Augusto de Santa-Rita e a criação literária para a infância
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<strong>Augusto</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>-<strong>Rita</strong> e a <strong>criação</strong> <strong>literária</strong> <strong>para</strong> a <strong>infância</strong><br />
Entre Roque e Esmeralda existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre uma certa intimida<strong>de</strong>, pois<br />
partilham o mesmo quartinho, apesar <strong>de</strong> cada um se encontrar a seu canto, na cave da<br />
mercearia. Aí partilham a miséria em que vivem, dormindo sobre uma enxerga, apenas<br />
com um coto e a lua <strong>para</strong> dar luz, e com pouca roupa, como <strong>de</strong>monstra a trouxa que<br />
Roque rapidamente arranja pouco antes <strong>de</strong> partir: “começou a encher da sua roupinha<br />
velha – a única que tinha” (p. 16). A relação entre as duas crianças reveste-se, por isso,<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>, ainda mais pelo facto <strong>de</strong>, não tendo ninguém que os mime, se<br />
reconfortarem um ao outro. Ambos são órfãos, revelando-se in<strong>de</strong>fesos e, logo,<br />
disponíveis <strong>para</strong> qualquer situação, boa ou má. Vivem com o tio Malaquias, que é<br />
patrão <strong>de</strong> Roque e padrasto <strong>de</strong> Esmeralda, que o trata por padrinho.<br />
No que diz respeito à relação que têm com aquele senhor, essa não é das<br />
melhores. Analisando o seu nome próprio, Malaquias, o MAL está bem patente e<br />
confere, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, uma imagem maléfica à personagem. Também o seu aspecto e<br />
comportamento em nada ajudam a que cative.<br />
As atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste <strong>para</strong> com aqueles inocentes revelam também o seu carácter<br />
abusador e inconsciente: Roque é normalmente impelido à realização <strong>de</strong> tarefas que<br />
implicam gran<strong>de</strong> esforço físico, as quais, após a sua fuga, passam a ser <strong>de</strong>senvolvidas<br />
por Esmeralda, um exemplo <strong>de</strong> personagem que funciona como um pilar da<br />
sustentabilida<strong>de</strong> psicológica da estrutura familiar<br />
Encontra-se o que está canonizado na literatura infantil: as crianças surgem órfãs<br />
e ocorre completa se<strong>para</strong>ção entre estas e os adultos, ou seja, a respectiva atitu<strong>de</strong> em<br />
relação ao mundo é completamente diferente, com um código típico apenas das<br />
crianças, sendo notável a pureza e a genuína capacida<strong>de</strong> da criança <strong>para</strong> ver o mundo <strong>de</strong><br />
modo especial. Por outro lado, a educação das personagens sem família revela a falta <strong>de</strong><br />
atenção dada às crianças do Portugal rural e pobre.<br />
Denota-se, ainda, uma atenção face às relações entre netos e avós, patrões e<br />
empregados, associadas à orfanda<strong>de</strong> das personagens, bem como a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolher os<br />
<strong>de</strong>sam<strong>para</strong>dos po<strong>de</strong> ser justificável pela sugestão, lançada por um editorialista do Diário<br />
<strong>de</strong> Lisboa, “<strong>de</strong>, como se fazia em França, tributar os celibatários e os casais sem filhos,<br />
<strong>para</strong> os castigar <strong>de</strong> não contribuírem <strong>para</strong> a massa humana da nação” (RAMOS 1994:<br />
590).