Augusto de Santa-Rita e a criação literária para a infância
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<strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong> e a <strong>criação</strong> <strong>literária</strong> <strong>para</strong> a <strong>infância</strong><br />
Partindo pelo mundo à procura do sonho, numa viagem física com o objectivo<br />
<strong>de</strong> melhorar a sua vida a nível social, o herói, à procura da novida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações,<br />
consciencializa-se e obtém uma visão mais realista e completa do mundo que o ro<strong>de</strong>ia.<br />
Após várias provas superadas, será recompensado no final da narrativa, sendo o prémio<br />
final a concretização dos seus sonhos; alcança, assim, a felicida<strong>de</strong>.<br />
A viagem, entendida não só como aquelas que Roque empreen<strong>de</strong>u a França e<br />
Inglaterra, mas também aquela que se opera com o seu próprio crescimento, traduz,<br />
apesar da brevida<strong>de</strong> com que é apresentada, o alcance da maturida<strong>de</strong>, a obtenção da<br />
in<strong>de</strong>pendência e a auto-realização da personagem, não obstante os perigos por que<br />
passou ou as <strong>de</strong>cisões que teve <strong>de</strong> tomar.<br />
Por outro lado, através das suas evasões constantes, várias inferências po<strong>de</strong>m ser<br />
retiradas pelo leitor, não só no que diz respeito ao carácter da personagem, como já<br />
referido, mas também à época em que <strong>de</strong>corre a acção, ou, mesmo, à época a que se<br />
reporta a edição do texto. O relato da viagem, tema que emerge cedo na literatura <strong>para</strong><br />
crianças, não surge nesta narrativa com causa política, o que, aliás, é recorrente neste<br />
tipo <strong>de</strong> literatura, pois “a oposição ao regime do Estado Novo nunca é legada por razões<br />
puramente políticas”, diz Francesca Blockeel (2001: 276). Ainda assim, a forma <strong>de</strong> agir<br />
<strong>de</strong> Roque, nomeadamente o facto <strong>de</strong> viajar clan<strong>de</strong>stinamente, <strong>de</strong>ixa transparecer gran<strong>de</strong>s<br />
marcas da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> então. A situação sócio-política e económica do país levava a<br />
que, frequentemente, as pessoas tivessem que sair do país, começando, então, a<br />
verificar-se a emigração clan<strong>de</strong>stina como uma realida<strong>de</strong>. A presença <strong>de</strong>ste tema mostra<br />
que o fenómeno passa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo a fazer parte do imaginário colectivo<br />
português.<br />
Também o facto <strong>de</strong> ser dito que o tio Malaquias, no dia seguinte à sua partida,<br />
tinha que ir aviar as encomendas a partir dos papelinhos rascunhados por Roque em<br />
papel almaço, mostra que este já tinha frequentado a escola, e que, apenas com <strong>de</strong>z<br />
anos, já não a frequentava, pois já se encontrava a trabalhar na mercearia. Tal<br />
referência, em confronto com a data <strong>de</strong> publicação da obra, remete <strong>para</strong> o tempo <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong> obrigatória que, a partir <strong>de</strong> 1929, passou a ser <strong>de</strong> apenas três anos,<br />
validando uma i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> governo que <strong>de</strong>fendia a alfabetização mínima (RAMOS<br />
1994). A necessida<strong>de</strong> da educação sistemática da criança existia e era consi<strong>de</strong>rada<br />
essencial <strong>para</strong> o seu bem-estar espiritual, mas, simultaneamente, vigorava o culto do