Augusto de Santa-Rita e a criação literária para a infância
Augusto de Santa-Rita e a criação literária para a infância
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<strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong> e a <strong>criação</strong> <strong>literária</strong> <strong>para</strong> a <strong>infância</strong><br />
– Confessaste-me há pouco que eras palhaço. Desculpa, meu querido irmão,<br />
mas não te parece que ser palhaço é uma profissão muito feia?! Ora tu possues, por<br />
direito <strong>de</strong> herança, meta<strong>de</strong> dos bens que eu administro. Não precisas <strong>de</strong> ganhar a tua<br />
vida a fazer rir os outros. Deixa <strong>de</strong> ser palhaço e vem viver connosco.<br />
Emtanto, Clara insurgiu-se: - «Então que tem lá isso?! Paulo é um artista! É<br />
uma arte como outra qualquer! Divertir as crianças!... Há lá missão mais bonita! ...»<br />
Paulo sorriu <strong>para</strong> Clara que levemente corou, baixando os olhos, e<br />
murmurando com ternura:<br />
- «Muito obrigado, Clara, pela justiça que faz ao meu ingrato ofício. Todavia o<br />
Pedro tem razão. Não falou por ele, falou por toda a gente, e a Clara falou <strong>de</strong> si que é<br />
diferente dos outros. Mas os outros só pensam assim quando me não dão palmas. E eu<br />
não posso passar sem as palmas dos outros, o que me causa uma gran<strong>de</strong> alegria!»<br />
Pedro e Rosa não perceberam bem o que ele queria dizer; só Clara o percebeu,<br />
sem mesmo se aperceber <strong>de</strong> que o havia entendido. – (isto é um pouco complicado <strong>para</strong><br />
os meninos mas passem adiante que hão-<strong>de</strong> gostar do resto) –<br />
No comentário do narrador é <strong>de</strong> todo perceptível a presença do próprio autor,<br />
<strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong>, ele próprio um artista – uma presença recorrente ao longo da sua<br />
obra. A sua atitu<strong>de</strong> vai ao encontro daquela que fora tomada por Sarinha que, sendo<br />
“bacharel e autor <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> poesia, não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser, em 1911, aos olhos da rica<br />
família da sua namorada, um “inútil” e “<strong>para</strong> resolver em parte o problema <strong>de</strong>sta gente<br />
qualificada […] <strong>de</strong>senvolveu a teoria <strong>de</strong> uma nova nobreza, como forma <strong>de</strong> integrar na<br />
socieda<strong>de</strong> o talento e o prestígio.” (RAMOS 1994: 544). Com isto não se preten<strong>de</strong><br />
afirmar que <strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong> era um <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> títulos, os quais tinham sido,<br />
aliás, proibidos 59 , a 5 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1910. O que, <strong>de</strong> facto, sobressai é o seu gosto pela<br />
arte ao longo da vida.<br />
Por outro lado, tal como acontece na literatura popular, o autor ignora o adulto e<br />
rejeita a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o cortejar e <strong>de</strong> obter a sua aprovação. O carácter comunicativo<br />
inerente possibilita a estimulação da imaginação do <strong>de</strong>stinatário infantil (“os meninos”),<br />
conferindo, simultaneamente, veracida<strong>de</strong> à narrativa <strong>para</strong> não se per<strong>de</strong>r o efeito dos<br />
acontecimentos.<br />
Para além <strong>de</strong>ste aspecto biográfico, consegue perceber-se <strong>de</strong> igual modo a<br />
valorização que <strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong> dá à arte, bem como o estado a que estavam<br />
59 “(…) mas a imprensa voltou em breve a abrir colunas sociais, registando casamentos, funerais, festas,<br />
acontecimentos <strong>de</strong>sportivos, on<strong>de</strong> a “nossa primeira socieda<strong>de</strong>” passeava os seus título e aquilo que os<br />
jornalistas i<strong>de</strong>ntificavam como “bom gosto” (RAMOS 1994: 544).