da</strong>dãos, cassou man<strong>da</strong>tos de parlamentares<br />

e proibiu manifestações públicas de<br />

qualquer natureza.<br />

21 . Marcio Moreira Alves no discurso que antecedeu o AI-5<br />

Um show provocador<br />

Atenção<br />

Tudo é perigoso<br />

Tudo é divino maravilhoso<br />

Atenção para o refrão<br />

É preciso estar atento e forte<br />

Não temos tempo de temer a morte<br />

Atenção para a estrofe e pro refrão<br />

Pro palavrão, para a palavra de ordem<br />

Atenção para o samba exaltação<br />

Divino Maravilhoso<br />

(Caetano Veloso)<br />

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