No Compasso da História - MultiRio
No Compasso da História - MultiRio No Compasso da História - MultiRio
que incluíam o consumo de alimentos enlatados, eletrodomésticos, produtos de beleza, adereços femininos e masculinos, automóveis, móveis, refrigerantes, cigarros: tudo o que podia ser visto nas telas dos cinemas. Ficou claro que, apesar de o presidente Roosevelt mirar na questão política, o que movia mesmo a engrenagem eram a economia e o enorme mercado que surgia no Brasil para os produtos americanos. Esse pano de fundo marcou a controversa apresentação de Carmen Miranda no Cassino da Urca. Uma disputa política e econômica que deixou suas marcas até mesmo na biografia de uma das maiores artistas que o Brasil já conheceu. O genial Villa-Lobos Ó Tupã, deus do Brasil. Que o céu enche de sol De estrelas, de luar e de esperança Ó Tupã, tira de mim essa saudade Anhangá me fez sonhar Com a terra que perdi o Canto do Pajé (Heitor Villa-Lobos e Paula Barros) Todo personagem histórico leva consigo, além de sua obra, a inserção no mundo em que viveu. Esse é o caso do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959), o maior expoente da música clássica em nosso país. O Brasil já alcançara algum renome internacional nesse setor, graças à obra de Antonio Carlos Gomes (1836-1896), cuja ópera mais conhecida é O Guarani, que inaugurou a transmissão ao vivo do rádio, direto do Theatro Municipal, em 7 de setembro de 1922. Mas foi Villa-Lobos que criou uma linguagem musical erudita autenticamente brasileira, incorporando elementos de nossa cultura. Raul Villa-Lobos, pai do compositor, funcionário público e músico amador, deu-lhe instrução musical e adaptou uma viola para que o pequeno Heitor iniciasse seus estudos de violoncelo. Aos 12 anos, órfão de pai, Villa-Lobos passou a tocar em teatros, cafés e bailes; paralelamente, interessou-se pela intensa musicalidade dos “chorões” representantes da melhor música popular do Rio de Janeiro e, nesse contexto, desenvolveu- -se também no violão. De temperamento inquieto, empreendeu desde cedo escapadas pelo interior do país, primeiras etapas de um processo de absorção de todo o universo musical brasileiro. 12 . O maestro Heitor Villa-Lobos, “o maior compositor das Américas” Em 1922, Villa-Lobos participou da Semana de Arte Moderna e, no ano seguinte, embarcou para a Europa, regressando ao Brasil em 1924. Viajou, novamente, para a Europa em 1927 e retornou em 1930, quando realizou turnê por 66 cidades. A essa altura, era um compositor de renome, ainda que atacado violentamente por alguns críticos, que se recusavam a reconhecer os méritos de sua obra múltipla. Essa obra incluía sons de pássaros, cantos indígenas e instrumentos populares de percussão. Era um artista completo. Era Vargas 2 – A política da boa vizinhança 135
Era Vargas 2 – A política da boa vizinhança 136 Em seu retorno, engajou-se, decididamente, no projeto nacionalista de Getúlio Vargas, que, em 1930, criou o Ministério da Educação e Saúde Pública. Villa-Lobos foi chamado a dar sua contribuição e colocou em prática dois de seus maiores sonhos: o de promover a educação artística dos jovens e o de levar ao povo os grandes concertos musicais. “Quando procurei formar a minha cultura, guiada pelo meu instinto e tirocínio, verifiquei que só poderia chegar a uma conclusão de saber consciente pesquisando, estudando obras que, à primeira vista, nada tinham de musicais. Assim, o primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil que eu palmilhei, cidade por cidade, estado por estado, floresta por floresta, perscrutando a lama de uma terra. Depois, o caráter dos homens dessa terra. Depois, as maravilhas naturais dessa terra”, afirmava. A declaração, vista hoje, com a perspectiva do tempo, demonstra a profunda percepção que tinha o maestro da grandeza de nosso país. 13 . Villa-Lobos no estádio de São Januário em concentração para regência de coral Em 1932, Villa-Lobos foi nomeado superintendente de Educação Musical e Artística do então Distrito Federal e, em 1942, diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Nesse período, realizou enormes concentrações orfeônicas, uma das quais com a participação de 42 mil vozes de estudantes. Em outra, em São Paulo, que denominou de Exortação Cívica, tomaram parte aproximadamente 12 mil vozes. Entre os anos 1930 e 1940, realizou novas concentrações orfeônicas nos estádios dos clubes Vasco da Gama e Fluminense, no Rio de Janeiro. Os americanos entre nós Brasil! Meu Brasil brasileiro Meu mulato inzoneiro Vou cantar-te nos meus versos O Brasil, samba que dá Bamboleio, que faz gingar O Brasil, do meu amor Terra de Nosso Senhor Brasil! Aquarela do Brasil (Ary Barroso) Quando o maestro norte-americano Leopold Stokowski (regente do repertório clássico do desenho Fantasia, de Walt Disney), navegando nas águas da aproximação cultural entre os Estados Unidos e o Brasil, veio aqui, em 1940, pesquisar o melhor da nossa música, foi a Heitor Villa-Lobos que ele recorreu. Stokowski conhecia sua obra, da qual regera algumas peças em concertos nos anos 1930. Ele bem sabia, portanto, o que queria gravar: emboladas, sambas, marchas-rancho, até a música religiosa tocada em rituais afro. E Villa-Lobos era o homem certo para a empreitada: conhecia todos os caminhos que levavam do erudito ao popular e vice-versa. Respirava a natureza polirrítmica do samba, frequentava os ensaios da Mangueira, adorava Cartola (Angenor de Oliveira): “Ele é um gênio, acerta até quando erra”, costumava dizer sobre a natureza espontânea da obra do compositor, que não estudou música pelos métodos tradicionais. Ironias da história:
- Page 85 and 86: 1808: O Segundo Reinado 84 Livros C
- Page 87 and 88: 1889: Nasce a República - A alma e
- Page 89 and 90: 1889: Nasce a República - A alma e
- Page 91 and 92: 1889: Nasce a República - A alma e
- Page 93 and 94: 1889: Nasce a República - A alma e
- Page 95 and 96: 1889: Nasce a República - A alma e
- Page 97 and 98: 1889: Nasce a República - A alma e
- Page 100 and 101: 1889: Nasce a República - Do samba
- Page 102 and 103: A carreira política estava aberta
- Page 104 and 105: Aqui có no terreiro Pelú adié Fa
- Page 106 and 107: Theatro Municipal. Em 1922, o grupo
- Page 108 and 109: A frase “Samba é como passarinho
- Page 110 and 111: O desenvolvimento industrial de Sã
- Page 112: FERREIRA, Jorge (org.). As Repúbli
- Page 115 and 116: Era Vargas 1 - A Era do Rádio 114
- Page 117 and 118: Era Vargas 1 - A Era do Rádio 116
- Page 119 and 120: Era Vargas 1 - A Era do Rádio 118
- Page 121 and 122: Era Vargas 1 - A Era do Rádio 120
- Page 123 and 124: Era Vargas 1 - A Era do Rádio 122
- Page 125 and 126: Era Vargas 1 - A Era do Rádio 124
- Page 127 and 128: Era Vargas 1 - A Era do Rádio 126
- Page 130 and 131: Era Vargas 2 - A política da boa v
- Page 132 and 133: Em 1933, os produtores e programado
- Page 134 and 135: Setembro de 1939. Apesar de suas (f
- Page 138 and 139: Cartola e sua obra só voltariam a
- Page 140 and 141: no Brasil, Dutra encerrou de forma
- Page 142 and 143: Pearl Harbor: o Outro Lado da Hist
- Page 144 and 145: Anos 50 - De Getúlio a JK Sinopse
- Page 146 and 147: Mas, antes da eleição de 1950, o
- Page 148 and 149: Presidente bossa-nova Bossa nova me
- Page 150 and 151: Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Ton
- Page 152 and 153: lista incompleta pode nomear Carlos
- Page 154 and 155: desafio de não só criar uma cidad
- Page 156 and 157: Farney e Anselmo Duarte e, na músi
- Page 158 and 159: Nada disso parecia desanimar Juscel
- Page 160 and 161: É sal, é sol, é sul Sinopse Tom
- Page 162 and 163: clássico: Se Todos Fossem Iguais a
- Page 164 and 165: como candidato um político que fiz
- Page 166 and 167: administrativos para apurar a corru
- Page 168 and 169: da seleção canarinho, agora no Ch
- Page 170 and 171: sequência de crises, os partidos d
- Page 172: Os Desafinados. Brasil, 2008. Dire
- Page 175 and 176: Este mundo é meu 174 Um país em c
- Page 177 and 178: Este mundo é meu 176 Entre 1962 e
- Page 179 and 180: Este mundo é meu 178 a nacionaliza
- Page 181 and 182: Este mundo é meu 180 Acabou nosso
- Page 183 and 184: Este mundo é meu 182 15 . Na Cinel
- Page 185 and 186: Este mundo é meu 184 18 . Lindonei
que incluíam o consumo de alimentos enlatados,<br />
eletrodomésticos, produtos de beleza,<br />
adereços femininos e masculinos, automóveis,<br />
móveis, refrigerantes, cigarros: tudo o que<br />
podia ser visto nas telas dos cinemas.<br />
Ficou claro que, apesar de o presidente Roosevelt<br />
mirar na questão política, o que movia<br />
mesmo a engrenagem eram a economia<br />
e o enorme mercado que surgia no Brasil<br />
para os produtos americanos.<br />
Esse pano de fundo marcou a controversa<br />
apresentação de Carmen Miran<strong>da</strong> no Cassino<br />
<strong>da</strong> Urca. Uma disputa política e econômica<br />
que deixou suas marcas até mesmo na<br />
biografia de uma <strong>da</strong>s maiores artistas que o<br />
Brasil já conheceu.<br />
O genial Villa-Lobos<br />
Ó Tupã, deus do Brasil.<br />
Que o céu enche de sol<br />
De estrelas, de luar e de esperança<br />
Ó Tupã, tira de mim essa sau<strong>da</strong>de<br />
Anhangá me fez sonhar<br />
Com a terra que perdi<br />
o Canto do Pajé<br />
(Heitor Villa-Lobos e Paula Barros)<br />
Todo personagem histórico leva consigo,<br />
além de sua obra, a inserção no mundo<br />
em que viveu. Esse é o caso do maestro<br />
e compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959),<br />
o maior expoente <strong>da</strong> música clássica em<br />
nosso país. O Brasil já alcançara algum renome<br />
internacional nesse setor, graças à<br />
obra de Antonio Carlos Gomes (1836-1896),<br />
cuja ópera mais conheci<strong>da</strong> é O Guarani, que<br />
inaugurou a transmissão ao vivo do rádio,<br />
direto do Theatro Municipal, em 7 de setembro<br />
de 1922. Mas foi Villa-Lobos que criou<br />
uma linguagem musical erudita autenticamente<br />
brasileira, incorporando elementos<br />
de nossa cultura.<br />
Raul Villa-Lobos, pai do compositor, funcionário<br />
público e músico amador, deu-lhe<br />
instrução musical e a<strong>da</strong>ptou uma viola para<br />
que o pequeno Heitor iniciasse seus estudos<br />
de violoncelo. Aos 12 anos, órfão de pai,<br />
Villa-Lobos passou a tocar em teatros, cafés<br />
e bailes; paralelamente, interessou-se pela<br />
intensa musicali<strong>da</strong>de dos “chorões” representantes<br />
<strong>da</strong> melhor música popular do Rio<br />
de Janeiro e, nesse contexto, desenvolveu-<br />
-se também no violão. De temperamento inquieto,<br />
empreendeu desde cedo escapa<strong>da</strong>s<br />
pelo interior do país, primeiras etapas de<br />
um processo de absorção de todo o universo<br />
musical brasileiro.<br />
12 . O maestro<br />
Heitor Villa-Lobos,<br />
“o maior compositor<br />
<strong>da</strong>s Américas”<br />
Em 1922, Villa-Lobos participou <strong>da</strong> Semana<br />
de Arte Moderna e, no ano seguinte,<br />
embarcou para a Europa, regressando ao<br />
Brasil em 1924. Viajou, novamente, para a<br />
Europa em 1927 e retornou em 1930, quando<br />
realizou turnê por 66 ci<strong>da</strong>des. A essa<br />
altura, era um compositor de renome, ain<strong>da</strong><br />
que atacado violentamente por alguns<br />
críticos, que se recusavam a reconhecer os<br />
méritos de sua obra múltipla. Essa obra incluía<br />
sons de pássaros, cantos indígenas e<br />
instrumentos populares de percussão. Era<br />
um artista completo.<br />
Era Vargas 2 – A política <strong>da</strong> boa vizinhança<br />
135