No Compasso da História - MultiRio
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Raízes indígenas<br />
16<br />
cristã diante desse hábito, esquecendo-se,<br />
no entanto, de condenar as mortes e as torturas<br />
que os próprios europeus praticaram<br />
durante o chamado processo civilizatório de<br />
outras etnias.<br />
Hans Staden, em seu livro Viagem ao Brasil,<br />
contou assim o ritual: “‘Eu, vossa comi<strong>da</strong>,<br />
cheguei’, gritava o prisioneiro assim que<br />
punha os pés na aldeia. Porém, o prisioneiro<br />
era bem tratado, passava a conviver na tribo,<br />
executava as tarefas e recebia até uma companheira.<br />
A festa <strong>da</strong> execução reunia to<strong>da</strong> a<br />
tribo. O prisioneiro era banhado e depilado,<br />
seu corpo pintado de preto, untado de mel e<br />
recoberto de plumas. Todos consumiam muito<br />
cauim, uma bebi<strong>da</strong> fermenta<strong>da</strong> à base de<br />
mandioca, milho e frutas como o ananás e o<br />
jenipapo. Antes de ser executado, o prisioneiro<br />
falava de sua bravura, lembrando os guerreiros<br />
<strong>da</strong>quela tribo que tinham sido mortos<br />
pelos seus e <strong>da</strong> vingança que viria pela sua<br />
morte. Para algumas vítimas, a execução não<br />
era de todo ruim, já que consideravam o estômago<br />
do inimigo a sepultura ideal”.<br />
Os europeus duvi<strong>da</strong>vam de que os naturais<br />
do lugar tivessem alma, mas isso não impediu<br />
que comerciassem com eles. Em troca<br />
de tecidos, espelhos, miçangas, machados<br />
e facões, os índios derrubavam, cortavam e<br />
transportavam o pau-brasil para os navios<br />
que zarpavam abarrotados. Não apenas navios<br />
portugueses, mas também espanhóis,<br />
holandeses e, sobretudo, franceses contrabandeavam,<br />
à vontade, a madeira que tingia<br />
linhos, se<strong>da</strong>s e algodões com a cor <strong>da</strong> nobreza:<br />
um tom carmesim ou purpúreo. Os índios<br />
a chamavam de ibirapitanga: pau vermelho.<br />
A Mata Atlântica, que cobria o litoral do Piauí<br />
ao Rio Grande do Sul, começou a ser dizima<strong>da</strong>,<br />
primeiro, com a coleta do pau-brasil<br />
e, depois, com a derruba<strong>da</strong> de outras madeiras<br />
de lei. <strong>No</strong> primeiro século de exploração,<br />
cerca de dois milhões de árvores foram<br />
abati<strong>da</strong>s. As ferramentas de metal trazi<strong>da</strong>s<br />
pelos europeus aju<strong>da</strong>ram muito: com seus<br />
machados de pedra, os indígenas levavam<br />
três horas para derrubar um pau-brasil;<br />
com machado de ferro, podiam fazê-lo<br />
em cerca de 15 minutos.<br />
8 . Pau-brasil, árvore presente na Mata Atlântica<br />
“Talvez os pajés e os chefes imaginassem<br />
que esse poderoso inimigo fosse uma epidemia,<br />
ou a ira dos ventos, revolta <strong>da</strong>s matas,<br />
ou mesmo vingança de Curupira. Mas<br />
em nenhum momento eles imaginaram que<br />
o inimigo seria o homem branco, vindo do<br />
meio do mar, conforme testemunharam os<br />
olhares Tupiniquim, Tupinambá e quem sabe<br />
outros povos nativos <strong>da</strong> costa Atlântica.<br />
Muitos anos depois, essa mesma história se<br />
repetiria em terras de outros grupos valentes.”<br />
(Narrativa do índio Baré Braz de Oliveira<br />
França, do Rio Negro, Amazônia.)<br />
As capitanias hereditárias<br />
Crescia, ca<strong>da</strong> vez mais, a presença de navios<br />
europeus na costa brasileira. E uma pergunta<br />
se colocou: como proteger e fiscalizar um litoral<br />
tão grande? Portugal procurou, então, implantar<br />
uma política de mare clausum (fechamento<br />
dos mares às nações concorrentes), para<br />
tentar garantir a exclusivi<strong>da</strong>de no comércio.<br />
As invasões estrangeiras abriram os olhos<br />
dos portugueses: se quisessem legitimar sua<br />
nova proprie<strong>da</strong>de, teriam que ocupá-la e povoá-la.<br />
Trinta anos depois <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> de Cabral,<br />
a expedição de Martim Afonso de Souza<br />
veio <strong>da</strong>r início à colonização. E, assim, foi