Augusto de Santa-Rita e a criação literária para a infância
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<strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong> e a <strong>criação</strong> <strong>literária</strong> <strong>para</strong> a <strong>infância</strong><br />
“reboludo e anafado” (p. 4), com uma corcunda com que já nascera e que, tal como os<br />
seus pais avôs e bisavós 46 , era bobo.<br />
Esta passagem não <strong>de</strong>ixa dúvidas quanto ao peso dos atavismos sociais que as<br />
personagens têm que suportar. Inerente a esse fardo, o bobo seguia o Imperador “como<br />
fiel rafeiro atrás do dono” (p. 4). Esta com<strong>para</strong>ção <strong>de</strong>ixa, ainda, transparecer a<br />
subserviência a que <strong>de</strong>terminadas figuras chegam, retratando, alegoricamente, alguns<br />
grupos da socieda<strong>de</strong>. A forma <strong>de</strong> tratamento que o Imperador lhe dá serve <strong>de</strong><br />
testemunho: ao tentar distraí-lo com gracejos impertinentes, <strong>para</strong> lhe aliviar o mau<br />
humor, provocado pela “forte impressão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraça iminente”, levou “um real<br />
pontapé” (p. 5).<br />
Este gesto será repetido pelo séquito do Príncipe como forma <strong>de</strong> repressão,<br />
quando conduz os fugitivos à prisão, e será uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a supremacia <strong>de</strong><br />
quem o pratica. Contudo, e talvez com a intenção <strong>de</strong> dar à cena alguma comicida<strong>de</strong>, o<br />
pontapé é dado “no traseiro” (no primeiro caso surge na imagem que acompanha o texto<br />
e posteriormente é referido no texto).<br />
É na fonte que se dão as revelações, bem como os encontros (e <strong>de</strong>sencontros): a<br />
revelação do carácter das personagens femininas e os encontros <strong>de</strong>stes entre si e <strong>de</strong>stas<br />
com o Príncipe. O <strong>de</strong>sencontro dá-se a partir do momento em que o Príncipe, cujo nome<br />
só será conhecido praticamente no final da história (Telo), andando a seguir a Princesa<br />
Babel <strong>para</strong> a pedir em casamento, assistiu às transformações. De imediato renuncia,<br />
ainda que não o faça verbalmente, à referida princesa, censurando-a pela sua atitu<strong>de</strong>.<br />
Em contrapartida, mostra-se logo interessado na Flor e, prova disso, é a “mão cheia <strong>de</strong><br />
dracmas” (p. 17) que lhe oferece. Este gesto pressupõe o toque das mãos, pois se tal não<br />
acontecer o mais provável será entornarem-se, e não se tratará <strong>de</strong> uma simples esmola,<br />
dada a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> moedas, pelo que tal gestão <strong>de</strong>ixa transparecer uma entrega da sua<br />
força e/ou po<strong>de</strong>r, como forma <strong>de</strong> tranquilizar aquela jovem. Esta atitu<strong>de</strong> tranquilizadora<br />
repetir-se-á quando Flor é levada pelos guardas imperiais como prisioneira. O Príncipe,<br />
então, segreda-lhe ao ouvido a promessa <strong>de</strong> que a salvará, revelando-se aqui uma maior<br />
intimida<strong>de</strong>, pela proximida<strong>de</strong> e local on<strong>de</strong> é <strong>de</strong>positado um beijo. E, apesar <strong>de</strong> não ter<br />
participado nesse acto <strong>de</strong> salvamento, mal a reencontra, beija-lhe a mão, gesto que<br />
46 A forma através da qual o autor apresenta a linha <strong>de</strong> sucessão <strong>de</strong>sta activida<strong>de</strong> traz à memória a arte <strong>de</strong><br />
Gil Vicente que, no Auto da Barca do Inferno, pela boca do Diabo, <strong>para</strong> dar a conhecer ao Fidalgo que a<br />
sua sorte não será diferente da dos seus antepassados, refere “que assi passou vosso pai”.