Augusto de Santa-Rita e a criação literária para a infância
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<strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong> e a <strong>criação</strong> <strong>literária</strong> <strong>para</strong> a <strong>infância</strong><br />
A figura paterna, “em sua crassa ignorância”, como refere o próprio narrador, chega<br />
mesmo a ralhar com a criança<br />
- «Hás-<strong>de</strong> torná-lo um mandrião, um inútil» - ralhava, ru<strong>de</strong>mente, Miguel,<br />
ignorante do alto significado daquela vocação incipiente e do seu possível<br />
aproveitamento quando revelada num outro meio propício e orientada e guiada por uma<br />
consciência culta.<br />
e a afirmar que “ -«Poetas e troca-tintas é tudo gente sem préstimo!»”.<br />
O narrador é omnisciente e mantém uma incursão progressivamente presente,<br />
<strong>de</strong>cisiva <strong>para</strong> a tomada <strong>de</strong> conhecimentos do <strong>de</strong>senrolar dos acontecimentos, não só<br />
dominando a relação entre <strong>de</strong>scrição, narração e diálogo, como também caracterizando<br />
as personagens, seleccionando os episódios do enredo, sobretudo veiculando os<br />
símbolos e relacionando-os com a própria vida afectiva e cognitiva do leitor. A ligação<br />
verbal possibilita, ainda, uma articulação corrente <strong>de</strong> acontecimentos.<br />
O início da novela Os Bandoleiros é disso mesmo testemunho. Antecedida por<br />
uma carta aos “Meninos Leitores”, nela o narrador i<strong>de</strong>ntifica a época em que irão<br />
<strong>de</strong>correr os acontecimentos, referindo que a história se passou “no ano <strong>de</strong> mil setecentos<br />
e tal”, época em “que inda não existiam entre nós comboios, vapores, aeroplanos,<br />
Imprensa, e portanto, o querido «Pim Pam Pum».”, mas sim “<strong>de</strong>ligências, liteiras, carros<br />
<strong>de</strong> bois, berlindas ou no dorso dos elefantes, camelos, muares ou jumentinhos. No<br />
tempo em que imperava o azeite, como iluminação...” e em que a família se reunia “…<br />
ouvindo a Sagrada Bíblia ou contando historias verídicas, não da carochinha viúva e do<br />
João Ratão, mas <strong>de</strong> bandidos e salteadores, que hoje raramente se encontram e que<br />
então assolavam pelos ermos caminhos assaltando viajeiros.”.<br />
O tom do narrador traduz uma ingenuida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rada técnica essencial <strong>para</strong> a<br />
o efeito <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> do texto: simplicida<strong>de</strong> estilística (frases curtas, diálogos<br />
simples, vocabulário relativamente limitado), o que se justifica havendo a adaptação da<br />
narrativa ao ponto <strong>de</strong> vista da criança e apresentando parte do discurso através dos seus<br />
olhos.<br />
Ainda no que diz respeito ao narrador, é notório o conhecimento que este tem<br />
das personagens e <strong>de</strong> tudo o que as ro<strong>de</strong>ia, sendo surpreen<strong>de</strong>nte o envolvimento que<br />
<strong>de</strong>ixa transparecer ao manifestar-se na primeira pessoa do plural. Deste modo, surge,<br />
por um lado, como verda<strong>de</strong>iro espectador; mas, ao mesmo tempo, autor e narrador