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CaSoS CLÍNiCoS HOSPITAL DA LUZ

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<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

HoSPiTaL da LuZ<br />

uma edição<br />

2008-2009


a PuBLiCação deSTe LiVRo CoNTou Com o aPoio de:<br />

uma edição da eSPÍRiTo SaNTo SaÚde<br />

deSiGN<br />

BY<br />

CoPYRiGHT 2009<br />

eSPÍRiTo SaNTo SaÚde - SGPS<br />

R. CaRLoS aLBeRTo da moTa PiNTo, 17-9.º<br />

ediFÍCio amoReiRaS SQuaRe<br />

1070-313 LiSBoa<br />

PoRTuGaL<br />

+351 213 138 260<br />

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro<br />

pode ser reproduzida, armazenada por qualquer sistema<br />

ou transmitida por qualquer forma ou meio, sem a prévia<br />

autorização do detentor dos direitos.<br />

TiRaGem<br />

3000 exemplares<br />

iSBN<br />

978-989-96054-2-8<br />

dePÓSiTo LeGaL<br />

302371/09<br />

imPReSSão<br />

SiG - Sociedade industrial Gráfica, Lda. - CamaRaTe<br />

HoSPiTaL da LuZ<br />

avenida Lusíada, 100 · Lisboa<br />

Tel. 217 104 400<br />

www.hospitaldaluz.pt


19<br />

25<br />

33<br />

41<br />

47<br />

55<br />

61<br />

67<br />

75<br />

81<br />

NoTa iNTRoduTÓRia<br />

isabel Vaz, Presidente do Conselho de administração do Hospital da Luz<br />

e Presidente da Comissão executiva da espírito Santo Saúde - SGPS<br />

PReFÁCio<br />

José Roquette, director Clínico do Hospital da Luz<br />

ediToRiaL<br />

américo dinis da Gama, editor<br />

CARDIOLOGIA, NEUROLOGIA, IMUNOALERGOLOGIA, ENDOCRINOLOGIA<br />

iNTeRVeNção CoRoNÁRia PeRCuTÂNea Com NaVeGação maGNÉTiCa. CaSo CLÍNiCo<br />

Francisco Pereira machado, Pedro de araújo Gonçalves, manuel de Sousa almeida, Luís Raposo<br />

GRadieNTe iNTRaVeNTRiCuLaR Com doBuTamiNa. uma CauSa de FaLSo PoSiTiVo de PRoVa<br />

de eSFoRço?<br />

Nuno Cardim, Pedro Campos, daniel Ferreira, Vanda Carmelo, marisa Trabulo, Teresa Santos,<br />

adelaide almeida, Cristina Prata, Sylvie marianna, Francisco Pereira machado, José Roquette<br />

aVaLiação da PeRFuSão PuLmoNaR No TRomBoemBoLiSmo PuLmoNaR aGudo PoR<br />

aNGio-TC do TÓRax Com duPLa eNeRGia. a PRoPÓSiTo de um CaSo CLÍNiCo<br />

Vanessa Carvalho, Pedro moraes Sarmento, Hugo marques, daniel Ferreira<br />

PRimeiRo CaSo de doeNça de CReuTZFeLdT-JakoB PRoVÁVeL No HoSPiTaL da LuZ. a<br />

imPoRTÂNCia do eSTudo de diFuSão PoR Rm No diaGNÓSTiCo PReCoCe<br />

Sofia Nunes de oliveira, Pedro Vilela, José Ferro<br />

meNiNGoeNCeFaLiTe FÚNGiCa. um CaSo RaRo<br />

Raquel Gil-Gouveia, Natália marto, Paul martins Campos, Pedro Vilela, manuel Cunha e Sá, ana Catarino<br />

uRTiCÁRia PoR exPoSição ao FRio. uma doeNça aiNda deSCoNHeCida<br />

Teresa Vau, Paula Leiria Pinto, Sara Prates, J. Rosado Pinto<br />

um CaSo de PRePaRação PRÉ-CiRÚRGiCa RÁPida Com ÁCido ioPaNÓiCo em doeNTe Com<br />

TiRoToxiCoSe GRaVe<br />

Francisco Sobral do Rosário, isabel esperança, Sérgio Baptista, olímpia Cid, matilde Raposo,<br />

antónio Garrão<br />

um CaSo CLÍNiCo de TumoR ViRiLiZaNTe do oVÁRio<br />

antónio Garrão, Francisco Sobral do Rosário, Noélia Lopez Santos, amílcar aleixo, ana Catarino,<br />

duarte Vilarinho<br />

CIRURGIA GERAL, CIRURGIA VASCULAR, OFTALMOLOGIA, ORTOPEDIA,<br />

NEUROCIRURGIA, OTORRINOLARINGOLOGIA, UROLOGIA<br />

ÍNDICE<br />

CiRuRGia BaRiÁTRiCa de ReViSão. “Redo” PÓS-BaNda GÁSTRiCa e PÓS-BYPaSS GÁSTRiCo<br />

Carlos Vaz, Paulo Roquete, Pedro assis, César Resende, José damião Ferreira, João Rebelo de andrade<br />

SÍNdRome de ComPReSSão exTRÍNSeCa do TRoNCo CeLÍaCo PeLo LiGameNTo aRQueado<br />

do diaFRaGma. TRaTameNTo CiRÚGiCo deFiNiTiVo<br />

a. dinis da Gama, augusto ministro, Gonçalo Cabral, Cristina Pestana, João inácio, afonso Fernandes


91<br />

97<br />

105<br />

111<br />

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123<br />

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175<br />

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189<br />

RoTuRa de aNeuRiSma iNFLamaTÓRio da aoRTa aBdomiNaL PaRa-ReNaL. CaSo CLÍNiCo<br />

Sérgio martins da Silva, João Silva e Castro, Hugo Valentim, José Bismark<br />

aNeuRiSma iNFLamaTÓRio da aoRTa aBdomiNaL, em RoTuRa CRÓNiCa CoNTida<br />

e duPLiCação PRÉ-aÓRTiCa da Veia CaVa iNFeRioR. Podia SeR maiS ComPLiCado?<br />

Germano do Carmo, antónio Rosa, diogo Cunha e Sá, augusto ministro, Cristina Pestana<br />

TRaTameNTo CiRÚRGiCo da maCuLoPaTia da FoSSeTa da PaPiLa do NeRVo ÓPTiCo.<br />

a PRoPÓSiTo de um CaSo CLÍNiCo<br />

Paul martins Campos, mara Ferreira, antónio mackay Freitas, Tânia Nom, maria de Lurdes Santos,<br />

isabel duarte, Luís Cabral<br />

doeNça de BeHçeT. CaSo CLÍNiCo<br />

Bernardo Feijóo, Filomena Ribeiro, antónio mackay Freitas, Catarina Resende<br />

aPLiCação de TÉCNiCa PeSSoaL Na ReCoNSTRução do LiGameNTo PaTeLo-FemoRaL<br />

em doiS <strong>CaSoS</strong> de iNSTaBiLidade RoTuLiaNa<br />

Pedro Granate, antónio Saraiva de melo, Teresa Granate marques<br />

aRTRodeSe C1-C2 PoSTeRioR em doeNTe Com SuBLuxação aTLaNTo-axoideia<br />

PoR aRTRiTe ReumaTÓide<br />

Álvaro Lima, manuel Cunha e Sá<br />

FoRamiNeCTomia CeRViCaL PoSTeRioR a doiS NÍVeiS Com TÉCNiCa miNimameNTe iNVaSiVa<br />

Álvaro Lima, Bruno Santiago<br />

CiRuRGia CeReBRaL em doeNTe aCoRdado PaRa maPeameNTo daS ViaS da LiNGuaGem<br />

No TRaTameNTo de CaVeRNoma do HemiSFÉRio domiNaNTe<br />

miguel Casimiro, Carla Reizinho, Sandra Pimenta, José Bismarck<br />

uTiLiZação da FLuoReSCêNCia iNduZida PeLo ÁCido 5-amiNoLeVuLÍNiCo No TRaTameNTo<br />

CiRÚRGiCo de GLioma maLiGNo<br />

miguel Casimiro, Carla Reizinho, José damásio, Rute Jácome, José Bismarck<br />

aBoRdaGem CiRÚRGiCa PoR Via aNTeRioR da CoLuNa doRSaL aLTa<br />

Bruno Santiago, Henrique Vaz Velho, Álvaro Lima<br />

QuiSTo NaSoPaLaTiNo. CaSo CLÍNiCo e ReViSão da LiTeRaTuRa<br />

Sara Viana Baptista, antónio Larroudé<br />

CaRCiNoma da PRÓSTaTa LoCaLiZado. Tailoring TeRaPêuTiCo<br />

Rui Carneiro, José Vilhena-ayres, Fernando marques, Francisco mascarenhas<br />

TeRaPêuTiCa FoCaL do CaRCiNoma de PRÓSTaTa<br />

Rui Carneiro, eduardo Silva, José Vilhena-ayres<br />

CaRCiNoma ReNaL muCiNoSo de CÉLuLaS TuBuLaReS e FuSiFoRmeS<br />

Tito Palmela Leitão, José Santos dias, ana Catarino, Pedro oliveira<br />

PEDIATRIA, GINECOLOGIA-OBSTETRÍCIA, ANESTESIOLOGIA,<br />

MEDICINA MOLECULAR, IMAGIOLOGIA<br />

meNiNGiTe BaCTeRiaNa. CaSo CLÍNiCo<br />

ana elisa Costa, ana Carvalho, Carla Conceição, Paulo Paixão


195<br />

203<br />

209<br />

215<br />

221<br />

227<br />

233<br />

239<br />

247<br />

um CaSo CLÍNiCo de SÍNdRome de aSPeRGeR<br />

Patrícia dâmaso, Rita Bettencourt, Fernando Santos, Luísa Teles<br />

aBdÓmeN aGudo PoR ToRção da TRomPa de FaLÓPio em GRaVideZ de 24 SemaNaS<br />

antónio Setúbal, Sónia Barata, Fátima Faustino, Filipa osório, duarte Vilarinho<br />

CiRuRGia do CaNCRo do CoLo do ÚTeRo. HiSTeReCTomia RadiCaL aSSiSTida PoR<br />

LaPaRoSCoPia – CeLio-SCHauTa diSTaL modiFiCada<br />

antónio Setúbal, antónio alves, Filipa osório, Fátima Faustino, ana Catarino, Sónia Barata, duarte Vilarinho<br />

ReSTRição do CReSCimeNTo FeTaL. a PRoPÓSiTo de um CaSo CLÍNiCo<br />

Cláudia appleton, José Lourenço Reis, irene Caro, Carlos Veríssimo<br />

aGeNÉSia iSoLada do CoRPo CaLoSo. CaSo CLÍNiCo<br />

José Lourenço Reis, ana Chung, Cláudia appleton, irene Caro, Carlos Veríssimo<br />

PLaCeNTa PRÉVia e aCReTa Com HiSTeReCTomia PeRiPaRTo<br />

Bárbara Bettencourt, Paula arteaga, irene Caro, José damásio, madalena Tuna, Carlos Palos, manuel<br />

irimia, Pedro oliveira, José Silva Pereira<br />

aNeSTeSia PaRa adReNaLeCTomia PoR FeoCRomoCiToma<br />

Cristina Pestana, Rute Jácome, José Batista, José Bismarck, João Rebelo de andrade, José damião<br />

Ferreira, Paulo Roquete, César Resende, antónio Garrão, isabel esperança, Pedro oliveira, Carlos Vaz<br />

uTiLiZação de CiNTiGRaFia Com 111 iN-PeNTaTReÓTido e 18 F-FdG PeT-CT em TumoReS<br />

NeuRoeNdÓCRiNoS do TuBo diGeSTiVo e do PÂNCReaS. a PRoPÓSiTo de 2 <strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

maria do Rosário Vieira, Cristina Loewenthal<br />

TRaTameNTo eNdoVaSCuLaR de aNeuRiSmaS SaCuLaReS iNTRaCRaNiaNoS. a PRoPÓSiTo<br />

de TRêS <strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

Pedro Vilela, João Reis


19<br />

25<br />

33<br />

41<br />

47<br />

55<br />

61<br />

67<br />

75<br />

81<br />

iNTRoduCToRY RemaRkS<br />

isabel Vaz, Chairman of the Board of directors of Hospital da Luz<br />

and Chairman of the executive Committee of espírito Santo Saúde - SGPS<br />

PReFaCe<br />

José Roquette, Clinical director of Hospital da Luz<br />

ediToRiaL<br />

américo dinis da Gama, editor<br />

CARDIOLOGY, NEUROLOGY, IMNUNOALLERGOLOGY, ENDOCRINOLOGY<br />

PeRCuTaNeouS CoRoNaRY iNTeRVeNTioN WiTH maGNeTiC NaViGaTioN. a CaSe RePoRT<br />

Francisco Pereira machado, Pedro de araújo Gonçalves, manuel de Sousa almeida, Luís Raposo<br />

aRe iNTRaVeNTRiCuLaR GRadieNTS WiTH doBuTamiNe a CauSe oF FaLSe<br />

PoSiTiVe TReadmiLL STReSS TeSTS?<br />

Nuno Cardim, Pedro Campos, daniel Ferreira, Vanda Carmelo, marisa Trabulo, Teresa Santos,<br />

adelaide almeida, Cristina Prata, Sylvie marianna, Francisco Pereira machado, José Roquette<br />

eVaLuaTioN oF LuNG PeRFuSioN iN aCuTe PuLmoNaRY emBoLiSm BY CHeST aNGio-CT WiTH<br />

duaL eNeRGY. aN exemPLiFiCaTiVe CLiNiCaL CaSe<br />

Vanessa Carvalho, Pedro moraes Sarmento, Hugo marques, daniel Ferreira<br />

FiRST CaSe oF PRoBaBLe SPoRadiC CReuTZFeLdT-JakoB iN HoSPiTaL da LuZ. THe<br />

imPoRTaNTe oF aN eaRLY diaGNoSiS, uSiNG diFFuSioN-WeiGHTed mR imaGiNG<br />

Sofia Nunes de oliveira, Pedro Vilela, José Ferro<br />

FuNGaL meNiNGo-eNCePHaLiTiS. a RaRe CaSe RePoRT<br />

Raquel Gil-Gouveia, Natália marto, Paul martins Campos, Pedro Vilela, manuel Cunha e Sá, ana Catarino<br />

CoLd-iNduCed uRTiCaRia. a STiLL uNkNoWN diSeaSe<br />

Teresa Vau, Paula Leiria Pinto, Sara Prates, J. Rosado Pinto<br />

QuiCk PReoPeRaTiVe PRoToCoL WiTH ioPaNoiC aCid iN a PaTieNT WiTH SeVeRe<br />

THYRoToxiCoSiS. CaSe RePoRT<br />

Francisco Sobral do Rosário, isabel esperança, Sérgio Baptista, olímpia Cid, matilde Raposo,<br />

antónio Garrão<br />

ViRiLiZiNG oVaRiaN TumoR. a CaSe RePoRT<br />

antónio Garrão, Francisco Sobral do Rosário, Noélia Lopez Santos, amílcar aleixo, ana Catarino,<br />

duarte Vilarinho<br />

GENERAL SURGERY, VASCULAR SURGERY, OFTALMOLOGY, ORTHOPEDICS,<br />

NEUROSURGERY, OTORHINOLARYNGOLOGY, UROLOGY<br />

CONTENTS<br />

ReViSioNaL BaRiaTRiC SuRGeRY. “Redo” SuRGeRY aFTeR adJuSTaBLe GaSTRiC BaNd aNd<br />

Roux-eN-Y GaSTRiC BYPaSS<br />

Carlos Vaz, Paulo Roquete, Pedro assis, César Resende, José damião Ferreira, João Rebelo de andrade<br />

CeLiaC axiS ComPReSSioN SYNdRome BY THe mediaN aRCuaTe LiGameNT oF THe<br />

diaPHRaGm. deFiNiTiVe SuRGiCaL maNaGemeNT<br />

a. dinis da Gama, augusto ministro, Gonçalo Cabral, Cristina Pestana, João inácio, afonso Fernandes


91<br />

97<br />

105<br />

111<br />

117<br />

123<br />

131<br />

139<br />

147<br />

155<br />

163<br />

169<br />

175<br />

181<br />

189<br />

RuPTuRe oF aN iNFLamaToRY PaRaReNaL aBdomiNaL aoRTiC aNeuRYSm. CaSe RePoRT<br />

Sérgio martins da Silva, João Silva e Castro, Hugo Valentim, José Bismark<br />

CHRoNiC CoNTaiNed RuPTuRe oF aN iNFLammaToRY aNeuRYSm oF THe aBdomiNaL aoRTa<br />

WiTH PReaoRTiC duPPLiCaTioN oF iNFeRioR VeNa CaVa. CouLd iT Be moRe ComPLiCaTed?<br />

Germano do Carmo, antónio Rosa, diogo Cunha e Sá, augusto ministro, Cristina Pestana<br />

SuRGiCaL maNaGemeNT oF oPTiC PiT maCuLoPaTHY. a CaSe RePoRT<br />

Paul martins Campos, mara Ferreira, antónio mackay Freitas, Tânia Nom, maria de Lurdes Santos,<br />

isabel duarte, Luís Cabra<br />

BeHçeT diSeaSe. CaSe RePoRT<br />

Bernardo Feijóo, Filomena Ribeiro, antónio mackay Freitas, Catarina Resende<br />

TWo CaSeS oF PaTeLLaR iNSTaBiLiTY SuRGiCaLLY maNaGed BY a PeRSoNaL TeCHNiQue oF<br />

PaTeLLoFemoRaL LiGameNT ReCoNSTRuCTioN<br />

Pedro Granate, antónio Saraiva de melo, Teresa Granate marques<br />

PoSTeRioR C1-C2 aRTHRodeSiS FoR THe TReaTmeNT oF aTLaNToaxiaL SuBLuxaTioN iN a<br />

RHeumaTHoid aRTHRiTiS PaTieNT<br />

Álvaro Lima, manuel Cunha e Sá<br />

TWo-LeVeL miNimaLLY iNVaSiVe PoSTeRioR CeRViCaL FoRamiNeCTomY<br />

Álvaro Lima, Bruno Santiago<br />

aWake BRaiN SuRGeRY WiTH LaNGuaGe PaTHWaYS maPPiNG iN THe TReaTmeNT oF a LeFT<br />

HemiSPHeRe CaVeRNoma<br />

miguel Casimiro, Carla Reizinho, Sandra Pimenta, José Bismarck<br />

5-amiNoLeVuLiNiC aCid iNduCed FLuoReSCeNCe iN THe SuRGiCaL TReaTmeNT oF a<br />

maLiGNaNT GLioma<br />

miguel Casimiro, Carla Reizinho, José damásio, Rute Jácome, José Bismarck<br />

aNTeRioR SuRGiCaL aPPRoaCH To THe uPPeR THoRaCiC SPiNe<br />

Bruno Santiago, Henrique Vaz Velho, Álvaro Lima<br />

NaSoPaLaTiNe duCT CYST. CaSe RePoRT aNd LiTeRaTuRe ReVieW<br />

Sara Viana Baptista, antónio Larroudé<br />

LoCaLiZed PRoSTaTe CaRCiNoma. “TaiLoRiNG” THeRaPeuTiC<br />

Rui Carneiro, José Vilhena-ayres, Fernando marques, Francisco mascarenhas<br />

FoCaL THeRaPY oF PRoSTaTe CaRCiNoma<br />

Rui Carneiro, eduardo Silva, José Vilhena-ayres<br />

ReNaL muCiNouS TuBuLaR aNd SPiNdLe CeLL CaRCiNoma<br />

Tito Palmela Leitão, José Santos dias, ana Catarino, Pedro oliveira<br />

PEDIATRICS, GYNECOLOGY-OBSTETRICS, ANESTHESIOLOGY,<br />

MOLECULAR MEDICINE, IMAGIOLOGY<br />

BaCTeRiaL meNiNGiTiS. CaSe RePoRT<br />

ana elisa Costa, ana Carvalho, Carla Conceição, Paulo Paixão


195<br />

203<br />

209<br />

215<br />

221<br />

227<br />

233<br />

239<br />

247<br />

aSPeRGeR SYNdRome. CaSe RePoRT<br />

Patrícia dâmaso, Rita Bettencourt, Fernando Santos, Luísa Teles<br />

aCuTe aBdomeN due To FaLLoPiaN TuBe ToRSioN iN a 24TH WeekS PReGNaNT WomaN<br />

antónio Setúbal, Sónia Barata, Fátima Faustino, Filipa osório, duarte Vilarinho<br />

CeRViCaL CaNCeR SuRGeRY. LaPaRoSCoPY-aSSiSTed RadiCaL HiSTeReCTomY - diSTaL<br />

modiFied CeLio-SCHauTa<br />

antónio Setúbal, antónio alves, Filipa osório, Fátima Faustino, ana Catarino, Sónia Barata, duarte Vilarinho<br />

FeTaL GRoWTH ReSTRiCTioN. CaSe RePoRT<br />

Cláudia appleton, José Lourenço Reis, irene Caro, Carlos Veríssimo<br />

aGeNeSiS oF THe corpus callosum. CaSe RePoRT<br />

José Lourenço Reis, ana Chung, Cláudia appleton, irene Caro, Carlos Veríssimo<br />

PLaCeNTa PReVia aNd aCCReTa WiTH PeRiPaRTum HiSTeReCTomY<br />

Bárbara Bettencourt, Paula arteaga, irene Caro, José damásio, madalena Tuna, Carlos Palos, manuel<br />

irimia, Pedro oliveira, José Silva Pereira<br />

aNeSTHeSia FoR adReNaLeCTomY due To PHeoCHRomoCYToma<br />

Cristina Pestana, Rute Jácome, José Batista, José Bismarck, João Rebelo de andrade, José damião<br />

Ferreira, Paulo Roquete, César Resende, antónio Garrão, isabel esperança, Pedro oliveira, Carlos Vaz<br />

111<br />

iN-PeNTeTReoTide SCiNTiGRaPHY aNd<br />

18<br />

F-FdG PeT-CT iN diGeSTiVe TRaCT aNd PaNCReaS<br />

NeuRoeNdoCRiNe TumoRS. TWo CaSeS RePoRT<br />

maria do Rosário Vieira, Cristina Loewenthal<br />

eNdoVaSCuLaR TReaTmeNT oF SaCCuLaR iNTRaCRaNiaL aNeuRYSmS. THRee CLiNiCaL<br />

CaSeS RePoRT<br />

Pedro Vilela, João Reis


Quase a completar três anos de funcionamento,<br />

o Hospital da Luz prossegue a sua estratégia<br />

de elevada qualidade assistencial, através<br />

do incentivo ao seu corpo clínico para a prática<br />

de uma medicina diferenciada, baseada<br />

numa cultura médica de grande exigência,<br />

investimento contínuo na formação médica e<br />

em tecnologia de ponta, trabalho em equipa e<br />

integração multidisciplinar e adesão aos mais<br />

elevados padrões técnico-científicos actuais.<br />

Com a segunda edição do livro de “Casos Clínicos”,<br />

os médicos do Hospital da Luz demonstram,<br />

por um lado, que sabem que a verdadeira<br />

excelência está na continuidade, não é um acto<br />

isolado. Que a excelência só o é verdadeiramente<br />

quando se transforma num hábito. Por isso este<br />

segundo livro é tão especial, quiçá mais ainda<br />

do que o primeiro. Ele significa que mantemos<br />

intactos a ambição e o orgulho que nos move<br />

desde a primeira hora. A ambição da qualidade<br />

e o orgulho dos resultados, de que os casos clíni-<br />

cos ora compilados são um exemplo, seleccio-<br />

nados entre muitos outros que fizeram a vivência<br />

do Hospital da Luz no último ano.<br />

Por outro lado, os médicos do Hospital da Luz<br />

não se esquecem nunca que a verdadeira grandeza<br />

da actividade médica se encontra na partilha do<br />

conhecimento e da experiência, no compromisso<br />

de passar o testemunho aos mais novos e contribuir<br />

para a formação das gerações seguintes. A<br />

compilação de casos clínicos que pela sua originalidade,<br />

raridade ou qualidade dos resultados<br />

terapêuticos devem ser divulgados com objectivos<br />

pedagógicos e educacionais, é também uma forma<br />

de os médicos reconhecerem e retribuírem o<br />

valor da sua própria formação, adquirida ao longo<br />

dos anos de prática clínica.<br />

E só assim retribuem verdadeiramente o que lhes<br />

foi dado por cada doente que diagnosticaram ou<br />

ajudaram a tratar. Na verdade, por trás de cada<br />

caso clínico está um doente que contribuiu para<br />

que um médico fosse cada vez melhor a diagnosticar<br />

e tratar outros casos, representando no seu conjunto<br />

o património de experiência de cada médico.<br />

Finalmente, este livro simboliza também a esperança<br />

de que o Hospital da Luz, continuando<br />

a merecer a confiança dos seus pares através<br />

da Ordem dos Médicos e dos respectivos Colégios<br />

da Especialidade, possa no futuro contribuir<br />

para a valorização da comunidade médica<br />

e para o País, através do desempenho,<br />

juntamente com as unidades públicas, de<br />

um papel activo na formação dos profissio-<br />

nais de saúde, em particular no internato médico,<br />

situação que hoje lhe continua a estar vedada<br />

por se tratar de uma instituição privada.<br />

O apoio do Grupo Espírito Santo Saúde aos seus<br />

médicos neste desígnio é total e frontal. Afinal,<br />

formar não é um custo, é antes um investimento<br />

numa cultura médica que se pretende de excelência.<br />

É garantir que continuaremos a ser capa-<br />

zes de atrair e motivar os melhores profissionais<br />

e assim continuarmos a merecer a confiança de<br />

quem nos escolhe e em nós confia a sua saúde.<br />

Isabel Vaz<br />

presidente do conselho de administração<br />

do Hospital da luz<br />

presidente da comissão Executiva<br />

da Espírito santo saúde - sgps


O sucesso do livro “Casos Clínicos Hospital<br />

da Luz 2007-2008” publicado há cerca<br />

de um ano, levou-nos a decidir pela sua<br />

continuidade, agora com a edição relativa a<br />

2008-2009. Nesta edição, voltamos a apresentar<br />

alguns dos casos clínicos mais interessantes<br />

e relevantes passados no Hospital<br />

da Luz, os quais, como anteriormente, são<br />

exemplos claros da actividade de um hospital<br />

que já se afirmou no universo da hospitalização<br />

privada em Portugal.<br />

Além da qualidade bibliográfica dos trabalhos<br />

incluídos neste livro, parece-nos<br />

também de realce o seu interesse clínico,<br />

que assenta sobretudo em aspectos de dia-<br />

gnóstico complexo, apoio de meios complementares<br />

de grande qualidade e tecnologicamente<br />

avançados, bem como uma intervenção<br />

terapêutica de excelência. Alguns dos casos<br />

são inovadores, por alguma das características<br />

atrás referidas, outros são mais um exemplo<br />

da colaboração multidisciplinar e da qualidade<br />

organizacional do Hospital da Luz.<br />

Agradeço aos autores e partilho com eles o<br />

orgulho de trabalhar no Hospital da Luz.<br />

Sinto-me particularmente honrado em desempenhar<br />

as funções de Director Clínico<br />

entre profissionais tão qualificados. Com<br />

mais este esforço, esperamos continuar a<br />

motivar e valorizar a actuação dos médicos<br />

do Hospital da Luz. Não nos esquecemos<br />

também que em Medicina o trabalho de<br />

equipa é essencial. Por isso, deixo também<br />

um obrigado a todos os que colaboraram<br />

no tratamento dos doentes que motivaram<br />

os casos clínicos.<br />

Tal como ano anterior, o meu mais fervoroso<br />

agradecimento ao Prof. Dr. Américo Dinis<br />

da Gama, que novamente se disponibilizou<br />

para ser Editor deste segundo livro, e<br />

à Prof.ª Dr.ª Marina Fraústo da Silva pelo<br />

excelente apoio na compilação, correcção e<br />

preparação dos casos.<br />

José Roquette<br />

Director clínico do Hospital da luz


A edição do livro “Casos Clínicos Hospital<br />

da Luz 2007-2008” constituiu um êxito que<br />

ultrapassou as melhores expectativas dos<br />

seus promotores e veio a consagrar a origi-<br />

nalidade, o valor e o mérito da iniciativa.<br />

Temos a certeza antecipada que o mesmo irá<br />

acontecer com a presente edição dedicada<br />

aos “Casos Clínicos 2008-2009” e aproveitamos<br />

a oportunidade para enaltecer o entusiasmo<br />

e o espírito de colaboração demonstrados<br />

pelo Corpo Clínico do Hospital da<br />

Luz, sem os quais a iniciativa seria de todo<br />

inviável.<br />

À semelhança do antecedente, os casos<br />

clínicos ora apresentados são um espelho<br />

da enorme transformação que sofreu e sofre<br />

a Medicina contemporânea, que evoluiu<br />

de uma base empírica, em que assentava a<br />

sua prática, até meados do século XX, para<br />

uma Medicina de base científica, que é a actual,<br />

consequência dos enormes progressos<br />

técnico-científicos que se registaram a todos<br />

os níveis e tão bem retratados estão na multiplicidade<br />

e diversidade dos casos clínicos<br />

que vão ser apresentados.<br />

É oportuno salientar, a propósito, que a<br />

prática clínica se depara actualmente com<br />

um novo paradigma, designado por Medicina<br />

Baseada na Evidência (MBE), que enaltece<br />

os estudos clínicos e ensaios randomizados,<br />

ou as meta-análises, na busca de re-<br />

comendações ou guidelines. Esta abordagem<br />

da MBE, que altera a maneira da pensar e<br />

viver a Medicina, tem-se reflectido de alguma<br />

forma nas linhas editoriais das publicações<br />

internacionais de referência, em detrimento<br />

dos casos clínicos.<br />

Não estão certos, a meu ver, os que assim defendem<br />

a MBE. Os casos clínicos têm, sem<br />

dúvida, um valor pedagógico inestimável,<br />

pelo seu exemplo, pela sua originalidade ou<br />

raridade, ou ainda pelo que representam de<br />

imaginação e criatividade - e são por isso<br />

vectores de progresso e desenvolvimento.<br />

Naturalmente, a MBE tem também o seu<br />

lugar mas, como em tudo, é necessário<br />

equilíbrio. E a Medicina não pode ser reduzi-<br />

da apenas à execução de algoritmos.<br />

Parafraseando Vandenbrocke “...antes que<br />

uma ideia possa ser confirmada, quantificada<br />

ou validada, deve prioritariamente ter<br />

sido descoberta ou inventada”...<br />

Não só por esta razão, mas também e sobretudo<br />

por ela, maior valor e pertinência<br />

ganha a presente publicação, que se assume<br />

já como um emblema ou exemplo de cultura<br />

institucional, de que se podem legitima-<br />

mente orgulhar o Conselho de Administração<br />

e a sua Direcção Clínica, bem como todos<br />

aqueles que servem o Hospital da Luz<br />

com o melhor do seu esforço, saber e inteligência.<br />

Américo Dinis da Gama<br />

Editor


CARDIOLOGIA<br />

NEUROLOGIA<br />

IMUNOALERGOLOGIA<br />

ENDOCRINOLOGIA<br />

17


iNTeRVeNção CoRoNÁRia<br />

PeRCuTÂNea Com NaVeGação<br />

maGNÉTiCa. CaSo CLÍNiCo<br />

Percutaneous coronary intervention with<br />

magnetic navigation. a case report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam o caso clínico de<br />

um doente com doença coronária diagnosticada<br />

por angio-TC cardíaca, que foi submetido<br />

a intervenção coronária percutânea<br />

utilizando um sistema de navegação magnética.<br />

Representava uma situação de intervenção<br />

complexa multivaso, tendo sido possível<br />

tratar no mesmo procedimento uma oclusão<br />

crónica da artéria circunflexa e uma lesão<br />

em bifurcação da artéria descendente anterior<br />

proximal. Descreve-se o papel da nave-<br />

gação magnética no apoio à realização de angioplastia<br />

coronária complexa.<br />

FRANCISCO PEREIRA MACHADO<br />

PEDRO DE ARAÚJO GONÇALVES<br />

MANUEL DE SOUSA ALMEI<strong>DA</strong><br />

LUÍS RAPOSO<br />

Departamento de cardiologia<br />

The authors report the clinical case of<br />

a patient with coronary artery disease<br />

diagnosed through cardiac CT, who was<br />

submitted to percutaneous coronary<br />

intervention using a magnetic navigation<br />

system. It was a complex multivessel<br />

coronary intervention, and it was possible<br />

to treat in the same procedure a chronic<br />

total occlusion of the left circumflex and<br />

a bifurcation lesion of the proximal left<br />

anterior descending coronary arteries. The<br />

role of the magnetic navigation system in<br />

such a case of complex coronary intervention<br />

is enhanced and discussed.<br />

19


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A intervenção coronária percutânea é o procedimento<br />

de revascularização miocárdica<br />

mais utilizado actualmente no tratamento<br />

da doença coronária. Apesar de ter uma<br />

taxa de sucesso elevada, em alguns casos a<br />

gravidade da doença coronária torna a intervenção<br />

mais complexa, como é o caso<br />

das oclusões crónicas e das lesões em bifurcação.<br />

Tem-se vindo a assistir nesta área a uma<br />

evolução e adopção rápidas de novas tecno-<br />

logias, que têm contribuído para uma<br />

redução das complicações e para uma melho-<br />

ria da taxa de sucesso angiográfico e clínico<br />

das intervenções.<br />

Uma das tecnologias mais recentes que tem<br />

sido adaptada à intervenção coronária percutânea<br />

é a dos sistemas de navegação magnética.<br />

Estes sistemas utilizam dois magnetos<br />

colocados ao lado do tórax do doente<br />

que criam um campo magnético que permite<br />

orientar cateteres de ablação (no caso<br />

dos procedimentos de electrofisiologia) ou<br />

fios guia de angioplastia (no caso dos procedimentos<br />

de intervenção coronária) para<br />

qualquer direcção desejada, não estando os<br />

seus movimentos dependentes de uma manipulação<br />

directa (Fig. 1). Os sistemas de<br />

navegação magnética são já utilizados por<br />

rotina em alguns centros de arritmologia<br />

que dispõem desta tecnologia e recentemente<br />

tem sido explorado o seu potencial<br />

de aplicação à intervenção coronária percutânea.<br />

1 Foram desenvolvidos fios guia<br />

de angioplastia com um magneto na ponta<br />

e que assim podem ser direccionados pelo<br />

campo magnético ao longo da árvore coronária.<br />

Foram igualmente desenvolvidos novos<br />

softwares que permitem a reconstrução<br />

3D da anatomia coronária a partir da angiografia<br />

convencional e que assim fornece<br />

um road map para a orientação do fio guia<br />

pelo campo magnético.<br />

Os autores apresentam o caso clínico de um<br />

doente em que uma angio-tomografia computorizada<br />

(angio-TC) cardíaca documentou<br />

a presença de doença coronária e cuja<br />

intervenção complexa foi auxiliada pelo<br />

sistema de navegação magnética – Stereotaxis<br />

Niobe®.<br />

Fig. 1 Imagem da sala de angiografia com sistema de navegação magnética – Stereotaxis Niobe®


CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, de 52 anos de<br />

idade, caucasiano, sem antecedentes rele-<br />

vantes do foro cardiovascular. Tinha como<br />

factores de risco hipertensão arterial e dislipidemia.<br />

Por queixas compatíveis com angor está-<br />

vel foi-lhe pedida uma prova de esforço e<br />

um ecocardiograma transtorácico. O ecocar-<br />

diograma documentou função ventricular<br />

esquerda normal, sem alterações segmentares<br />

em repouso, e ausência de alterações valvulares<br />

significativas. A prova de esforço foi<br />

inconclusiva, razão pela qual lhe foi pedida<br />

uma angio-TC cardíaca, que documentou a<br />

presença de doença coronária de dois vasos.<br />

Tratava-se de duas lesões complexas: uma<br />

estenose de 70 a 90% da artéria descendente<br />

anterior proximal, em bifurcação com a<br />

primeira diagonal e uma oclusão crónica da<br />

artéria circunflexa distal (Fig. 2). A angio-<br />

-TC cardíaca foi realizada num aparelho de<br />

64 cortes e dupla ampola (Dual source CT -<br />

Somaton Definition®, Siemens-Medical), com<br />

um protocolo de baixa dose de radiação e<br />

de contraste.<br />

Fig. 2 Imagens da angio-TC cardíaca com reconstrução<br />

3D volume-rendered (VRT) e multiplanar<br />

(MPR)<br />

INTERVENÇÃO CORONÁRIA PERCUTÂNEA COM NAVEGAÇÃO MAGNÉTICA. CASO CLÍNICO<br />

Perante o resultado da angio-TC cardíaca<br />

o doente foi proposto para cateterismo<br />

cardíaco, que confirmou as lesões coronárias<br />

descritas, e optou-se pela realização<br />

de angioplastia. Após realização da angiografia<br />

convencional, foi feita a reconstrução<br />

3D da árvore coronária com software dedicado,<br />

que permitiu assim desenhar o road<br />

map para orientação por navegação magnética<br />

(Fig. 3).<br />

Fig. 3 Reconstrução 3D da árvore coronária para<br />

orientação dos vectores de navegação magnética<br />

Foram utilizados fios guia de ponta magnética<br />

Titan® soft support, compatíveis com<br />

o sistema de navegação, que foram orientados<br />

de acordo com vectores escolhidos, em<br />

função da anatomia coronária. A navegação<br />

magnética facilitou a passagem do fio guia<br />

na lesão em bifurcação da descendente anterior<br />

proximal para acesso ao ramo colate-<br />

ral (primeira diagonal de bom calibre) e para<br />

atravessar a oclusão crónica da circunflexa.<br />

As lesões foram ambas submetidas a pré-dilatação<br />

e a implantação de stents com fármaco<br />

(drug-eluting stents), dada a elevada<br />

taxa de restenose antecipada nestas lesões<br />

complexas (Fig. 4 e 5).<br />

21


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

O procedimento foi bem sucedido, com<br />

sucesso angiográfico (ausência de estenose<br />

residual e fluxo normal) e sem complicações.<br />

Fig. 4 Estenose em bifurcação da descendente anterior proximal antes (à esquerda), durante (centro) e<br />

após (direita) a angioplastia com implantação de stent. O cruzamento dos fios para abertura das malhas<br />

do stent para o ramo colateral foi facilitado pela navegação magnética<br />

Fig. 5 Oclusão da circunflexa distal antes (à esquerda), durante (centro) e após (direita) a angioplastia<br />

com implantação de stent<br />

diSCuSSão<br />

O caso descrito ilustra o potencial de aplicação<br />

dos sistemas de navegação magnética na<br />

intervenção coronária percutânea. Tratou-se<br />

de um caso de doença coronária com duas<br />

lesões complexas (uma bifurcação da descendente<br />

anterior proximal e uma oclusão<br />

crónica da circunflexa), cuja angioplastia foi<br />

facilitada pela utilização da navegação ma-<br />

gnética dos fios guia. No caso da lesão em<br />

bifurcação, a navegação magnética facilitou<br />

a passagem do fio guia para o ramo colateral,<br />

nomeadamente através das malhas do<br />

No seguimento actual, de 5 meses, o doente<br />

encontra-se clinicamente bem e sem queixas<br />

do foro cardiovascular.<br />

stent implantado no ramo principal (descendente<br />

anterior) para permitir a sua abertura<br />

para o colateral (primeira diagonal).<br />

Recentemente foram publicadas na literatura<br />

algumas séries de doentes submetidos<br />

a angioplastia com o sistema de navegação<br />

magnética Stereotaxis Niobe®, que documentam<br />

o seu potencial no aumento da taxa<br />

de sucesso, bem como na redução das doses<br />

de contraste e de radiação necessárias nestes<br />

procedimentos. 2,3


O presente caso ilustra igualmente a utilidade<br />

da angio-TC cardíaca quando os exames<br />

de documentação de isquemia não são<br />

conclusivos. Numa percentagem elevada de<br />

casos permite excluir a presença de doença<br />

coronária, obviando a necessidade de coronariografia<br />

invasiva. Por outro lado, nos casos<br />

em que se identifica a presença de doença<br />

coronária significativa, contribui para o<br />

planeamento da estratégia de intervenção. 4,5<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Patterson MS, Schotten J, van Mieghem C, Kiemeneij F, Serruys<br />

PW. Magnetic navigation in percutaneous coronary intervention. J<br />

Interven Cardiol 2006;19:558-65.<br />

2. Kiemeneij F, Patterson MS, Amoroso G, Laarman G, Slagboom<br />

T. Use of the Stereotaxis Niobe magnetic navigation system for<br />

percutaneous coronary intervention: results from 350 consecutive<br />

patients. Catheter Cardiovasc Interv 2008;71:510-6.<br />

3. Ramcharitar S, Patterson MS, van Geuns RJ, Serruys PW.<br />

Magnetic navigation system used successfully to cross a crushed<br />

stent in a bifurcation that failed with conventional wires. Catheter<br />

Cardiovasc Interv 2007;69:852-5.<br />

INTERVENÇÃO CORONÁRIA PERCUTÂNEA COM NAVEGAÇÃO MAGNÉTICA. CASO CLÍNICO<br />

Estão ainda em desenvolvimento aplicações<br />

que irão permitir integrar as imagens<br />

obtidas pela angio-TC cardíaca nos sistemas<br />

de navegação magnética. Esta integração<br />

tem um potencial elevado na angioplastia<br />

de lesões complexas, como é o caso das<br />

oclusões crónicas, sobretudo se associada a<br />

fios guia de radiofrequência, recentemente<br />

desenvolvidos para navegação magnética.<br />

4. Schroeder S, Achenbach S, Bengel F, et al. Working Group Nuclear<br />

Cardiology and Cardiac CT; European Society of Cardiology;<br />

European Council of Nuclear Cardiology.Cardiac computed<br />

tomography: indications, applications, limitations, and training<br />

requirements: report of a Writing Group deployed by the Working<br />

Group Nuclear Cardiology and Cardiac CT of the European Society<br />

of Cardiology and the European Council of Nuclear Cardiology.<br />

Eur Heart J 2008;29(4):531-56.<br />

5. Araújo Gonçalves P, Marques H. AngioTC cardíaca: o fim da<br />

coronariografia invasiva como modalidade diagnóstica? Rev Port<br />

Cardiol 2009;28(7-8):825-42.<br />

23


GRadieNTe iNTRaVeNTRiCuLaR Com<br />

doBuTamiNa. uma CauSa de FaLSo<br />

PoSiTiVo de PRoVa de eSFoRço?*<br />

are intraventricular gradients with<br />

dobutamine a cause of false positive<br />

treadmill stress tests?<br />

ReSumo Abstract<br />

O presente caso clínico refere-se a um<br />

homem de 40 anos de idade, assintomático e<br />

sem factores de risco para doença coronária,<br />

referenciado para realização de prova de esforço<br />

em contexto de renovação de carta de<br />

condução, cujo resultado se revelou positivo.<br />

A angio-TC coronária realizada posteriormente<br />

revelou placa aparentemente não<br />

significativa na artéria descendente anterior<br />

proximal. Nesta sequência, o doente foi submetido<br />

a ecocardiograma de sobrecarga com<br />

dobutamina e atropina, que se revelou nega-<br />

tiva para isquemia miocárdica, demonstrando<br />

contudo um gradiente intraventricular<br />

de 100 mmHg induzido pelo stress farmacológico.<br />

NUNO CARDIM<br />

PEDRO CAMPOS +<br />

<strong>DA</strong>NIEL FERREIRA<br />

VAN<strong>DA</strong> CARMELO<br />

MARISA TRABULO<br />

TERESA SANTOS<br />

ADELAIDE ALMEI<strong>DA</strong><br />

CRISTINA PRATA<br />

SYLVIE MARIANNA<br />

FRANCISCO PEREIRA MACHADO<br />

JOSÉ ROQUETTE<br />

Departamentos de cardiologia e de cirurgia cardiotorácica<br />

An asymptomatic 40-year old male without<br />

any classical risk factors for coronary artery<br />

disease was submitted to a treadmill stress<br />

test which was positive by electrical criteria.<br />

The coronary angio-CT revealed a small left<br />

anterior descending artery plaque and the<br />

dobutamine-atropine stress echocardiography<br />

was negative for myocardial ischemia, but<br />

showed a significant outflow gradient (100<br />

mmHg) during pharmacological stress.<br />

* Trabalho publicado na Revista Portuguesa de Cardiologia 2009;28(7-8)859-66.<br />

+ Estudante do 4º ano (2007 - 2008) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a estagiar no Hospital da Luz no âmbito<br />

do programa BESup<br />

25


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A prova de esforço é um exame complementar<br />

de diagnóstico de referência na detecção<br />

de doença coronária. A ocorrência de alterações<br />

no electrocardiograma (ECG) com<br />

o esforço, nomeadamente infra-desnivelamento<br />

do segmento ST-T, é um critério<br />

de positividade para isquemia miocárdica,<br />

sugerindo doença coronária. Contudo, alguns<br />

dados apontam que a prova de esforço<br />

apresenta uma sensibilidade de 68% e uma<br />

especificidade de 71%. 1 São conhecidas algumas<br />

causas de falsos positivos de prova<br />

de esforço, nomeadamente alterações do<br />

ECG basal (como na hipocaliemia, hipertrofia<br />

ventricular esquerda, prolapso mitral,<br />

efeito digitálico) e aumento exagerado da<br />

pressão arterial durante o exercício. 2-4 Para<br />

detectar estes falsos positivos recorre-se fre-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Os autores apresentam o caso clínico de<br />

um homem de 40 anos que em contexto de<br />

renovação da carta de condução de pesados<br />

realizou uma prova de esforço que se<br />

revelou positiva por critérios eléctricos.<br />

O doente não apresentava factores de risco<br />

clássicos para doença coronária (hipertensão<br />

arterial, diabetes, dislipidemia, história<br />

familiar), tinha suspendido o consumo de<br />

tabaco há cerca de 9 anos e estava completamente<br />

assintomático do foro cardiovascular.<br />

Ao exame objectivo, destacou-se uma<br />

pressão arterial de 130/70 mmHg e um<br />

pulso radial de amplitude bilateral normal<br />

(3+), rítmico, regular, simétrico e com uma<br />

frequência de 70 batimentos por minuto<br />

(bpm). A auscultação cardíaca e a auscultação<br />

pulmonar não revelaram alterações.<br />

À inspecção dos membros observaram-se<br />

alguns sinais de insuficiência venosa.<br />

quentemente a outros métodos de diagnóstico,<br />

nomeadamente cintigrafia de perfusão<br />

miocárdica, angio-tomografia computorizada<br />

(angio-TC) coronária ou ecocardiografia<br />

de sobrecarga (exercício ou farmacológica),<br />

este último de longe o mais utilizado na Europa.<br />

Existem múltiplas evidências de que<br />

a ecografia de sobrecarga apresenta maior<br />

sensibilidade (85%) e especificidade (86%)<br />

que a prova de esforço para a detecção de<br />

doença coronária. 1 Para além desta utilidade,<br />

este exame apresenta vantagens clínicas<br />

em doenças valvulares, miocardiopatias<br />

e hipertensão pulmonar. Permite também<br />

verificar alterações da função diastólica com<br />

o stress, bem como a detecção de gradientes<br />

intraventriculares. 4<br />

A prova de esforço (protocolo de Bruce)<br />

foi interrompida aos 9 minutos por cansaço,<br />

tendo sido atingido 86% da frequência<br />

teórica máxima (FTM). Observou-se infra-<br />

-desnivelamento de ST de V4-V6 desde os<br />

6 minutos (máxima de 2 mm no pico de esforço),<br />

com normalização aos 6 minutos da<br />

recuperação (Fig. 1). A resposta tensional ao<br />

esforço foi normal.<br />

Na sequência do resultado da prova de esforço<br />

efectuou uma angio-TC coronária que<br />

aparentemente não revelou estenoses si-<br />

gnificativas, observando-se apenas uma<br />

placa não calcificada no segmento proximal<br />

da artéria descendente anterior, de significado<br />

funcional a esclarecer.<br />

O doente foi então submetido a uma ecocardiografia<br />

de sobrecarga farmacológica


Fig. 1 A. ECG basal (FC = 80 bpm) B. ECG no<br />

pico do esforço (FC = 150 bpm) C. ECG após<br />

suspensão do exercício (FC = 86 bpm)<br />

diSCuSSão<br />

GRADIENTE INTRAVENTRICULAR COM DOBUTAMINA. UMA CAUSA DE FALSO POSITIVO DE PROVA DE ESFORÇO?<br />

A prova de esforço é um exame complementar<br />

de diagnóstico de referência no diagnóstico<br />

de doença coronária. O exercício<br />

aumenta o consumo de oxigénio [através do<br />

aumento da frequência cardíaca (FC), ten-<br />

com dobutamina e atropina, suspensa com<br />

a dose de 40 µg/kg/min com 162 bpm (90%<br />

FTM), negativa para isquemia miocárdica.<br />

Observaram-se ainda alterações do segmento<br />

ST-T durante o exame (semelhantes<br />

às do exercício) e período de bigeminismo<br />

ventricular assintomático. Durante a sobrecarga<br />

verificou-se o estabelecimento de um<br />

SAM (systolic anterior motion) da válvula<br />

mitral, progressivo, associado a um gradiente<br />

na câmara de saída do ventrículo esquerdo<br />

(VE) “em crescendo”, atingindo cerca de<br />

100 mmHg no pico do stress, morfologia<br />

“em sabre” (Fig. 2).<br />

Fig. 2 Ecocardiograma de sobrecarga com<br />

dobutamina (40 µg/kg/min) e atropina. Frequência<br />

cardíaca de 161 ppm. Apical 5 câmaras.<br />

Observa-se fluxo bifásico, morfologia “em sabre”,<br />

gradiente máximo 100 mmHg - obstrução intraventricular<br />

(câmara de saída)<br />

são arterial e do inotropismo]. Em caso de<br />

doença coronária significativa não é possível<br />

o aumento adequado do fluxo sanguíneo,<br />

pelo que não são satisfeitas as necessidades<br />

miocárdicas em oxigénio. Ocorre então um<br />

27


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

infra-desnivelamento do segmento ST-T no<br />

ECG, acompanhado ou não de precordialgia,<br />

como sinais de isquemia miocárdica. 3<br />

No entanto, existem múltiplas evidências<br />

de que uma prova de esforço positiva não é<br />

sinónimo de doença coronária. Na verdade,<br />

existem cerca de 30% de falsos positivos<br />

para este exame. 1 Como causas conhecidas<br />

há a destacar as alterações prévias no ECG<br />

basal, a hipertrofia ventricular esquerda,<br />

o prolapso da válvula mitral, o consumo<br />

de digitálicos e o aumento inadequado da<br />

pressão arterial durante o exercício. 2-4 Por<br />

outro lado, no sexo feminino a percentagem<br />

de falsos positivos é superior à registada<br />

no sexo masculino, o que se associa a uma<br />

menor incidência de doença coronária neste<br />

grupo. 5<br />

O caso clínico apresentado refere-se a uma<br />

prova de esforço positiva num doente sem<br />

antecedentes de doença coronária, sem factores<br />

de risco para doença coronária e sem<br />

sintomatologia ou exame objectivo sugestivos.<br />

Na angio-TC coronária verificou-se<br />

como dado relevante a presença de uma<br />

placa no segmento proximal da artéria descendente<br />

anterior, de significado a esclarecer.<br />

A ecocardiografia de sobrecarga revelou<br />

ausência de isquemia no território da artéria<br />

descendente anterior, observando-se ainda<br />

que com o aumento da frequência cardíaca<br />

e inotropismo induzido pelo stress farmacológico<br />

ocorria um colapso do ventrículo<br />

esquerdo e o estabelecimento de um SAM<br />

mitral. No estudo de Doppler observou-se<br />

um fluxo com morfologia “em sabre”, sugerindo<br />

uma obstrução dinâmica, verificando-<br />

-se um gradiente intraventricular (câmara<br />

de saída) “em crescendo” a acompanhar o<br />

aumento da frequência cardíaca, que atingiu<br />

cerca de 100 mmHg.<br />

A ocorrência de gradiente na câmara de<br />

saída do ventrículo esquerdo pode associar-se<br />

a várias condições patológicas, nomeadamente<br />

miocardiopatia hipertrófica<br />

obstrutiva, 6 doença cardíaca hipertensiva, 7<br />

feocromocitoma, 8,9 ou enfarte agudo do<br />

miocárdio, 10 entre outras (hipovolemia,<br />

inotrópicos). Na ausência das patologias<br />

atrás descritas, tem-se constatado o estabelecimento<br />

de um gradiente intraventricular<br />

dinâmico na câmara de saída do ventrículo<br />

esquerdo em 17-43% dos doentes submetidos<br />

a ecocardiografia de sobrecarga com dobutamina.<br />

6 Como condições associadas ao<br />

estabelecimento deste gradiente considera-<br />

-se a idade jovem, um diâmetro reduzido do<br />

ventrículo esquerdo, uma espessura aumentada<br />

do septo interventricular, bem como a<br />

ocorrência de SAM mitral e de um aumento<br />

exagerado da tensão arterial e da frequência<br />

cardíaca no pico do esforço. 6<br />

Tendo em conta que neste doente não está<br />

presente nenhuma das causas classicamente<br />

conhecidas como predisponentes para falsos<br />

positivos de prova de esforço, colocou-se a<br />

hipótese de que a obstrução dinâmica intraventricular<br />

pudesse explicar as alterações<br />

verificadas na prova de esforço. Assim, um<br />

ventrículo esquerdo de pequenas dimensões<br />

por colapso do ventrículo em stress<br />

condiciona uma diminuição do volume ventricular,<br />

que associadas a um aumento da<br />

contractilidade induzida pela dobutamina<br />

resultam num SAM da válvula mitral. 11,15<br />

Este movimento vai resultar no contacto<br />

entre o folheto anterior da válvula mitral e<br />

o septo durante a sístole, conduzindo à obstrução<br />

da câmara de saída do ventrículo<br />

esquerdo, 12 com a criação de um gradiente<br />

de pressão entre o ventrículo esquerdo e a<br />

aorta 15 e um aumento abrupto da pós-carga.<br />

Este gradiente dinâmico conduz a uma<br />

sobrecarga aguda de pressão no ventrículo


GRADIENTE INTRAVENTRICULAR COM DOBUTAMINA. UMA CAUSA DE FALSO POSITIVO DE PROVA DE ESFORÇO?<br />

esquerdo, com aumento da tensão (stress)<br />

parietal, resultando em diminuição do fluxo<br />

ao subendocárdio. 11,15,16 Para além disso,<br />

a diminuição do tempo de diástole por<br />

aumento da frequência cardíaca também<br />

poderá contribuir para esta isquemia suben-<br />

docárdica. Seria pois este fenómeno transitório<br />

de isquemia miocárdica com o stress<br />

o responsável pelas alterações do segmento<br />

ST-T verificadas. Deste modo, considera-se<br />

o estabelecimento de um gradiente dinâmico<br />

na câmara de saída do ventrículo esquerdo<br />

como causa de isquemia. 13-15<br />

Considera-se que a grande limitação do presente<br />

caso é o facto de se assumir que o que<br />

ocorre durante a sobrecarga farmacológica<br />

com dobutamina pode ser extrapolado para<br />

o que se verifica com o esforço físico, pelo<br />

que demonstração da veracidade deste raciocínio<br />

fisiopatológico só poderá ser efectuado<br />

neste doente com a realização de ecocardiograma<br />

de exercício com determinação<br />

do gradiente intraventricular antes, durante<br />

e após o esforço físico. 17<br />

Na realidade, apesar de os efeitos da dobutamina<br />

no sistema cardiovascular mimetizarem<br />

os que ocorrem durante o exercício<br />

físico (aumento do inotropismo e cronotropismo<br />

cardíaco com vasodilatação periférica<br />

concomitante), o grau de alteração destas<br />

diferentes variáveis é diferente conforme o<br />

tipo de stress utilizado, o que pode explicar<br />

diferentes gradientes obtidos pelos 2 tipos<br />

de stress. Por outro lado há ainda que contar<br />

também com outros factores, nomeadamente<br />

posicionais, que alteram as condições<br />

de carga ventriculares e que podem igualmente<br />

explicar diferenças de gradiente entre<br />

os 2 métodos: por um lado o ortostatismo<br />

do exercício em tapete rolante causaria diminuição<br />

do retorno venoso e da pré-carga,<br />

tendendo a aumentar ainda mais o gradi-<br />

ente intraventricular, sendo este efeito contrabalançado<br />

com o aumento do retorno<br />

venoso que ocorre no esforço, condicionado<br />

pelo efeito da “bomba muscular” dos membros<br />

inferiores. No entanto, no pós-esforço<br />

imediato e durante a recuperação, este efeito<br />

compensador já não existiria, levando a um<br />

aumento do gradiente intraventricular nesta<br />

fase, efeito já demonstrado em doentes com<br />

miocardiopatia hipertrófica. 8<br />

Apesar de alguns estudos 19-21 apontarem para<br />

uma correlação baixa entre a presença de<br />

gradientes intraventriculares com a dobutamina<br />

e com o exercício físico, pensa-se<br />

que o raciocinio fisiopatológico apresentado<br />

é demasiado lógico e atractivo para ser desprezado,<br />

pelo que na opinião dos autores<br />

este assunto deverá ser reequacionado e<br />

revisitado num estudo bem conduzido e<br />

de maiores dimensões, numa população de<br />

doentes bem seleccionada, sem doença coronária<br />

e com a realização de ambos os tipos<br />

de stress, físico e farmacológico, em todos os<br />

doentes. Além disso, dados obtidos pelos autores<br />

e ainda não publicados apontam para<br />

o facto de numa população seleccionada<br />

(doentes com baixa probabilidade pré-teste,<br />

com provas de esforço positivas por critérios<br />

eléctricos e com coronárias normais),<br />

a percentagem de gradientes intraventriculares<br />

com a dobutamina ser elevadíssima,<br />

muito maior que o descrito para populações<br />

não seleccionadas. Este achado dá ainda<br />

mais força à convicção de que vale a pena<br />

voltar a abordar este problema e não lhe virar<br />

costas como um dado adquirido, reforçando<br />

a tese dos autores de que existe uma<br />

relação entre gradientes intraventriculares e<br />

os falsos positivos da prova de esforço.<br />

Sabe-se que em ciência e investigação muito<br />

do que se assumiu há anos como verdadeiro<br />

já não o é hoje, sendo a dúvida sistemática<br />

29


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

e rigorosa uma virtude. Assim, nesta era da<br />

imagiologia cardíaca, em que os resultados<br />

dos diferentes métodos de imagem muitas<br />

vezes se sobrepõem entre si, é necessário,<br />

em cada situação clínica, criar algoritmos<br />

diagnósticos que permitam determinar o<br />

exame a utilizar em cada caso, permitindo<br />

a complementaridade e utilização funcional<br />

dos recursos existentes. Em imagiologia<br />

cardíaca não é correcto falar em vence-<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. ACP MEDICINE, A publication of the American College of<br />

Physician. New York, 2006.<br />

2. Braunwald E, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL,<br />

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3.Andreoli TE. Cecil - Medicina interna básica. Elsevier, 2005:620.<br />

4. Murphy J , Lloyd M. Mayo Clinic cardiology: board review<br />

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6. Zywica K, Jenni R, Pellikka PA, Faeh-Gunz A, Seifert B, Attenhofer<br />

Jost CH. Dynamic left ventricular outflow tract obstruction evoked<br />

by exercise echocardiography: prevalence and predictive factors in a<br />

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7. Cohen A, Raffoul H, Diebold B, et al. Dynamic left ventricular<br />

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to catecholamine excess in a normal ventricule. Int J Cardiol<br />

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Int J Cardiol 2005;101:325-8.<br />

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ventricular outflow tract obstruction as a potential mechanism of<br />

myocardial rupture after acute myocardial infarction. J Am Coll<br />

Cardiol 1999;34:2150-1.<br />

dores e vencidos, mas sim em técnicas que<br />

se complementam, devendo este conceito<br />

ser igualmente utilizado para os diferentes<br />

métodos de ecocardiografia de sobrecarga,<br />

farmacológica e esforço, cada uma com o<br />

seu papel e indicações precisas.<br />

Gradiente intraventricular: uma causa de<br />

falsos positivos na prova de esforço? O futuro<br />

o dirá….<br />

11. Lau TK, Navarijo J, Stainback R. Pseudo-false-positive exercise<br />

treadmill testing caused by systolic anterior motion of the anterior<br />

mitral valve leaflet. Tex Heart Inst J 2001;28:308-11.<br />

12. Chockalingam A, Tejwani L, Aggarwal K, Dellsperger KC.<br />

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14. Sharma R, Pellerin D, Gaze DC, et al. Dynamic left ventricular<br />

obstruction: a potential cause of angina in end stage renal disease.<br />

Int J Cardiol 2006; 28:308-11.<br />

15. Makaryus AN, Meraj P, Rosman D. Dynamic left ventricular<br />

outflow tract obstruction induced by dobutamine stress<br />

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16. Maron M, Olivotto L, Betocchi S. Effect of left ventricular<br />

outflow tract obstruction on clinical outcome in hypertrophic<br />

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19. Cotrim C, Osório P, João I, et al. Do patients with intraventricular<br />

gradients during dobutamine stress echocardiography<br />

have intraventricular gradients with exercise testing? Rev Port<br />

Cardiol. 2002;21(12):1461-5.


GRADIENTE INTRAVENTRICULAR COM DOBUTAMINA. UMA CAUSA DE FALSO POSITIVO DE PROVA DE ESFORÇO?<br />

20. Meimoun P, Benali T, Sayah S, Luycx-Bore A, Maitre B,<br />

Tribouilloy C. Significance of systolic anterior motion of the<br />

mitral valve during dobutamine stress echocardiography. J Am Soc<br />

Echocardiogr 2005;18(1):49-56.<br />

21. Luria D, Klutstein MW, Rosenmann D, Shaheen J, Sergey S,<br />

Tzivoni D. Prevalence and significance of left ventricular outflow<br />

gradient during dobutamine echocardiography. Eur Heart J. 1999;<br />

20(5):386-92.<br />

31


aVaLiação da PeRFuSão PuLmoNaR<br />

No TRomBoemBoLiSmo PuLmoNaR<br />

aGudo PoR aNGio-TC do TÓRax Com<br />

duPLa eNeRGia. a PRoPÓSiTo<br />

de um CaSo CLÍNiCo<br />

evaluation of lung perfusion in acute<br />

pulmonary embolism by chest angio-CT<br />

with dual energy. an exemplificative<br />

clinical case<br />

ReSumo Abstract<br />

A angiografia por tomografia computori-<br />

zada (angio-TC) do tórax é hoje o meio<br />

complementar de diagnóstico padrão para<br />

o diagnóstico do tromboembolismo pulmonar<br />

(TEP). As recomendações mais recentes<br />

da Sociedade Europeia de Cardiologia colocam-na<br />

na primeira linha dos algoritmos de<br />

diagnóstico no TEP de não alto risco. Este<br />

método permite o diagnóstico de trombos<br />

intraluminais nas artérias pulmonares e nos<br />

seus ramos segmentares e sub-segmentares<br />

(com maior acuidade se efectuado em aparelho<br />

multicorte). Fornece ainda informação,<br />

embora indirecta, sobre a repercussão do<br />

tromboembolismo sobre o ventrículo direito,<br />

sendo esta o principal factor com influência<br />

VANESSA CARVALHO +<br />

PEDRO MORAES SARMENTO<br />

HUGO MARQUES<br />

<strong>DA</strong>NIEL FERREIRA<br />

Departamento de cardiologia e centro de imagiologia<br />

The chest CT angiography (angio-CT) is<br />

nowadays the gold standard for the diagnosis<br />

of pulmonary embolism (PE). The most<br />

recent guidelines of the European Society<br />

of Cardiology consider it as the first line<br />

in diagnostic algorithms for non high-risk<br />

patients with PE. The angio-CT allows the<br />

diagnosis of intraluminal thrombus in the<br />

pulmonary arteries and in their segmental<br />

and sub-segmental branches. It also gives<br />

information about the right ventricle<br />

overload, which is the main prognostic<br />

factor. However, the conventional angio-<br />

CT does not provide information related to<br />

the functional consequences of pulmonary<br />

emboli on the pulmonary perfusion, when<br />

+<br />

Estudante do 4º ano (2008-2009) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a estagiar no Hospital da Luz no âmbito do<br />

programa BESup<br />

33


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

no prognóstico.No entanto, a angio-TC convencional<br />

não permite a avaliação da consequência<br />

funcional dos êmbolos na perfusão<br />

pulmonar quando comparada, por exemplo,<br />

com a cintigrafia de ventilação/perfusão com<br />

radionuclidos. Os equipamentos de tomografia<br />

computorizada (TC) dotados de du-<br />

pla ampola permitiram o desenvolvimento<br />

de técnicas de utilização de diferentes energias<br />

numa e noutra ampola. O recurso a esta<br />

dupla energia permite obter informação sobre<br />

a perfusão pulmonar. No presente artigo,<br />

os autores apresentam o caso clínico de<br />

um doente com trombose venosa profunda<br />

complicada por TEP bilateral, confirmado<br />

por angio-TC do tórax. A utilização da técnica<br />

de dupla energia permitiu documentar<br />

a presença de defeitos de perfusão que viriam<br />

a ser confirmados por cintigrafia de ventilação<br />

perfusão convencional.<br />

iNTRodução<br />

O tromboembolismo pulmonar (TEP) consiste<br />

na obstrução da circulação pulmonar<br />

por êmbolos provenientes, na maioria dos<br />

casos, da circulação venosa sistémica, condicionando/comprometendo,<br />

parcial ou totalmente<br />

o fluxo sanguíneo pulmonar. 1<br />

O TEP não possui uma apresentação patognomónica,<br />

pelo que o seu diagnóstico<br />

depende de um elevado grau de suspeição<br />

por parte do clínico. Os sinais e sintomas,<br />

bem como os factores de risco ou os testes<br />

laboratoriais de rotina não permitem, isoladamente,<br />

estabelecer o diagnóstico de TEP,<br />

mas poderão integrar algoritmos de diagnóstico<br />

que deverão ser seguidos em caso<br />

de suspeita.<br />

Assim, os exames complementares de diagnóstico<br />

imagiológicos têm vindo progressi-<br />

compared, for example, with ventilation/<br />

perfusion scintigraphy using radionuclides.<br />

The development of the dual source CT<br />

equipments enabled the creation of dual<br />

energy techniques, using different energies<br />

in each source, simultaneously. The use of<br />

these dual energy techniques thus provides<br />

information about lung perfusion. In<br />

this article, the authors report a case of<br />

a patient with deep venous thrombosis<br />

complicated by bilateral pulmonary PE,<br />

which was confirmed by chest angio-CT.<br />

The dual energy technique documented<br />

the presence of perfusion defects that were<br />

later confirmed by conventional ventilation/<br />

perfusion scintigraphy.<br />

vamente a desempenhar um papel principal<br />

no diagnóstico desta patologia.<br />

A angio-TC convencional do tórax é hoje o<br />

meio complementar de diagnóstico padrão<br />

para a confirmação ou exclusão do diagnóstico<br />

de TEP. 2 Contudo, permite apenas<br />

uma avaliação morfológica, não fornecendo<br />

informações relativas aos defeitos de perfusão<br />

pulmonar. Este facto constitui uma<br />

importante limitação desta técnica na orientação<br />

da decisão terapêutica e na estratificação<br />

de prognóstico, pois não permite aferir<br />

a existência de alteração da perfusão pulmonar<br />

não associada a sobrecarga ventricular<br />

direita.<br />

A angiografia pulmonar, outrora considerada<br />

o exame padrão para o diagnóstico de<br />

TEP, é actualmente reservada para doentes


AVALIAÇÃO <strong>DA</strong> PERFUSÃO PULMONAR NO TROMBOEMBOLISMO PULMONAR AGUDO POR ANGIO-TC DO TÓRAX COM DUPLA<br />

ENERGIA. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO<br />

com TC torácicas inconclusivas ou para<br />

doentes com indicação para embolectomia<br />

direccionada por cateter. 3<br />

Recentemente, o desenvolvimento na área<br />

da TC da tecnologia de dupla-ampola, veio<br />

abrir caminho para uma nova abordagem<br />

no diagnóstico do TEP. A utilização da angio-TC<br />

com dupla energia (utilizando ampolas<br />

– fontes emissoras de radiação X em<br />

kilovoltagens diferentes), permite aumentar<br />

a sensibilidade de detecção de pequenos<br />

êmbolos, que poderiam passar despercebidos<br />

na avaliação por TC convencional<br />

multiplanar e confere, num mesmo exame<br />

e aquisição, a capacidade de avaliar a repercussão<br />

funcional do TEP avaliando a per-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Homem de 54 anos de idade, caucasiano,<br />

que refere história de episódio de trombose<br />

venosa profunda (TVP) do membro inferior<br />

direito há cerca de 15 anos. Por este motivo<br />

foi medicado com varfarina que viria a suspender<br />

alguns meses depois.<br />

No início de Janeiro de 2009, inicia queixas<br />

de dor, eritema e edema do membro inferior<br />

esquerdo (MIE). Evolui com um episódio de<br />

tosse com expectoração hemoptóica pelo<br />

que recorre ao Atendimento Médico Permanente<br />

do Hospital da Luz. Negava febre,<br />

toracalgia, palpitações, cansaço e dispneia.<br />

Dos antecedentes pessoais salientava-se obesidade<br />

grave (IMC = 38 kg/m 2 ), apneia do<br />

sono sob ventilação não invasiva por CPAP<br />

(continuous positive airway pressure) no domicílio,<br />

hipertensão arterial, dislipidemia e<br />

neurose depressiva. Negava hábitos tabágicos<br />

e consumo de álcool. À altura do in-<br />

ternamento estava medicado com Paxetil®,<br />

fusão pulmonar. A maior sensibilidade desta<br />

nova tecnologia resulta do facto de permitir<br />

associar a obtenção de imagens com detalhe<br />

morfológico das artérias pulmonares e do<br />

parênquima pulmonar às alterações da perfusão<br />

pulmonar, podendo assim alertar para<br />

a presença dum trombo intra-arterial. Um<br />

outro aspecto relevante desta nova técnica,<br />

é que a aquisição em dupla energia não implica<br />

a administração de maior quantidade<br />

de contraste, nem confere maior dose de radiação.<br />

4<br />

Os autores apresentam um caso clínico de<br />

TEP em que o diagnóstico foi estabelecido<br />

com recurso a angio-TC com dupla ampola<br />

e com técnica de dupla energia.<br />

Triptizol 50®, Triticum 50®, Concor®,<br />

Crestor® e Tromalyt®.<br />

À entrada, o doente apresentava-se eupneico,<br />

hemodinamicamente estável, com uma<br />

saturação periférica de 98% no ar ambiente.<br />

Analiticamente os parâmetros do hemograma,<br />

coagulação e função renal encontravam-se<br />

igualmente dentro dos valores de<br />

referência e a enzimologia cardíaca, a troponina<br />

I e o ProBNP (precursor do péptido<br />

natriurético cerebral) eram todos negativos.<br />

A gasometria arterial não apresentava alterações.<br />

O ECG era normal.<br />

A ultrasonografia venosa dos membros inferiores<br />

revelou, no membro inferior esquerdo,<br />

“insuficiência da confluência safenofemoral<br />

com avalvulação troncular da veia<br />

35


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 1 Avaliação do pulmão direito<br />

A. Observam-se vários defeitos endoluminais (1,<br />

3, 4 e 5) traduzindo tromboembolismo, condicionando<br />

hipoperfusão sobretudo das bases (2)<br />

B e C. Evidência de hipoperfusão subsegmentar<br />

apical do lobo superior direito (B) e do lobo<br />

médio (C), aspectos que correspondem a obstrução<br />

vascular e que não foram observados na<br />

cintigrafia<br />

Fig. 2 Pulmão Esquerdo A. Fusão das imagens<br />

de perfusão com as imagens de representação<br />

semelhante a angio-TC convencional B. Realce<br />

das imagens de perfusão, facilitando observação<br />

inequívoca dos defeitos típicos de perfusão (de<br />

base periférica) relacionadas com as oclusões subsegmentares<br />

arteriais no lobo inferior esquerdo,<br />

visualizadas na imagem A.<br />

safena interna e varicoflebite de colateral da<br />

veia safena interna da perna”.<br />

Atendendo ao episódio de tosse hemoptóica<br />

referido pelo doente, decidiu-se realizar<br />

angio-TC com protocolo de TEP e com método<br />

de dupla energia, que revelou presença<br />

de TEP afectando, do lado direito, os ramos<br />

segmentares e sub-segmentares do lobo inferior<br />

direito com predominância dos ramos<br />

posteriores e apicais, e de forma ténue<br />

os do lobo médio. Verificou-se diminuição<br />

sub-segmentar da perfusão do lobo médio e<br />

segmento apical do lobo inferior (Fig. 1). Do<br />

lado esquerdo, observaram-se defeitos da repleção<br />

vascular mais exuberantes, afectando<br />

os ramos segmentares e sub-segmentares do<br />

lobo inferior e de forma ténue a língula (Fig.<br />

2). Resultaram defeitos de perfusão no segmento<br />

apical, posterior e externo do lobo<br />

inferior e de forma sub-segmentar ténue<br />

na língula. Sem evidência de sobrecarga do<br />

ventrículo direito. Tronco da artéria pulmonar<br />

não ectasiado. Normal permeabilidade<br />

do parênquima pulmonar.<br />

O ecocardiograma transtorácico revelou um<br />

ventrículo esquerdo ligeiramente dilatado e<br />

hipertrofiado mas sem compromisso da função<br />

sistólica global, nem da função diastólica.<br />

As cavidades direitas não se apresentavam<br />

dilatadas. A pressão sistólica na artéria<br />

pulmonar (PSAP) encontrava-se no limite<br />

superior do valor de referência (36 mmHg).<br />

Durante o internamento o doente iniciou<br />

hipocoagulação oral com varfarina associada<br />

a heparina de baixo peso molecular<br />

(HBPM) até ter sido atingido o INR<br />

(international normalized ratio) alvo: 2,0 a 3,0.<br />

Realizou uma cintigrafia pulmonar, passadas<br />

36 horas da realização da angio-TC,<br />

com estudo da ventilação pulmonar após


AVALIAÇÃO <strong>DA</strong> PERFUSÃO PULMONAR NO TROMBOEMBOLISMO PULMONAR AGUDO POR ANGIO-TC DO TÓRAX COM DUPLA<br />

ENERGIA. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO<br />

inalação de Technegas® e estudo da perfusão<br />

pulmonar após administração endovenosa<br />

de macroagregados de albumina<br />

marcados com 99mTc.<br />

Em relação à ventilação pulmonar, notou-se<br />

deposição central de Technegas® com boa<br />

ventilação em ambos os campos pulmonares<br />

e com menor intensidade ao nível das bases.<br />

No que respeita à perfusão pulmonar, verificaram-se<br />

defeitos de perfusão do segmento<br />

posterior do lobo superior esquerdo e do<br />

segmento superior do lobo inferior esquerdo<br />

e ainda um possível defeito de perfusão no<br />

segmento inferior da língula, de difícil valorização.<br />

No pulmão direito não se observaram<br />

defeitos de perfusão (Fig. 3).<br />

Observou-se, ao longo do internamento,<br />

melhoria discreta do edema e resolução do<br />

quadro álgico do membro inferior esquerdo.<br />

diSCuSSão<br />

É conhecida a associação entre a TVP e a<br />

ocorrência de TEP. Entre os doentes com<br />

TVP proximal, cerca de 50% apresentam<br />

TEP (habitualmente assintomático) na cintigrafia<br />

de ventilação/perfusão. 5<br />

O TEP resultante da migração até à árvore<br />

arterial pulmonar de parte ou da totalidade<br />

dum trombo venoso profundo pode<br />

manifestar-se de modo muito diverso, desde<br />

TEP completamente assintomáticos do<br />

ponto de vista respiratório ou cardiovascular,<br />

até quadros clínicos com manifestações<br />

tão variáveis como polipneia ligeira, ou<br />

morte súbita com actividade eléctrica sem<br />

pulso como ritmo da paragem cardio-respiratória.<br />

3 O caso clínico actual representa<br />

bem um dos quadros clínicos possíveis, com<br />

O doente teve alta ao fim de cinco dias de<br />

internamento, referenciado à consulta de<br />

Medicina Interna.<br />

Fig. 3 Cintigrafia pulmonar com estudo da<br />

ventilação pulmonar após inalação de Technegas®<br />

e estudo da perfusão pulmonar após administração<br />

endovenosa de macroagregados de albumina<br />

marcados com 99mTc<br />

apresentação inicial muito pouco sintomática<br />

e com evolução clínica muito favorável.<br />

De facto, as queixas iniciais do doente limitavam-se<br />

a um quadro clínico suspeito de<br />

poder corresponder a um segundo episódio<br />

de TVP e a um fruste episódio de expectoração<br />

hemoptóica.<br />

Não fora levantada a suspeita clínica e pedido<br />

o angio-TC - e não tivesse este exame sido<br />

efectuado com o protocolo de aquisição ade-<br />

quado para TEP - e o diagnóstico de TVP<br />

com TEP associado poderia ter passado despercebido<br />

e o doente poderia não ter ficado<br />

internado e recebido o tratamento adequado,<br />

com consequente imprevisibilidade da<br />

evolução do quadro clínico.<br />

37


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

A realização no mesmo doente de angio-TC<br />

do tórax para diagnóstico de TEP e de cintigrafia<br />

de ventilação/perfusão tem sido defendida<br />

por alguns autores. Por um lado, a<br />

acuidade diagnóstica da angio-TC para TEP<br />

foi muito incrementada com a introdução<br />

da tecnologia de multidetectores, permitindo<br />

o diagnóstico de trombos intraluminais<br />

até ao nível sub-segmentar, de tal modo que<br />

a angio-TC “destronou” a angiografia pulmonar<br />

como método-padrão para o diagnóstico<br />

de TEP. Por outro lado, a cintigrafia<br />

com radionuclidos permite avaliar as<br />

repercussões funcionais do TEP sobre a relação<br />

ventilação/perfusão e obter um conjunto<br />

de imagens após o episódio de TEP agudo<br />

que poderá servir de termo de comparação<br />

para futuros episódios com suspeita de TEP,<br />

nos quais poderá ser documentada a presença<br />

de novos defeitos de perfusão (não exis-<br />

tentes após o evento inicial), permitindo,<br />

deste modo, o diagnóstico de novos episódios<br />

de TEP.<br />

No caso apresentado encontrou-se sobreposição<br />

dos achados da perfusão pulmonar<br />

na angio-TC e na cintigrafia.<br />

Na tentativa de melhorar a acuidade diagnóstica,<br />

desenvolveu-se recentemente a<br />

tecnologia da dupla-ampola que permite<br />

aquisições com maior resolução temporal<br />

(82 ms) ou com dupla energia (utilizando<br />

ampolas – fontes emissoras de radiação<br />

X em kilovoltagens diferentes). O comportamento<br />

dos constituintes do corpo e<br />

o próprio contraste endovenoso variam de<br />

forma diferente (não proporcional) a sua intensidade<br />

consoante a aquisição seja feita<br />

com kilovoltagens diferentes. Com a nova<br />

tecnologia passou a ser possível codificar<br />

(com cor) constituintes específicos, apenas<br />

pela sua variação característica, de acordo<br />

com a kilovoltagem com que estavam a ser<br />

adquiridos. 4 Assim, numa mesma aquisição<br />

com tecnologia de dupla ampola obtêm-se<br />

imagens a 140 kV (menor ruído, mas menor<br />

contraste que a aquisição comum mono-ampola),<br />

a 80 kV (maior ruído, mas maior contraste),<br />

bem como as resultantes da fusão<br />

entre as duas (70% da de 140 kV e 30%<br />

da de 80 kV) obtendo-se uma imagem semelhante<br />

à da aquisição mono-ampola, bem<br />

como através de software dedicado a codificação<br />

por cor da perfusão pulmonar (Fig.<br />

4 e 5). 6<br />

Fig. 4 A. Informação obtida pela fonte emissora<br />

da radiação X (ampola A) a 80 kV – maior ruído<br />

e maior contraste<br />

B. Informação obtida pela fonte emissora da<br />

radiação X (ampola B) a140 kV – menor ruído e<br />

menor contraste<br />

C. Obtida a partir da fusão das duas ampolas,<br />

70% da 140 kV e 30% da 80 kV, sendo equivalente<br />

às imagens que se obteriam numa aquisição<br />

convencional com uma só energia.


AVALIAÇÃO <strong>DA</strong> PERFUSÃO PULMONAR NO TROMBOEMBOLISMO PULMONAR AGUDO POR ANGIOTC DO TÓRAX COM DUPLA<br />

ENERGIA. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO<br />

Fig. 5 Avaliação da perfusão pulmonar, só possível na técnica de dupla energia:<br />

A. perfusão sobreposta a avaliação vascular<br />

B. avaliação da perfusão pulmonar isolada<br />

Estudos do grupo dos autores permitiram<br />

confirmar que a avaliação por angio-TC dupla<br />

energia permite adicionar a avaliação da<br />

perfusão pulmonar às informações habitualmente<br />

obtidas pelo exame de angio-TC convencional<br />

– parênquima pulmonar, avali-<br />

ação vascular e da sobrecarga do ventrículo<br />

direito (de forma indirecta). 7 Os mesmos<br />

estudos confirmaram ainda que esta técnica<br />

não necessita de maior quantidade de contraste<br />

nem implica maior radiação. 7<br />

A capacidade de associar a avaliação da perfusão<br />

pulmonar resulta numa maior acuidade<br />

diagnóstica de êmbolos em ramos subsegmentares,<br />

e permite identificar êmbolos<br />

com repercussão na perfusão. 8<br />

Este exame abre assim novas áreas de investigação<br />

que poderão ter significado clínico<br />

(implicação terapêutica e prognóstica), nomeadamente:<br />

· utilidade do exame para a avaliação evolutiva<br />

do caso de TEP, permitindo a detecção<br />

de novos êmbolos e ou novos defeitos de<br />

perfusão<br />

· capacidade de monitorização terapêutica<br />

através de modificação da perfusão pulmonar<br />

ou seja capacidade de utilização com intuito<br />

de follow-up<br />

· determinar o papel da perfusão na avaliação<br />

de TEP crónicos e ou após cirurgia de<br />

embolectomia<br />

· comparar como factor prognóstico o volu-<br />

me oclusivo endovascular relativamente aos<br />

defeitos de perfusão por eles provocados<br />

Contudo, por se tratar de uma técnica de dia-<br />

gnóstico recente, são ainda necessários estudos<br />

comparativos entre técnicas e estudos<br />

prospectivos que comprovem a sua eficácia<br />

para que este exame seja incluído no algoritmo<br />

de diagnóstico de TEP.<br />

O impacto terapêutico e prognóstico da<br />

diferença entre TEP com e sem alteração da<br />

perfusão não associado a sobrecarga ventricular<br />

direita tem de ser aferido.<br />

39


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

CoNCLuSão<br />

A angio-TC de dupla energia poderá representar<br />

um novo marco na evolução tecno-<br />

lógica no diagnóstico de TEP, por conseguir<br />

conciliar, num único exame, o estudo da exis-<br />

tência de defeitos intraluminais nas artérias<br />

pulmonares e nos seus ramos (segmentares<br />

e sub-segmentares) e um estudo da perfusão<br />

pulmonar.<br />

A riqueza da informação fornecida por este<br />

exame poderá permitir evitar a realização de<br />

múltiplos exames no decurso do processo de<br />

diagnóstico dum caso suspeito de TEP.<br />

aGRadeCimeNToS<br />

Os autores agradecem à Drª Cristina<br />

Loewentall do Departamento de Medicina<br />

Molecular do Hospital da Luz pela cedência<br />

das imagens da cintigrafia de ventilação/<br />

perfusão.<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Perrier A. From dyspnea to pulmonary embolism. Therapeutische<br />

Umschau 2009; DOI 10.1024/0040-5930.66.9.643.<br />

2. Torbicki A, Perrier A, Konstantinides S, et al. Guidelines on the<br />

diagnosis and management of acute pulmonary embolism. Euro<br />

Heart J 2008; 29(18):2276-315.<br />

3. Kasper D, Fauci A, Braunvald E, et al. Harrison’s Principles of<br />

Internal Medicine USA: McGraw-Hill Companies Inc., 2008.<br />

4. Johnson TR, Krauss B, Sedlmayr M, et al. Material differentiation<br />

by dual energy CT: initial experience. Eur Radiol 2007;17:1510-7.<br />

5. Moser KM, Fedullo PF, Littejohn JK, Crawford R. Frequent<br />

asymptomatic pulmonary embolism in patients with deep venous<br />

thrombosis. JAMA 1994;271:223-5.<br />

O presente caso documenta a exequibilidade<br />

desta técnica, permitindo obter imagens<br />

de qualidade diagnóstica sem incrementos<br />

significativos das doses de radiação<br />

nem de contraste em relação ao angio-TC<br />

convencional.<br />

O valor desta técnica na avaliação da relação<br />

de ventilação/perfusão pulmonar após<br />

TEP terá ainda de ser validado por estudos<br />

comparativos com a cintigrafia de ventilação/perfusão<br />

com radionuclidos.<br />

6. Fink C, Johnson TR, Michaely HJ, et al. Dual-energy CT<br />

angiography of the lung in patients with suspected pulmonary<br />

embolism: initial results. Rofo 2008;180(10):879-83.<br />

7. Marques H, Ferreira D, Costa N, et al. Dual energy CT<br />

Angiography to diagnose pulmonary embolism and lung perfusion<br />

- initial experience (oral communication CR1009). Abstracts Book<br />

of the 2nd World Congress of Thoracic Imaging and Diagnosis in<br />

Chest Disease. Valencia, 2009.<br />

8. Yasuaki H, Masashi G, Yoshinori N, Tsuguya F. Ventilationperfusion<br />

scanning and helical CT in suspected pulmonary<br />

embolism: meta-analysis of diagnostic performance. Radiology<br />

2005;234:740-8.


PRimeiRo CaSo de doeNça<br />

de CReuTZFeLdT-JakoB PRoVÁVeL<br />

No HoSPiTaL da LuZ. a imPoRTÂNCia<br />

do eSTudo de diFuSão PoR Rm<br />

No diaGNÓSTiCo PReCoCe<br />

First case of probable sporadic Creutzfeldt-<br />

Jakob in Hospital da Luz. The importante of<br />

an early diagnosis, using diffusion-weighted<br />

mR imaging<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores descrevem um caso clínico de<br />

doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica<br />

provável, em que o diagnóstico precoce foi<br />

possível recorrendo ao estudo de difusão por<br />

ressonância magnética do sistema nervoso<br />

central. Este estudo tem sido defendido por<br />

vários autores como sendo um meio precoce,<br />

seguro e eficaz de diagnosticar esta patologia.<br />

SOFIA NUNES DE OLIVEIRA<br />

PEDRO VILELA<br />

JOSÉ FERRO<br />

Departamento de neurologia e centro de imagiologia (unidade de neurorradiologia)<br />

The authors report a clinical case of<br />

probable sporadic Creutzfeldt-Jakob disease<br />

diagnosed in Hospital da Luz. Diffusionweighted<br />

MR imaging led to early diagnosis.<br />

Several authors enhance this technique as a<br />

safe and effective tool in the early diagnosis<br />

of the disease.<br />

41


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é<br />

uma doença neurodegenerativa rara, fatal,<br />

caracterizada pela acumulação de uma<br />

forma anormal de proteína priónica - PrPsc<br />

- no cérebro, levando a demência progressiva<br />

acompanhada de outros sintomas<br />

neurológicos. 1,2 O diagnóstico definitivo é<br />

neuropatológico 3 e existem critérios da Organização<br />

Mundial de Saúde (OMS) para as<br />

formas esporádica e iatrogénica (Quadro I).<br />

A ressonância magnética (RM) revela tipicamente<br />

atrofia cerebral progressiva e hipersinal<br />

em T2 do córtex cerebral e gânglios<br />

da base. 4 Nas fases precoces o T2 pode não<br />

revelar alterações, tornando o diagnóstico<br />

por RM extremamente difícil. Assim, nesta<br />

fase é utilizado sobretudo para diagnóstico<br />

diferencial.<br />

Os aspectos precoces de RM não fazem<br />

parte dos critérios de diagnóstico da OMS.<br />

Vários autores têm sugerido que a técnica<br />

de difusão pode fornecer informação diagnóstica<br />

importante, mesmo antes do aparecimento<br />

dos achados típicos e alterações do<br />

electroencefalograma (EEG). 4<br />

Por outro lado, os critérios de diagnóstico<br />

da Organização Mundial de Saúde não<br />

contemplam aspectos imagiológicos, apesar<br />

destes serem uma forma não invasiva e segura<br />

de avaliar o sistema nervoso central<br />

(SNC).<br />

Apesar da DCJ não ter cura, o seu diagnóstico<br />

precoce é importante, não só para<br />

esclarecimento do doente e da sua família,<br />

mas também porque se trata de uma doença<br />

infecciosa devendo os fluidos e tecidos corporais<br />

ser manuseados com precaução. 5,6<br />

Os autores apresentam um caso de DCJ<br />

provável em que a RM contribuiu decisivamente<br />

para o diagnóstico.<br />

Quadro I - Critérios de diagnóstico de DCJ esporádica e iatrogénica da OMS<br />

Doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica<br />

definitiva: achados positivos em exame neuropatológico convencional, análise imunocitoquímica ou Western<br />

Blot (PrP resistente à protease confirmada) ou presença de fibrilhas associadas ao scrapie em análise<br />

histopatológica<br />

Provável: demência progressiva + 2 de 4 critérios clínicos (mioclonias, alterações visuais ou cerebelosas,<br />

sinais piramidais ou extrapiramidais, mutismo acinético) + eeG atípico ou proteína 14-3-3 positiva no<br />

LCR + sobrevida de menos de 2 anos + ausência outros sinais sugestivos de diagnóstico alternativo<br />

Possível: demência progressiva + 2 de 4 critérios clínicos (mioclonias, alterações visuais ou cerebelosas,<br />

sinais piramidais ou extrapiramidais, mutismo acinético) + sem eeG ou eeG atípico + sobrevida de<br />

menos de 2 anos<br />

DCJ iatrogénica<br />

Síndrome cerebeloso progressivo em receptor de hormona hipofisária de cadáver, ou dCJ esporádica em<br />

doente com risco de exposição (ex: neurocirurgia prévia com implante dura-máter)


PRIMEIRO CASO DE DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB PROVÁVEL NO <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong>. A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DE DIFUSÃO<br />

POR RM NO DIAGNÓSTICO PRECOCE<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino de 73 anos de idade,<br />

sem antecedentes patológicos pessoais ou<br />

familiares relevantes, internada por demência<br />

rapidamente progressiva.<br />

Cerca de 5 meses antes do internamento iniciou<br />

quadro de alterações do comportamento<br />

- euforia, humor inapropriado, alterações<br />

do comportamento alimentar - sem repercussão<br />

sobre as actividades de vida diária.<br />

Ao longo dos três meses seguintes ocorreu<br />

agravamento progressivo, com períodos de<br />

desorientação, discurso incoerente, confabu-<br />

lação e perda de autonomia. Realizou tomografia<br />

computorizada que não mostrou<br />

alterações significativas.<br />

Dez dias antes do internamento referiu alucinações<br />

visuais que persistiram, motivo<br />

pelo qual foi internada para investigação.<br />

Na admissão e observação ao longo do internamento<br />

(10 dias) destacavam-se défices<br />

cognitivos de predomínio fronto-temporal,<br />

anosognosia, discurso fluente e confabulante<br />

com evolução para mutismo, evidência<br />

de alucinações visuais, distonia axial com<br />

contracturas dolorosas, hipertonia generalizada,<br />

hipereflexia, mioclonias, incontinência<br />

urinária.<br />

Da investigação realizada destacava-se:<br />

· EEG com lentificação da electrogénese de<br />

base com surtos de ondas lentas, sem actividade<br />

paroxística ou periódica;<br />

· RM-CE com estudo da difusão com hipersinal<br />

cortical difuso, bilateral e assimétrico<br />

de predomínio temporo-parieto-occipital<br />

direito, com hipersinal nas imagens de<br />

difusão e restrição à difusão nos mapas de<br />

coeficiente de difusão aparente (ADC) (Fig. 1);<br />

· Single Photon Emission Computed Tomography<br />

(SPECT) cerebral com marcada<br />

hipoperfusão nos territórios atrás descritos<br />

(Fig 2);<br />

· Doseamento da proteína 14-3-3 no líquido<br />

céfalo-raquidiano (LCR) positivo.<br />

Após a alta clínica o quadro manteve agravamento<br />

progressivo e a doente morreu dois<br />

meses depois (família recusou necrópsia).<br />

Fig. 1 RM-CE com estudo de difusão: hipersinal<br />

cortical difuso cerebral particularmente evidente<br />

na ponderação T2DF, bilateral, assimétrico, sendo<br />

maior o envolvimento do hemisfério cerebral<br />

direito. Hipersinal nas imagens de difusão,<br />

com restrição a difusão (hipossinal) nos mapas<br />

ADC. Ligeiro swelling cortical com espessamento<br />

cortical em topografia temporal externa<br />

direita. O envolvimento hemisférico cerebral<br />

direito é temporal (predominantemente externo),<br />

temporo-occipital interno, parieto-occipital, e de<br />

forma menos intensa frontal anterior e insular. À<br />

esquerda o envolvimento é menos intenso, mas<br />

com uma distribuição topográfica semelhante<br />

com predomínio parieto-occipital. Sem outras<br />

alterações significativas<br />

43


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

diSCuSSão e CoNCLuSÕeS<br />

A doente preencheu os critérios de diagnóstico<br />

da OMS para a DCJ esporádica provável<br />

a partir do momento em que o doseamento<br />

da proteína 14-3-4 foi positiva no LCR. No<br />

entanto, esta análise pode representar um<br />

risco, ao implicar o manuseamento de fluidos<br />

infectados, além de ser demorada. No<br />

caso presente, o resultado só ficou disponível<br />

pouco antes da morte da doente.<br />

Entretanto os achados típicos da RM e a exclusão<br />

de outras causas possíveis de demência<br />

rapidamente progressiva, permitiram<br />

fazer o diagnóstico, o que para a família da<br />

doente constituiu um passo importante.<br />

A utilização de técnicas de difusão por RM,<br />

pode constituir uma forma de diagnóstico<br />

mais precoce e não invasiva da DCJ esporádica,<br />

sobretudo quando os achados<br />

típicos de EEG não estão presentes. 8-11<br />

Fig. 2 SPECT cerebral com HMPao: marcada<br />

hipoperfusão frontoparietal, mais evidente à<br />

direita; assimetria com diminuição da perfusão na<br />

região temporal direita; perfusão mantida ao nível<br />

dos núcleos da base<br />

Mesmo em fases precoces, a RM com<br />

difusão pode revelar áreas de hipersinal cortical<br />

e nos gânglios da base com restrição<br />

nos mapas de ADC sugerindo difusão restrita<br />

no tecido cerebral, que não respeita nenhum<br />

território arterial. 8-11<br />

Por outro lado, as alterações da difusão são<br />

mais sensíveis e precoces que as alterações<br />

do EEG. 11 Se estiverem restritas ao córtex<br />

cerebral, como no caso presente, o diagnóstico<br />

diferencial com causas de demência<br />

rapidamente progressivas é ainda mais<br />

restrito. 4<br />

Pelos motivos expostos, os protocolos de<br />

difusão parecem ser extremamente úteis no<br />

diagnóstico precoce de demências rapidamente<br />

progressivas e devem ser incluídos<br />

na investigação, tendo sido sugerido que<br />

integrem os critérios de diagnóstico de DCJ<br />

esporádica da OMS.


PRIMEIRO CASO DE DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB PROVÁVEL NO <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong>. A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DE DIFUSÃO<br />

POR RM NO DIAGNÓSTICO PRECOCE<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Prusiner SB. Prions. Proc Natl Acad Sci USA 1998;95:13363-83.<br />

2. Masters CI, Harris JO, Gajdusek DC, Gibbs CJ Jr, Bernoulli<br />

C, Asher DM. Creutzfeldt-Jakob disease: patterns of worldwide<br />

occurence and the significance of familial and sporadic clustering.<br />

Ann Neurol 1979;5:177-88.<br />

3. Kretzschmar HA, Ironside JW, DeArmond SJ, Tateishi J.<br />

Diagnostic criteria for sporadic Creutzfeldt-Jakob disease. Arch<br />

Neurol 1996;53:913-20.<br />

4. Ukisu R, Kushihashi T, Tanaka E, et al. Diffusion-weighted<br />

MR Imaging of early-stage Creutzfeldt-Jakob disease: typical and<br />

atypical manifestations. Radiographics 2006;26:S191-204.<br />

5. Committee on Health Care Issues, American Neurological<br />

Association. Precautions in handling tissues, fluids and other<br />

contaminated materials from patients with documented or<br />

suspected Creutzfeldt-Jakob disease. Ann Neurol 1986;19:75-7.<br />

6. Pauli G. Tissue safety in view of CJD and variant CJD. Cell Tissue<br />

Bank 2005;6:191-200.<br />

7. Kallenberg K, Schulz-Schaeffer WJ, Jastrow U, et al. Creutzfeldt-<br />

Jakob disease: comparative analysis of MR imaging sequences. Am<br />

J Neuroradiol 2006;27:1459-62.<br />

8. Tschampa HJ, Kallenberg K, Kretzschmar HA. Pattern of cortical<br />

changes in sporadic Creutzfeldt-Jakob disease. Am J Neuroradiol<br />

2007;28:1114-8.<br />

9. Nitrini R, Areza-Fegyveres R, Martins VR, et al. Asymmetric<br />

cortical high signal on diffusion weighted-MRI in a case of<br />

Creutzfeldt-Jakob disease. Arq Neuropsiquiatr 2005;63(2B):519-<br />

22.<br />

10. Meissner B, Kallenberg K, Sanchez-Juan P, et al. Isolated<br />

cortical signal increase on MR imaging as a frequent lesion<br />

pattern in sporadic Creutzfeldt-Jakob disease. Am J Neuroradiol<br />

2008;29(8):1519-24.<br />

11. Shiga Y, Miyazawa K, Sato S, et al. Diffusion-weighted MRI<br />

abnormalities as an early diagnostic marker for Creutzfeldt-Jakob.<br />

Neurology 2004;63(3):443-9.<br />

45


meNiNGoeNCeFaLiTe FÚNGiCa.<br />

um CaSo RaRo<br />

Fungal meningoencephalitis.<br />

a rare case report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam o caso clínico de uma<br />

doente com uma meningoencefalite fúngica,<br />

extensamente investigada de forma pluridisciplinar,<br />

cujo diagnóstico final só foi possível<br />

de ser obtido por biópsia cerebral, ilustrando<br />

o facto de que em casos de etiologia complexa<br />

pode ser útil o recurso a uma atitude<br />

interventiva precoce.<br />

RAQUEL GIL-GOUVEIA<br />

NATÁLIA MARTO<br />

PAUL MARTINS CAMPOS<br />

PEDRO VILELA<br />

MANUEL CUNHA E SÁ<br />

ANA CATARINO<br />

Departamentos de neurologia, de medicina interna e intensiva, de oftalmologia, de neurocirurgia<br />

e de anatomia patológica, centro de imagiologia (unidade de neurorradiologia)<br />

The authors report the clinical case<br />

of a female patient with a fungal<br />

meningoencephalitis, extensively evaluated<br />

through a multidisciplinary approach. Only<br />

a brain biopsy allowed the final diagnosis,<br />

enhancing the fact that in cases of complex<br />

etiology an early surgical biopsy can be<br />

extremely valuable.<br />

47


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

O síndrome de meningoencefalite sub-<br />

-aguda, recorrente ou crónica, é de difícil<br />

abordagem diagnóstica, pois em termos<br />

etiológicos pode corresponder a situações<br />

tão distintas como infecções (virais, bacterianas,<br />

parasitárias ou fúngicas), doenças<br />

granulomatosas, doenças imunológicas,<br />

doenças neoplásicas ou exposição a fármacos<br />

ou tóxicos. 1,2 O diagnóstico diferencial<br />

inclui ainda as doenças inflamatórias e/ou<br />

desmielinizantes do sistema nervoso central,<br />

tais como a esclerose múltipla, a encefalomielite<br />

aguda disseminada e as encefalites<br />

paraneoplásicas.<br />

Muitas vezes, o contexto epidemiológico -<br />

em particular a existência de imunosupressão<br />

- e as manifestações da doença fora do<br />

sistema nervoso são a chave para o diagnóstico.<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Mulher caucasiana de 33 anos de idade,<br />

auxiliar de veterinária, com asma juvenil<br />

não necessitando de terapêutica de manutenção.<br />

Antecedentes de uma única gravidez<br />

prévia não complicada, 3 anos antes do<br />

internamento actual.<br />

A doença actual inicia-se em Dezembro de<br />

2008, com quadro febril de 48 horas de duração,<br />

com rinorreia e odinofagia, que remitiu<br />

espontaneamente mantendo desde então<br />

queixas de fadiga e anorexia. Nega queixas<br />

gastrointestinais, picadas de insectos ou<br />

lesões cutâneas exantematosas. No final do<br />

mês tem queixas de cefaleias de início insidioso,<br />

generalizadas, sobretudo matinais,<br />

A investigação destes síndromes é sempre<br />

exaustiva e complexa, muito embora pouco<br />

rentável em termos diagnósticos. Com efeito,<br />

menos de 5% dos exames complementares<br />

efectuados encontram-se alterados. 1<br />

O curso indolente ou de surto/remissão de<br />

algumas destas patologias é responsável por<br />

atrasos de diagnóstico e pelas dificuldades<br />

frequentemente encontradas na abordagem<br />

destes doentes, que muito frequentemente<br />

são tratados empiricamente, o que contribui<br />

para a elevada morbilidade destas patologias.<br />

Cerca de um terço dos doentes com<br />

meningite crónica nunca obtém um diagnóstico.<br />

2<br />

Descreve-se um caso com uma etiologia<br />

rara, cujo diagnóstico apenas foi possível<br />

pela realização de uma biópsia cerebral,<br />

ilustrando que uma atitude interventiva<br />

pode ser um auxílio precioso na terapêutica<br />

adequada destes doentes.<br />

acompanhadas de lentificação psicomotora<br />

e dificuldade progressiva na concentração e<br />

na realização das tarefas diárias. O marido<br />

descreve um episódio autolimitado com segundos<br />

de duração durante a condução, de<br />

ausência de contacto, terminado após estimulação<br />

verbal.<br />

O quadro apresentou agravamento progressivo,<br />

com instalação de vómitos matinais<br />

frequentes, episódios de desorientação, incontinência<br />

urinária e desequilíbrio na marcha<br />

mantendo marcada lentificação psicomotora<br />

e ficando incapaz de realizar as suas<br />

tarefas habituais e de trabalhar, pelo que em<br />

Janeiro de 2009 recorre ao Atendimento


Médico Permanente do Hospital da Luz e<br />

fica hospitalizada durante duas semanas.<br />

Na observação inicial apresentava-se desorientada<br />

no tempo e espaço com marcada<br />

lentificação psicomotora, elevada distractabilidade,<br />

discurso muito pobre mas sem<br />

afasia, reflexo de preensão forçada e marcha<br />

apráxica, com base alargada, sem outras<br />

alterações do exame neurológico, nomeadamente<br />

sem sinais meníngeos ou estase papilar<br />

na fundoscopia.<br />

Realizou tomografia computorizada crânioencefálica<br />

(TC CE) que foi normal. Posteriormente<br />

realizou ressonância magnética<br />

crânio-encefálica (RM CE) que identificou<br />

múltiplas lesões intra-axiais supra e infratentoriais,<br />

predominantemente distribuídas<br />

na substância branca hemisférica cerebral<br />

mas interessando os tálamos, os núcleos lenticulares<br />

e as regiões capsulares e coronas<br />

radiatas, com acentuado envolvimento do<br />

corpo caloso. Algumas destas lesões tinham<br />

restrição na difusão e, após a administração<br />

de gadolínio, algumas exibiam discreto reforço<br />

de sinal punctiforme e anelar não sendo<br />

evidentes reforços anómalos ependimários,<br />

nem dos nervos cranianos. Era evidente<br />

o reforço de sinal predominantemente lepto-meníngeo<br />

infra-tentorial nos sulcos cerebelosos,<br />

bem como a nível supra-tentorial<br />

em que existia reforço de sinal mais ligeiro<br />

multi-focal, a nível lepto-meníngeo da convexidade<br />

e nos espaços peri-vasculares de<br />

Virchow-Robin das regiões núcleo-capsulares<br />

(Fig. 1).<br />

Analiticamente não apresentava alterações<br />

do hemograma, função renal, função hepática<br />

e ionograma, coagulação, complemento,<br />

imunoeletroforese, beta-2-microglobulina,<br />

velocidade de sedimentação, proteína C reac-<br />

tiva, cálcio sérico, cálcio urinário, enzima<br />

MENINGOENCEFALITE FÚNGICA. UM CASO RARO<br />

Fig.1 Ressonância magnética encefálica.<br />

A. Sagital T1 SE. Múltiplas lesões no corpo<br />

caloso.<br />

B. Axial T2 TSE. Lesões infra-tentoriais no pavimento<br />

do IV ventrículo, pedúnculos cerebelosos,<br />

centros medulares e protuberância.<br />

C e D. Axiais T2 DF. Múltiplas lesões supra<br />

tentoriais na substância branca, núcleos da base<br />

e tálamos.<br />

E. Mapa ADC (E1). Imagem de difusão (E2).<br />

Restrição à difusão em algumas lesões.<br />

de conversão da angiotensina (ECA),<br />

lisozima, adenosina desaminase (A<strong>DA</strong>), serologias<br />

de HIV-1 e HIV-2, hepatite B e C,<br />

HSV (vírus Herpes simplex) 1 e 2, CMV<br />

(citomegalovirus) e EBV (vírus Epstein-<br />

Barr). Efectuou estudo da auto-imunidade<br />

que foi negativo, incluindo anticorpos anti-<br />

-nucleares (ANA), anti-DNA, anti–SSA (síndrome<br />

de Sjögren A) e anti-SSB (síndrome<br />

de Sjögren B), anti-Sm, anti-RNP, teste RA,<br />

Waaler Rose, anti-fosfolipidos, anti-cardiolipina<br />

e anti-anticoagulante lúpico.<br />

A análise do líquido céfalo-raquidiano<br />

(LCR) identificou um aumento do conteúdo<br />

proteico de 85 mg/dL, sem outras alterações<br />

do exame citoquímico nem da citologia,<br />

sendo o exame cultural para aeróbios,<br />

anaeróbios e fungos negativo. O LCR não<br />

apresentava bandas oligoclonais.<br />

49


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Efectuou estudo sistémico com TC tóracoabdomino-pélvica<br />

que não identificou alterações.<br />

A observação oftalmológica não identificou<br />

alterações do segmento anterior de ambos<br />

os olhos, mas no olho esquerdo estava presente<br />

segmentação da coluna sanguínea do<br />

ramo temporal inferior da artéria central da<br />

retina, com palidez da retina, um foco isolado<br />

de hemorragia superficial e manchas<br />

algodonosas ao longo da arcada temporal<br />

inferior (Fig. 2A). A angiografia fluoresceínica<br />

da retina mostrou existir um atraso de<br />

preenchimento arterial, múltiplos êmbolos<br />

na arcada temporal inferior, com paragem<br />

da circulação do contraste e áreas localizadas<br />

de isquemia da retina (Fig. 2B).<br />

Fig. 2A e B Oclusão do ramo arterial retiniano<br />

Realizou audiograma que não identificou<br />

alterações.<br />

A doente iniciou terapêutica empírica com<br />

ceftriaxone 2 g/dia e metilprednisolona 1 g/<br />

dia durante 5 dias, com melhoria substancial<br />

da marcha, da incontinência urinária<br />

e da cognição, embora à data da alta apresentasse<br />

ainda lentificação psicomotora e<br />

dificuldade nas tarefas complexas. Cerca de<br />

uma semana após o término desta terapêutica,<br />

reiniciou quadro de declínio cognitivo<br />

e motor idêntico ao inicial.<br />

As serologias séricas para papeira, parvovirus<br />

B19, echovirus, Legionella, sífilis,<br />

Rickettsia conorii, Rickettsia typhi e<br />

Toxocara cannis e as serologias no LCR<br />

para toxoplasmose, síflis, brucelose e<br />

Cryptococcus, assim como o exame cultural<br />

e a PCR (polimerase chain reaction) do DNA<br />

do Mycobacterium tuberculosis e PCR de<br />

HIV e Borrelia burgdoferi foram todas negativas,<br />

ou sem evidência de infecção recente.<br />

Exceptuou-se uma serologia IgM positiva<br />

para Rickettsia conorri (com IgG negativa),<br />

pelo que a doente realizou terapêutica com<br />

doxiciclina, 200 mg/dia durante 10 dias. Perante<br />

a ausência de qualquer melhoria, foi<br />

reintroduzida corticoterapia (prednisolona<br />

oral 1 mg/kg/dia), com benefício moderado.<br />

A repetição desta serologia confirmou a ausência<br />

de IgM e IgG, tendo-se tratado provavelmente<br />

de um resultado falso positivo.<br />

A doente foi re-internada para reavaliação,<br />

tendo efectuado novas punções lombares (6<br />

no total) que apenas identificaram um aumento<br />

progressivo do conteúdo proteico do<br />

LCR que atingiu 232 mg/dL, sem qualquer<br />

outra alteração. Repetiu avaliação imagiológica<br />

do cérebro e medula por RM que<br />

identificou aumento do número das lesões,<br />

coexistindo também redução das dimensões<br />

de algumas das lesões já documentadas previamente,<br />

nomeadamente cerebelosas e mesencefálicas.<br />

Nas imagens de difusão existiam<br />

novos hipersinais e o reforço meníngeo<br />

de sinal após gadolínio era menos intenso,<br />

nomeadamente ao nível da fossa posterior.<br />

Não existia alteração de sinal medular.<br />

Realizou ainda angiografia cerebral (Fig. 3)<br />

que identificou apenas tortuosidade da artéria<br />

pericalosa sem imagens sugestivas de<br />

meningite. Dado o agravamento do quadro<br />

sem hipótese etiológica foi proposta biópsia<br />

das lesões localizadas no corpo caloso, que<br />

foi efectuada cirurgicamente.


O exame anatomo-patológico da biópsia<br />

(Fig. 4) revelou inclusões sugestivas da presença<br />

de um fungo dimorfo no parênquima<br />

cerebral.<br />

Fig. 3. Angiografia de subtracção digital. Injecção<br />

da ACI direita. Irregularidade com redução<br />

difusa do calibre do segmento distal da artéria<br />

pericalosa.<br />

Perante esta informação e apesar de não<br />

ter sido possível identificar morfológica ou<br />

culturalmente o fungo em questão, a doente<br />

suspendeu corticoterapia oral e iniciou terapêutica<br />

endovenosa com anfotericina B, 1<br />

mg/kg/dia até à dose total de 8 g, com recuperação<br />

clínica e imagiológica progressiva<br />

diSCuSSão<br />

No caso apresentado a doente era jovem,<br />

imunocompetente e apresentava como factor<br />

de risco a sua profissão, auxiliar numa<br />

clínica veterinária, embora não existisse<br />

qualquer evidência de mordidas de animais<br />

ou insectos vectores.<br />

MENINGOENCEFALITE FÚNGICA. UM CASO RARO<br />

e completa. Para evitar recorrência efectuou<br />

ainda terapêutica de manutenção com fluconazol<br />

oral, 400 mg/dia durante 6 semanas. A<br />

reavaliação aos 6 meses após a alta não reve-<br />

lou alterações clínicas, tendo a doente retomado<br />

completamente as suas actividades<br />

pessoais e profissionais habituais.<br />

Fig. 4 Biópsia do corpo caloso. Estruturas arredondadas<br />

podendo corresponder a corporae<br />

amylacea ou a microrganismos do grupo dos<br />

fungos<br />

A. Hematoxilina-eosina, X400<br />

B. Coloração pela prata, X200<br />

O quadro clínico que apresentou iniciou-se<br />

com uma breve infecção das vias respiratórias,<br />

sugerindo que esta pudesse ter sido<br />

a porta de entrada de um agente infeccioso<br />

ou uma manifestação de uma doença sistémica,<br />

como a sarcoidose ou a tuberculose.<br />

51


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Instalou-se posteriormente um quadro de<br />

cefaleias com características de hipertensão<br />

intracraniana, sem meningismo e manifestações<br />

sugestivas de envolvimento parasagital<br />

do lobo frontal, com apraxia da marcha,<br />

diminuição da iniciativa motora e verbal e<br />

alteração dos esfícteres. 3 A avaliação imagiológica<br />

confirmou o envolvimento parenquimatoso<br />

plurifocal mas sobretudo a nível<br />

da susbtância branca e do corpo caloso,<br />

com lesões com características citotóxicas/<br />

isquémicas e inflamatórias. A imagem identificou<br />

também captação meníngea plurifocal,<br />

apesar de não existir pleocitose do LCR,<br />

mas apenas aumento do conteúdo proteico,<br />

sugerindo aumento da permeabilidade da<br />

barreira hemato-encefálica.<br />

Esta constelação de sintomas e imagens<br />

sugere primariamente a possibilidade de<br />

meningoencefalite infecciosa (p. ex. doença<br />

de Lyme e rickettsiose), doença granunomatosa<br />

(tuberculose ou sarcoidose), vasculite<br />

ou, considerando a distribuição de algumas<br />

das lesões supra-tentoriais, nomeadamente<br />

o envolvimento multi-focal do corpo caloso,<br />

a síndrome de Susac, 4 que se caracteriza<br />

pela tríade de encefalopatia, oclusões de ramos<br />

arteriais da retina e surdez que cursam<br />

de forma independente, indolente e auto-<br />

limitada, com curso variável e etiologia<br />

desconhecida. A presença de enfartes retinianos<br />

na doente descrita parecia indicar esta<br />

hipótese. Deve ainda ser considerada a possibilidade<br />

de encefalomielite aguda disseminada<br />

(ADEM) e de esclerose múltipla.<br />

A extensa avaliação complementar efectuada<br />

foi globalmente negativa para doença<br />

sistémica. A necessidade de intervenção justificou-se<br />

pelo agravamento clínico progressivo<br />

apesar da terapêutica empírica.<br />

Apesar de tecnicamente difícil, a decisão so-<br />

bre o local de realização da biópsia 2 veio a<br />

revelar-se fundamental, por ter garantido a<br />

possibilidade de diagnóstico ao analisar um<br />

local envolvido que mantinha um aspecto<br />

macroscópico normal. A imagem é de extrema<br />

utilidade para orientar a decisão do<br />

local da biópsia que deverá, sempre que possível,<br />

ser realizada no local mais afectado.<br />

Saliente-se no entanto que a rentabilidade<br />

da biópsia cerebral nos casos de vasculite ou<br />

meningite crónica isolada é em geral baixa,<br />

com valores de 30 a 40%. 5,6<br />

A identificação de um microrganismo com o<br />

aspecto morfológico de um fungo dimorfo<br />

permitiu a introdução de terapêutica dirigida<br />

com anfotericina B e a resolução clínica<br />

e imagiológica do caso, muito embora ainda<br />

não tenha sido possível a identificação da espécie<br />

de fungo em questão. De salientar que<br />

foram efectuadas 6 colheitas de LCR com<br />

culturas de fungos, que foram negativas.<br />

As infecções fúngicas do sistema nervoso<br />

central são raras e muito mais frequentes<br />

em contexto de imunosupressão, o que não<br />

era o caso desta doente. 7 A maioria dos<br />

fungos entra no organismo humano por<br />

inalação dos esporos, causando infecções<br />

respiratórias breves, rapidamente terminadas<br />

pelo sistema imunitário do hospedeiro.<br />

A infecção meningoencefálica é, neste contexto,<br />

secundária a fungemias. No sistema<br />

nervoso podem então produzir-se 3 tipos<br />

de síndromes: meningite, meningoencefalite<br />

e abcesso, sendo que alguns fungos invadem<br />

os vasos provocando hemorragias ou<br />

tromboses venosas. 7 Os indivíduos imunocompetentes<br />

podem contrair infecções<br />

a Cryptococcus neoformans, Coccidioides<br />

imitis, Histoplasma capsulatum e Blastomyces<br />

dermatidis, muito embora a ocorrência<br />

da maioria destes agentes seja rara ou mesmo<br />

não descrita em Portugal.


Com excepção do Cryptococcus neoformans<br />

a rentabilidade das culturas de LCR<br />

para a identificação de fungos é inferior a<br />

50%, 7 sendo que alguns agentes são difíceis<br />

de cultivar mesmo em amostras de tecido<br />

cerebral. Considerando que os testes serológicos<br />

para estes fungos (com excepção<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Coyle PK. Overview of acute and chronic meningitis. Neurol Clin<br />

1999;17:691-710.<br />

2. Helbok R, Broessner G, Pfausler B, Schmutzhard E. Chronic<br />

meningitis. J Neurol 2009;256:168-75.<br />

3. Ferro J, Pinto F. Semiologia Neurológica. Lisboa: Lidel, 2004.<br />

4. Saenz R, Quan AW, Magalhaes A, Kish K. MRI of Susac’s<br />

syndrome. Am J Roentgenol 2005;184:1688-90.<br />

MENINGOENCEFALITE FÚNGICA. UM CASO RARO<br />

novamente do Cryptococcus neoformans)<br />

só se efectuam em centros de referência, a<br />

identificação do agente envolvido pode ser<br />

extremamente difícil, 7 embora possa ser<br />

possível apenas pela análise morfológica na<br />

amostra histológica.<br />

5. Alrawi A, Trobe JD, Blaivas M, Musch DC. Brain biopsy<br />

in primary angiitis of the central nervous system. Neurology<br />

1999;53(4):858-60.<br />

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7. Davis LE. Fungal infections of the central nervous system. Neurol<br />

Clin 1999;17:761-81.<br />

53


uRTiCÁRia PoR exPoSição ao FRio.<br />

uma doeNça aiNda deSCoNHeCida<br />

Cold-induced urticaria. a still unknown<br />

disease<br />

ReSumo Abstract<br />

A urticária por exposição ao frio é uma<br />

patologia rara e que não é reconhecida<br />

pela maioria dos clínicos. Geralmente o seu<br />

diagnóstico é tardio e o tratamento muitas<br />

vezes desadequado. Apresenta-se um caso<br />

clínico de urticária por exposição ao frio<br />

numa doente de 55 anos de idade, com manifestações<br />

generalizadas após o contacto com<br />

frio, ao longo de 12 anos. Durante esse período<br />

de tempo não foi feito um diagnóstico<br />

adequado nem um tratamento que lhe permitisse<br />

ter uma vida normal. Este caso destaca-se<br />

pela sua longa duração, pela deterioração<br />

da qualidade de vida que causou e pela<br />

ausência de diagnóstico e de tratamento correctos.<br />

TERESA VAU<br />

PAULA LEIRIA PINTO<br />

SARA PRATES<br />

J. ROSADO PINTO<br />

Departamento de imunoalergologia<br />

Cold-induced urticaria is a rare disease that<br />

most clinicians do not recognize. The diagnosis<br />

is usually delayed and treatment is often<br />

inappropriate. The authors report a clinical<br />

case of cold-induced urticaria in a female<br />

patient, with generalized manifestations after<br />

exposure to cold, lasting for 12 years. During<br />

that period of time there was no correct<br />

diagnosis neither an appropriate treatment,<br />

allowing a normal life. This case stands out<br />

for its long duration, poor quality of life and<br />

lack of diagnosis and correct treatment.<br />

55


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A urticária induzida pelo frio pertence ao<br />

grupo das urticárias físicas, em que é necessária<br />

a exposição a um estímulo físico<br />

para que as manifestações se desenvolvam.<br />

Nesta situação específica é a presença do<br />

frio que determina o início dos sintomas. 1<br />

É uma entidade clínica rara que se manifesta<br />

em adultos e crianças, 1 com um pico<br />

de incidência entre os 20 e 30 anos de<br />

idade. 2 Na maioria dos casos as manifesta-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino de 55 anos de<br />

idade, recorreu à consulta de Imunoalergologia<br />

do Hospital da Luz, devido a um<br />

quadro clínico com duração de 12 anos e<br />

com agravamento significativo nos últimos<br />

dois anos. As queixas já tinham sido referidas<br />

em várias consultas anteriores, ao longo<br />

dos anos de ocorrência do problema, sem<br />

que tivesse sido proposta qualquer orientação<br />

ou terapêutica.<br />

De acordo com a descrição feita pela doente,<br />

perante uma exposição ao frio surgiam sempre<br />

máculas e pápulas pruriginosas, generalizadas,<br />

edema das mãos, dos pavilhões<br />

auriculares e da pirâmide nasal. Estes sintomas<br />

eram por vezes acompanhados por tonturas,<br />

sem outros sintomas nomeadamente<br />

respiratórios ou gastrointestinais. A intensidade<br />

das manifestações era significativa,<br />

a ponto de condicionar a actividade diária<br />

da doente. Durante o inverno era obrigada<br />

a usar várias peças de vestuário sobrepostas<br />

e nos dias mais frios não podia sair de<br />

casa pois mesmo protegida com peças de<br />

vestuário em excesso surgiam sintomas,<br />

principalmente nas zonas mais expostas ao<br />

frio. A doente via-se privada de uma vida<br />

ções são apenas cutâneas, limitadas ao local<br />

de contacto com o frio ou generalizadas. 1<br />

Habitualmente é uma patologia adquirida<br />

e idiopática. Num menor número de casos<br />

ocorre por transmissão autossómica dominante.<br />

3 O diagnóstico é clínico e apoiado no<br />

teste de estimulação com frio (cubo de gelo),<br />

que consiste na aplicação do estímulo físico<br />

(frio) na face anterior do antebraço. 4<br />

social normal por se sentir incomodada com<br />

o aparecimento súbito de angioedema na<br />

face. Outras actividades diárias, como tomar<br />

banho ou lavar as mãos com água fria,<br />

causavam sintomas exuberantes, pelo que<br />

eram praticadas sempre com muito desconforto.<br />

Nos antecedentes pessoais havia a referir<br />

valvulopatia mitral após febre reumática<br />

na juventude e dislipidemia. Há três anos,<br />

a doente tinha sido submetida a cirurgia<br />

cardíaca para colocação de prótese. Fazia<br />

medicação diária com varfarina, amiodarona,<br />

sinvastatina, lorazepam e bromazepam.<br />

No exame objectivo não se registou nenhuma<br />

alteração, a pele não apresentava<br />

urticária nem angioedema. Fez o teste de<br />

estimulação com frio (cubo de gelo) que foi<br />

positivo após a aplicação durante 5 minutos<br />

(Fig.1).<br />

A doente foi medicada com levocetirizina,<br />

10 mg diariamente. Após duas semanas de<br />

tratamento apresentava melhoria significativa<br />

das suas queixas, manifestando apenas<br />

urticária ligeira após o banho. Foram reali


zados exames laboratoriais para avaliação<br />

geral e para exclusão de patologia primária.<br />

Os valores do hemograma e bioquímica<br />

(função hepática e renal) situavam-se dentro<br />

dos limites normais (Quadro I).<br />

Passados 4 meses a doente regressou à consulta.<br />

Não apresentava queixas de novo<br />

nem agravamento das já referidas. Conseguia<br />

fazer a sua vida normal, saía à rua a<br />

qualquer hora do dia sem se manifestarem<br />

sintomas e usando vestuário adequado à<br />

época. À terapêutica já instituída associou-<br />

-se hidroxizina, 25 mg, à noite, sempre que<br />

se verificasse agravamento.<br />

Quadro I - Valores laboratoriais<br />

PARÂMETRO<br />

Endocrinologia<br />

T3 livre (3,50 – 6,50 pmol/L)<br />

T4 livre (11,5 – 22,7 pmol/L)<br />

Imunologia<br />

Crioaglutininas<br />

Crioglobulinas<br />

Fracção C3 do complemento (79 – 152 mg/dL)<br />

Fracção C4 do complemento (16 – 38 mg/dL)<br />

Alergologia geral<br />

ige total (


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Com efeito, mergulhar abruptamente na<br />

água do mar pode desencadear a libertação<br />

de uma grande quantidade de mediadores<br />

dos mastócitos e levar ao desenvolvimento<br />

de um quadro sistémico grave, pelo que deve<br />

ser desaconselhado. De acordo com a gravidade<br />

das manifestações clínicas, a urticária<br />

por exposição ao frio é classificada em três<br />

tipos conforme apresentado no Quadro II. 4<br />

Quadro II - Classificação da urticária por exposição<br />

ao frio<br />

TIPO<br />

I<br />

II<br />

III<br />

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS<br />

urticária e/ou angioedema localizados<br />

urticária e/ou angioedema<br />

generalizados, sem hipotensão<br />

urticária e/ou angioedema<br />

generalizados, associados a<br />

hipotensão (choque)<br />

Habitualmente a urticária por exposição ao<br />

frio é uma patologia adquirida, podendo no<br />

entanto, em poucos casos, ter uma transmissão<br />

genética autossómica dominante. As<br />

formas adquiridas são na sua grande maioria<br />

idiopáticas. No entanto, é conhecida a<br />

associação a algumas patologias, como a<br />

crioglobulinemia, a doença de aglutininas a<br />

frio, o hipotiroidismo, infecções e vasculite<br />

leucocitoclástica. 1,2,4,5 A etiopatogénese está<br />

ainda mal esclarecida. Alguns autores referem<br />

a presença de factores plasmáticos que<br />

podem induzir a desgranulação dos mastócitos<br />

na presença do frio, mas que ainda<br />

não estão convenientemente caracterizados.<br />

Foram identificados anticorpos IgG, IgM<br />

e IgE, indiciando um possível mecanismo<br />

imunológico. 4<br />

O diagnóstico baseia-se na história clínica<br />

e na realização do teste do cubo de gelo.<br />

Este teste consiste na aplicação de um cubo<br />

de gelo na face anterior do antebraço, por<br />

um período até 10 a 20 minutos. A leitura<br />

é efectuada 5 minutos depois do cubo de<br />

gelo ser retirado e o teste é considerado<br />

positivo quando se forma no local uma pápula<br />

urticariforme. O resultado positivo é<br />

ainda associado ao tempo de estimulação<br />

mínimo necessário para induzir a resposta.<br />

O limiar de estimulação de 3 minutos para<br />

desencadear uma resposta positiva é um<br />

marcador de risco para reacção sistémica,<br />

devendo o doente ser alertado para as medidas<br />

de evicção e, eventualmente, passar a ser<br />

portador de um kit de adrenalina. 1,4<br />

O tratamento baseia-se na administração<br />

de anti-histamicos bloqueadores dos receptores<br />

H1. 1 Recentemente têm sido descritos<br />

alguns casos mais graves tratados com anticorpo<br />

monoclonal anti-IgE (omalizumab),<br />

com bons resultados. 1,7 Em casos extremos<br />

pode ser feita dessensibilização ao frio, que<br />

consiste na imersão de porções sucessivamente<br />

maiores do corpo. Existe no entanto<br />

o risco de ser desencadeada uma reacção<br />

sistémica.<br />

O caso clínico descrito destaca-se pelo<br />

tempo de duração do quadro clínico, pela<br />

intensidade dos sintomas e pela repercussão<br />

negativa na qualidade de vida que condicionou.<br />

O seu diagnóstico não foi complicado<br />

nem requereu meios auxiliares excepcionais.<br />

Por outro lado, com um tratamento simples,<br />

esta senhora conseguiu agora retomar uma<br />

vida normal, da qual estava privada há 12<br />

anos.


BiBLioGRaFia<br />

1. Kaplan AP. Urticaria and angioedema. In: Adkinson NF, Busse<br />

WW, Bochner BS, Holgate ST, Simons ER, Lemanske RF, eds.<br />

Middleton’s Allergy: Principles and Practice. Philadelphia: Mosby<br />

Elsevier, 2008;1063-81.<br />

2. Claudy A. Cold Urticária. JID Symposium Proceedings<br />

2001;6:141-2.<br />

3. Zip CM, Ross JB, Greaves MW, Scriver CR, Mitchell JJ, Zoar S.<br />

Familial cold urticaria. Clin Exp Dermatol 1993;18:338-41.<br />

4. Wnderer AA. Cold urticaria syndromes: historical background,<br />

diagnotic classification, clinical and laboratory characteristics,<br />

pathogenesis and management. J Allergy Clin Immunol<br />

1990;85:965-84.<br />

URTICÁRIA POR EXPOSIÇÃO AO FRIO. UMA DOENÇA AIN<strong>DA</strong> DESCONHECI<strong>DA</strong><br />

5. Ferre M. Epidemiology, healthcare, resources, use and clinical<br />

features of different types of urticaria. Allergológica 2005. J Invest.<br />

Allergol Immunol 2009;19:21-6.<br />

6. Amano H, Furuhata N, Tamura N, Tokano Y, Takasaki<br />

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arthropathy and valvular disease: case report and review of<br />

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7. Boyce JA. Successful treatment of cold-induced urticária/<br />

anaphylaxis with anti-IgE. J Allergy Clin Immunol 2006;117:1415-18.<br />

59


um CaSo de PRePaRação PRÉ-CiRÚR-<br />

GiCa RÁPida Com ÁCido ioPaNÓiCo<br />

em doeNTe Com TiRoToxiCoSe GRaVe<br />

Quick preoperative protocol with iopanoic<br />

acid in a patient with severe thyrotoxicosis.<br />

Case report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores descrevem um caso clínico de<br />

tirotoxicose grave por doença de Graves resistente<br />

à terapêutica com antitiroideus, em<br />

que foi necessário efectuar tiroidectomia total.<br />

Trata-se de uma situação potencialmente<br />

grave, pelo risco elevado de desenvolvimento<br />

de crise tireotóxica, caracterizada por uma<br />

mortalidade elevada. A preparação pré-cirúrgica<br />

é fundamental para o sucesso do procedimento,<br />

reduzindo a morbilidade pré e<br />

peri-operatória. É apresentado o protocolo<br />

utilizado, que inclui ácido iopanóico, dexame-<br />

tasona, propranolol e propiltiouracilo. Discutem-se<br />

as vantagens da utilização de ácido<br />

iopanóico em relação ao soluto de Lugol, habitualmente<br />

utilizado.<br />

FRANCISCO SOBRAL DO ROSÁRIO<br />

ISABEL ESPERANÇA<br />

SÉRGIO BAPTISTA<br />

OLÍMPIA CID<br />

MATILDE RAPOSO<br />

ANTÓNIO GARRÃO<br />

Departamentos de Endocrinologia, de medicina interna<br />

e intensiva, de cirurgia geral e de anestesiologia<br />

The authors report the clinical case of a 49year<br />

old female with severe thyrotoxicosis<br />

due to Graves Disease. Prior antithyroid drug<br />

therapy was unsuccessful and the patient was<br />

submitted to a total thyroidectomy to prevent a<br />

thyrotoxic crisis, a clinical situation generally<br />

with a poor prognosis. A successful preoperative<br />

preparation is essential to reduce morbility<br />

before and during the surgical procedure.<br />

A quick preoperative preparation protocol<br />

with iopanoic acid, dexametasone, propranolol<br />

and propylthiouracil was used. The advantages<br />

of iopanoic acid vs. other saturated solutions<br />

of potassium iodide, like Lugol solution,<br />

traditionally used, are discussed.<br />

61


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A tiroidectomia total é a única opção segura<br />

na resolução de situações de tirotoxicose<br />

grave resistente à terapêutica com antitiroideus.<br />

1 É necessário efectuar uma preparação<br />

pré-cirúrgica que estabeleça o estado de eutiroidismo<br />

e reduza o risco de hemorragia<br />

intra-operatória. Habitualmente esta preparação<br />

é realizada com soluto de Lugol e antitiroideus.<br />

1 No entanto, nem sempre o método<br />

clássico permite, de uma forma rápida<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente de sexo feminino, de 49 anos de<br />

idade, observada pela primeira vez em consulta<br />

de Endocrinologia por solicitar uma<br />

opinião sobre as várias opções terapêuticas<br />

possíveis para a sua situação clínica. Apresentava<br />

hipertiroidismo arrastado no contexto<br />

de doença de Graves, estando medicada<br />

com antitiroideus há cerca de 4 anos.<br />

Observada no passado por vários especialistas,<br />

encontrava-se na altura medicada com<br />

propiltiouracilo, 200 mg/dia em três tomas<br />

diárias. Os valores analíticos revelavam TSH-<br />


T4L (pmol/L)<br />

PREPARAÇÃO PRÉ-CIRÚRGICA RÁPI<strong>DA</strong> COM ÁCIDO IOPANÓICO EM DOENTE COM TIROTOXICOSE GRAVE<br />

meses por ausência de sintomatologia, não<br />

voltando a retomá-la. Duas semanas antes<br />

de recorrer ao Atendimento Médico Permanente<br />

tinha efectuado análises de função<br />

tiroideia que revelavam já hipertiroi-<br />

dismo franco (TSH -


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

diSCuSSão<br />

O hipertiroidismo é uma situação frequente,<br />

afectando cerca de 2% das mulheres e 0,2%<br />

dos homens. A causa mais comum na faixa<br />

etária da doente do caso descrito é a doença<br />

de Graves, de etiologia autoimune. 3<br />

A terapêutica de primeira linha passa pela<br />

utilização de antitiroideus de síntese (como<br />

o propiltiouracilo ou o metibasol), isolados<br />

ou em associação com levotiroxina (“terapêutica<br />

mista”). 4 A tiroidectomia, que durante<br />

muitos anos foi a única opção terapêutica,<br />

reserva-se actualmente para um leque<br />

de situações muito limitado que inclui bócio<br />

de grandes dimensões, doença resistente<br />

à terapêutica com antitiroideus ou com<br />

Iodo-131, exoftalmia importante que contra-indique<br />

a utilização de Iodo-131, imi-<br />

nência de crise tireotóxica. 1<br />

No caso em análise foi considerado que exis-<br />

tia resistência à terapêutica com antitiroideus.<br />

De facto, apesar da terapêutica, sete<br />

dias após a alta do primeiro internamento<br />

assistiu-se ao agravamento clínico e laboratorial.<br />

Também a contaminação iodada<br />

que ocorreu constitui um factor que reduz<br />

a eficácia dos antitiroideus de síntese. 4<br />

Existia também um risco considerável de<br />

ocorrer uma crise tireotóxica, para a qual<br />

contribuíam a resistência aos antiroideus e<br />

o estado de extrema ansiedade vivenciado<br />

pela paciente. 5 A crise tireotóxica é uma<br />

situação grave, com uma mortalidade elevada.<br />

5<br />

A terapêutica com Iodo-131, preferível<br />

numa primeira abordagem (com função<br />

tiroideia pouco alterada), encontrava-se<br />

totalmente contra-indicada em plena crise.<br />

Por um lado, seria pouco eficaz devido à<br />

contaminação iodada; por outro, pode-<br />

ria agravar ainda mais o estado de hipertiroidismo<br />

(por destruição de parênquima<br />

tiroideu e libertação para a circulação de<br />

grandes quantidades de hormona tiroideia),<br />

com consequências catastróficas.<br />

A utilização de iodo inorgânico, tal como o<br />

soluto de Lugol ou o ácido iopanóico, é fundamental<br />

para a preparação pré-cirúrgica<br />

no contexto de doença de Graves. Inibe a<br />

formação e libertação de hormona tiroideia;<br />

também, ao concentrar-se no parênquima<br />

tiroideu, contribui para reduzir a vascularização<br />

da glândula e, como resultado, diminui<br />

o volume da hemorragia intra-operatória.<br />

1 No entanto, esta preparação não se<br />

deve arrastar no tempo dado que se verifica<br />

uma diminuição da eficácia terapêutica, com<br />

agravamento consequente de hipertiroidismo,<br />

sem controlo possível com antitiroideus<br />

(devido à resistência a estes compostos<br />

condicionada pela contaminação iodada). 1<br />

Por esta razão, ao iniciar terapêutica com<br />

qualquer formulação de iodo inorgânico<br />

é fundamental a programação prévia de<br />

tiroidectomia para uma data próxima. 1<br />

A utilização de ácido iopanóico tem várias<br />

vantagens em relação ao soluto de Lugol.<br />

Na sua composição o iodo encontra-se em<br />

maior quantidade, o que lhe confere maior<br />

potência, além do papel periférico, através<br />

da inibição da conversão de T4 em T3 (o<br />

que atenua a actividade tecidular da hormona<br />

tiroideia). No entanto, o ácido iopanóico<br />

raramente é utilizado pois é difícil de encontrar<br />

no mercado. Apenas está comercializado<br />

com a indicação de agente de contraste<br />

em colecistografias, um exame caído em desuso.<br />

Por esta razão, opta-se geralmente pela<br />

utilização de soluto de Lugol.


No caso presente optou-se pelo uso de propiltiouracilo<br />

e não de metimazol. Em situações<br />

de tirotoxicose, o propiltiouracilo tem<br />

uma acção periférica na redução de conversão<br />

de T4 em T3, inexistente no metimazol.<br />

Pelo contrário, numa primeira fase, de<br />

hipertiroidismo menos intenso, preferiu-se o<br />

uso de metimazol devido à maior semivida,<br />

que permite menos tomas diárias (o que<br />

numa situação de menor adesão terapêutica<br />

por parte da doente, como era o caso, pode<br />

representar uma vantagem).<br />

A utilização de propranolol é importante<br />

por reduzir as manifestações adrenérgicas da<br />

tirotoxicose e, de uma forma modesta,<br />

inibir a conversão periférica de T4 em T3.<br />

Este último efeito também é obtido pela<br />

utilização de dexametasona, que reduz a<br />

libertação de hormona tiroideia (através de<br />

BiBLioGRaFia<br />

PREPARAÇÃO PRÉ-CIRÚRGICA RÁPI<strong>DA</strong> COM ÁCIDO IOPANÓICO EM DOENTE COM TIROTOXICOSE GRAVE<br />

1. Patwardhan NA, Moront M, Rao S, Rossi S, Braverman LE.<br />

Surgery still has a role in Graves´ hyperthyroidism. Surgery<br />

1993;114:1108-12.<br />

2. Panzer C, Beazley R, Braverman LE. Rapid preoperative<br />

preparation for severe Graves` disease. J Clin Endocrinol Metab<br />

2004;89(5):2142-44.<br />

3. Franklyn JA. The management of hyperthyroidism. New Engl J<br />

Med 2002;330:1731-38.<br />

um efeito tiroideu directo) e a sua produção<br />

(por atenuação do estímulo imunológico). 2<br />

A utilização de ansiolíticos e de medidas que<br />

visem a redução da ansiedade é tomada no<br />

sentido de evitar o desencadeamento de uma<br />

crise tireotóxica. 5<br />

O protocolo utilizado no caso descrito<br />

revelou-se extremamente eficaz para atingir<br />

de uma forma rápida e segura o estado<br />

de eutiroidismo. 2 Como se pode verificar<br />

pela análise da Fig. 1, após a substituição<br />

do soluto de Lugol por ácido iopanóico a<br />

redução dos níveis de hormona tiroideia em<br />

circulação foi bastante rápida. A utilização<br />

deste composto permite assim antecipar a<br />

cirurgia, reduzir tempo de internamento e<br />

diminuir os riscos inerentes a uma tirotoxicose<br />

grave.<br />

4. Abraham P, Avenell A, Park C, Watson W, Bevan J. A systematic<br />

review of drug therapy for Graves` hyperthyroidism. Eur J<br />

Endocrinology 2005;153:489-98.<br />

5. Burch H, Wartofsky L. Life-threatening thyrotoxicosis.<br />

Endocrinology and Metabolism Clinics of North America<br />

1993;22:263-77.<br />

65


um CaSo CLÍNiCo de TumoR<br />

ViRiLiZaNTe do oVÁRio<br />

Virilizing ovarian tumor. a case report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam o caso clínico de uma<br />

doente de 65 anos de idade, referenciada ao<br />

Departamento de Endocrinologia do Hospital<br />

da Luz por diabetes mellitus tipo 2, mal<br />

controlada, e hirsutismo com quatro anos de<br />

evolução, de agravamento progressivo, associado<br />

a sinais de virilização. A avaliação<br />

laboratorial demonstrou níveis de testoste-<br />

rona muito elevados e de sulfato de deidroepiandrosterona<br />

(DHEA-S) normais. A ecogra-<br />

fia pélvica transvaginal revelou a existência<br />

de um nódulo hipoecogénico na área anexial<br />

esquerda, que histologicamente demonstrou<br />

tratar-se de um tumor de células de Leydig<br />

(hilar). Após a cirurgia verificou-se normali-<br />

zação dos níveis de testosterona, com regressão<br />

do quadro clínico de hiperandrogenismo<br />

e melhoria significativa do controlo<br />

glicémico. A propósito deste caso é discutida<br />

a abordagem diagnóstica do hirsutismo.<br />

António Garrão<br />

Francisco Sobral do Rosário<br />

Noélia Lopez Santos +<br />

Amílcar Aleixoº<br />

Ana Catarino<br />

Duarte Vilarinho<br />

Departamentos de Endocrinologia, de anatomia patológica e de ginecologia-obstetrícia<br />

º médico Especialista em medicina geral e Familiar<br />

The authors report the clinical case of a<br />

65-year old female referred to the Hospital<br />

da Luz Endocrine Outpatient Clinic, due<br />

to poorly controlled type 2 diabetes and<br />

progressive hirsutism, first noticed four years<br />

before. Laboratory evaluation disclosed<br />

high levels of testosterone and normal<br />

levels of dehydroepiandrosterone sulphate.<br />

Transvaginal pelvic ultrasonography disclosed<br />

a hypoechogenic left ovarian nodule<br />

corresponding histologically to a Leydig<br />

(hilus) cell tumor. After surgery, behind the<br />

normalization of testosterone levels, both<br />

clinical features of hyperandrogenism and<br />

glycemic control improved significantly.<br />

Related to this case, diagnostic approach of<br />

hirsutism is discussed.<br />

+<br />

Estudante do 4º ano (2008-2009) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a estagiar no Hospital da Luz no âmbito do<br />

programa BESup<br />

67


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

O excesso de pilosidade corporal na mulher<br />

é uma situação observada frequentemente<br />

em consultas de Endocrinologia. Dependendo<br />

do padrão de distribuição pilosa, podem<br />

ser definidas duas situações com etiopatogenias<br />

distintas: a hipertricose e o hirsutismo.<br />

A hipertricose caracteriza-se pelo aumento<br />

generalizado da pilosidade e tem frequentemente<br />

um carácter hereditário. No entanto,<br />

pode ser também secundária à toma<br />

de fármacos, de que são exemplo os glucocorticóides,<br />

a fenitoína e a ciclosporina, bem<br />

como a algumas situações clínicas, como o<br />

hipotiroidismo, a desnutrição, a anorexia<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 65 anos de<br />

idade, foi referenciada ao Departamento<br />

de Endocrinologia do Hospital da Luz por<br />

diabetes mellitus tipo 2 mal controlada<br />

(glicemias capilares entre os 200 e 250 mg/<br />

dL), com cerca de vinte anos de evolução,<br />

e hirsutismo de agravamento progressivo,<br />

surgido quatro anos antes. Apresentava-se<br />

medicada com metformina (1700 mg/dia),<br />

gliclazida (160 mg/dia), atenolol, clorotalidona,<br />

perindopril e sinvastatina em associação<br />

com ezetimibe. No exame objectivo<br />

havia a salientar rubiose facial importante,<br />

obesidade de predomínio central (IMC 30,8<br />

kg/m 2 ) sem estigmas de síndrome de Cushing,<br />

hirsutismo de predomínio abdominal e facial<br />

(grau 4 de Ferriman-Gallwey), calvice<br />

andróide e aumento da massa muscular.<br />

A avaliação analítica inicial revelou: hemoglobinemia<br />

- 15,6 g/dL, hematócrito - 45%,<br />

glicemia - 237 mg/dL, hemoglobina A1c<br />

- 9,8%, trigliceridemia - 448 mg/dL; LDL<br />

nervosa e algumas neoplasias.<br />

Pelo contrário, no hirsutismo, o aumento do<br />

pêlo terminal tem uma distribuição masculina<br />

e é devido a uma actividade androgénica<br />

excessiva, consequência quer de níveis circulantes<br />

excessivos de testosterona, quer de<br />

uma hipersensibilidade do folículo piloso à<br />

sua acção. O hiperandrogenismo é causado<br />

frequentemente por perturbações funcionais<br />

do ovário ou da glândula supra-renal, tratáveis<br />

medicamente. Existem no entanto casos<br />

em que o hiperandrogenismo é de causa<br />

tumoral, tendo por isso uma abordagem primariamente<br />

cirúrgica.<br />

- 76 mg/dL, testosterona total - 3,1 ng/mL<br />

(intervalo de referência: 0,1 - 0,6 ng/mL),<br />

testosterona livre - 12,3 pg/mL (valores de<br />

referência:


além de um útero miomatoso, um nódulo<br />

hipoecogénico com dimensões aproximadas<br />

de 24 x 23 mm, que se projectava na área<br />

anexial esquerda. A tomografia computorizada<br />

(TC) abdominal permitiu excluir a<br />

existência de lesões nodulares das glândulas<br />

supra-renais.<br />

Com base nestes dados foi feito o diagnóstico<br />

de tumor virilizante do ovário. Realizou-<br />

-se histerectomia com anexectomia bilateral.<br />

O exame anátomo-patológico evidenciou<br />

um tumor de células de Leydig (hilar)<br />

no ovário esquerdo, com 16 mm de maior<br />

eixo, bem delimitado, confinado ao ovário<br />

(Fig. 1 e 2).<br />

Fig. 1 Ovário esquerdo que contem, na região<br />

hilar, um tumor bem delimitado, de tonalidade<br />

amarela, com 16 mm de maior eixo<br />

diSCuSSão<br />

O hirsutismo está presente em 5 a 10% das<br />

mulheres em idade reprodutiva, sendo mais<br />

frequente nas mulheres de origem mediterrânica<br />

do que, por exemplo, nas de origem<br />

asiática. 1,2<br />

Na maioria das situações tem início no<br />

período peri-pubertário, é ligeiro a moderado<br />

e não evolutivo. Nestes casos as etiologias<br />

mais frequentes são o hirsutismo<br />

UM CASO CLÍNICO DE TUMOR VIRILIZANTE DO OVÁRIO<br />

Fig. 2 Tumor de células de Leydig (hilar), confinado<br />

ao ovário (hematoxilina-eosina, X200)<br />

Após a cirurgia verificou-se normalização<br />

dos níveis de testosterona [testosterona<br />

total - 0,3 ng/mL (intervalo de referência:<br />

0,06 - 0,82 ng/mL), testosterona livre - 1,43<br />

ng/L (valores de referência:


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

laboratorial (geralmente ligeiro), disfunção<br />

da ovulação com irregularidade menstrual<br />

(oligomenorreia ou amenorreia) e ovários<br />

micropoliquísticos. As formas não clássicas<br />

de hiperplasia supra-renal congénita são responsáveis<br />

por 1,5 a 2,5% dos casos de hiper-<br />

androgenismo e estão maioritariamente<br />

associadas a um bloqueio da 21-hidroxilase.<br />

3-5 Do ponto de vista clínico são indistinguíveis<br />

do síndrome do ovário poliquístico,<br />

excepto no facto de apresentarem níveis<br />

elevados de 17-hidroxiprogesterona no início<br />

da fase folicular do ciclo.<br />

Quando não se pretende uma gravidez, o<br />

hirsutismo causado pelas entidades clínicas<br />

acima referidas deve ser tratado medicamente<br />

com recurso à administração de anticonceptivos<br />

orais, associados ou não a fármacos<br />

com acção anti-androgénica, de que<br />

são exemplo a espiranolactona e o acetato<br />

de ciproterona.<br />

Importa no entanto ter presente que raramente<br />

(em cerca de 0,2% dos casos 5 ) o<br />

hirsutismo é secundário à presença de um<br />

tumor produtor de androgénios, que em<br />

cerca de 50% dos casos é maligno. Deve<br />

suspeitar-se de um hiperandrogenismo de<br />

causa tumoral quando este tem início fora<br />

do período peri-pubertário, é progressivo e<br />

grave e está associado a sinais de virilização,<br />

como a calvice andróide, a hipertofia do<br />

clitóris, o aumento da massa muscular, a distribuição<br />

adiposa de predomínio abdomi-<br />

nal e a atrofia da glândula mamária. 6,7 Do<br />

ponto de vista laboratorial, os níveis de testosterona<br />

tendem a ser muito mais elevados<br />

do que os encontrados no hiperandrogenismo<br />

de causa funcional. No contexto de um<br />

hirsutismo, os valores elevados de hemoglobinemia,<br />

na ausência de uma outra explicação,<br />

constituem uma evidência indirecta de<br />

hiperandrogenismo grave.<br />

Algumas das características acima referidas<br />

estavam de facto presentes no caso descrito<br />

neste trabalho, o que levou a colocar a<br />

hipótese de se estar perante um hirsutismo<br />

de causa tumoral. Pelo facto dos valores de<br />

cortisol urinário terem sido repetidamente<br />

normais, excluiu-se a possibilidade de secreção<br />

autónoma de cortisol (síndrome de<br />

Cushing).<br />

Os tumores produtores de androgénios podem<br />

ter localização supra-renal ou ovárica.<br />

Os tumores da supra-renal são menos frequentes<br />

e estão em geral associados a níveis<br />

muito elevados de DHEA-S. Como os valores<br />

de DHEA-S na doente em causa eram<br />

normais, colocou-se a hipótese diagnóstica<br />

de tumor virilizante do ovário. A ecografia<br />

pélvica por via transvaginal, considerado o<br />

exame de primeira linha nestas situações,<br />

identificou uma lesão nodular suspeita no<br />

ovário esquerdo, que histologicamente se<br />

verificou tratar-se de um tumor de células de<br />

Leydig (hilar).<br />

Após a cirurgia observou-se normalização<br />

dos níveis séricos de testosterona e regressão<br />

do quadro clínico de hiperandrogenismo.<br />

Um aspecto interessante é o facto do controlo<br />

glicémico da doente ter melhorado signi-<br />

ficativamente após a cirurgia, apesar da<br />

redução da dosagem de glibenclamida. De<br />

facto, diversos trabalhos demonstraram exis-<br />

tir, nas mulheres, uma correlação positiva<br />

entre os níveis séricos de testosterona e o risco<br />

de vir a desenvolver diabetes mellitus tipo<br />

2. Verificou-se também que a administração<br />

de androgénios a mulheres saudáveis está<br />

associada ao desenvolvimento de insulinorresistência<br />

e que a redução dos níveis de circulantes<br />

androgénios ou o bloqueio da sua<br />

acção melhora a sensibilidade à insulina. 8


BiBLioGRaFia<br />

1. Ferriman D, Gallwey JD. Clinical assessment of body hair growth<br />

in women. J Clin Endocrinol Metab 1961;21:1440-7.<br />

2. Knochenhauer ES, Key TJ, Kahsar-Miller M, Waggoner W,<br />

Boots LR, Azziz R. Prevalence of the polycystic ovary syndrome<br />

in unselected black and white women of the southeastern United<br />

States: a prospective study. J Clin Endocrinol Metab 1998; 83:3078-<br />

82.<br />

3. Azziz R, Sanchez LA, Knochenhauer ES, et al. Androgen excess<br />

in women: experience with over 1000 consecutive patients. J Clin<br />

Endocrinol Metab 2004;89:453-62.<br />

4. Ehrmann <strong>DA</strong>, Rosenfield RL, Barnes RB, Brigell DF, Sheikh Z.<br />

Detection of functional ovarian hyperandrogenism in women with<br />

androgen excess. N Engl J Med 1992;327:157-62.<br />

UM CASO CLÍNICO DE TUMOR VIRILIZANTE DO OVÁRIO<br />

5. Carmina E, Rosato F, Jannì A, Rizzo M, Longo RA. Extensive<br />

clinical experience: relative prevalence of different androgen<br />

excess disorders in 950 women referred because of clinical<br />

hyperandrogenism. J Clin Endocrinol Metab 2006;91(1):2-6.<br />

6. Rosenfield R L. Hirsutism. N Engl J Med 2005; 353:2578-88.<br />

7. Bulun SE, Adashi EY. The physiology and pathology of the female<br />

reproductive axis. In: Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KP,<br />

Lasen PR, eds. Williams Textbook of Endocrinology. Philadelphia:<br />

Saunders, 2008;541-699.<br />

8. Corbould A. Effects of androgens on insulin action in women:<br />

is androgen excess a component of female metabolic syndrome?<br />

Diabetes Metab Res Rev 2008;24(7):520-32.<br />

71


CIRURGIA GERAL<br />

CIRURGIA VASCULAR<br />

OFTALMOLOGIA<br />

ORTOPEDIA<br />

NEUROCIRURGIA<br />

OTORRINOLARINGOLOGIA<br />

UROLOGIA<br />

73


CiRuRGia BaRiÁTRiCa de ReViSão.<br />

“Redo” PÓS-BaNda GÁSTRiCa<br />

e PÓS-BYpass GÁSTRiCo<br />

Revisional bariatric surgery. “Redo” surgery<br />

after adjustable gastric band and Roux-en-Y<br />

gastric bypass<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores descrevem um caso clínico de<br />

cirurgia bariátrica de revisão, num indivíduo<br />

de 40 anos de idade, previamente ope-<br />

rado e re-operado - banda gástrica há cinco<br />

anos e bypass gástrico (por laparotomia)<br />

há três anos - em que foi realizada, por lapa-<br />

roscopia, uma distalização de um bypass<br />

gástrico. No mesmo tempo operatório, foi<br />

tratada uma hérnia incisional de laparotomia<br />

mediana, com recurso a uma prótese intraperitoneal<br />

de dupla face. Aos 3 meses de pós-<br />

-operatório, o doente apresentava-se completamente<br />

assintomático, sem diarreias ou<br />

défices nutricionais e perdeu 38% do excesso<br />

de peso corporal.<br />

CARLOS VAZ<br />

PAULO ROQUETE<br />

PEDRO ASSIS<br />

CÉSAR RESENDE<br />

JOSÉ <strong>DA</strong>MIÃO FERREIRA<br />

JOÃO REBELO DE ANDRADE<br />

Departamentos de cirurgia geral e de anestesiologia<br />

The authors report a clinical case of<br />

revisional bariatric surgery in a 40-year old<br />

male patient, previously operated twice -<br />

adjustable gastric band five years ago and<br />

Roux-en-Y gastric bypass (laparotomy)<br />

three years ago. The patient underwent a<br />

distal Roux-en-Y gastric bypass. In the same<br />

operation an incisional hernia was repaired,<br />

by means of a double-layered intraperitoneal<br />

mesh. At 3 months of follow-up the patient<br />

was found asymptomatic, with no diarrhea<br />

or nutritional deficits, and revealed a 38%<br />

of excess weight loss.<br />

75


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

Nenhuma operação para o tratamento da<br />

obesidade demonstrou até à data conduzir<br />

a uma perda de peso adequada em todos os<br />

doentes. No Centro de Tratamento da Obesidade<br />

do Hospital da Luz a operação mais<br />

utilizada, sempre após decisão multidisciplinar,<br />

tem sido o bypass gástrico em Y de<br />

Roux. De facto, esta intervenção é considerada<br />

pela generalidade dos autores como<br />

gold standard para o tratamento cirúrgico<br />

da obesidade. 1,2<br />

É conhecido que alguns doentes submetidos<br />

a bypass gástrico acabam por recuperar<br />

peso, com maior ou menor expressão, a partir<br />

dos dois a três anos de pós-operatório.<br />

Alguns destes doentes virão a ter indicação<br />

para uma intervenção cirúrgica de revisão<br />

porque: i) não perderam peso, ii) perderam<br />

peso e recuperaram-no, ou iii) perderam<br />

peso de forma significativa mas continuam<br />

morbidamente obesos.<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, de 40 anos de<br />

idade, 145 kg de peso corporal, 1,79 m de<br />

altura e um índice de massa corporal (IMC)<br />

de 45,2 kg/m 2 . Há cerca de cinco anos, com<br />

um peso corporal de 235 kg (IMC - 73,3<br />

kg/m 2 ), o doente tinha colocado uma banda<br />

gástrica ajustável por via laparoscópica;<br />

perdeu cerca de 95 kg. Aos dois anos de pós-<br />

-operatório começou a recuperar peso.<br />

Quando atingiu os 160 kg (IMC - 49,8 kg/<br />

m 2 ), foi novamente operado. Por laparotomia<br />

foi-lhe realizada a remoção da banda<br />

gástrica e um bypass gástrico. Na sequência<br />

desta intervenção voltou a perder peso durante<br />

cerca de dois anos tendo atingido os<br />

Infelizmente não estão disponíveis actualmente<br />

estudos prospectivos e randomizados<br />

que possam ajudar o cirurgião bariátrico<br />

na escolha do melhor procedimento de<br />

revisão. 3,4 Assim, com base na pouca literatura<br />

existente, quase sempre de natureza<br />

retrospectiva, e na partilha mais ou menos<br />

empírica de experiências, a intervenção<br />

cirúrgica de revisão mais frequente perante<br />

um bypass gástrico em Y de Roux que não<br />

tenha tido o resultado adequado, tem sido:<br />

i) o reforço da componente restritiva (colocação<br />

de anel de Fobi, redução do tamanho<br />

da bolsa gástrica ou correcção de fístulas),<br />

sempre que ocorra compromisso da mesma<br />

(dilatação da bolsa ou fístula gastro-gástrica),<br />

e/ou ii) o reforço da componente de<br />

malabsorção.<br />

Os autores descrevem um caso de cirurgia<br />

bariátrica de revisão com distalização de<br />

bypass gástrico num doente de 40 anos de<br />

idade, previamente operado e re-operado.<br />

134 kg (IMC - 41,8 kg/m 2 ). Desde há um<br />

ano tinha começado a recuperar peso. Surgiu<br />

entretanto uma hérnia incisional da lapa-<br />

rotomia mediana e uma litíase da vesícula<br />

biliar, razões pelas quais recorreu à consulta<br />

do Centro de Tratamento da Obesidade do<br />

Hospital da Luz.<br />

Foi realizado um estudo radiológico do aparelho<br />

digestivo superior que permitiu excluir<br />

a presença de uma dilatação da bolsa gástrica,<br />

bem como uma fístula gastro-gástrica<br />

(Fig. 1A a C). Não se observando compromisso<br />

da componente restritiva da cirurgia<br />

previamente realizada, decidiu-se reforçar a


componente de malabsorção através de uma<br />

distalização do bypass gástrico.<br />

Após um estudo pré-operatório de rotina,<br />

bem como avaliação prévia pela Dieta e Nutrição<br />

e Psicologia Clínica, o doente foi novamente<br />

operado. Sob anestesia geral foi rea-<br />

lizada uma distalização do bypass gástrico<br />

por via laparoscópica. Foi medida a totalidade<br />

do intestino delgado, que apresentava<br />

cerca de seis metros de comprimento, tendo<br />

a ansa alimentar 100 cm. Foi decidido construir<br />

uma ansa alimentar e ansa comum<br />

com 40% do total de intestino delgado, 5<br />

ou seja, cerca de 250 cm. Assim, mediram-<br />

-se 150 cm de intestino delgado a partir<br />

da válvula íleo-cecal, obtendo-se o limite<br />

proximal da futura ansa comum; a ansa alimentar<br />

(100 cm) foi seccionada com stapler<br />

linear junto à anastomose entero-entérica<br />

do Y de Roux da intervenção anterior e foi<br />

re-anastomosada (anastomose manual em<br />

dois planos) à ansa obtida na medição atrás<br />

referida (a 150 cm da válvula ileo-cecal),<br />

com encerramento da nova brecha mesentérica.<br />

Concomitantemente, foi realizada a<br />

colecistectomia, o tratamento de hérnia incisional<br />

através de uma prótese intraperitoneal<br />

de dupla face e ainda a apendicectomia<br />

complementar. O pós-operatório decorreu<br />

sem complicações e o doente teve alta hospitalar<br />

ao quinto dia de pós-operatório.<br />

Às sete semanas de follow-up o doente tinha<br />

perdido 17,3 kg e aos dois meses 23 kg. Actualmente,<br />

aos três meses de pós-operatório,<br />

o doente apresenta-se completamente assintomático,<br />

sem diarreias ou défices nutricionais<br />

e tem um peso corporal de 120 kg (-25<br />

kg).<br />

Fig. 1A, B, C Estudo radiológico pré-operatório do aparelho digestivo alto. Não se observa compromisso<br />

da componente restritiva<br />

diSCuSSão e ComeNTÁRioS<br />

A cirurgia bariátrica de revisão tem sido<br />

frequentemente considerada como muito<br />

exigente e associada a um elevado índice de<br />

complicações. 1,6,7 No entanto, observações<br />

mais recentes têm vindo a demonstrar que<br />

CIRURGIA BARIÁTRICA DE REVISÃO. “REDO” PÓS-BAN<strong>DA</strong> GÁSTRICA E PÓS-BYPASS GÁSTRICO<br />

em centros especializados e de grande volume<br />

a cirurgia bariátrica de revisão pode<br />

ser genericamente realizada de forma segura.<br />

8-10 No caso vertente foi realizada sem<br />

complicações uma revisão laparoscópica de<br />

77


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

um procedimento prévio por laparotomia.<br />

É de salientar a importância do estudo radiológico<br />

convencional pré-operatório do<br />

aparelho digestivo superior para o bom<br />

planeamento da intervenção cirúrgica de<br />

revisão. De facto, a exclusão de um compromisso<br />

da componente restritiva permite<br />

desde logo evitar a iatrogenia associada à<br />

manipulação da bolsa gástrica e da anastomose<br />

gastro-jejunal - áreas de acesso mais<br />

difícil e mais atreitas a complicações neste<br />

tipo de revisão cirúrgica.<br />

É previsível que a distalização de um bypass<br />

gástrico conduza a uma perda de 50% 1 a<br />

100% do excesso de peso até aos quatro<br />

anos de pós-operatório. 6<br />

No caso descrito observou-se, até aos<br />

três meses de pós-operatório, uma<br />

perda de 38% do excesso de peso.<br />

Embora se trate de um período de<br />

follow-up muito curto, a perda peso observada<br />

até à data pode considerar-se satisfatória.<br />

É frequentemente referido na bibliografia<br />

que, embora a distalização de um bypass<br />

gástrico conduza a uma perda de peso adequada,<br />

esta acontece à custa de uma elevada<br />

incidência de malnutrição proteica. 1,6<br />

É provável que este problema não tenha<br />

acontecido no caso clínico presente por se<br />

ter optado por calcular o comprimento da<br />

ansa alimentar e comum enquanto proporção<br />

do comprimento total do intestino<br />

delgado, 5 em lugar de lhe atribuir um comprimento<br />

fixo, tal como tem sido prática habitual<br />

(embora não sustentada por qualquer<br />

evidência). Por outro lado, tratando-se de<br />

uma intervenção muito recente, é possível<br />

que tal complicação possa ainda vir a ocorrer.<br />

A utilização de próteses no tratamento de<br />

hérnias da parede abdominal anterior no<br />

decurso de intervenções cirúrgicas nas quais<br />

haja contacto com o lúmen intestinal tem<br />

sido motivo de forte controvérsia na literatura,<br />

devido à potencial contaminação da<br />

rede pelo conteúdo do tubo digestivo. Contudo,<br />

a evidência mais recente tem vindo a<br />

demonstrar que tal prática é segura, sendo<br />

negligenciável a incidência de infecção observada<br />

nessas circunstâncias. 11<br />

Também neste caso foi realizado o tratamento<br />

de uma hérnia incisional da laparotomia<br />

mediana prévia, sem intercorrências<br />

infecciosas ou outras.<br />

Atendendo ao elevado número de operações<br />

realizadas actualmente para o tratamento da<br />

obesidade é de prever uma frequência crescente<br />

de intervenções cirúrgicas de revisão,<br />

seja por falência das intervenções primárias,<br />

seja pelo aparecimento de complicações das<br />

mesmas. Neste contexto, importa subli-<br />

nhar a necessidade de estudos prospectivos<br />

que orientem o cirurgião na escolha do melhor<br />

procedimento de revisão. Parece ainda<br />

razoável deduzir que a cirurgia bariátrica<br />

de revisão será tendencialmente melhor<br />

executada por cirurgiões com experiência<br />

nos diferentes procedimentos em cirurgia<br />

bariátrica primária.


BiBLioGRaFia<br />

1. Fobi MAL, Lee H, Igwe D, et al. Revision of failed gastric bypass<br />

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CIRURGIA BARIÁTRICA DE REVISÃO. “REDO” PÓS-BAN<strong>DA</strong> GÁSTRICA E PÓS-BYPASS GÁSTRICO<br />

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to increased morbidity and mortality? Am J Surg 2009;197:391-6.<br />

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10. Lim CS, Liew V, Talbot, ML, Jorgensen JO, Loi KW. Revisional<br />

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79


SÍNdRome de ComPReSSão<br />

exTRÍNSeCa do TRoNCo CeLÍaCo<br />

PeLo LiGameNTo aRQueado<br />

do diaFRaGma. TRaTameNTo<br />

CiRÚGiCo deFiNiTiVo*<br />

Celiac axis compression syndrome by the<br />

median arcuate ligament of the<br />

diaphragm. definitive surgical management<br />

ReSumo Abstract<br />

O síndrome de compressão extrínseca do<br />

tronco celíaco pelo ligamento arqueado do<br />

diafragma é uma entidade clínica rara, caracterizada<br />

pela ocorrência de dores abdomi-<br />

nais pós-prandiais, náuseas, vómitos e perda<br />

de peso. Muito embora tenha sido descrito<br />

há algumas décadas, a sua existência<br />

é ainda questionada por alguns autores,<br />

devido à existência de uma fraca correlação<br />

anátomo-clínica e aos resultados inconstantes<br />

que se têm registado na sequência do<br />

seu tratamento cirúrgico. Os autores des-<br />

A. DINIS <strong>DA</strong> GAMA<br />

AUGUSTO MINISTRO<br />

GONÇALO CABRAL<br />

CRISTINA PESTANA<br />

JOÃO INÁCIO º<br />

AFONSO FERNANDES º<br />

Departamentos de cirurgia Vascular e de anestesiologia<br />

º serviços de imagiologia geral e de anatomia patológica do Hospital de santa maria<br />

* Trabalho publicado na Revista Portuguesa de Cirurgia Cardio-Torácica e Vascular 2009;XVI:31-6.<br />

The celiac axis compression syndrome<br />

caused by the median arcuate ligament<br />

of the diaphragm is an exceedingly rare<br />

clinical entity, coursing with postprandial<br />

abdominal pain, nausea, vomiting and<br />

weight loss. Despite the original description<br />

made some decades ago, its existence is<br />

still challenged by some authors, due to<br />

a weak clinicopathological correlation<br />

and inconstant results obtained with its<br />

surgical management. The authors report<br />

the case of a 35-year old female with the<br />

81


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

crevem o caso de uma mulher de 35 anos de<br />

idade, com o quadro clínico acima descrito,<br />

que foi objecto de investigação exaus-<br />

tiva no âmbito da gastrenterologia e que<br />

culminou no diagnóstico, documentado<br />

por angio-TC e angiografia convencional,<br />

de síndrome de compressão extrínseca do<br />

tronco celíaco pelo ligamento arqueado do<br />

diafragma. Submetida a tratamento cirúrgico,<br />

foi objecto de secção do ligamento arqueado<br />

do diafragma e ressecção e subs-<br />

tituição do tronco celíaco por um conduto<br />

protésico. O pós-operatório decorreu normalmente,<br />

sem complicações, e revista um<br />

mês após a operação a doente encontrava-<br />

-se bem e totalmente livre de sintomas. O estudo<br />

histológico do tronco celíaco removido<br />

revelou alterações proliferativas e degenerativas<br />

importantes da parede arterial, consequência<br />

do mecanismo de compressão extrínseca,<br />

um facto que não tem sido objecto<br />

de referência em casos semelhantes publicados<br />

na literatura. Os aspectos essenciais<br />

desta entidade clínica e do seu tratamento<br />

cirúrgico são objecto de discussão, apoiada<br />

numa revisão da literatura mais recente<br />

dedicada ao tema.<br />

iNTRodução<br />

O síndrome de compressão extrínseca do<br />

tronco celíaco pelo ligamento arqueado do<br />

diafragma tem sido encarado, desde a sua<br />

descrição original em 1963, 1 como uma entidade<br />

clínica enigmática, devido à fraca correlação<br />

anátomo-clínica que demonstra, à<br />

documentação da existência de compressão<br />

extrínseca arterial em indivíduos completamente<br />

assintomáticos e à taxa significativa<br />

de insucessos terapêuticos e recidivas de que<br />

a simples secção do ligamento arqueado se<br />

tem feito acompanhar.<br />

clinical presentation above described, who<br />

underwent an exhaustive investigation in<br />

gastroenterology, leading to the diagnosis,<br />

made by CT-scans and conventional<br />

angiography, of celiac axis compression<br />

syndrome by the median arcuate ligament<br />

of the diaphragm. A definitive surgical<br />

repair was performed, consisting in the<br />

ligament division, followed by resection<br />

and replacement of the celiac axis, by a 6<br />

mm PTFE graft. The post-operative course<br />

was uneventfull and reviewed one month<br />

later, the patient was found in excellent<br />

condition and completely free of symptoms.<br />

Pathological studies of the celiac axis<br />

disclosed significant proliferative and<br />

degenerative lesions of the arterial wall,<br />

consequence of the compression mechanism,<br />

a fact that has not been reported in previous<br />

similar publications. The main features of<br />

this unique clinical entity and its surgical<br />

management are discussed, based on a<br />

review of the most recent publications of<br />

the literature.<br />

A ocorrência de lesões proliferativas e degenerativas<br />

importantes da parede arterial,<br />

consequência do mecanismo compressivo,<br />

e que têm sido descuradas pela generalidade<br />

dos autores, transforma o síndrome<br />

de funcional em arteriopatia orgânica obstrutiva,<br />

além de permitir explicar os fracassos<br />

terapêuticos registados com a simples<br />

eliminação do mecanismo compressivo, requerendo,<br />

por via desse facto, o tratamento<br />

adicional da lesão arterial obstrutiva, que<br />

proporciona, desta forma, um carácter completo<br />

e definitivo ao tratamento cirúrgico.


SÍNDROME DE COMPRESSÃO EXTRÍNSECA DO TRONCO CELÍACO PELO LIGAMENTO ARQUEADO DO DIAFRAGMA. TRATAMENTO<br />

CIRÚGICO DEFINITIVO<br />

O presente caso clínico é bem elucidativo<br />

desta modificação de conceitos e da sua fun-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 35 anos de<br />

idade, foi objecto de consulta por epigastralgias,<br />

dispepsia, náuseas, vómitos e acentuada<br />

perda de peso (10 kg no último ano).<br />

A história actual remonta a Janeiro de 2008,<br />

quando começou a referir dores epigástricas<br />

ocasionais, intensas, constritivas, por vezes<br />

relacionadas com a ingestão de alimentos,<br />

predominando de manhã, acompanhadas<br />

de náuseas e chegando frequentemente a<br />

vomitar. Negava azia, pirose, distensão abdominal<br />

ou alterações do trânsito intestinal.<br />

Começou a restringir a ingestão de alimentos<br />

e no decurso do ano de 2008 perdeu<br />

cerca de 10 kg.<br />

Foi observada em consulta de Gastrenterologia<br />

e submetida a uma endoscopia digestiva<br />

alta e biópsia gástrica, que revelaram<br />

“gastrite crónica”, tendo sido medicada em<br />

conformidade, sem obter porém qualquer<br />

alívio. Por isso, prosseguiu a investigação,<br />

que foi normal, tendo realizado uma ecografia<br />

e tomografia computorizada (TC)<br />

abdominal, que foram igualmente consideradas<br />

dentro dos limites da normalidade,<br />

permitindo excluir a existência de patologia<br />

hepática, biliar ou pancreática.<br />

Com o decorrer do tempo, a intensidade das<br />

dores foi-se acentuando e notou que eram<br />

particularmente fortes com a realização de<br />

inspirações profundas, aliviando com a expiração.<br />

Experimentou múltiplas terapêuticas<br />

analgésicas, sem qualquer melhoria,<br />

chegando a aventar-se a hipótese de uma<br />

consulta em Psiquiatria, que de imediato<br />

recusou. Por essa razão, decidiu recorrer à<br />

damentação, razão pela qual se julgou oportuna<br />

a sua apresentação e divulgação.<br />

Clínica Universitária de Navarra (Espanha),<br />

onde após exaustiva investigação e na sequência<br />

de uma angio-TC da circulação visceral<br />

do abdómen, lhe foi feito o diagnóstico<br />

de síndrome de compressão extrínseca do<br />

tronco celíaco pelo ligamento arqueado do<br />

diafragma.<br />

Regressada a Portugal, realizou, a título<br />

confirmatório, nova angio-TC, que revelou<br />

a existência de uma estenose longa do tronco<br />

celíaco, pós-ostial, com acentuada dilatação<br />

pós-estenótica (Fig. 1). Os restantes<br />

vasos da circulação entérica, nomeadamente<br />

as artérias mesentérica superior e inferior,<br />

bem como as artérias renais, eram normais.<br />

Fig.1 Angio-TC demonstrando estenose do<br />

tronco celíaco e dilatação pós-estenótica<br />

83


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

A doente fora sempre saudável, praticava<br />

exercício físico regularmente e negava a<br />

existência de factores de risco cardiovascular<br />

como diabetes, hipertensão arterial ou<br />

hiperlipidemia. Porém, revelava ser fumadora<br />

de 20 cigarros/dia. Não tinha filhos e<br />

não tomava anticonceptivos orais.<br />

O exame físico geral e vascular foi considerado<br />

normal. A tensão arterial era de 120/80<br />

mmHg em ambos os membros superiores e<br />

todos os pulsos periféricos eram palpáveis,<br />

amplos e simétricos, sem sopros à auscultação,<br />

nomeadamente na área epigástrica ou<br />

região dorso lombar. Para uma melhor apreciação<br />

dinâmica do processo de compressão<br />

extrínseca, foi objecto de aortografia por<br />

cateterismo retrógrado femoral, com rea-<br />

lização de poses em posição de perfil (Fig.<br />

2). Foi possível documentar a completa<br />

oclusão do tronco celíaco em condição de<br />

inspiração profunda (Fig. 3), manobra que<br />

despertava intensa dor epigástrica.<br />

Em vista destes dados de informação, foi a<br />

doente considerada candidata para tratamento<br />

cirúrgico, proposta a que de imediato<br />

acedeu. A operação foi levada a efeito<br />

através de uma laparotomia mediana supraumbilical<br />

e através do pequeno epiploon foi<br />

possível abordar e seccionar os pilares do<br />

diafragma, com descoberta e isolamento da<br />

aorta supracelíaca e do ligamento arqueado<br />

do diafragma, que exercia uma compressão<br />

notável sobre a face superior do tronco<br />

celíaco, ao nivel do seu terço proximal (Fig.<br />

4). O ligamento foi seccionado completamente<br />

e o tronco celíaco isolado em toda<br />

a sua extensão, até à bifurcação em artéria<br />

hepática e esplénica. Palpava-se um espessamento<br />

da parede do tronco celíaco, afectando<br />

a sua metade proximal e por essa razão<br />

decidiu-se proceder à sua ressecção integral<br />

e substituição protésica. A sua origem foi<br />

Fig. 2 Angiografia convencional confirmando a estenose<br />

do tronco celíaco e dilatação pós-estenótica<br />

Fig. 3 Idem Fig. 2, com demonstração de oclusão<br />

completa do tronco celíaco em circunstâncias de<br />

inspiração profunda e apneia (seta)


SÍNDROME DE COMPRESSÃO EXTRÍNSECA DO TRONCO CELÍACO PELO LIGAMENTO ARQUEADO DO DIAFRAGMA. TRATAMENTO<br />

CIRÚGICO DEFINITIVO<br />

transeccionada e o ostium laqueado definitivamente.<br />

A aorta foi clampada tangencialmente,<br />

durante 14 minutos, efectuando-se a<br />

implantação de uma prótese de politetrafluoroetileno<br />

(PTFE) de 6 mm de diâmetro, de<br />

forma termino-lateral. Depois de seccionada<br />

no tamanho apropriado, foi anastomosada<br />

à bifurcação, do tronco celíaco, igualmente<br />

de forma termino-lateral. No final, assistiu-<br />

-se a uma ampla e franca pulsatilidade das<br />

artérias hepática e esplénica, o que não se<br />

verificava antes da revascularização (Fig. 5).<br />

O pós-operatório decorreu normalmente,<br />

sem complicações, tendo a doente tido alta<br />

ao 4º dia.<br />

Revista um mês após a operação, encontrava-se<br />

bem e completamente livre de sintomas.<br />

O estudo histológico do tronco celíaco<br />

mostrou uma artéria deformada, irregularmente<br />

falciforme, com espessamento da<br />

parede da face côncava relativamente à face<br />

convexa. A estrutura da média era irregular,<br />

com distribuição heterógena do tecido<br />

elástico, fibrose, embebição mucinóide e<br />

alterações do tipo degenerativo (vacuolização)<br />

e hipertrófico (núcleos grandes e hipercromáticos)<br />

das fibras musculares. Havia<br />

reduplicação da lâmina elástica interna e só<br />

focalmente foram observados ligeiros espessamentos<br />

da íntima (Fig.6).<br />

O conjunto destes achados excluiu a possibilidade<br />

de uma arteriopatia primária e é<br />

interpretado como consequência da compressão<br />

extrínseca da artéria documentada<br />

na clínica.<br />

Fig. 4 Imagem intra-operatória demonstrando<br />

o ligamento arqueado do diafragma exercendo<br />

compressão notável sobre o tronco celíaco (seta)<br />

Fig. 5 Substituição protésica do tronco<br />

celíaco, utilizando conduto de PTFE de 6 mm<br />

de diâmetro<br />

85


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 6 A. Cortes seriados do segmento arterial em que é evidente a deformação do vaso. B. Assimetria<br />

acentuada da parede arterial. No lado côncavo, a adventicia é mais rica em fibras elásticas, a camada<br />

média é mais espessa e há interrupções e reduplicação da lâmina elástica interna (Verhoeff, X25).<br />

C. Alterações de tipo degenerativo da média, com clarificação e vacuolização do citoplasma das células<br />

musculares lisas (hematoxilina-eosina, X200). D. Para além das alterações citoplasmáticas, há<br />

cariomegalia e hipercromaticidade nucleares que sugerem resposta hipertrófica (hematoxilina-eosina, X400)<br />

diSCuSSão<br />

O síndrome de compressão extrínseca do<br />

tronco celíaco pelo ligamento arqueado do<br />

diafragma foi descrito em 1963 1 e confirmado<br />

passados dois anos, 2 como sendo um<br />

quadro doloroso abdominal desencadeado<br />

pela ingestão de alimentos, predominando<br />

em mulheres jovens e cursando por vezes<br />

com perda de peso acentuada. Na interpretação<br />

da sua patogénese referia-se a compressão<br />

extrínseca do tronco celíaco pelo<br />

ligamento arqueado do diafragma, podendo<br />

causar episódios de isquemia intestinal,<br />

ou seja de angina abdominal, causadora das<br />

dores pós-prandiais, da recusa em ingerir ali-<br />

mentos e, consequentemente, da perda de<br />

peso.<br />

Esta interpretação patogénica não deixou,<br />

porém e ao longo dos tempos, de receber inú-<br />

meras críticas e objecções, ao ponto de alguns<br />

autores terem levantado sérias dúvidas<br />

sobre a real existência desta entidade patológica.<br />

3-5 Com efeito, o ligamento arqueado<br />

do diafragma, descrito pela primeira vez


SÍNDROME DE COMPRESSÃO EXTRÍNSECA DO TRONCO CELÍACO PELO LIGAMENTO ARQUEADO DO DIAFRAGMA. TRATAMENTO<br />

CIRÚGICO DEFINITIVO<br />

em 1917, é uma estrutura anatómica normal,<br />

que assume a forma de um cordão fibrótico<br />

que une os pilares do diafragma ao<br />

nível do hiato aórtico. 6 A possibilidade desta<br />

estrutura vir a causar compressão do tronco<br />

celíaco resulta da sua inserção anómala,<br />

mais baixa do que o normal, ou noutras circunstâncias,<br />

tão baixa que pode levar mesmo<br />

à compressão da origem da artéria mesentérica<br />

superior. 7<br />

Uma das razões em que assenta a relutância<br />

de alguns autores em aceitarem este mecanismo<br />

como génese do quadro clínico reside<br />

no facto de a compressão do tronco<br />

celíaco ter sido identificada num número<br />

significativo de indivíduos completamente<br />

assintomáticos. 8,9 Para além disso, outros<br />

autores levantam sérias dúvidas relativamente<br />

à possibilidade de a compressão do<br />

tronco celíaco poder originar um quadro<br />

transitório de isquemia intestinal, devido à<br />

extensa rede de circulação colateral que se<br />

estabelece com os territórios das artérias<br />

mesentéricas superior e inferior, o que deu<br />

origem à generalizada convicção que considera<br />

indispensável o envolvimento de pelo<br />

menos dois dos três vasos principais da circulação<br />

intestinal para que ocorra angina<br />

abdominal – uma concepção que não obstante<br />

não é totalmente subscrita por autores<br />

que acreditam que estenoses isoladas das artérias<br />

viscerais podem ser causadoras de sintomas<br />

isquémicos intestinais. 10<br />

Estas interpretações patogénicas não podem<br />

porém deixar de ser consideradas simplistas,<br />

já que é possível que existam outros<br />

factores, de natureza hormonal, vasomotora<br />

ou de hemodinâmica regional, susceptíveis<br />

de causar sintomatologia dolorosa, como é<br />

o caso dos “síndromes de roubo”, que levam<br />

a desviar sangue do território mesentérico<br />

para o território celíaco, no período<br />

pós-prandial, causando desta forma dor isquémica<br />

intestinal. 11<br />

A compressão extrínseca do tronco celíaco<br />

foi documentada, desde o início, com recurso<br />

à angiografia convencional, em poses de<br />

perfil e segundo foi posteriormente reconhecido,<br />

torna-se particularmente evidente em<br />

situação de inspiração profunda ou apneia,<br />

podendo levar mesmo à oclusão completa<br />

da artéria, como aconteceu no presente<br />

caso clínico. Avanços recentes na angio-TC<br />

ou angio-RM tornaram o diagnóstico porventura<br />

mais simples e menos invasivo, confirmando<br />

a necessidade de se realizarem poses<br />

em inspiração profunda ou apneia, para<br />

enaltecer o mecanismo da compressão do<br />

ligamento sobre a artéria. 7,12<br />

Recentemente, foi descrito o uso da tonometria<br />

gástrica durante o esforço, como um<br />

método selectivo para o diagnóstico do síndrome.<br />

13 O exame determina a pressão parcial<br />

arterial e gástrica de CO 2 antes, durante<br />

e depois de 10 minutos de exercício físico.<br />

A isquemia gástrica pode detectar-se nestas<br />

circunstâncias em cerca de 86% dos pacientes<br />

com estenose esplâncnica significativa.<br />

O procedimento cirúrgico básico e elementar<br />

consistiu inicialmente na secção isolada<br />

do ligamento, advogada por múltiplos autores<br />

14-16 mas os resultados revelaram-se inconstantes<br />

e insatisfatórios, dada a considerável<br />

taxa de insucessos e de recidivas,<br />

a curto ou médio prazo, que registava. Em<br />

1985 16 numa série retrospectiva de 51 casos<br />

e mediante a análise dos factores determinantes<br />

do sucesso, constatou-se que se devia<br />

em grande parte à adição de um qualquer<br />

procedimento de revascularização, seja uma<br />

desobstrução arterial ou a implantação de<br />

um substituto autólogo ou protésico, observação<br />

que veio a ser posteriormente confir-<br />

87


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

mada por outros autores 17-20 com resultados<br />

muito mais gratificantes e perduráveis. Na<br />

base desta modificação de conceitos, existe<br />

porém um factor que tem sido negligenciado<br />

ou minimizado por estes autores e que<br />

diz respeito à existência de uma arteriopatia<br />

autónoma, estenosante, do tronco celíaco,<br />

como tão bem pudemos documentar, que<br />

persiste após a secção isolada do ligamento<br />

e que é a causa da continuidade dos sintomas<br />

ou da sua recidiva, a curto ou médio<br />

prazo, e que só poderão ser completamente<br />

erradicados com a adição de um procedimento<br />

de revascularização, como o presente<br />

caso clínico e a experiência daqueles autores<br />

tão bem tem podido comprovar.<br />

A angioplastia percutânea transluminal<br />

(PTA) foi empregue pela primeira vez em<br />

1980 21 num caso clínico de estenose recorrente<br />

após cirurgia convencional, com um<br />

resultado bom e prolongado. Cerca de 15<br />

anos depois, são reportados sete casos consecutivos<br />

de PTA que fracassaram imediatamente.<br />

22 Mais recentemente, este mesmo<br />

autor volta a descrever o fracasso da angioplastia<br />

transluminal e stenting na tentativa<br />

de corrigir uma recidiva pós tratamento<br />

cirúrgico. 23<br />

A intervenção endovascular começou a reve-<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Harjola PT. A rare obstruction of the coelic artry: Report of a<br />

case. Ann Chir Gynec Fennial 1963;52:547-50.<br />

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3. Szilagyi DE, Rian RL, Elliot JP, Smith RF. The celiac artery compression<br />

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4. Cornell SH. Severe stenosis of the celiac artery. Analysis of patients<br />

with and without symptoms. Radiology 1971;99:311-6.<br />

lar-se incapaz de resolver satisfatoriamente<br />

o quadro clínico e patológico, cursando com<br />

elevadas taxas de recorrência da estenose<br />

arterial e consequentemente da sintomatologia,<br />

culminando frequentemente na opção<br />

pela cirurgia convencional, baseada na<br />

secção do ligamento e/ou revascularização,<br />

como solução definitiva e perdurável, como<br />

diversos autores vieram a reportar. 24-26<br />

Uma outra alternativa surgida em 2000,<br />

mas que teve pouca difusão, foi a secção do<br />

ligamento arqueado do diafragma por via<br />

laparoscópica, 27,28 abordagem cujos resultados<br />

se desconhecem, mas que tem o carácter<br />

atractivo da mini-invasibilidade, mau grado<br />

o facto de não actuar sobre a arteriopatia –<br />

e daí as legitimas reservas sobre a sua eficácia<br />

e durabilidade.<br />

Até que estas alternativas se venham no futuro<br />

a consagrar como válidas e perduráveis,<br />

a cirurgia convencional, baseada na secção<br />

do ligamento e reconstrução ou revascularização<br />

do tronco celíaco, assume-se como a<br />

única forma de tratar definitivamente o síndrome<br />

de compressão extrínseca pelo ligamento<br />

arqueado do diafragma, como foi<br />

possível demonstrar através da apresentação<br />

do presente caso clínico.<br />

5. Renter SR, Olin T. Stenosis of the celiac artery. Radiology 1965;<br />

85:617-27.<br />

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8. Lenin DC, Baltaya HA. High incidence of celiac axis narrowing<br />

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SÍNDROME DE COMPRESSÃO EXTRÍNSECA DO TRONCO CELÍACO PELO LIGAMENTO ARQUEADO DO DIAFRAGMA. TRATAMENTO<br />

CIRÚGICO DEFINITIVO<br />

9. Lee VS, Morgan JN, Tan AG, et al. Celiac artery compression<br />

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12. Horton KM, Talarmin MA, Fishman EK. Median arcuate<br />

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18. Takach TJ, Livesay JJ, Reul GJ, Cooley <strong>DA</strong>. Celiac compression<br />

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transluminal angioplasty of visceral arterial stenoses: results and<br />

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fracasso do tratamento endoluminal. Rev Port Cir Cardiotorac Vasc<br />

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facilitated by laparoscopic ultrasound screening to confirm<br />

restoration of follow. J Vasc Surg 200; 32:814-7.<br />

89


RoTuRa de aNeuRiSma<br />

iNFLamaTÓRio da aoRTa aBdomiNaL<br />

PaRa-ReNaL. CaSo CLÍNiCo<br />

Rupture of an inflammatory pararenal<br />

abdominal aortic aneurysm. Case report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam um caso clínico de<br />

rotura de um aneurisma da aorta abdominal<br />

para-renal, num doente do sexo masculino,<br />

de 69 anos de idade, que recorreu ao Atendimento<br />

Médico Permanente do Hospital da<br />

Luz por dor e distensão abdominal, de início<br />

súbito e progressivo, acompanhadas de<br />

perda de conhecimento. Ao exame físico era<br />

perceptível uma volumosa massa abdominal<br />

pulsátil. O doente encontrava-se consciente,<br />

orientado, taquicárdico e hipotenso. Realizou<br />

de imediato uma angio-tomografia toraco-abdominal<br />

e pélvica que revelou tratar-se<br />

de uma rotura de um aneurisma da aorta abdominal<br />

para-renal. O doente foi submetido<br />

a tratamento cirúrgico imediato, tendo tido<br />

alta 17 dias após a sua admissão hospitalar.<br />

Os autores consideram importante o relato<br />

deste caso clínico pela sua gravidade e necessidade<br />

de diagnóstico e tratamento imediato,<br />

enaltecento ser de extrema importância<br />

para o sucesso terapêutico o trabalho multidisciplinar<br />

envolvendo várias especialidades<br />

médicas.<br />

SÉRGIO MARTINS <strong>DA</strong> SILVA<br />

JOÃO SILVA E CASTRO<br />

HUGO VALENTIM<br />

JOSÉ BISMARCK<br />

Departamentos de cirurgia Vascular e de anestesiologia<br />

The authors report the clinical case of a<br />

ruptured inflammatory pararenal aortic<br />

aneurysm, in a male, 69-year old, admitted<br />

in Atendimento Médico Permanente of<br />

Hospital da Luz due to a sudden and<br />

progressive abdominal pain, abdominal<br />

distention and syncope. Physical examination<br />

revealed a pulsatile abdominal mass. The<br />

patient was hypotensive and tachycardic. A<br />

thoracic-abdominal and pelvic CT-scan was<br />

performed, disclosing a ruptured pararenal<br />

aortic aneurysm. The patient was submitted<br />

to emergent surgical treatment, and was<br />

discharged 17 days after the operation. The<br />

importance of this case report is related to<br />

the emergency of the condition and the need<br />

of a quick and multidisciplinary diagnosis<br />

and treatment.<br />

91


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

Os aneurismas da aorta abdominal pararenal<br />

dividem-se, classicamente, em justa-renais<br />

ou envolvendo a aorta supra-renal. Tal<br />

como nos aneurismas da aorta abdominal<br />

infra-renal, a rotura está associada a uma<br />

taxa de mortalidade elevada. Somente 40%<br />

dos doentes com este quadro chegam vivos<br />

ao hospital e destes apenas 50% sobrevivem<br />

à cirurgia; globalmente a mortalidade ultrapassa<br />

os 80%. 1 Estes valores não se têm<br />

alterado apesar dos avanços que se têm registado<br />

na técnica cirúrgica, anestésica e de<br />

cuidados intensivos.<br />

A incidência dos aneurismas da aorta abdominal<br />

é de 6,3-8 por 100000 habitantes,<br />

sendo que os para-renais correspondem a<br />

2-7% de todos os aneurismas da aorta abdominal.<br />

Verifica-se um predomínio no sexo<br />

masculino, com uma proporção de 6 para 1. 2<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, de 69 anos de<br />

idade, que recorre ao Atendimento Médico<br />

Permanente do Hospital da Luz, por dor<br />

e distensão abdominal de início súbito e<br />

intensidade crescente, com episódio de<br />

perda de conhecimento, com 24 horas de<br />

evolução.<br />

Tinha antecedentes pessoais de doença pulmonar<br />

obstrutiva crónica tabágica e dislipidemia;<br />

estava medicado com rosuvastatina.<br />

Ao exame físico encontrava-se consciente,<br />

orientado, com fácies álgica e palidez marcada,<br />

hipotenso e taquicárdico. Apresentava<br />

dor à palpação abdominal, identificando-se<br />

volumosa massa pulsátil.<br />

A sobrevida depende da capacidade do<br />

doente de compensar fisiologicamente as<br />

complicações graves que surgem, mas principalmente<br />

do diagnóstico e terapêutica precoce.<br />

O diagnóstico nem sempre é fácil, pois<br />

a tríade clássica de dor abdominal, hipotensão<br />

e massa abdominal pulsátil só está presente<br />

em cerca de metade dos doentes. 3<br />

A rotura pode manifestar-se como hemorragia<br />

intra-peritoneal com rápida perda de<br />

volume e consequente taxa de mortalidade<br />

elevada, ou como hemorragia retro-peritoneal<br />

e tamponamento, permitindo assim,<br />

temporariamente, manter as pressões arteriais<br />

e o tratamento cirúrgico. Contudo, nestas<br />

situações, pela estabilidade hemodinâmica,<br />

pode haver um atraso no diagnóstico, pela<br />

confusão comum com quadros de abdómen<br />

agudo ou de patologias renais, muito mais<br />

frequentes na prática clínica. 3<br />

Fez colheita de sangue que revelou hemoglobina<br />

de 10 mg/dL, leucócitos 25700/mm 3<br />

com 83% de neutrófilos, creatinina de 1,7<br />

mg/dL e ureia de 74 mg/dL.<br />

Solicitou-se angiotomografia computorizada<br />

toraco-abdominal e pélvica que revelou<br />

aneurisma para-renal (justa-renal) com rotura<br />

retro-peritoneal, com cerca de 11 cm de<br />

diâmetro transversal maior e com extensão<br />

até à bifurcação aórtica (Fig. 1A a D).<br />

Por agravamento clínico rápido, com desenvolvimento<br />

de choque foi transferido para o bloco operatório<br />

para tratamento cirúrgico urgente, apresentando<br />

nesta altura valores de hemoglobina de<br />

6 mg/dL e tensões arteriais sistólicas de 60 mmHg.


Realizou-se, de imediato, sob anestesia geral<br />

uma laparotomia mediana xifo-púbica, confirmando-se<br />

os dados clínicos até então obtidos<br />

e ainda tratar-se de um aneurisma inflamatório.<br />

Após dissecção cuidada da aorta<br />

supra-renal e das artérias renais procedeuse<br />

à sua clampagem, repetindo-se depois<br />

os mesmos procedimentos para as artérias<br />

ilíacas comuns. Realizou-se em seguida interposição<br />

aorto-aórtica (Fig. 2) de prótese<br />

de Dacron de 20 mm com incorporação do<br />

ostium das artérias renais na anastomose<br />

próximal. A clampagem supra-renal teve<br />

uma duração de cerca de 20 minutos.<br />

Durante a intervenção iniciou-se transfusão de<br />

concentrado eritrocitário (9 U), plasma fresco<br />

congelado (2U) e concentrado plaquetário (2U).<br />

ROTURA DE ANEURISMA INFLAMATÓRIO <strong>DA</strong> AORTA ABDOMINAL PARA-RENAL. CASO CLÍNICO<br />

Fig. 1A a D Aneurisma aorta abdominal pararenal com rotura retroperitoneal<br />

Após a intervenção cirúrgica, o doente foi<br />

transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos,<br />

necessitando de noradrenalina em<br />

doses baixas por 3 dias e ventilação assistida<br />

durante 8 dias por quadro de pneumonia<br />

(embora não se tenha isolado qualquer<br />

agente) que respondeu clinicamente bem à<br />

piperacilina/tazobactan.<br />

Ao 13º dia de internamento o doente foi<br />

transferido para a enfermaria e teve alta ao<br />

17º dia, apresentando na altura normalização<br />

dos parâmetros vitais e analíticos.<br />

93


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 2 Interposição de prótese em posição aorto-aórtica<br />

diSCuSSão<br />

A taxa de doentes tratados por rotura de<br />

aneurismas da aorta abdominal na Europa<br />

varia entre 12 e 55% de todos os aneurismas<br />

tratados, 4 sendo responsável por um<br />

número importante de óbitos (no Reino<br />

Unido representa a décima causa de morte).<br />

É responsável por 1% das mortes no sexo<br />

masculino. 5 A taxa de mortalidade dos<br />

doentes tratados por via cirúrgica é muito<br />

semelhante na Europa e Estados Unidos da<br />

América situando-se entre 40-65%, 6 sendo<br />

as principais causas de morte o enfarte agudo<br />

do miocárdio e a falência multi-orgânica.<br />

Porém, a verdadeira taxa de mortalidade<br />

relacionada com a rotura de aneurismas da<br />

aorta abdominal é superior a 80%, já que muitos<br />

dos doentes não chegam vivos ao hospital. 7<br />

Os desenvolvimentos verificados na técnica<br />

cirúrgica e anestésica, bem como nos<br />

cuidados intensivos pós-operatórios tiveram<br />

pouco impacto na melhoria daqueles valores.<br />

Prevê-se, como alguns relatos o indicam,<br />

que só venham a ser melhorados com a<br />

aplicação de técnicas endovasculares. 8 Contudo,<br />

estas só estão disponíveis num número<br />

muito limitado de centros e só devem ser<br />

utilizadas por equipas treinadas regularmente<br />

no tratamento electivo de aneurismas<br />

da aorta abdominal. Também a anatomia<br />

do aneurisma e da restante árvore vascular<br />

pode limitar a utilização destas técnicas.<br />

Neste doente a opção de terapêutica cirúrgica<br />

foi motivada pela anatomia do aneu


isma, que não permitia um tratamento<br />

endovascular (não tinha colo próximal, i. é,<br />

aorta sem doença ectasiante abaixo das artérias<br />

renais, que permitisse a ancoragem da<br />

endoprótese) (Fig. 1D).<br />

CoNCLuSão<br />

O tratamento cirúrgico de aneurismas da<br />

aorta abdominal com rotura tem associada<br />

uma taxa de morbi-mortalidade elevada.<br />

Para melhorar este cenário é necessário aumentar<br />

a precocidade do diagnóstico e portanto<br />

também o tratamento electivo.<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Castleden WM, Mercer JC. Abdominal aortic aneurysms in<br />

Western Australia: discriptive epidemiology and patterns of rupture.<br />

Br J Surg 1985;72:109-2.<br />

2. James C. Stanley. Aortic Aneurysms, Contemporary Cardiology.<br />

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3. Marston WA, Ahlquist R, Johnson G Jr., Meyer AA. Misdiagnosis<br />

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4. Emergency AAA. Vascular news. 2001;1.<br />

5. Office of National Statistics. Mortality Statistics. Cause 1993.<br />

London: HMSO, 1995.<br />

ROTURA DE ANEURISMA INFLAMATÓRIO <strong>DA</strong> AORTA ABDOMINAL PARA-RENAL. CASO CLÍNICO<br />

Apesar de ser um caso com dificuldade técni-<br />

ca acrescida por se tratar de um aneurisma<br />

inflamatório para-renal, a prontidão no diagnóstico<br />

e terapêutica permitiu um resultado<br />

clínico favorável.<br />

Será ainda importante prevenir as complicações<br />

multiorgânicas registadas por estados<br />

prolongados de hipoperfusão. As técnicas<br />

endovasculares terão também aqui um papel<br />

muito importante.<br />

6. Bown MJ, Sutton AJ, Bell PR, Sayers RD. A meta-analysis<br />

of 50 years of ruptured abdominal aortic aneurysm. Br J Surg<br />

2003;90:421-5.<br />

7. Buskens FG. Incidence, risk and operability of abdominal aortic<br />

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2000;101:191-3.<br />

8. Paul JR, Mark AF. Endovascular repair of ruptured abdominal<br />

aortic aneurysm, In: Gilbert RU Jr, Criado E, eds, Aortic Aneurysms,<br />

Pathogenesis and Treatment. New York: Humana Press, 2009;197-<br />

206.<br />

95


aNeuRiSma iNFLamaTÓRio da aoRTa<br />

aBdomiNaL, em RoTuRa CRÓNiCa<br />

CoNTida e duPLiCação PRÉ-aÓRTiCa<br />

da Veia CaVa iNFeRioR. Podia SeR<br />

maiS ComPLiCado?<br />

Chronic contained rupture of an<br />

inflammatory aneurysm of the abdominal<br />

aorta with preaortic dupplication of inferior<br />

vena cava. Could it be more complicated?<br />

ReSumo Abstract<br />

Os aneurismas inflamatórios da aorta, a rotura<br />

crónica contida dos aneurismas aórticos<br />

e as malformações congénitas da veia cava<br />

inferior são, cada uma por si, entidades relativamente<br />

raras na prática clínica. A associação<br />

de todas elas num só indivíduo será,<br />

porventura, excepcional. Os autores apresentam<br />

o caso clínico de um doente de 67<br />

anos de idade, portador de um aneurisma inflamatório<br />

da aorta abdominal infra-renal,<br />

em rotura crónica contida, que tinha duplicação<br />

pré-aórtica da veia cava inferior. Descrevem<br />

o procedimento realizado, discutindo<br />

a estratégia cirúrgica e as suas implicações<br />

anestésicas.<br />

GERMANO DO CARMO<br />

ANTÓNIO ROSA<br />

DIOGO CUNHA E SÁ<br />

AUGUSTO MINISTRO<br />

CRISTINA PESTANA<br />

Departamentos de cirurgia Vascular e de anestesiologia<br />

The inflammatory aneurysms of the aorta,<br />

the chronic contained rupture of an aortic<br />

aneurysm and the congenital malformation<br />

of the inferior vena cava are clinical entities<br />

rarely seen in clinical practice. Its association<br />

in an individual patient, a 67-year old man,<br />

is certainly an unique and exceptional event<br />

that deserves publication. The authors<br />

report this clinical case, discussing the<br />

surgical approach and strategy, as well as its<br />

anesthetic implications.<br />

97


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

O aneurisma da aorta abdominal é uma<br />

doença silenciosa, quase sistematicamente<br />

assintomática até à ocorrência de rotura,<br />

condição que leva à morte da grande maioria<br />

dos portadores. A sua prevalência ronda<br />

os 6% nos indivíduos com mais de 60 anos<br />

e ocorre 4 vezes mais frequentemente nos<br />

doentes do sexo masculino do que nos do<br />

sexo feminino.<br />

Os aneurismas inflamatórios representam<br />

cerca de 5% de todos os aneurismas da<br />

aorta. 1 A etiologia do processo inflamatório<br />

é desconhecida, mas parece centrar-se no<br />

próprio aneurisma, estendendo-se a inflamação<br />

proximal e distalmente numa distância<br />

variável. Envolve as estruturas retroperitoniais<br />

vizinhas, particularmente o duodeno,<br />

as veias cava e renal esquerda e os ureteres,<br />

numa massa dura, fibrótica e esbranquiçada,<br />

aderente à parede da aorta. A mortalidade<br />

peri-operatória é significativamente<br />

superior à dos aneurismas inespecíficos, não<br />

sendo raro ver referido nestes casos o conceito<br />

de inoperabilidade.<br />

4% das roturas de todos os aneurismas aórticos<br />

ficam contidas e estabilizadas pelas<br />

estruturas próximas, 2 determinando, não<br />

uma situação de hipovolemia súbita com<br />

necessidade de correcção emergente, mas<br />

um quadro de evolução insidiosa de dor<br />

abdominal e lombar, sem grandes alterações<br />

do hematócrito, organização do trombo re-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, de 67 anos de<br />

idade, não fumador, não hipertenso, diabético,<br />

sem dislipidemia, sem quaisquer<br />

queixas relevantes até um mês antes do in-<br />

troperitoneal e frequentemente, erosão dos<br />

corpos vertebrais. O risco potencial de rerotura<br />

do aneurisma determina a instituição<br />

de uma terapêutica cirúrgica urgente.<br />

A veia cava inferior tem uma embriogénese<br />

extremamente complexa, sendo expectável<br />

a existência de inúmeras variações do normal.<br />

Estão descritos 15 tipos de anomalias.<br />

A duplicação infra-renal da veia cava inferior<br />

ocorre em 0,2 a 3% dos indivíduos. 3,4<br />

Consiste na existência de uma veia cava à<br />

direita e uma veia cava à esquerda da aorta,<br />

que se reúnem, anteriormente à aorta, ao<br />

nível das artérias renais, para formar uma<br />

veia cava inferior supra-renal. São óbvias as<br />

implicações que estas distorções anatómicas<br />

podem determinar nos acidentes e incidentes<br />

da cirurgia da aorta, particularmente se<br />

não forem reconhecidas previamente.<br />

A terapêutica cirúrgica dos aneurismas da<br />

aorta, quando estes têm características inflamatórias,<br />

estão rotos, ou existem malformações<br />

da veia cava inferior associadas já é,<br />

sem qualquer dúvida, um desafio. Quando<br />

todas estas condições ocorrem simultaneamente…<br />

Este trabalho descreve um caso de um<br />

doente com um aneurisma inflamatório<br />

aorto-ilíaco, em rotura crónica contida, que<br />

apresentava uma duplicação da veia cava<br />

inferior.<br />

ternamento, altura em que começa a referir<br />

dor lombar e abdominal, epigástrica e peri-<br />

-umbilical, acompanhada de anorexia, astenia,<br />

adinamia e emagrecimento.


ANEURISMA INFLAMATÓRIO <strong>DA</strong> AORTA ABDOMINAL, EM ROTURA CRÓNICA CONTI<strong>DA</strong> E DUPLICAÇÃO PRÉ-AÓRTICA <strong>DA</strong> VEIA CAVA<br />

INFERIOR. PODIA SER MAIS COMPLICADO?<br />

Recorre ao médico de família que o observa<br />

e pede rotinas laboratoriais, que demonstrariam<br />

discreta anemia e leucocitose com<br />

neutrofilia. Como investigação subsequente,<br />

pelo facto das queixas álgicas se terem<br />

agravado, foi requisitada uma ecografia abdominal.<br />

O médico radiologista, mediante a<br />

percepção da patologia que o doente apresentava,<br />

fez de imediato uma angio-tomografia<br />

computorizada (angio-TC) e orientou<br />

o doente para uma consulta de Cirurgia<br />

Vascular urgente. Nesta consulta verificou-<br />

-se tratar-se de um indivíduo extremamente<br />

prostrado, que referia dores abdominais e<br />

lombares intensas. Na palpação abdominal<br />

constatou-se a existência de uma massa pulsátil<br />

e expansível na região peri-umbilical.<br />

Existia uma franca exacerbação da dor à<br />

palpação.<br />

A observação dos exames imagiológicos<br />

confirmou a existência de um aneurisma da<br />

aorta abdominal infra-renal, com 5,1 cm de<br />

diâmetro, sem trombo mural, com contornos<br />

do lume extremamente irregulares, sugerindo,<br />

na face posterior, uma rotura contida<br />

pelo músculo psoas (Fig. 1 e 2). Era notável<br />

a erosão dos corpos vertebrais. Era ainda<br />

perceptível a presença de aneurismas da ambas<br />

as artérias ilíacas primitivas e da artéria<br />

hipogástrica direita (Fig. 3 e 4).<br />

Foi posta a indicação cirúrgica e o doente foi<br />

operado com urgência.<br />

Realizou-se uma laparotomia mediana,<br />

xifo-púbica e assim que se tentou abordar<br />

o retro-peritoneu, era evidente um processo<br />

inflamatório intenso que determinava a aderência,<br />

em bloco, do duodeno sobre a face<br />

anterior do aneurisma (Fig. 5), que parecia<br />

inexpugnável. Foi possível isolar as artérias<br />

ilíacas, poupadas às alterações fibróticas, bilateralmente.<br />

Cuidadosamente, em sentido<br />

Fig. 1 TC abdominal demonstrando aneurisma<br />

da aorta abdominal infra-renal com rotura<br />

crónica contida e erosão dos corpos vertebrais<br />

Fig. 2 Corte pterional da TC abdominal demonstrando<br />

aneurisma da aorta abdominal infra-renal<br />

com rotura crónica contida<br />

99


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 3 Recontrução tridimensional do aneurisma<br />

aorto-ilíaco e da artéria hipogástrica direita<br />

Fig. 4 Recontrução tridimensional do aneurisma<br />

aorto-ilíaco e da artéria hipogástrica direita, evidenciando<br />

as suas relações topográficas<br />

Fig. 5 Processo inflamatório retro-peritoneal<br />

envolvendo o duodeno<br />

cefálico, através de uma trabalhosa dissecção<br />

romba, conseguiu-se descolar o duodeno da<br />

parede do aneurisma. Foi então, com surpresa,<br />

que se constatou que uma volumosa<br />

estrutura venosa, provavelmente a veia cava<br />

inferior, cruzava a aorta ao nível do colo do<br />

aneurisma. Dissecou-se próxima e distalmente<br />

a veia e verificou-se que se tratava de<br />

uma duplicação da veia cava inferior e que a<br />

veia renal esquerda drenava para o seu ramo<br />

esquerdo (Fig. 6).<br />

Após testar as implicações que a clampagem<br />

do ramo esquerdo da veia cava teria na diminuição<br />

do pre-load cardíaco e de este ter<br />

sido optimizado, seccionou-se a veia, conseguindo<br />

expor a origem das artérias renais<br />

e o colo do aneurisma (Fig. 7).<br />

A aorta foi clampada a este nível. As artérias<br />

ilíacas foram clampadas ao nível da sua bifurcação,<br />

bilateramente.<br />

Ao abrir o saco aneurismático confirmou-se<br />

a rotura posterior do aneurisma, com exposição<br />

dos corpos vertebrais (Fig. 8).<br />

Foi então realizada a ressecção parcial do<br />

aneurisma da aorta e dos aneurismas das<br />

artérias ilíacas primitivas e interposta uma


ANEURISMA INFLAMATÓRIO <strong>DA</strong> AORTA ABDOMINAL, EM ROTURA CRÓNICA CONTI<strong>DA</strong> E DUPLICAÇÃO PRÉ-AÓRTICA <strong>DA</strong> VEIA CAVA<br />

INFERIOR. PODIA SER MAIS COMPLICADO?<br />

prótese bifurcada de Dacron com gelatina<br />

de 16 x 8 mm que ficou em posição aorto-<br />

-bi-ilíca ao nível das suas bifurcações. O aneu-<br />

risma da artéria hipogástrica direita foi<br />

laqueado e excluído. Procedeu-se então à reconstrução<br />

do ramo esquerdo da veia cava<br />

inferior através de uma reanastomose dos<br />

topos seccionados, com uma sutura contínua<br />

de Prolene 4/0 (Fig. 9).<br />

Fig. 6 Exposição do aneurisma inflamatório<br />

da aorta e duplicação da veia cava inferior,<br />

após descolamento do duodeno<br />

Fig. 7 Secção do ramo esquerdo da veia cava<br />

inferior, expondo as artérias renais e o colo do<br />

aneurisma<br />

Foram enviados fragmentos do conteúdo do<br />

aneurisma para exame bacteriológico e cultural,<br />

tendo o resultado sido negativo.<br />

O pós-operatório decorreu sem quaisquer<br />

complicações.<br />

O doente teve alta ao quarto dia após a<br />

cirurgia, sem queixas relevantes.<br />

Fig. 8 Abertura do saco aneurismático, demonstrando<br />

a rotura posterior do aneurisma com<br />

exposição dos corpos vertebrais<br />

Fig. 9 Interposição de prótese em posição aorto-<br />

-bi-ilíaca após ressecção do aneurisma e reconstrução<br />

da veia cava inferior<br />

101


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

diSCuSSão e CoNCLuSÕeS<br />

Como já referido anteriormente, os aneurismas<br />

inflamatórios da aorta representam<br />

cerca de 5% de todos os aneurismas aórticos.<br />

O primeiro caso descrito na literatura<br />

foi reconhecido por James em 1935. 5<br />

Desde então têm sido reconhecidos e acumulados<br />

casos de aneurismas da aorta que<br />

despertam uma reacção inflamatória intensa,<br />

com fibrose, dos tecidos e estruturas pró-<br />

ximas da aorta doente, particularmente do<br />

duodeno, veia cava e dos ureteres, com obstrução<br />

ureteral acentuada, que determina<br />

uma hidronefrose potencialmente grave.<br />

A evidência que se dispõe, de que o responsável<br />

por este processo inflamatório é o próprio aneu-<br />

risma, é o facto de todo o processo regredir rapi-<br />

damente logo que o aneurisma é tratado.<br />

Ao contrário dos aneurismas ateroscleróticos,<br />

sempre assintomáticos, os aneurismas<br />

inflamatórios apresentam-se, invariavelmente,<br />

com uma dor abdominal ou lombar<br />

que se vai acentuando, acompanhada por<br />

uma perda de peso não dispiciente. 6 A particularidade<br />

importante, do reconhecimento<br />

prévio, neste subgrupo de aneurismas, está<br />

relacionada com a estratégia cirúrgica, uma<br />

vez que, pelo facto da reacção inflamatória e<br />

aderência das estruturas vizinhas poder ser<br />

tão intensa, pode impedir a abordagem da<br />

aorta por uma via transperitoneal. Poder-se-<br />

-ia, em alternativa, abordar a aorta, pelo<br />

flanco esquerdo por uma via retroperitoneal.<br />

No doente em questão essa via seria impossível,<br />

uma vez que a veia cava esquerda impediria<br />

o acesso à aorta.<br />

Caracteristicamente, os aneurismas inflamatórios<br />

apresentam um espessamento acentuado da<br />

parede aórtica, que pode variar entre 1 e 4 cm,<br />

o que não acontecia no caso descrito, pelo que a<br />

situação não foi reconhecida antes da cirurgia.<br />

A concomitância dos aneurismas inflamatórios<br />

com os aneurismas com rotura crónica<br />

contida é, curiosamente, elevada. É referido<br />

que 37,5% dos aneurismas com rotura<br />

crónica contida apresentam características<br />

inflamatórias. 7<br />

Aparentemente, o que determina a possibilidade<br />

de ocorrer uma rotura crónica contida<br />

estará relacionado com três factores:<br />

· A pressão da hemorragia, directamente<br />

proporcional à tensão arterial do doente<br />

(doentes normotensos terão uma maior propensão<br />

para uma rotura contida do que<br />

doentes hipertensos). 8<br />

· O diâmetro do aneurisma, pois quanto<br />

mais pequeno o aneurisma, maior será a integridade<br />

e resistência da parede aórtica e<br />

consequentemente, menor o tamanho da<br />

perfuração parietal.<br />

· A localização da rotura, uma vez que os corpos<br />

vertebrais e o músculo psoas não são distensíveis<br />

e terão uma maior capacidade de conter o<br />

processo hemorrágico, nas roturas posteriores. 9<br />

Acrescenta-se que, eventualmente, a fibrose<br />

e a dureza dos tecidos adjacentes a um aneu-<br />

risma inflamatório, terão uma maior resistência<br />

e portanto, uma maior capacidade de<br />

tamponar a rotura.<br />

Todos estes factores terão contribuído para<br />

a contenção da rotura (toda a parede posterior)<br />

no caso relatado.<br />

O reconhecimento antecipado das anomalias<br />

venosas é extremamente importante<br />

quando se delinia a estratégia para uma<br />

cirurgia aórtica, de forma a minimizar o ris-


ANEURISMA INFLAMATÓRIO <strong>DA</strong> AORTA ABDOMINAL, EM ROTURA CRÓNICA CONTI<strong>DA</strong> E DUPLICAÇÃO PRÉ-AÓRTICA <strong>DA</strong> VEIA CAVA<br />

INFERIOR. PODIA SER MAIS COMPLICADO?<br />

co de lesões das grandes veias retroperitoneais,<br />

pois, como é conhecido, uma hemorragia<br />

de uma grande estrutura venosa pode<br />

ter consequência ominosas.<br />

O recurso a métodos de imagem sofisticados<br />

como a angio-TC ou angio-ressonância ma-<br />

gnética (angio-RM) são fundamentais para<br />

poder documentar a extensão e topografia<br />

da doença aneurismática da aorta. Inevitável,<br />

mas infelizmente, as reconstruções tridimensionais<br />

computorizadas excluem todos<br />

os tecidos peri-arteriais e impedem a percepção<br />

de qualquer anomalia das estruturas<br />

circundantes. No entanto, mesmo nos cortes<br />

tradicionais da TC do doente descrito, não<br />

foi possível descortinar a duplicação da veia<br />

cava inferior. Corresponderá, provavelmente,<br />

às irregularidades da parede aórtica descritas.<br />

Independentemente da sua identificação<br />

prévia, qualquer cirurgião deverá ter conhecimento<br />

da possibilidade dessas malformações<br />

e de todas as suas configurações<br />

possíveis, uma vez que o seu não reconhecimento<br />

poderá ser catastrófico.<br />

A opção de seccionar o ramo esquerdo da<br />

veia cava inferior era inevitável neste doente.<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Goldstone J, Malone JM, Moore WS. Inflammatory aneurysms of<br />

the abdominal aorta. Surgery 1978;83:425-30.<br />

2. Bansal M, Thukral BB, Malik A. Contained rupture of a<br />

thoracoabdominal aortic aneurysm presenting as a back mass. J<br />

Thorac Imaging. 2006;21:219-1.<br />

3. Brener BJ, Darling C, Frederick PL, Longton RR. Major venous<br />

anomalies complicating abdominal aortic surgery. Arch Surg<br />

1974;108:160-5.<br />

4. Mayo l, Gray R, St Louis E, Grossman H, McLoughlin M, Wise<br />

D. Anomalies of the inferior vena cava. AJR 1983;140:339-45.<br />

5. James TGI. Uremia due to aneurysm of the abdominal aorta. Br<br />

I Urol 1935; 7:157.<br />

Colocou no entanto alguns problemas técnicos.<br />

A veia estava aderente à parede aórtica<br />

e tinha uma grande tensão. Foi necessário<br />

conseguir isolá-la em todo o seu perímetro<br />

no segmento que cruzava a aorta, de forma<br />

a poder ser clampada com segurança. A sua<br />

reconstrução só foi possível, porque depois<br />

de ter sido feita a ressecção do aneurisma, a<br />

distância entre os topos diminuiu consideravelmente.<br />

A anastomose foi feita utilizando<br />

a técnica de pára-quedas, só aproximando<br />

os topos depois de toda a face posterior da<br />

veia ter sido suturada, de forma a repartir a<br />

tensão por toda a parede posterior.<br />

Como conclusão, deve referir-se que a ocorrência,<br />

em simultâneo, de um aneurisma inflamatório<br />

aorto-ilíaco, com rotura crónica<br />

contida e uma malformação da veia cava inferior<br />

será, porventura, um caso único, com<br />

uma dificuldade de resolução francamente<br />

acrescida. O reconhecimento, mesmo só no<br />

intra-operatório, das múltiplas situações, a<br />

paciência e a perseverança foram determinantes<br />

na solução satisfatória do caso apresentado.<br />

6. Crawford J, Stowe C, Sail H, Hallman C, Crawford S.<br />

Inflammatory aneurysms of the aorta. J Vasc Surg 1985;2:113-24.<br />

7. Sterpetti A, Blair E, Schultz R, Feldhaus RJ, Cisternino S, Chasan<br />

P. Sealed rupture of abdominal aortic aneurysms. J Vasc Surg<br />

1990;11:430-5.<br />

8. Szilagyi DE, Elliott JP, Smith RE. Clinical fate of the patient with<br />

asymptomatic abdominal aortic aneurysm and unfit for surgical<br />

treatment. Arch Surg 1972;104:600-6.<br />

9. Szilagyi DE, Elliott JP, Smith RE. Ruptured abdominal aortic<br />

aneurysms simulating sepsis. Arch Surg 1965;9I:263-75.<br />

103


TRaTameNTo CiRÚRGiCo da<br />

maCuLoPaTia da FoSSeTa da PaPiLa<br />

do NeRVo ÓPTiCo. a PRoPÓSiTo<br />

de um CaSo CLÍNiCo<br />

Surgical management of optic pit<br />

maculopathy. a case report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores descrevem um caso clínico de<br />

maculopatia associada à fosseta da pa-<br />

pila do nervo óptico estudada clinicamente e<br />

documentada com angiografia fluoresceínica<br />

e tomografia de coerência óptica (OCT). A<br />

técnica cirúrgica usada consistiu numa vitrec-<br />

tomia via pars plana, descolamento da hialoideia<br />

posterior, preenchimento da cavidade<br />

vítrea com perfluoropropano (C 3 F 8 ) e fotocoagulaçao<br />

da retina à volta da fosseta com<br />

laser de Argon. A acuidade visual melhorou<br />

substancialmente e a mácula ficou aplicada<br />

após a cirurgia.<br />

PAUL MARTINS CAMPOS<br />

MARA FERREIRA<br />

ANTÓNIO MACKAY FREITAS<br />

TÂNIA NOM<br />

MARIA DE LURDES SANTOS<br />

ISABEL DUARTE<br />

LUÍS CABRAL<br />

Departamentos de oftalmologia e de anestesiologia<br />

A case of optic pit maculopathy is reported<br />

by the authors, clinically studied and<br />

documented with fluorescein angiography<br />

and optical coherence tomography. The<br />

treatment consisted in the pars plana<br />

vitrectomy, posterior hyaloid dissection,<br />

injection of intravitreal perfluoropropane<br />

(C 3 F 8 ) and Argon laser photocoagulation of<br />

the retina around the optic pit. The visual<br />

acuity of the patient improved substantially<br />

and the macula remained applied after the<br />

surgical intervention.<br />

105


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A fosseta da papila do nervo óptico é uma<br />

pequena escavação congénita que ocorre em<br />

cerca de 1 em cada 10000 olhos. Na maioria<br />

dos casos é unilateral. A prevalência é semelhante<br />

nos dois sexos. Ocupa habitualmente<br />

menos de um terço da papila e localiza-se<br />

com mais frequência na sua metade temporal,<br />

junto à periferia. A escavação localizada<br />

tem uma coloração amarelada ou acinzentada,<br />

podendo associar-se a irregularidades do<br />

contorno da papila e à presença de artérias<br />

cilio-retinianas. Pode ser assintomática ou<br />

originar diversos defeitos de campo visual,<br />

sendo mais frequente o escotoma arqueado.<br />

Em mais de metade dos casos de fosseta da<br />

papila do nervo óptico surge nas primeiras<br />

quatro décadas de vida uma maculopatia<br />

que causa uma baixa acentuada da visão<br />

central e metamorfopsia.<br />

A maculopatia é mais frequente em fossetas<br />

grandes e de localização temporal e foi durante<br />

muito tempo considerada um descolamento<br />

seroso localizado da retina central.<br />

Mais recentemente, foi descrita como tendo<br />

dois componentes: 1<br />

i) o primeiro, uma área de edema intraretiniano<br />

com separação de camadas da<br />

retina, schisis-like inner retinal separation,<br />

que se estende até à papila;<br />

ii) o segundo, um verdadeiro descolamento<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente de sexo feminino, de 28 anos de idade,<br />

apresenta-se na consulta de Oftalmologia<br />

com um quadro de perda de visão central<br />

e metamorfopsia do olho esquerdo com<br />

dois dias de evolução. Nos seus anteceden-<br />

seroso da retina, outer retinal detachement,<br />

localizado no centro da área de edema e sem<br />

ligação com a papila.<br />

Foi proposta para a patogénese da maculopatia<br />

uma passagem de líquido anormal<br />

da fosseta para a espessura da retina criando<br />

o edema; só depois, o líquido passaria para<br />

o espaço sub-retiniano provocando o descolamento<br />

seroso central. 1 Esta observação foi<br />

confirmada pelas primeiras imagens obtidas<br />

por tomografia de coerência óptica (OCT)<br />

oito anos mais tarde. 2<br />

A origem do líquido que invade a retina permanece<br />

desconhecida. Pensa-se que poderá<br />

provir da cavidade vítrea, do líquido céfaloraquidiano<br />

(LCR) ou de vasos anormais que<br />

se associam à fosseta.<br />

A maculopatia tem um prognóstico mau<br />

uma vez que a remissão espontânea é rara.<br />

A perda de visão central é progressiva até<br />

aos 6 meses e em apenas 20% dos casos a<br />

acuidade visual é superior a 1/10.<br />

No tratamento da maculopatia têm-se utilizado<br />

métodos diferentes: fotocoagulação<br />

da retina à volta da fosseta com laser de Argon,<br />

injecção de gás no vítreo, vitrectomia<br />

associada a tamponamento interno com gás<br />

e fotocoagulação e explantes localizados.<br />

tes, destaca-se febre reumática aos 9 anos de<br />

idade e rinite alérgica. A doente não tinha<br />

antecedentes oftalmológicos relevantes e<br />

uma avaliação realizada um ano antes tinha<br />

revelado acuidades visuais de 10/10 com o


TRATAMENTO CIRÚRGICO <strong>DA</strong> MACULOPATIA <strong>DA</strong> FOSSETA <strong>DA</strong> PAPILA DO NERVO ÓPTICO. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO<br />

olho direito e de 9/10 com o olho esquerdo.<br />

À observação, a acuidade visual era 10/10<br />

com o olho direito sem correcção e 2/10 com<br />

o olho esquerdo sem correcção e sem melhorar<br />

com correcção óptica ou buraco estenopeico.<br />

Não apresentava alterações da motilidade<br />

ocular e observava-se um pequeno<br />

defeito aferente pupilar relativo à esquerda.<br />

A pressão intra-ocular era de 21 mmHg<br />

bilateralmente. O exame dos segmentos<br />

anteriores não apresentava alterações.<br />

A fundoscopia do olho direito era normal.<br />

O olho esquerdo não apresentava descolamento<br />

posterior do vítreo e este era transparente.<br />

Identificava-se uma fosseta da papila,<br />

temporal inferior, junto ao limite da papi-<br />

la e duas artérias cílio-retinianas. A retina de<br />

todo o pólo posterior estava elevada até ao<br />

limite da papila (Fig. 1). Na grelha de<br />

Amsler a doente referia metamorfopsia do<br />

olho esquerdo.<br />

Fig. 1 Retinografia pré-operatória - descolamento<br />

seroso da retina<br />

Realizou-se retinografia e angiografia fluoresceínica<br />

(Topcon® TRC 50DX) que mostrou<br />

haver difusão de corante na área correspondente<br />

à fosseta, mas não na área do<br />

descolamento (Fig. 2).<br />

Fig. 2 Angiografia pré-operatória - fosseta da papi-<br />

la do nervo óptico mostrando difusão tardia<br />

O exame por OCT (StratusOCT®, Zeiss-<br />

Humphrey) revelou lacunas hiporreflectivas<br />

de grandes dimensões na camada nuclear<br />

externa em toda a área elevada da retina.<br />

No centro desta área, encontrava-se líquido<br />

sub-retiniano ocupando um terço da área<br />

total. Identificava-se uma extensa solução de<br />

continuidade na camada de fotorreceptores,<br />

formando um buraco lamelar externo da retina,<br />

com integridade mantida das camadas<br />

internas. Na retina inter-papilomacular estavam<br />

ainda presentes pequenas lacunas na<br />

camada nuclear interna e aparentemente na<br />

camada de fibras nervosas, alterações estas<br />

que não se observavam na retina temporal à<br />

fóvea. A elevação máxima da retina excedia<br />

os 600 micra (Fig. 3).<br />

Fig. 3 OCT pré-operatória - edema intra-retiniano<br />

(schisis like) (+), descolamento (*) das camadas<br />

externas da retina e buraco lamelar (seta)<br />

107


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Um mês após a observação inicial, a acuidade<br />

visual do olho esquerdo tinha diminuído<br />

para contar dedos a 2 metros.<br />

Foi realizada uma vitrectomia via pars plana<br />

sob anestesia geral, com descolamento<br />

da hialoideia posterior, vitrectomia periférica,<br />

tamponamento interno com C 3 F 8 a<br />

15%, sem tentativa de drenagem de líquido<br />

sub-retiniano. No primeiro dia de pós-operatório<br />

fez-se fotocoagulação com laser de<br />

Argon à volta da fosseta. Durante 15 dias<br />

após a cirurgia, foi mantido o posicionamento<br />

adequado, para eficácia do tamponamento<br />

do pólo posterior.<br />

Uma semana após a cirurgia, a retina central<br />

permanecia elevada.<br />

Às três semanas, a metade superior do descolamento<br />

tinha aplanado e na semana<br />

seguinte, a mácula estava aplicada, embora<br />

persistisse ainda algum líquido junto à<br />

arcada vascular temporal inferior. A bolha<br />

de gás já não ocupava o pólo posterior. A<br />

acuidade visual melhorou para 1/10. A OCT<br />

mostrou existir algum líquido sub-retiniano<br />

foveal e escassas lacunas na camada nuclear<br />

externa. Contudo, estava presente uma bolha<br />

de líquido sub-retiniano extensa inferior<br />

à fóvea (Fig. 4A e B).<br />

Seis semanas depois da cirurgia a acuidade<br />

visual era 8/10, com defeitos de campo visual<br />

central, e às dez semanas era de 9/10. A<br />

bolha permanecia bem delimitada, separada<br />

da mácula e com pontos amarelos sub-retinianos<br />

(Fig. 5).<br />

Na observação realizada quatro meses depois<br />

da cirurgia, não se registavam alterações<br />

da acuidade visual e do aspecto fundoscópico<br />

da retina.<br />

Fig. 4A e B OCT pós-operatórias - líquido sub-<br />

-retiniano foveal<br />

Fig. 5 Retinografia pós-operatória - bolha inferior<br />

com depósitos sub-retinianos amarelados<br />

Na última observação, realizada doze meses<br />

depois da cirurgia, a acuidade visual permanecia<br />

9/10, a bolha havia desaparecido totalmente<br />

(Fig. 6) e na OCT não existia qualquer<br />

evidência de líquido sub-retiniano (Fig. 7).


TRATAMENTO CIRÚRGICO <strong>DA</strong> MACULOPATIA <strong>DA</strong> FOSSETA <strong>DA</strong> PAPILA DO NERVO ÓPTICO. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO<br />

Fig. 6 Retinografia aos 12 meses - alteração da<br />

coloração da retina no local onde se encontrava a<br />

bolha de líquido sub-retiniano<br />

diSCuSSão<br />

A fosseta da papila do nervo óptico é uma<br />

patologia observada com alguma frequência,<br />

sendo quase sempre um achado acidental.<br />

Devido à elevada percentagem de maculopatia<br />

associada que ocorre precocemente,<br />

recomenda-se a vigilância dos sintomas de<br />

metamorfopsia com grelha de Amsler.<br />

O caso clínico apresentado ilustra as características<br />

da maculopatia, bem como algumas<br />

particularidades da sua evolução pós-<br />

-operatória. Neste caso, a OCT demonstrou<br />

a estrutura bilaminada, com edema intra-retiniano<br />

que se estendia até à papila e descolamento<br />

da retina confinado ao pólo posterior.<br />

Detectava-se ainda um buraco lamelar,<br />

limitado às camadas externas da retina, que<br />

estabelecia comunicação entre o líquido<br />

intra-retiniano e o líquido sub-retiniano.<br />

Após a intervenção cirúrgica o edema intraretiniano<br />

diminuiu rapidamente. O líquido<br />

sub-retiniano persistiu durante mais tempo<br />

e a sua reabsorção continuou após o desaparecimento<br />

do gás intra-ocular. Aos qua-<br />

Fig. 7 OCT aos 12 meses - reabsorção do líquido<br />

sub-retiniano<br />

tro meses de pós-operatório persistia ain-<br />

da líquido sub-retiniano confinado a uma<br />

bolha de localização inferior à mácula. A<br />

persistência do líquido sub-retiniano durante<br />

tanto tempo não se observa habitualmente<br />

nos descolamentos regmatógenos da<br />

retina e foi igualmente descrita em casos de<br />

maculopatia da fosseta da papila do nervo<br />

óptico tratados por pneumopexia 3 e em casos<br />

tratados por vitrectomia, tamponamento<br />

interno e fotocoagulação. 4 A lentidão da<br />

reabsorção foi atribuída à persistência da<br />

entrada de líquido na retina através da fosseta,<br />

concluindo-se que a origem do líquido<br />

era predominantemente o LCR das baínhas<br />

do nervo óptico e não líquido proveniente<br />

da cavidade vítrea. 3 Foi também proposto<br />

que a demora se devia à longa duração<br />

do líquido sub-retiniano, como sucede nos<br />

descolamentos da retina antigos. 4 Mais recentemente,<br />

foi sugerido que o líquido intra-<br />

-retiniano poderia provir das duas origens,<br />

cavidade vítrea e LCR, mas que o seu aporte<br />

dependeria da variação da pressão intra-cra-<br />

109


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

niana que originaria variações na diferença<br />

de pressões entre o globo ocular e o espaço<br />

sub-aracnoideu do nervo óptico. 5<br />

A eficácia do tratamento cirúrgico, embora<br />

relativa, parece confirmar que algum líquido<br />

intra-retiniano provém da cavidade vítrea,<br />

através de uma solução de continuidade na<br />

retina. Se assim não fosse, o tamponamento<br />

interno não modificaria a maculopatia.<br />

Contudo, a longa persistência do líquido<br />

sub-retiniano, após a reabsorção total do<br />

edema da retina, bem como a frequência das<br />

recidivas tardias da maculopatia sugerem<br />

que o aporte de líquido a partir do LCR se<br />

mantém ou recorre. Assim, é possível que o<br />

mecanismo da maculopatia envolva sempre<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Lincoff H, Lopez R, Kreissig I, Yannuzzi L, Cox M, Burton T.<br />

Retinoschisis associated with optic nerve pits. Arch Ophthalmol<br />

1988;106:61-7.<br />

2. Lincoff H, Schiff W, Krivoy D, Ritch R. Optic coherence<br />

tomography of optic disc maculopathy. Am J Ophthalmol<br />

1996;122:264-6.<br />

3. Lincoff H, Kreissig I. Optical coherence tomography of pneumatic<br />

displacement of optic disc pit maculopathy. Br J Ophthalmol<br />

1998;82:367-72.<br />

algum aporte do LCR. É igualmente possível<br />

que o LCR tenha componentes químicos<br />

que produzam um efeito inibitório sobre a<br />

função de reabsorção do epitélio pigmentado<br />

da retina. Isso explicaria a persistência<br />

do líquido sub-retiniano mesmo que não<br />

houvesse recrutamento continuado de líquido<br />

para a retina.<br />

Em conclusão, o tratamento cirúrgico foi<br />

eficaz no caso descrito e permitiu uma boa<br />

recuperação funcional registada durante o<br />

tempo de seguimento. Permanecem, contudo,<br />

algumas interrogações sobre a patogénese<br />

da maculopatia que quando esclarecidas,<br />

poderão ajudar a modificar o tratamento no<br />

futuro.<br />

4. García-Arumi J, Corcóstegui Guraya B, Boixadero-Espox A,<br />

Martínez Castillo V, Saralols Ramsay L, Mox Motta, R. Optical<br />

coherence tomography in optic pit maculopathy managed with<br />

vitrectomy-laser-gas. Graefe´s Archive for Clinical and Experimental<br />

Ophthalmology 2004;242:819-26.<br />

5. Johnson TM, Johnson MW. Pathogenic implications of subretinal<br />

gas migration through pits and atypical colobomas of the optic<br />

nerve. Arch Ophthalmol 2004;122:1793-1800.


doeNça de BeHçeT. CaSo CLÍNiCo<br />

Behçet disease. Case report<br />

ReSumo Abstract<br />

A doença de Behçet é uma vasculite multissistémica<br />

de etiologia não estabelecida,<br />

que afecta principalmente os olhos, as mucosas<br />

e a pele. Os autores descrevem um<br />

caso clínico em que o diagnóstico foi formulado<br />

no contexto de uma uveíte bilateral. A<br />

doente foi tratada com corticoterapia oral,<br />

assistindo-se a uma remissão rápida dos sintomas.<br />

A propósito deste caso assinala-se a<br />

estratégia diagnóstica e as opções terapêuticas<br />

nesta doença.<br />

BERNARDO FEIJÓO<br />

FILOMENA RIBEIRO<br />

ANTÓNIO MACKAY FREITAS<br />

CATARINA RESENDE<br />

Departamentos de oftalmologia e de reumatologia<br />

Behçet disease is a multisystemic vasculitis<br />

of unknown etiology, mainly affecting the<br />

eyes, the mucosal surfaces and the skin.<br />

The authors report a clinical case of Behçet<br />

disease in which the diagnosis was made in<br />

a patient with bilateral uveitis. The patient<br />

was treated with oral corticosteroids,<br />

followed by a quick clinical remission.<br />

Related to this case, the authors made a<br />

literature review on the diagnostic approach<br />

and therapeutic options of the disease.<br />

111


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A doença de Behçet foi descrita pela primeira<br />

vez em 1937, pelo dermatologista turco<br />

Hulusi Behçet, a propósito de três doentes<br />

com úlceras orais, úlceras genitais e<br />

uveíte. 1 Trata-se de uma vasculite obliterativa<br />

multissistémica, que afecta principalmente<br />

os olhos, as mucosas e a pele. É<br />

uma causa importante de morbilidade em<br />

todo o mundo, mas a sua prevalência é<br />

mais elevada nos países Mediterrânicos e do<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 34 anos de<br />

idade, caucasiana, recorreu ao Atendimento<br />

Médico Permanente do Hospital da Luz por<br />

queixas de dor e diminuição da acuidade visual<br />

do olho direito (OD), com 48 horas de<br />

evolução. Referia agravamento da dor com<br />

os movimentos oculares e negava quaisquer<br />

outros sintomas oftalmológicos.<br />

A doente referia história de úlceras aftosas<br />

orais recorrentes, com mais de quatro episódios<br />

nos últimos dois anos, tendo o último<br />

ocorrido quinze dias antes da observação<br />

actual. No ano anterior tinha-lhe sido diagnosticada<br />

pseudo-foliculite do tórax.<br />

A doente tinha miopia, diagnosticada desde<br />

os 7 anos de idade e corrigida com óculos.<br />

Não tinha outros antecedentes oftalmológicos<br />

relevantes nem antecedentes familiares<br />

significativos.<br />

O exame objectivo revelou uma melhor<br />

acuidade visual corrigida de 3/10 à direita<br />

e de 10/10 à esquerda. Os reflexos pupilares<br />

estavam mantidos e simétricos. Não estava<br />

presente defeito pupilar aferente relativo. O<br />

exame biomicroscópico do segmento ante-<br />

Médio Oriente. A etiologia da doença ainda<br />

não está completamente estabelecida. Nos<br />

países em que se regista uma prevalência ele-<br />

vada parece existir uma associação com o<br />

alelo HLA-B51.<br />

A propósito de um caso clínico de doença<br />

de Behçet é feita uma revisão das principais<br />

manifestações clínicas e da abordagem terapêutica<br />

desta doença.<br />

rior demonstrou um Tyndall de +++ no OD<br />

e Tyndall ++ no olho esquerdo (OE). As<br />

pressões intra-oculares eram de 12 mmHg e<br />

10 mmHg no OD e OE, respectivamente. A<br />

oftalmoscopia indirecta (Fig. 1) revelou vi-<br />

trite moderada do olho direito, com exsudados<br />

duros perifoveais em disposição radiária,<br />

sobretudo nasais, disco óptico de limites mal<br />

definidos. Acima da arcada temporal superior<br />

identificaram-se múltiplas hemorragias<br />

intrarretinianas, com tortuosidade vascular<br />

e exsudado algodonoso. Não foram identificados<br />

outros sinais de vasculite retiniana,<br />

nomeadamente vasos embainhados.<br />

A angiografia fluoresceínica mostrou hiperfluorescência<br />

precoce do disco óptico e área<br />

de oclusão vascular com extravasamento<br />

transmural acima da arcada temporal superior<br />

(Fig. 2). Nos tempos tardios era evidente<br />

a hiperfluorescência do disco com alguma<br />

difusão.<br />

Perante um quadro clínico de panuveíte do<br />

olho direito e uveíte anterior do olho esquerdo,<br />

foi instituída terapêutica tópica imediata<br />

com corticoesteróides e cicloplégicos.<br />

A doente foi depois submetida a uma avalia-


ção clínico-laboratorial, realizada em conjunto<br />

com a consulta de Reumatologia, que<br />

revelou negatividade dos antigénios HLA-<br />

B27 e HLA-B51, teste de patergia negativo,<br />

prova de Mantoux negativa, VDRL negativo<br />

e valores séricos para a lisozima e enzima<br />

de conversão da angiotensina dentro do intervalo<br />

de referência.<br />

Decidiu-se então iniciar terapêutica sistémica<br />

com corticoesteróides (prednisolona, 1<br />

mg/kg). Passadas 48 horas de tratamento, as-<br />

sistiu-se a uma franca melhoria clínica, com<br />

remissão da dor e diminuição da reacção inflamatória<br />

dos segmentos anterior e posterior.<br />

Ao fim de uma semana de corticoterapia<br />

sistémica constatou-se uma melhoria evidente<br />

da acuidade visual corrigida à direita<br />

para 8/10. Verificou-se uma diminuição do<br />

Tyndall vítreo, melhor definição dos limites<br />

do disco óptico e reabsorção dos exsudados<br />

perifoveais.<br />

O tratamento foi mantido durante um<br />

período de quatro meses, ao longo do qual<br />

se procedeu a um desmame lento dos corticoesteróides<br />

sistémicos. No final deste<br />

período foram realizadas novas retinografia<br />

(Fig. 3) e angiografia fluoresceínica, excluindo-se<br />

a existência de vasculite retiniana<br />

sub-clínica.<br />

Passado um período de follow-up de 15 meses<br />

a doente encontra-se sem recidiva clínica,<br />

com melhor acuidade visual corrigida de<br />

10/10 à direita e à esquerda, continuando a<br />

ser observada regularmente em consulta de<br />

Oftalmologia.<br />

DOENÇA DE BEHÇET. CASO CLÍNICO<br />

Fig. 1 Retinografia do olho direito que evidencia<br />

a presença de hemi-estrela macular, papilite e área<br />

de oclusão vascular com hemorragias superior ao<br />

disco óptico<br />

Fig. 2 Angiografia fluoresceínica (tempo tardio).<br />

Evidente hiperfluorescência do disco e área de<br />

oclusão vascular superior, com extravasamento<br />

transmural de contraste<br />

Fig. 3 Retinografia do olho direito ao fim de<br />

quatro meses de tratamento. Verifica-se desaparecimento<br />

da estrela macular, ausência de vitrite e<br />

papilite e reabsorção parcial das hemorragias<br />

113


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

diSCuSSão<br />

O diagnóstico da doença de Behçet é exclusivamente<br />

clínico. Baseia-se num conjunto<br />

de critérios de diagnóstico. Os critérios mais<br />

utilizados são os estabelecidos em 1990 pelo<br />

International Study Group on Behçet Disease<br />

(ISGBD) 2 e que se referem no Quadro I.<br />

O envolvimento ocular ocorre em cerca de<br />

70% dos doentes e está associado a um risco<br />

de cegueira elevado, na maioria dos casos<br />

bilateral. 3,4<br />

A incidência da doença é mais elevada em<br />

indivíduos do sexo masculino que em regra<br />

apresentam manifestações mais graves e<br />

mais precoces. 5<br />

A inflamação do segmento posterior é a<br />

manifestação ocular mais comum, sendo a<br />

vasculite retiniana uma observação quase<br />

constante, acompanhada ou não de vitrite.<br />

Quadro I – Critérios de diagnóstico da doença de Behçet*<br />

CRITÉRIO<br />

Úlceras orais recorrentes<br />

e presença de outros dois critérios entre os seguintes:<br />

Úlceras genitais recorrentes<br />

Lesões oculares<br />

Lesões cutâneas<br />

Teste de patergia positivo<br />

*adaptado de International Study Group for Behçet’s Disease 2<br />

Outras manifestações oculares possíveis são<br />

a uveíte anterior, neuropatia óptica, esclerite<br />

e nódulos conjuntivais. 6<br />

Na doença de Behçet o papel da avaliação<br />

laboratorial é fundamentalmente a exclusão<br />

de outros diagnósticos. No caso dos doentes<br />

com manifestações oftalmológicas predominantemente<br />

do segmento posterior, como no<br />

caso apresentado, o diagnóstico diferencial<br />

faz-se sobretudo com sarcoidose, tuberculose<br />

e sífilis.<br />

O tratamento das manifestações oculares<br />

baseia-se em corticoesteróides e imunossupressores,<br />

nomeadamente a ciclosporina A.<br />

No caso clínico apresentado foi ponderado o<br />

tratamento com ciclosporina A; no entanto,<br />

a excelente resposta clínica à corticoterapia<br />

e a manutenção da remissão clínica ao longo<br />

do desmame evitaram até à data esta opção.<br />

DEFINIÇÃO<br />

ocorrência de lesões aftosas pelo menos três vezes<br />

num período de doze meses<br />

Necessária a observação da úlcera aftosa ou cicatriz<br />

pelo médico ou pelo doente<br />

uveíte anterior, uveíte posterior, ou presença de<br />

células no vítreo no exame biomicroscópico, ou presença<br />

de vasculite retiniana observada pelo médico<br />

(oftalmologista)<br />

incluem lesões tipo eritema nodoso observadas<br />

pelo médico ou pelo doente, pseudofoliculite e<br />

lesões pápulo-pustulares ou nódulos acneiformes<br />

em doentes pós-adolescência e não medicados com<br />

corticoesteróides<br />

observado pelo médico às 48 horas


Vários autores e estudos 7-9 relataram melhorias<br />

francas do prognóstico visual em<br />

doentes com envolvimento do segmento<br />

posterior com a utilização da terapêutica<br />

imunossupressora. No entanto, não existe<br />

consenso relativamente ao melhor agente<br />

ou combinação. Além da ciclosporina A outras<br />

opções actuais incluem o infliximab e o<br />

interferão-alfa.<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Behçet H. Über rezidiverende aphthöse, durch ein virus verursachte<br />

geschwüre am mund, am auge und an den genitalien. Dermatol<br />

Wochenschr 1937;105:1152-7.<br />

2. International Study Group for Behçet’s Disease. Criteria for<br />

diagnosis of Behçet’s disease. Lancet 1990;335:1078-80.<br />

3. Kontogiannis V, Powell RJ. Behçet’s disease. Postgrad Med J<br />

2000;76:629-37.<br />

4. Verity DH, Wallace GR, Vaughan RW, Stanford MR. Behçet’s<br />

disease: from Hippocrates to the third millennium. Br J Ophthalmol<br />

2003;87:1175-83.<br />

5. Tugal-Tutkun I, Onal S, Altan-Yaycioglu R, Altunbas HH,<br />

Urgancioglu M. Uveitis in Behçet disease: an analysis of 880<br />

patients. Am J Ophthalmol 2004;138:373-80.<br />

DOENÇA DE BEHÇET. CASO CLÍNICO<br />

O papel do oftalmologista é fundamental<br />

na avaliação destes doentes, dado que a detecção<br />

e o tratamento precoce de casos com<br />

envolvimento do segmento posterior podem<br />

modificar o prognóstico visual.<br />

6. Kacmaz RO, Kempen JH, Newcomb C, et al. Ocular inflammation<br />

in Behçet disease: incidence of ocular complications and of loss of<br />

visual acuity. Am J Ophthalmol 2008;146:828-36.<br />

7. Yoshida A, Kawashima H, Motoyama Y, et al. Comparison of<br />

patients with Behçet disease in the 1980s and 1990s. Ophthalmology<br />

2004;111:810-15.<br />

8. Yazici H, Pazarli H, Barnes CG, et al. A controlled trial of<br />

azathioprine in Behçet’s syndrome. N Engl J Med 1990;322:281-5.<br />

9. Masuda K, Nakajima A, Urayama A, Nakae K, Kogure M,<br />

Inaba G. Double-masked trial of cyclosporine versus colchicine<br />

and long-term open study of cyclosporine in Behçet disease. Lancet<br />

1989;1:1093-6.<br />

115


aPLiCação de TÉCNiCa PeSSoaL<br />

Na ReCoNSTRução do LiGameNTo<br />

PaTeLo-FemoRaL em doiS <strong>CaSoS</strong><br />

de iNSTaBiLidade RoTuLiaNa<br />

Two cases of patellar instability surgically<br />

managed by a personal technique<br />

of patellofemoral ligament reconstruction<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam dois casos clínicos<br />

de luxação recidivante da rótula nos quais<br />

foi utilizada uma técnica pessoal de reconstrução<br />

do ligamento patelo-femoral interno<br />

(LPFI). A técnica consiste numa tunelização<br />

da rótula em “U” para passagem do enxerto<br />

ligamentar, evitando assim a aplicação de<br />

qualquer material de osteossíntese. Os bons<br />

resultados obtidos levaram a que esta técni-<br />

ca fosse incorporada no arsenal cirúrgico de<br />

rotina, estando já em seguimento diversos<br />

casos além dos descritos.<br />

PEDRO GRANATE<br />

ANTÓNIO SARAIVA DE MELO º<br />

TERESA GRANATE MARQUES ºº<br />

Departamento de ortopedia<br />

˚médico especialista em anestesiologia<br />

˚˚Hospital garcia de orta<br />

The authors report two clinical cases of<br />

recurrent patella instability, surgically<br />

managed with a personal technique of<br />

reconstruction of the medial patellofemoral<br />

ligament. This technique consists of a “U<br />

shaped” tunnel in the patella that allows<br />

the passage of the graft, avoiding the use of<br />

any osteosynthesis. The good results already<br />

obtained lead to the routine use of this<br />

technique in other cases.<br />

117


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A incidência da luxação primária da rótula<br />

é 5,8 casos em 100000 pessoas, aumentando<br />

para 27 em 100000 na população entre<br />

10 e os 17 anos de idade. Após tratamento<br />

conservador de um episódio agudo, a taxa<br />

de recorrência varia entre os 15 e os 44%.<br />

Mesmo quando não se repetem novos episódios<br />

de luxação, muitos doentes apresentam<br />

dor e sintomas mecânicos após um primeiro<br />

episódio de luxação, que podem limitar as<br />

actividades da vida diária (AVD) e, principalmente,<br />

a prática desportiva. 1<br />

O ligamento patelo-femoral interno (LPFI)<br />

é, entre todas as estruturas internas, aquela<br />

que mais contribui para a estabilidade patelar.<br />

Esta sua importância, principalmente<br />

durante os primeiros graus de flexão (0º a<br />

20º), é cada vez mais reconhecida, sendo<br />

hoje o LPFI considerado como o principal<br />

estabilizador passivo interno da rótula. Este<br />

ligamento insere-se no bordo interno da rótula<br />

e no côndilo interno do fémur. As suas<br />

fibras superficiais passam entre o côndilo<br />

interno e o tubérculo dos músculos adutores<br />

para se inserirem numa posição 1,9 mm<br />

anterior e 3,9 mm distal ao tubérculo dos<br />

adutores. 2,3<br />

A etiologia da instabilidade patelo-femoral<br />

é multifactorial. A estabilidade da rótula<br />

depende essencialmente de factores ósseos<br />

(alinhamento do membro inferior e anatomia<br />

óssea patelo-femoral), da integridade<br />

dos tecidos moles e da sua normal relação<br />

com os músculos circundantes. 1 A história<br />

clínica, o morfotipo e uma observação criteriosa<br />

são cruciais para um diagnóstico e<br />

planeamento correctos (Fig. 1). A tomografia<br />

computorizada (TC) é o exame complementar<br />

de diagnóstico de eleição para esta<br />

patologia. 4 A realização de um estudo es-<br />

Fig. 1 Instabilidade clínica com rotura crónica<br />

do LPFI<br />

tático e dinâmico do aparelho extensor é<br />

fundamental para um diagnóstico e planeamento<br />

cirúrgico correctos (Fig. 2).<br />

O tratamento cirúrgico da instabilidade<br />

rotuliana deve incluir o tratamento de todos<br />

os factores etiológicos envolvidos. Estão<br />

descritas mais de 100 técnicas cirúrgicas<br />

diferentes de tratamento da instabilidade<br />

Fig. 2 TC - em cima em repouso, em baixo com<br />

contracção do quadricípede


patelar, que habitualmente incluem uma<br />

combinação de libertação de asa externa,<br />

plicatura do retináculo interno e reali-<br />

nhamento distal.<br />

A reconstrução do LPFI deve ser considerada<br />

sempre que exista insuficiência dos estabilizadores<br />

internos, seja após um episódio<br />

inicial traumático (em que existe sempre algum<br />

grau de lesão do LPFI), seja por laxidão<br />

patológica das estruturas internas. 2<br />

Existem numerosas técnicas de reconstrução<br />

do LPFI, algumas das quais associadas a iatrogenia<br />

potencial, como a hiperpressão na<br />

faceta interna e sobretudo a catastrófica<br />

fractura da rótula. Esta complicação levou<br />

a uma avaliação detalhada das técnicas<br />

conhecidas, quase todas elas transfixivas<br />

(Endobuton®, parafusos de interferência,<br />

dupla tunelização, entre outras). Idealizou-<br />

-se então uma variante da dupla tunelização,<br />

para que, no caso de fractura da rótula,<br />

esta atingisse apenas o bordo interno, sem<br />

afectar a superfície articular ou o aparelho<br />

extensor (Fig. 3).<br />

A reconstrução do LPFI é realizada utilizando<br />

enxerto livre de tendão semitendinoso<br />

autólogo. Realizam-se dois túneis de 4,5<br />

mm de diâmetro no bordo interno da rótula,<br />

formando um “U” com os braços a distar<br />

1 cm. O enxerto é passado ao longo deste<br />

túnel sem necessidade de fixação patelar<br />

adicional (Fig.4).<br />

Em seguida é identificado o ponto isométrico,<br />

neste caso, o ponto anatomométrico, de<br />

fixação no fémur, cujas referências são 1 cm<br />

anterior e distal ao tubérculo dos adutores,<br />

respeitando uma distância de segurança da<br />

interlinha sob controlo de intensificador de<br />

imagem (Fig. 5). É de suma importância ve-<br />

rificar a excursão da rótula em todo o arco<br />

APLICAÇÃO DE TÉCNICA PESSOAL NA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO PATELO-FEMORAL<br />

EM DOIS CASOS DE INSTABILI<strong>DA</strong>DE ROTULIANA<br />

Fig. 3 Esquema da resconstrução do LPFI<br />

Fig. 4 Passagem do enxerto no bordo interno<br />

da rótula<br />

119


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 5 Controlo fluoroscópico do ponto anatomométrico<br />

Fig. 6 Verificação da excursão da rótula<br />

em todo o arco de movimento<br />

de movimento, de modo a assegurar a anatomometricidade<br />

e a evitar a hiperpressão interna<br />

(Fig. 6). O enxerto é depois passado<br />

sobre o músculo vasto interno e fixado no<br />

fémur.<br />

O fio de olhal usado para identificar o ponto<br />

anatomométrico é usado como guia para o<br />

túnel femoral. Este é feito com uma broca<br />

canulada de 7 mm até uma profundidade<br />

de 25 a 30 mm. Através do túnel passam as<br />

Fig. 7 Fixação femoral com parafuso<br />

de interferência<br />

extremidades livres do enxerto, de modo a<br />

ser possível tensionar o enxerto desde a face<br />

externa do joelho. Com o joelho em extensão<br />

é colocado um parafuso de interferência<br />

reabsorvível de 7 x 23 mm para fixar o enxerto<br />

(Fig. 7). É exercida uma tensão suficiente<br />

para manter um alinhamento anatómico<br />

mas nunca uma hipercorrecção, já que o<br />

LPFI não deve ser usado para recolocar a<br />

rótula na tróclea, mas sim para anular a sua<br />

lateralização anormal.


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

CASO 1<br />

Doente do sexo feminino de 19 anos de<br />

idade, recorre à consulta de Ortopedia por<br />

luxação recidivante da rótula, bilateral, com<br />

inúmeros episódios de luxação. Tinha sido já<br />

operada, aos 14 anos de idade, com alectomia<br />

externa, não recordando o episódio inicial<br />

traumático.<br />

O exame objectivo revelou hipermobilidade<br />

rotuliana, com teste de apreensão de Fairbanks<br />

e teste de recolocação de Fulkerson positivos.<br />

Os exames radiológicos revelaram uma<br />

anatomia troclear normal, ângulo Q e distância<br />

TAGT aumentados.<br />

A doente foi submetida a tratamento cirúrgico<br />

da instabilidade à esquerda. Realizou-se a<br />

libertação da asa externa por via artroscópica,<br />

realinhamento distal com medialização<br />

da tuberosidade anterior da tíbia (TAT) de<br />

acordo com a técnica de Elmslie-Trillat e reconstrução<br />

do LPFI usando a técnica atrás<br />

descrita.<br />

A doente teve alta às 72 horas de pós-operatório,<br />

sem complicações, imobilizada com<br />

diSCuSSão<br />

A importância do LFPI como principal estabilizador<br />

interno é cada vez mais realçada. A<br />

reconstrução do LFPI está indicada quando<br />

existe instabilidade lateral recidivante da<br />

rótula devido a insuficiência dos estabilizadores<br />

internos, principalmente quando a<br />

instabilidade não se deve a alteração evidente<br />

dos factores estabilizadores ósseos. 1,2<br />

A técnica de reconstrução descrita e apli-<br />

APLICAÇÃO DE TÉCNICA PESSOAL NA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO PATELO-FEMORAL<br />

EM DOIS CASOS DE INSTABILI<strong>DA</strong>DE ROTULIANA<br />

ortótese amovível em extensão durante 6<br />

semanas. Retomou a prática desportiva de<br />

lazer aos 8 meses de pós-operatório.<br />

CASO 2<br />

Doente sexo masculino de 24 anos de idade,<br />

recorre à consulta de Ortopedia por luxação<br />

recidivante da rótula direita, após episódio<br />

traumático inicial durante um jogo de rugby.<br />

Ao retomar a prática desportiva refere recidiva<br />

de luxação com traumatismos menores.<br />

O exame objectivo revelou teste de apreensão<br />

positivo e os exames radiológicos não revelaram<br />

alterações estáticas ou dinâmicas do<br />

aparelho extensor.<br />

Dado não existirem alterações da relação<br />

patelo-femoral foi apenas realizada secção<br />

de asa externa por via artroscópica e reconstrução<br />

de LPFI pela técnica descrita.<br />

O doente teve alta às 48 horas de pós-operatório,<br />

sem complicações, imobilizado com<br />

ortótese amovível em extensão durante 6<br />

semanas. Retomou a prática desportiva de<br />

competição aos 12 meses de pós-operatório.<br />

cada nos dois casos representa uma modificação<br />

adicional aos vários procedimentos<br />

existentes. As modificações introduzidas<br />

visam essencialmente evitar a iatrogenia potencialmente<br />

associada a esta reconstrução.<br />

É imperativo evitar a hiperpressão na faceta<br />

interna (especialmente em flexão). Para isso<br />

deve ser identificado com precisão o ponto<br />

anatomométrico de fixação no fémur testando<br />

intra-operatoriamente o arco de movi-<br />

121


mento. De igual importância, é a tensão<br />

aplicada no ligamento, que deve ser apenas<br />

a suficiente para manter uma normal relação<br />

anatómica.<br />

Tal como referido, outro risco associado<br />

às técnicas de fixação do enxerto na rótula<br />

com tunelização transfixiva ou material<br />

de osteossíntese é o de fractura da rótula. 3<br />

Este risco é minimizado na técnica descrita,<br />

uma vez que o túnel é realizado apenas no<br />

bordo interno, não sendo necessário utilizar<br />

qualquer tipo de material de fixação.<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Farr J, Schepsis AA. Reconstruction of the medial patellofemoral<br />

ligament for recurrent patellar instability. Am J Knee Surg<br />

2006;19:307-16.<br />

2. Colvin AC, West RV. Patellar instability. J Bone Joint Surg Am<br />

2008;90:2751-62.<br />

Embora as técnicas descritas de reconstrução<br />

do LPFI não sejam consensuais em todos os<br />

aspectos, a importância daquele ligamento<br />

para a estabilidade rotuliana e a necessidade<br />

da sua reconstrução no tratamento da instabilidade<br />

é cada vez mais reconhecida. A<br />

técnica desenvolvida pelos autores permite<br />

uma reconstrução anatómica e dinâmica e<br />

pretende evitar os riscos associados a outras<br />

técnicas. Os bons resultados obtidos<br />

levaram a que fosse incorporada no arsenal<br />

cirúrgico de rotina, estando já em seguimento<br />

diversos casos além dos descritos.<br />

3. Cosgarea AJ. MPFL Reconstruction: technique and biomechanical<br />

implications. In: AOSSM Annual Meeting - Instructional Course<br />

Materials. The American Orthopaedic Society for Sports Medicine<br />

2007:112-9.<br />

4. Delgado-Martins H. A study of the position of the patella using<br />

computerized tomography. J Bone Joint Surg (Br) 1979;61B:443-4.


aRTRodeSe C1-C2 PoSTeRioR em<br />

doeNTe Com SuBLuxação aTLaNToaxoideia<br />

PoR aRTRiTe ReumaTÓide<br />

Posterior C1-C2 arthrodesis for the treatment<br />

of atlantoaxial subluxation in a rheumathoid<br />

arthritis patient<br />

ReSumo Abstract<br />

A luxação atlanto-axoideia é a causa mais<br />

frequente de compromisso da coluna vertebral<br />

em doentes com artrite reumatóide. Nos<br />

casos em que existe uma dor crónica incapacitante<br />

ou uma tetraparesia progressiva<br />

por compressão medular, está indicada uma<br />

fixação cirúrgica C1-C2. Descreve-se o caso<br />

clínico de uma doente com artrite reumatóide<br />

e instabilidade C1-C2, que se apresentou na<br />

clínica com dor cervical persistente, tratada<br />

com artrodese posterior utilizando parafusos<br />

poliaxiais nas massas laterais do atlas e nos<br />

pedículos do áxis, unidos com barras e enxer-<br />

to autólogo de osso ilíaco.<br />

ÁLVARO LIMA<br />

MANUEL CUNHA E SÁ<br />

Departamento de neurocirurgia<br />

The atlanto-axial subluxation is the most<br />

frequent involvement of the vertebral<br />

column in rheumathoid arthritis patients.<br />

Cases presenting persistent neck pain or<br />

progressive tetraparesia due to medular<br />

compression should be treated with surgical<br />

fusion. The authors report the clinical case<br />

of a rheumathoid arthritis patient with C1-<br />

C2 instability, presenting with persistent<br />

neck pain. The patient was treated with<br />

posterior C1-C2 arthrodesis using polyaxial<br />

screws to the atlas lateral masses and axis<br />

pedicules, and joined with bars and iliac<br />

autologous graft.<br />

123


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A artrite reumatóide é uma doença sistémica<br />

que compromete as superfícies articulares,<br />

as cápsulas articulares e os ligamentos que as<br />

estabilizam. Este envolvimento é predomi-<br />

nante ao nível das pequenas articulações<br />

dos pés, das mãos e da coluna cervical.<br />

Ao nível da coluna cervical, as lesões mais<br />

frequentes são a luxação atlanto-axoideia, a<br />

subluxação subaxial e a invaginação basilar,<br />

que podem ser causa de compromisso neurológico<br />

ou dor refractária.<br />

A luxação atlanto-axoideia é a manifes-<br />

tação mais comum da artrite reumatóide na<br />

coluna cervical. Para além da instabilidade<br />

vertebral, é também característica a formação<br />

de um pannus inflamatório entre a apófise<br />

odontóide e a dura-máter. Esta situação<br />

pode ser causa de dores cervicais crónicas e<br />

compromisso neurológico progressivo, por<br />

compressão medular.<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 71 anos de<br />

idade, com diagnóstico de artrite reumatóide<br />

há cerca de 12 anos e quadro clínico de cervicalgias<br />

persistentes, que não melhoraram<br />

com o tratamento médico. No exame neurológico<br />

não se observaram alterações. Os<br />

exames radiológicos realizados revelaram<br />

uma subluxação C1-C2, com sinais de instabilidade<br />

e alargamento do espaço atlanto-odontoideu<br />

superior a 3 mm nos movimentos<br />

de flexão da coluna cervical (Fig.<br />

1A e B). A tomografia computorizada (TC)<br />

cervical mostrou um pannus inflamatório a<br />

rodear a apófise odontoideia, reduzindo o<br />

diâmetro do canal raquidiano e provocando<br />

Em doentes com artrite o tratamento cirúrgico<br />

da luxação atlanto-axoideia tem conhe-<br />

cido progressos assinaláveis nas últimas<br />

décadas. A artrodese posterior C1-C2 com<br />

parafusos e barras, 1 popularizada em 2001, 2<br />

constituiu uma técnica alternativa à fixação<br />

C1-C2 com parafusos transarticulares, que<br />

tem maior risco de lesão da artéria vertebral.<br />

A fixação C1-C2 consiste na colocação<br />

de parafusos poliaxiais nas massas laterais<br />

do atlas e nos pedículos de C2, por via posterior,<br />

unidos com barras. Esta técnica tem<br />

a vantagem de ser de execução mais simples<br />

do ponto de vista técnico, com um risco<br />

inferior de lesão vascular ou neurológica e<br />

permitindo uma redução intra-operatória<br />

das luxações C1-C2.<br />

Os autores descrevem o caso clínico de uma<br />

doente com artrite reumatóide e subluxação<br />

C1-C2, tratada através de fixação C1-C2<br />

com parafusos poliaxiais e barras (Summit®,<br />

Johnson & Johnson).<br />

moldagem da transição bulbo-medular (Fig<br />

2A e B). A doente não efectuou ressonância<br />

magnética nuclear (RMN) por ter um<br />

implante ferromagnético na anca esquerda.<br />

Face à situação clínica de dor refractária e<br />

incapacitante e ao risco de lesão neurológica,<br />

decidiu-se realizar uma fixação C1-C2,<br />

com a técnica de Harms.<br />

A intervenção cirúrgica foi realizada sob<br />

anestesia geral e na posição de decúbito<br />

ventral com a cabeça fixada no apoio de<br />

Mayfield. Com o intensificador de imagem<br />

foi controlada a posição do áxis e do<br />

atlas, garantindo-se a redução da luxação.


ARTRODESE C1-C2 POSTERIOR EM DOENTE COM SUBLUXAÇÃO ATLANTO-AXOIDEIA POR ARTRITE REUMATÓIDE<br />

Fig. 1A Radiografia da coluna cervical simples de<br />

perfil em extensão, ocorrendo redução da luxação<br />

Fig. 2A Corte axial de TC da charneira crânio<br />

cervical em que se observa o atlas, a apófise<br />

odontoideia rodeada pelo pannus inflamatório e a<br />

nítida redução do diâmetro do canal raquidiano<br />

Fig. 1B Radiografia da coluna cervical simples de<br />

perfil em flexão, demonstrando o agravamento<br />

da subluxação, com espaço atlanto-odontoideu<br />

superior a 3 mm<br />

Fig. 2B Corte sagital de TC da charneira crânio<br />

vertebral em que se pode também ver alguma<br />

deformação da transição bulbo-medular<br />

125


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

A intervenção foi iniciada pela incisão<br />

cutânea, seguida da dissecção subperióstea<br />

da escama occipital e dos elementos posterio-<br />

res de C1, C2 e C3, expondo até à face lateral<br />

das apófises articulares. Posteriormente<br />

foi feita a dissecção da raiz de C2, expondo<br />

a face posterior das massas laterais do atlas.<br />

Esta dissecção é muito dificultada pela hemor-<br />

ragia dos plexos venosos aí localizados, que<br />

deve ser controlada com coagulação bipolar<br />

e material hemostático. Com o afastamento<br />

caudal do gânglio da raiz de C2 foi exposto<br />

o ponto de entrada dos parafusos das massas<br />

laterais do atlas, no ponto médio entre<br />

a face interna e externa da massa lateral e<br />

o ponto médio entre o arco posterior de C1<br />

e a superfície articular. Usando um perfurador<br />

foi feita a canulação da massa lateral,<br />

em direcção ligeiramente ascendente e convergente,<br />

sempre sob controlo imagiológico,<br />

e colocado o parafuso poliaxial de 3,5 mm.<br />

Este parafuso não tem espiras na parte mais<br />

proximal, de modo a evitar a irritação do<br />

gânglio da raiz de C2. Em seguida foram<br />

colocados os parafusos pediculares de C2.<br />

O local de entrada foi calculado no ponto<br />

de intersecção das linhas mediana da lâmina<br />

de C2 e mediana do maciço articular do<br />

mesmo lado. A perfuração foi feita de forma<br />

semelhante, em direcção ascendente e ligeiramente<br />

convergente, sempre sob controlo<br />

de imagem. Depois de colocados os parafusos<br />

poliaxiais a construção foi estabilizada<br />

com a colocação das barras.<br />

A Fig. 3 ilustra de forma esquemática a localização<br />

do material de instrumentação<br />

entre C1 e C2, em vistas lateral e posterior.<br />

Seguiu-se a colheita do enxerto autólogo do<br />

osso ilíaco que foi colocado entre o arco de<br />

posterior de C1 e a apófise espinhosa de C2,<br />

previamente descorticados, e fixado com ara-<br />

me. A ferida foi encerrada por planos com<br />

Fig. 3 Representação esquemática da fixação C1-C2, com parafusos poliaxiais e barras, segundo a<br />

técnica de Harms


diSCuSSão<br />

ARTRODESE C1-C2 POSTERIOR EM DOENTE COM SUBLUXAÇÃO ATLANTO-AXOIDEIA POR ARTRITE REUMATÓIDE<br />

sutura reabsorvível e na pele foram usados<br />

agrafos. Não se registaram intercorrências<br />

no pós-operatório e a doente usou um colar<br />

cervical semi-rígido durante 3 semanas.<br />

A Fig. 4 mostra o resultado radiológico do<br />

caso descrito.<br />

A artrite reumatóide é uma doença sistémica<br />

de etiologia desconhecida que atinge os<br />

pequenos vasos sanguíneos e a membrana<br />

sinovial. Esta doença tem um envolvimento<br />

poliarticular simétrico de pequenas articulações<br />

das mãos, pés e da coluna cervical. 3<br />

As alterações patológicas são causadas pelo<br />

processo de sinovite e proliferação sinovial<br />

que destrói as facetas e as cápsulas articulares<br />

e fragiliza os seus ligamentos, provocando<br />

deformação articular, laxidão ligamentar<br />

e, consequentemente, instabilidade.<br />

Ao nível da coluna cervical as lesões mais<br />

frequentes são a luxação atlanto-axoideia,<br />

a luxação subaxial e a invaginação basilar,<br />

que consiste na migração da apófise odontóide<br />

através do buraco occipital devido à<br />

deformação das articulações atlanto-axoideias.<br />

O caso clínico apresentado descreve uma<br />

situação de luxação atlanto-axoideia que é a<br />

manifestação mais frequente da artrite reumatóide<br />

ao nível da coluna cervical. A ins-<br />

Fig. 4 Imagem radiológica em perfil da fixação<br />

C1-C2 realizada no caso descrito<br />

tabilidade ao nível das articulações atlanto-<br />

-axoideias, o envolvimento dos ligamentos<br />

transverso e cruciforme e a deformação da<br />

apófise odontóide contribuem para a subluxação<br />

anterior do atlas sobre o áxis e para<br />

a formação de um pannus inflamatório entre<br />

a apófise odontoideia e a dura-máter.<br />

As manifestações clínicas da artrite reumatóide<br />

incluem uma cervicalgia intensa<br />

e persistente, que irradia à região occipital<br />

e agrava com os movimentos, assim como<br />

quadros neurológicos de mielopatia. Estes<br />

quadros resultam dos traumatismos repetidos<br />

do neuro-eixo provocados pela instabilidade<br />

das articulações atlanto-axoideias ou<br />

pela compressão medular, em consequência<br />

da formação do pannus inflamatório, que<br />

pode ser volumoso e comprimir a medula,<br />

mesmo sem subluxação significativa da apófise<br />

odontóide. 4<br />

Para uniformizar os critérios de indicação<br />

cirúrgica e a avaliação do prognóstico, foi<br />

descrita uma classificação funcional em<br />

que os doentes são divididos em 3 classes<br />

127


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

de acordo com os défices neurológicos, 5<br />

e que continua a ser utilizada nas séries<br />

cirúrgicas (Quadro I). Os critérios de indicação<br />

cirúrgica consensuais são a presença<br />

de dor cervical não tratável ou um défice<br />

neurológico progressivo. Mais controversas<br />

Quadro I – Classificação funcional dos doentes com luxação atlanto-axoideia 5<br />

i. Sem défices neurológicos<br />

ii. Fraqueza muscular subjectiva, hiperreflexia e disestesias<br />

iii. Fraqueza muscular objectiva, sinais piramidais<br />

a. ambulatório<br />

b. Tetraparésia – não deambula<br />

Nas situações de subluxação atlanto-axoideia<br />

está indicada a realização de uma artrodese<br />

C1-C2.<br />

As técnicas de artrodese C1-C2 estão<br />

descritas desde 1910, mas tornaram-se<br />

populares com a referência à utilização de<br />

arame para a fixação do arco posterior do<br />

atlas à apófise espinhosa do áxis, complementada<br />

com enxerto tricortical. 6 Esta técnica<br />

foi modificada posteriormente, 7 passando<br />

a utilizar enxerto bicortical colocado<br />

entre o arco posterior do atlas e a lâmina<br />

do áxis. Os principais problemas desta técnica<br />

residiam no risco de lesão neurológica<br />

ao passar os arames por baixo do arco posterior<br />

do atlas e a elevada taxa de erosão<br />

óssea provocada pelo arame que cortava<br />

o osso, sobretudo quando osteoporótico.<br />

Para obviar estes problemas foram desenvolvidos<br />

os ganchos de Halifax, cuja colocação<br />

na parte superior do arco posterior do<br />

atlas e na parte inferior da lâmina do áxis<br />

foi descrita em 1984. 8 Esta técnica apresentou<br />

resultados superiores, mas ainda surgiram<br />

casos de falência por instabilidade rotacional<br />

que só poderiam ser ultrapassados<br />

com uma fixação mais rígida, de preferência<br />

são as situações de alterações imagiológicas<br />

graves assintomáticas ou as situações<br />

de tetraparésia grave de longa duração<br />

(classe IIIb da escala de Ranawat), em que<br />

o tratamento depende de uma avalia-<br />

ção individual e dos critérios do cirurgião.<br />

com três pontos de apoio. Neste sentido, foi<br />

desenvolvida uma técnica que usava parafusos<br />

transarticulares que fixavam as articulações<br />

laterais entre o atlas e o áxis, complementados<br />

com enxerto ósseo fixado com<br />

arames entre os elementos posteriores das<br />

duas vértebras. 9 Embora extremamente eficaz,<br />

esta técnica tem diversos inconvenientes<br />

relacionados com as dificuldades técnicas de<br />

colocação dos parafusos, o risco elevado de<br />

lesão da artéria vertebral e o facto da colocação<br />

dos parafusos só poder ser realizada<br />

depois da redução da luxação.<br />

A técnica cirúrgica utilizada no tratamento<br />

do caso clínico apresentado consiste na colocação<br />

de parafusos nas massas laterais<br />

do atlas e nos pedículos do áxis, através da<br />

pars interarticularis, que depois são unidos<br />

por barras. O ponto de entrada do parafuso<br />

do atlas localiza-se imediatamente acima da<br />

raiz de C2, que deverá ser dissecada. Para<br />

evitar a irritação desta raiz nervosa, o parafuso<br />

não tem espiras na parte mais proximal.<br />

O parafuso do áxis deve ser colocado<br />

na parte superior e interna do pedículo para<br />

evitar a artéria vertebral. Esta técnica tem<br />

as vantagens de permitir a redução intra-


operatória da luxação atlanto-axoideia e<br />

de não estar dependente da integridade do<br />

arco posterior do atlas porque possibilita<br />

uma fixação com quatro apoios. Do ponto<br />

de vista biomecânico, foi demonstrada uma<br />

eficácia sobreponível à técnica dos parafusos<br />

transarticulares. 10 A sua principal<br />

limitação é a eventual impossibilidade de<br />

colocar os parafusos pediculares do áxis se<br />

a artéria vertebral apresentar um trajecto<br />

anómalo. No entanto, é possível ultrapassar<br />

esta limitação com uma modificação da técnica<br />

que consiste na utilização de parafusos<br />

laminares cruzados. 11 Esta modificação foi<br />

avaliada do ponto de vista biomecânico 12 e<br />

considerada sobreponível à técnica original.<br />

A mesma técnica usada no caso descrito foi<br />

aplicada numa série de 39 doentes com instabilidade<br />

C1-C2 por várias causas, verificando-se<br />

a existência de fusão em 37 doentes<br />

na avaliação final realizada um ano após<br />

as intervenções. Nos outros dois doentes a<br />

instrumentação foi removida de forma planeada<br />

após consolidação das fracturas. Não<br />

se verificaram complicações, nem deteriora-<br />

BiBLioGRaFia<br />

ARTRODESE C1-C2 POSTERIOR EM DOENTE COM SUBLUXAÇÃO ATLANTO-AXOIDEIA POR ARTRITE REUMATÓIDE<br />

1. Goel A, Laheri V. Plate and screw fixation for atlanto-axial<br />

subluxation. Acta Neurochir (Wien) 1994;129:47-53.<br />

2. Harms J, Melcher RP. Posterior C1-C2 fusion with polyaxial<br />

screw and rod fixation. Spine 2001;26:2467-71.<br />

3. Heary FH, Simeone FA, Crockard HA. Rheumatoid arthritis. In<br />

Benzel E, eds. Spine surgery: techniques, complication avoidance,<br />

and management. Philadelphia: Elsevier, 1999;684-702.<br />

4. Crockard HA, Grob D. Rheumatoid arthritis: upper cervical<br />

involvement. In Clark CR, eds. The cervical spine. Philadelphia:<br />

Lippincot-Raven, 1998;705-14.<br />

5. Ranawat CS, O’Leary P, Pellicci P, Tsairis P, Marchisello P, Dorr<br />

L. Cervical spine fusion in rheumatoid arthritis. J Bone Joint Surg<br />

1979;61A:1003-10.<br />

ção dos quadros neurológicos. 2<br />

A maior série publicada data de 2008, 13 e<br />

refere-se a uma experiência clínica multicêntrica<br />

de tratamento de 102 doentes com instabilidade<br />

C1-C2. Nesta série foi utilizada<br />

em alguns doentes uma modificação da técnica<br />

de Harms, 2 que consistiu na colocação<br />

de espaçadores entre as superfícies articulares<br />

de C1 e C2. A fusão atlanto-axoideia<br />

foi conseguida em 100 dos 102 doentes, não<br />

sendo descritas lesões vasculares ou neurológicas.<br />

Em conclusão, considera-se que a artrodese<br />

C1-C2 com parafusos nas massas laterais do<br />

atlas e nos pedículos do áxis é uma técnica<br />

segura, eficaz e sem riscos significativos. Deverá<br />

portanto ser a técnica de eleição para o<br />

tratamento da instabilidade C1-C2, de causa<br />

traumática, degenerativa ou inflamatória.<br />

No caso apresentado descreve-se a técnica<br />

aplicada a uma situação de luxação atlanto-<br />

-axoideia por artrite reumatóide, demonstrando<br />

a sua eficácia e segurança.<br />

6. Gallie W. Fractures and dislocations of the cervical spine. Am J<br />

Surg 1939;46:495-9.<br />

7. Dickman CA, Sonntag VK. Surgical management of atlantoaxial<br />

nonunions. J Neurosurg 1995;83:248-53.<br />

8. Holness RO, Huestis WS, Howes WJ, Lagille RA. Posterior<br />

stabilization with an interlaminar clamp in cervical injuries:<br />

Technical note and review of the long term experience with the<br />

method. Neurosurgery 1984;14:318-22.<br />

9. Magerl F, Seemann PS. Stable posterior fusion of the atlas and<br />

axis by transarticular screw fixation. In: Kehr P, Weidner A, eds.<br />

Cervical Spine I. New York, Wien: Spinger, 1986:322-7.<br />

10. Melcher RP, Puttlitz CM, Kleinstueck FS, Lotz JC, Harms<br />

J, Bradford DS. Biomechanical testing of posterior atlantoaxial<br />

fixation techniques. Spine 2002;27:2435-40.<br />

129


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

11. Wright NM. Posterior C2 fixation using bilateral, crossing<br />

C2 laminar screws: case series and technical note. J Spinal Disord<br />

Techniques 2004;17:158-62.<br />

12. Claybrooks R Kayanja M, Milks R, Benzel E. Atlantoaxial<br />

fusion: a biomechanical analysis of two C1-C2 fusion techniques<br />

The Spine 2007;7:682-8.<br />

13. Aryan HE, Newman B, Ames CP, et al. Stabilization of the<br />

atlantoaxial complex via C1 lateral mass and C2 pedicle screw<br />

fixation in a multicenter clinical experience in 102 patients:<br />

modification of the Harms and Goel techniques. J Neurosurg Spine<br />

2008;8:222-9.


FoRamiNeCTomia CeRViCaL<br />

PoSTeRioR a doiS NÍVeiS Com<br />

TÉCNiCa miNimameNTe iNVaSiVa<br />

Two-level minimally invasive posterior<br />

cervical foraminectomy<br />

ReSumo Abstract<br />

A radiculopatia cervical é uma situação clínica<br />

que frequentemente persiste apesar do<br />

tratamento conservador e que muitas vezes<br />

necessita de tratamento cirúrgico, através de<br />

foraminectomia cervical posterior. O desenvolvimento<br />

de abordagens minimamente invasivas<br />

permitiu um progresso considerável<br />

e um novo aumento da popularidade desta<br />

técnica. Apresenta-se o caso de uma doente<br />

do sexo feminino de 57 anos de idade, com<br />

quadro de radiculopatia cervical C6 e C7 direitas,<br />

por estenose foraminal degenerativa<br />

C5-C6 e C6-C7, submetida a foraminectomia<br />

cervical por via posterior com utilização<br />

de afastadores tubulares e microscópio óptico.<br />

A foraminectomia cervical posterior com<br />

técnica minimamente invasiva é segura e eficaz<br />

na resolução do quadro neurológico e<br />

permite uma recuperação rápida no pós-operatório.<br />

A médio e longo prazo não existe risco<br />

de instabilidade vertebral e, dado que se<br />

mantém a mobilidade vertebral, não há risco<br />

de agravar processos degenerativos dos<br />

níveis adjacentes.<br />

ÁLVARO LIMA<br />

BRUNO SANTIAGO<br />

Departamento de neurocirurgia<br />

Despite the conservative treatment,<br />

cervical radiculopathy is a clinical entity<br />

that frequently persists, requiring often<br />

surgical treatment. The development of<br />

minimally invasive approaches contributed<br />

to the posterior cervical foraminectomy<br />

progress and to its increased popularity.<br />

The authors report the clinical case of a 57year<br />

old female with the clinical picture of<br />

a C6 and C7 right cervical radiculopathy,<br />

due to C5-C6 and C6-C7 foraminal<br />

degenerative stenosis, submitted to twolevel<br />

cervical right foraminectomy, using<br />

tubular spreaders and optical microscope.<br />

The posterior cervical foraminectomy with<br />

a minimal invasive approach is an efficient<br />

and safe technique, solving the neurological<br />

picture and allowing a fast postoperative<br />

recovery. At medium and long term there<br />

is no risk of vertebral instability and, as<br />

vertebral mobility is maintained, there is no<br />

risk of aggravating degenerative processes<br />

of the adjacent levels.<br />

131


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A radiculopatia cervical é uma situação clínica<br />

que resulta do compromisso de uma raiz<br />

cervical, no trajecto entre a sua origem na<br />

medula e a extremidade distal do forâmen.<br />

Caracteriza-se por cervicobraquialgia, dormência<br />

ou hipostesia, ou alteração da força<br />

muscular do membro superior. Esta situação<br />

clínica é condicionada por uma hérnia discal<br />

extrusada ou por estenose degenerativa do<br />

forâmen, resultante de um debrum osteofitário<br />

do prato vertebral ou por deformação<br />

das apófises articulares. Habitualmente estas<br />

situações têm indicação para tratamento<br />

cirúrgico quando ocorre uma falência do<br />

tratamento conservador, com persistência<br />

dos sintomas por 6 a 12 semanas. 1<br />

A foraminectomia cervical por via posterior<br />

foi descrita por vários autores na década de<br />

1940, 2,3 com excelentes resultados no tratamento<br />

da radiculopatia cervical. Posteriormente<br />

caiu em desuso, substituída pelas vias<br />

de abordagem anteriores, 4 que permitiam<br />

também resolver as compressões mielorradiculares<br />

mais medianas.<br />

Recentemente, esta técnica tem sido usada<br />

em casos seleccionados de estenose foraminal<br />

pura e extensa no sentido distal,<br />

com a vantagem, em relação às vias anteriores,<br />

de preservar o movimento intervertebral,<br />

dispensar o uso de colar cervical e<br />

eliminar o risco das complicações relacio-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 56 anos de<br />

idade, observada na consulta de Neurocirurgia<br />

do Hospital da Luz por um quadro<br />

de cervicobraquialgia direita, com dormência<br />

permanente do antebraço e mão, há<br />

nadas com a deglutição e fonação. A sua<br />

principal desvantagem consiste na dissecção<br />

muscular necessária para a abordagem<br />

do forâmen cervical, que implica a<br />

existência de dor muscular no pós-operatório<br />

e um período de recuperação mais prolongado,<br />

comparativamente às abordagens<br />

anteriores.<br />

Com o desenvolvimento das técnicas minimamente<br />

invasivas no tratamento da patologia<br />

vertebral, a técnica de abordagem<br />

posterior do forâmen ganhou uma nova<br />

popularidade, dado que a utilização de<br />

pequenos canais de trabalho provoca uma<br />

menor lesão muscular e possibilita uma recuperação<br />

mais rápida, com menos dor pós-<br />

-operatória.<br />

Na literatura apresentam-se várias séries de<br />

casos em que se usam técnicas minimamente<br />

invasivas para o tratamento da radiculopatia<br />

cervical a um nível. 5,6 Está também publicada<br />

uma série de doentes tratados a dois<br />

níveis, demonstrando que a técnica é eficaz<br />

e segura. 7<br />

Apresenta-se um caso clínico de uma doente<br />

com um quadro de radiculopatia a dois<br />

níveis tratada por via minimamente invasiva,<br />

com a utilização de um canal de trabalho<br />

e microscópio óptico.<br />

cerca de 6 semanas, persistente apesar do<br />

tratamento conservador.<br />

No exame neurológico observou-se que a<br />

força muscular se mantinha, os reflexos os


teotendinosos bicipital e radial direitos estavam<br />

diminuídos e estava presente uma hipostesia<br />

álgica no território das raízes de C6<br />

e C7 direitas. Não se observaram alterações<br />

dos reflexos osteotendinosos dos restantes<br />

membros, os sinais de Hoffman e Tromner<br />

eram negativos e os reflexos cutâneo-plantares<br />

eram extensores.<br />

A tomografia computorizada (TC) da coluna<br />

cervical mostrou alterações degenerativas<br />

nos níveis C5-C6 e C6-C7, com debruns<br />

disco-osteofitários e uncartroses, que em<br />

conjunto diminuíam o calibre dos foramina<br />

de C5-C6 e C6-C7 à direita (Fig. 1A e B).<br />

Fig. 1 Imagens de TC da coluna cervical. A. Corte<br />

axial a nível C5-C6 revelando a estenose do<br />

buraco de conjugação à direita. B. Corte axial a<br />

nível C6-C7 revelando a estenose do buraco de<br />

conjugação à direita<br />

FORAMINECTOMIA CERVICAL POSTERIOR A DOIS NÍVEIS COM TÉCNICA MINIMAMENTE INVASIVA<br />

A ressonância magnética (RM) da coluna<br />

cervical confirmou as alterações observadas<br />

na TC e mostrou ainda que no nível C5-C6,<br />

o debrum disco-osteofitário reduzia o espaço<br />

de liquor pré-medular, sem condicionar<br />

compressão da medula. A medula não apresentava<br />

alterações do sinal (Fig. 2).<br />

Face a esta situação clínica foi proposta<br />

realização de foraminectomia C5-C6 e C6-<br />

-C7, por via posterior, com a utilização de<br />

técnica minimamente invasiva.<br />

A doente foi submetida a anestesia geral e<br />

posicionada em decúbito ventral, apoiada<br />

em rolos de silicone. A cabeça foi fixada no<br />

apoio de Mayfield e posicionada em flexão.<br />

Com apoio do intensificador de imagem,<br />

utilizou-se um abocath 18 para fazer a localização<br />

do espaço inter-espinhoso C5-C6,<br />

e foi planeada a incisão cutânea, com cerca<br />

de 20 mm, paravertebral direita, a cerca de<br />

15 mm da linha média.<br />

Antes de iniciar a intervenção cirúrgica foi<br />

fixado na marquesa o braço maleável do<br />

sistema Metr’x® (Medtronic), para apoio<br />

do canal de trabalho.<br />

A intervenção foi iniciada pela incisão<br />

cutânea, seguida da abertura da fascia cervical<br />

com tesoura de Metzenbaum. Foi<br />

então iniciada a introdução dos dilatadores<br />

musculares, de diâmetro progressivamente<br />

maior. Este passo deve ser realizado com<br />

uma cautela redobrada pois é necessário<br />

procurar apoiar a extremidade do dilatador<br />

ao nível das massas laterais, evitando<br />

introduzir o dilatador no canal intervertebral<br />

através do espaço interlaminar. Devem<br />

assim ser guiados através de controlo<br />

radiológico. Depois de introduzir o dilatador<br />

de 16 mm, introduz-se um tubo em<br />

plástico transparente, para reduzir o reflexo<br />

133


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

da luz, com a profundidade desejada, que é<br />

mantido na posição pelo braço do sistema<br />

(Fig. 3). A partir desta fase a intervenção<br />

cirúrgica prossegue com apoio do microscópio<br />

óptico (Fig. 4).<br />

Fig. 2 Imagem de RM da coluna cervical: corte<br />

sagital em ponderação T2, onde se observam<br />

debruns disco-osteofitários C5-C6 e C6-C7, que<br />

reduzem o diâmetro do canal raquiadiano, sem<br />

comprimirem a medula<br />

Depois da remoção e coagulação do tecido<br />

muscular que ali se insere, a zona do espaço<br />

interlaminar e massa lateral C5-C6 direita é<br />

exposta, permitindo iniciar a foraminectomia.<br />

Inicialmente remove-se a parte inferior<br />

da lâmina de C5 e a parte superior da<br />

lâmina de C6, remove-se o ligamento amarelo<br />

e expõe-se a dura-máter, com ajuda de<br />

pequenos rongeurs de Kerrison. Em seguida,<br />

é removida a parte interna da faceta articular<br />

inferior de C5, com ajuda de rongeurs de<br />

Kerrison ou drill de alta velocidade e brocas<br />

de diamante. Desta forma expõe-se a parte<br />

interna da faceta articular superior de C6,<br />

que constitui o tecto do forâmen. Esta parte<br />

da faceta articular é removida com ajuda<br />

de drill, pequenos rongeurs de Kerrison ou<br />

pequenas curetas. A raiz é então identificada<br />

no forâmen e seguindo o seu trajecto<br />

é possível descomprimi-la sem destruir a<br />

estrutura da articulação. Depois de confirmar<br />

a descompressão radicular é feita a hemostase<br />

e o canal de trabalho é orientado<br />

inferiormente, com ligeira obliquidade, de<br />

forma a abordar o nível inferior. Depois de<br />

confirmada a posição com o intensificador<br />

de imagem o procedimento é idêntico para<br />

descomprimir a raiz de C7 direita. Após terminar<br />

a foraminectomia do nível abaixo, o<br />

canal de trabalho é retirado de forma lenta<br />

tentando identificar alguma hemorragia ao<br />

nível das massas musculares. Uma vez assegurada<br />

a hemostase, são dados dois pontos<br />

de sutura reabsorvível ao nível da fascia<br />

cervical e encerrada a pele com três pontos<br />

reabsorvíveis intradérmicos.<br />

Fig. 3. Imagem intra-operatória que ilustra o canal<br />

de trabalho utilizado e o seu modo de fixação


No pós-operatório a doente apresentou<br />

alívio das queixas do membro superior direito<br />

e uma ligeira cervicalgia que desapareceu<br />

na 3ª semana de pós-operatório.<br />

Actualmente, o follow-up tem cerca de 10<br />

meses de duração e a doente está a desempenhar<br />

a sua actividade profissional sem queixas<br />

significativas.<br />

diSCuSSão<br />

A relação entre a hérnia discal cervical e a<br />

dor cervical com irradiação ao braço foi des-<br />

crita em 1943. 8 Inicialmente esta situação<br />

era tratada cirurgicamente apenas com uma<br />

abordagem posterior. 2,3 No entanto, nos<br />

anos seguintes, esta técnica perdeu popularidade,<br />

dado que não permitia a resolução de<br />

hérnias discais centrais. Foi então substituída<br />

por uma discectomia cervical anterior. 4,9<br />

Depois de ponderados vários factores de<br />

ordem anatómica, fisiopatológica e particularidades<br />

do doente, a escolha da abordagem<br />

para o tratamento da radiculopatia<br />

cervical devida a uma hérnia discal lateral<br />

ou estenose degenerativa do buraco de conjugação<br />

depende sobretudo da preferência<br />

do cirurgião. Vários estudos que compararam<br />

o tratamento cirúrgico por via anterior<br />

e posterior demonstraram que os resultados<br />

clínicos a longo prazo são semelhantes.<br />

A abordagem posterior evita as complicações<br />

inerentes à dissecção cervical anterior,<br />

nomeadamente, as queixas de disfagia,<br />

odinofagia e disfonia. Por outro lado, esta<br />

abordagem evita a fusão intervertebral e<br />

FORAMINECTOMIA CERVICAL POSTERIOR A DOIS NÍVEIS COM TÉCNICA MINIMAMENTE INVASIVA<br />

Fig. 4 Imagem intra-operatória que ilustra o<br />

posicionamento do doente e a posição de trabalho<br />

do cirurgião<br />

a colocação de próteses. No entanto, está<br />

demonstrado o agravamento dos processos<br />

degenerativos dos espaços discais adjacentes,<br />

nos doentes submetidos a discectomia<br />

cervical por via anterior e fusão intervertebral. 10<br />

As principais preocupações da abordagem<br />

posterior residem na instabilidade<br />

secundária à remoção da faceta articular e<br />

na cervicalgia pós-operatória persistente, em<br />

consequência da dissecção muscular. Para<br />

evitar a instabilidade vertebral iatrogénica,<br />

a maioria dos autores aconselha a preservação<br />

de mais de 50% da faceta articular. 11<br />

Num trabalho recente, 12 é feita uma revisão<br />

de uma série de 162 doentes com radiculopatia<br />

cervical tratados por via posterior,<br />

com follow-up médio de 77,3 meses (60 a<br />

177 meses). Neste estudo 95% dos doentes<br />

apresentaram melhoria do quadro de radiculopatia<br />

e não se verificaram casos de instabilidade<br />

grave. As situações de mielopatia,<br />

compressão medular, hérnia discal central,<br />

cifose cervical ou instabilidade segmentar<br />

pré-existentes são contra-indicações para a<br />

foraminectomia cervical posterior.<br />

135


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

A cervicalgia pós-operatória é uma complicação<br />

frequente da laminectomia e laminoplastia<br />

cervicais. Esta situação também está descrita<br />

na foraminectomia cervical posterior, mas<br />

com menor gravidade em virtude da dissecção<br />

muscular limitada. É referida uma incidência<br />

de cervicalgia de 20% após uma foraminectomia<br />

cervical por radiculopatia espondilótica,<br />

com um follow-up médio de 40 meses. 13<br />

As queixas álgicas pós-operatórias poderão<br />

ser reduzidas através de uma manipulação<br />

cuidadosa dos tecidos, utilizando incisões<br />

cutâneas de dimensões reduzidas e<br />

evitando uma extensa dissecção muscular.<br />

A utilização de técnicas minimamente invasivas<br />

com apoio dos afastadores tubulares e<br />

microscópio pretende atingir este objectivo<br />

e melhorar a evolução clínica dos doentes<br />

submetidos a foraminectomia cervical por<br />

via posterior.<br />

A discectomia por via endoscópica a nível<br />

lombar foi descrita pela primeira vez nos<br />

anos 90, tendo os seus autores iniciado o desenvolvimento<br />

de técnicas minimamente invasivas<br />

de abordagem da coluna vertebral. 14<br />

Nas técnicas endoscópicas o procedimento<br />

cirúrgico é realizado com visualização de<br />

imagens bidimensionais obtidas a partir de<br />

uma câmara incluída no endoscópio. Os<br />

afastadores tubulares servem de canal de<br />

trabalho para a entrada dos instrumentos<br />

cirúrgicos e permitem realizar o procedimento<br />

cirúrgico, habitualmente com apoio<br />

de microscópio óptico. Como um dos principais<br />

problemas das técnicas minimamente<br />

invasivas é a curva de aprendizagem, a técnica<br />

dos afastadores tubulares é vantajosa<br />

porque a visualização do campo cirúrgico é<br />

tridimensional e a utilização dos instrumentos<br />

é semelhante à das abordagens convencionais.<br />

O principal objectivo da utilização<br />

das técnicas minimamente invasivas é re-<br />

duzir a dissecção muscular e permitir uma<br />

recuperação pós-operatória rápida e uma<br />

evolução mais favorável a longo prazo. Estas<br />

abordagens são particularmente úteis em<br />

situações em que há uma grande desproporção<br />

entre a dissecção muscular e o campo de<br />

trabalho necessário para atingir o objectivo<br />

da intervenção cirúrgica. Com base neste raciocínio,<br />

as técnicas cirúrgicas que poderão<br />

beneficiar destas abordagens serão a foraminectomia<br />

cervical posterior, as abordagens<br />

extraforaminais lombares e as artrodeses<br />

lombares posteriores.<br />

Na última década foram publicados vários<br />

trabalhos que demonstram a eficácia e segurança<br />

das técnicas de foraminectomia cervical<br />

posterior por abordagem minimamente<br />

invasiva, no tratamento da radiculopatia cervical<br />

por compressão foraminal. Em 2001,<br />

foi apresentada uma série de 100 doentes<br />

operados com a utilização desta técni-<br />

ca por radiculopatia cervical unilateral e<br />

a um nível. Nesta série, cerca de 97% dos<br />

doentes apresentaram uma melhoria clínica<br />

após a intervenção e a taxa de complicações<br />

foi de 3%. 5 No ano seguinte é descrita uma<br />

série de 25 doentes que foram comparados<br />

com um grupo operado pela via clássica. No<br />

grupo dos doentes operados por via minimamente<br />

invasiva verificou-se uma melhoria<br />

clínica em 92% dos casos. A duração do<br />

internamento e a utilização de analgésicos<br />

narcóticos foi menor, tal como as perdas<br />

sanguíneas intraoperatórias. 6 Existe apenas<br />

um trabalho publicado que apresenta<br />

um grupo de doentes submetidos a foraminectomia<br />

cervical posterior unilateral, a<br />

dois níveis, por via minimamente invasiva 7 .<br />

Neste trabalho, apresenta-se uma série de<br />

23 doentes com quadros de radiculopatia<br />

cervical, na sua maioria tratados em regime<br />

ambulatório, com resolução dos sintomas<br />

em 90% dos casos. 15


O caso clínico apresentado mostra a eficácia<br />

e segurança da técnica de foraminectomia<br />

cervical posterior realizada a dois níveis.<br />

A utilização de uma abordagem minimamente<br />

invasiva permite reduzir a dissecção<br />

muscular e facilitar a recuperação pós-operatória.<br />

Desta forma, esta técnica constitui<br />

uma alternativa preferencial às abordagens<br />

clássicas, ditas abertas, pois elimina a sua<br />

principal desvantagem, a cervicalgia pósoperatória,<br />

consequência da dissecção muscular<br />

na linha média.<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Sampath P, Bendebba M, Davis JD, Ducker T. Outcome in<br />

patients with cervical radiculopathy. Prospective, multicenter study<br />

with independent clinical review. Spine 1999;24:591-7.<br />

2. Frykholm R. Cervical root compression resulting from disc<br />

degeneration and root sleeve fibrosis. Acta Chi Scand 1951;160:1-<br />

149.<br />

3. Spurling LG, Scoville WB. Lateral rupture of the cervical<br />

intervertebral disc. A commom cause of shoulder and arm pain.<br />

Surg Gynecol Obstet 1944;798:350-8.<br />

4. Smith G, Robinson R. The treatment of certain cervical spine<br />

disorders by anterior removal of the intervertebral disc and<br />

interbody fusion. J Bone Joint Surg (Am) 1958;42:607-23.<br />

5. Adamson TE. Microendoscopic posterior cervical<br />

laminoforaminotomy for unilateral radiculopathy: results of a new<br />

technique in 100 cases. J Neurosurg 2001;95:51-7.<br />

6. Fessler RG, Khoo LT. Minimally invasive cervical<br />

microendoscopic foraminotomy: an inicial clinical experience.<br />

Neurosurgery. 2002;51(suppl 2):37-45.<br />

7. Holly LT, Moftakhar P, Khoo LT, Wang JC, Shamie N. Minimally<br />

invasive 2-level posterior cervical foraminotomy: preliminary<br />

clinical results. J Spinal Disord Tech 2007;20:20-4.<br />

8. Semmes RE, Murphey F. Syndrome of unilateral rupture of the<br />

sixth cervical intervertebral disk, with compression of the seventh<br />

cervical nerve root. Report of four cases with symptoms simulating<br />

coronary disease. JAMA 1943;121:1209-14.<br />

FORAMINECTOMIA CERVICAL POSTERIOR A DOIS NÍVEIS COM TÉCNICA MINIMAMENTE INVASIVA<br />

Numa fase da evolução da cirurgia da<br />

coluna vertebral em que são desenvolvidos<br />

esforços para preservar o seu movimento,<br />

a foraminectomia cervical posterior com<br />

técnica minimamente invasiva é também<br />

uma alternativa válida em relação às abordagens<br />

anteriores, que implicam a realização<br />

de fusão intervertebral ou a colocação<br />

de próteses discais, em particular quando é<br />

necessário realizar uma intervenção a dois<br />

níveis.<br />

9. Cloward R. The anterior approach for removal of ruptured<br />

cervical discs. J Neurosurg. 1958;15:602-17.<br />

10. Fehlings GM, Gray RJ. Posterior cervical foraminotomy for the<br />

treatment of cervical radiculopathy. J Neurosurg Spine, 2009; 10,<br />

343-346.<br />

11. Hilibrand AS, Carlson GD, Palumbo MA, Jones PK,<br />

Bohlman HH. Radiculopathy and myelopathy at segments adjacent<br />

to the site of a previous anterior cervical arthrodesis. J Bone Joint<br />

Surg Am 1999;81:519-28.<br />

12. Zdeblick TA, Zou D, Warden KE, McCabe R, Kunz D,<br />

Vanderby R. Cervical stability after foraminotomy. A biomechanical<br />

in vitro analysis. J Bone Joint Surg Am 1992;74:22-7.<br />

13. Jagannathan J, Sherman JH, Szabo T, Shaffrey CI, Jane JA Sr.<br />

The posterior cervical foraminotomy in the treatment of cervical<br />

disc/osteophyte disease: a single-surgeon experience with minimum<br />

of 5 years clinical and radiographic follow-up. J Neurosurg Spine<br />

2009;10:347-56.<br />

14. Grieve JP, Kitchen ND, Moore AJ, Marsh HT. Results<br />

of posterior cervical foraminotomy for treatment of cervical<br />

spondylitic radiculopathy. Br J Neurosurg 2000;14:40-43.<br />

15. Foley KT, Smith MM. Microendoscopic discectomy. Tech<br />

Neurosurg 1997;3:301-7.<br />

137


CiRuRGia CeReBRaL em doeNTe<br />

aCoRdado PaRa maPeameNTo daS<br />

ViaS da LiNGuaGem No TRaTameNTo<br />

de CaVeRNoma do HemiSFÉRio<br />

domiNaNTe<br />

awake brain surgery with language<br />

pathways mapping in the treatment<br />

of a left hemisphere cavernoma<br />

ReSumo Abstract<br />

Apresenta-se o caso clínico de uma jovem de<br />

18 anos de idade, com instalação súbita de<br />

hemiparésia direita e défices de linguagem,<br />

na sequência de hemorragia de cavernoma<br />

do centro semi-oval esquerdo. O tratamento<br />

cirúrgico destas situações visa prevenir<br />

a recorrência de hemorragia, melhorar o<br />

prognóstico e acelerar a resolução do hematoma,<br />

desde que não implique o sacrifício de<br />

estruturas que condicionem a ocorrência de<br />

novos défices. Neste caso, a lesão vascular<br />

localizava-se em área funcionalmente relevante<br />

do ponto de vista motor e da linguagem.<br />

Descreve-se a metodologia e ilustra-se<br />

a vantagem da realização de craniotomias<br />

em doentes acordados, para mapeamento<br />

das vias da linguagem e motricidade. Esta<br />

técnica de mapeamento complexa impli-<br />

MIGUEL CASIMIRO<br />

CARLA REIZINHO<br />

SANDRA PIMENTA˚<br />

JOSÉ BISMARCK<br />

Departamentos de neurocirurgia e de anestesiologia<br />

˚neuropsicóloga clínica<br />

The authors report the clinical case of a<br />

18-year old female presented with acute<br />

right hemiparesis and language deficits<br />

after rupture of a left hemisphere deep<br />

cavernoma. Surgical treatment is indicated<br />

to prevent re-bleeding. In the acute stage<br />

it may improve the outcome and promote<br />

the early hematoma resolution, only if de<br />

novo iatrogenic deficits are not expected.<br />

In this case, the cavernoma was located in<br />

an area with motor and language functional<br />

relevant pathways. Without brain mapping,<br />

surgical treatment would imply high risk of<br />

relevant neurologic deficits. Awake surgery<br />

methodology and advantages in language<br />

and motor pathways mapping are presented.<br />

Tight collaboration between surgeons,<br />

anesthesiologists and neuropsychologists<br />

139


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

ca uma articulação estreita entre cirurgiões,<br />

anestesistas e neuropsicólogos. Permite, ainda,<br />

o tratamento de lesões para além dos<br />

limites anatómicos clássicos. Nesta doente<br />

possibilitou a remoção total do hematoma<br />

e do cavernoma, sem sequelas. Seis meses<br />

após a operação a doente encontra-se sem<br />

défices neurológicos ou neuropsicológicos.<br />

iNTRodução<br />

As técnicas de mapeamento cerebral por<br />

electroestimulação directa nas lesões vasculares,<br />

assim como nas lesões tumorais,<br />

permitem a monitorização intra-operatória<br />

do impacto da acção do cirurgião sobre as<br />

estruturas neurológicas e sua função. Permitem<br />

assim alargar as indicações da cirurgia,<br />

ao reduzir o risco de indução de novos<br />

défices. 1,2 O mapeamento das vias motoras<br />

pode ser realizado no doente em anestesia<br />

profunda. No entanto, se se pretender o mapeamento<br />

das sensibilidades ou de funções<br />

cognitivas superiores mais complexas, como<br />

por exemplo as da linguagem, é necessário o<br />

doente estar acordado e em condições de colaborar<br />

com a equipa cirúrgica. 3,4 Este tipo<br />

de mapeamento mais complexo exige uma<br />

competência técnica específica e depende<br />

da articulação de equipas multidisciplinares<br />

que podem incluir neurocirurgiões, anestesistas,<br />

neuropsicólogos, fisioterapeutas e<br />

neurologistas.<br />

Os cavernomas ou angiomas cavernosos,<br />

como o apresentado no caso descrito neste<br />

trabalho, são malformações vasculares do<br />

sistema nervoso central que existem em cerca<br />

de 0,5% da população e que podem estar<br />

associados a transmissão hereditária autossómica<br />

dominante ou ocorrer de forma<br />

esporádica. 5 Manifestam-se habitualmente<br />

during the procedure is mandatory, for these<br />

most complex brain mapping technology.<br />

This multidisciplinary approach allows the<br />

extension of the surgical treatment beyond<br />

the classical anatomical boundaries. In this<br />

case, a complete hematoma and cavernoma<br />

evacuation was achieved and, six months<br />

after surgery, the patient is totally free of<br />

symptoms.<br />

no adulto jovem que se apresenta com acidente<br />

vascular cerebral hemorrágico ou por<br />

epilepsia. Raramente podem manifestar-se<br />

também por cefaleias ou défices neurológicos<br />

de novo sem evidência de hemorragia<br />

recente, ou ainda por morte súbita. Têm<br />

como base anátomo-patológica a malformação<br />

da matriz endotelial e a formação de<br />

redes vasculares de baixo fluxo sem tecido<br />

neural entre os vasos anormais. A possibilidade<br />

de hemorragia é de cerca de 1 a 1,5%<br />

por ano, mas se existe história de hemorragia<br />

anterior e dependendo da localização<br />

essa percentagem pode subir para cerca de<br />

30% ao ano. 5,6 O único tratamento comprovadamente<br />

eficaz sobre estas lesões é a<br />

cirurgia. Na fase aguda de uma hemorragia<br />

esta intervenção tem normalmente como<br />

objectivos a prevenção da recorrência de<br />

hemorragia e a drenagem do hematoma que<br />

condiciona os défices agudos. Tal atitude<br />

melhora o prognóstico clínico e acelera o<br />

tempo de recuperação dos défices desde que,<br />

contudo, não acarrete o sacrifício de estruturas<br />

de condicionem défices sequelares<br />

acrescidos. As técnicas de mapeamento cerebral<br />

podem ser fundamentais na redução<br />

desse risco.<br />

Os autores apresentam a metodologia utilizada<br />

no primeiro caso de mapeamento co


CaSo CLÍNiCo<br />

CIRURGIA CEREBRAL EM DOENTE ACOR<strong>DA</strong>DO PARA MAPEAMENTO <strong>DA</strong>S VIAS <strong>DA</strong> LINGUAGEM NO TRATAMENTO<br />

DE CAVERNOMA DO HEMISFÉRIO DOMINANTE<br />

gnitivo das funções da linguagem, em doente<br />

acordado, no Hospital da Luz, para o tratamento<br />

de cavernoma volumoso do hemis-<br />

Doente do sexo feminino, de 18 anos de idade,<br />

dextra, estudante, com história de cefaleias<br />

inespecíficas ocasionais mas sem outros<br />

antecedentes médico-cirúrgicos relevantes,<br />

recorreu ao serviço de urgência doutra instituição,<br />

na sequência da instalação aguda<br />

e rapidamente progressiva de quadro clínico<br />

caracterizado por cefaleia holocraniana,<br />

vómitos, depressão do estado de consciência<br />

e diminuição da força do hemicor-<br />

po direito e dificuldade na expressão verbal.<br />

O exame neurológico objectivou Glasgow<br />

Coma Score (GCS) de 14, mas a doente apresentava-se<br />

colaborante apesar de sonolenta.<br />

Apresentava hemiparesia direita de predomínio<br />

facial e braquial distal que se agravou nas<br />

primeiras 12 horas. Objectivou-se força grau<br />

1 da mão e força grau 3 nos segmentos musculares<br />

proximais. Apresentava parafasias<br />

fonéticas e semânticas ocasionais e ainda disartria.<br />

Não foram objectivados outros défices<br />

ou alterações relevantes na avaliação clínica<br />

e laboratorial inicial. Apresentou-se sempre<br />

hemodinamicamente estável e eupneica. Foi<br />

admitida em unidade de cuidados intermédios<br />

e foi submetida a avaliação por tomografia<br />

computorizada (TC) cranio-encefálica que<br />

revelou a existência de imagem espontaneamente<br />

hiperdensa em anel, compatível com<br />

hemorragia aguda, que contornava lesão hipo-<br />

densa mais extensa, ovóide, com cerca de 4,5<br />

cm de diâmetro, localizada no centro semioval<br />

do hemisfério esquerdo (Fig. 1). A administração<br />

de contraste mostrou discreta captação<br />

da região hipodensa e o angio-TC excluiu<br />

a existência de aneurismas ou malformações<br />

artério-venosas identificáveis por esta técnica.<br />

fério dominante num quadro de hemor-<br />

ragia aguda.<br />

Fig. 1 Avaliação imagiológica pré-operatória<br />

A. Aspecto de TC cranioencefálica inicial com<br />

evidência de hemorragia aguda, do hemisfério esquerdo,<br />

em forma de crescente, circundando lesão<br />

hipodensa; B. Aspecto, após a administração de<br />

contraste, da angio-TC onde se evidencia discreta<br />

captação da lesão e ao mesmo tempo se excluem<br />

outras patologias como aneurismas ou malformações<br />

vasculares.<br />

O estudo por ressonância magnética (RM)<br />

identificou, em T1 e T2, lesão heterogénea<br />

com focos de hipo e hipersinal, com moderado<br />

edema perilesional, compatíveis com he-<br />

morragia recente e focos hemorrágicos concomitantes<br />

em várias fases de degradação. Em<br />

estudo de densidade protónica objectivaram-<br />

-se focos compatíveis com hemossiderina. Sem<br />

evidência de anomalias arteriais ou venosas<br />

associadas. Concluiu-se serem estes achados<br />

compatíveis com o diagnóstico imagiológico<br />

de hematoma no hemisférico esquerdo com<br />

volumoso cavernoma subjacente (Fig. 2).<br />

Dada a topografia da lesão podia aferir-se a<br />

sua relação íntima com vias funcionalmente<br />

141


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 2 Avaliação imagiológica pré-operatória.<br />

Ressonância magnética, em vários planos<br />

e ponderações, caracterizando a heterogeneidade<br />

do sinal, compatível com sangue em várias fases<br />

de degradação. Este aspecto é compatível com a<br />

rotura aguda de cavernoma. Podem aferir-se as<br />

relações íntimas com a vala sílvica, a ínsula, a via<br />

piramidal e o feixe arcuato.<br />

eloquentes: dissecava na sua origem as fibras<br />

motoras do feixe piramidal, que constituía os<br />

seus limites superiores e internos, aqui através<br />

da cápsula interna; o seu limite ântero-inferior<br />

era constituído pelo lobo da ínsula e feixe arcuato;<br />

externamente era limitada pelo córtex<br />

motor primário da mão e face e mais anteriormente<br />

pela área de Broca e da articulação<br />

oro-lingual; posteriormente era limitada pelas<br />

vias da sensibilidade. Não foi realizada tractografia.<br />

Com este diagnóstico a doente foi transferida<br />

para o Hospital da Luz, já em GCS 15, iniciando<br />

medidas anti-edematosas com furosemida<br />

e manitol, sob vigilância tensional e dos<br />

restantes parâmetros vitais. Iniciou profilaxia<br />

anti-epiléptica com valproato de sódio 400<br />

mg, 12/12 horas, endovenoso (ev). Dado o<br />

agravamento progressivo do quadro motor,<br />

o diagnóstico imagiológico e após análise de<br />

risco/benefício, foi proposto e aceite pela<br />

doente e família, o tratamento cirúrgico da<br />

situação clínica com recurso a mapeamento<br />

intra-operatório com a doente acordada.<br />

CUI<strong>DA</strong>DOS PRÉ-OPERATÓRIOS<br />

Para além das medidas terapêuticas já referidas<br />

e de acordo com o plano cirúrgico proposto,<br />

a doente foi submetida a avaliação<br />

neurocognitiva com especial atenção prestada<br />

às funções da linguagem. Procede-se à objectivação<br />

dos défices pré-operatórios através<br />

da sua quantificação e da análise da sua repercussão<br />

sobre os resultados em bateria de<br />

testes neuropsicológicos aplicados. Pretende-<br />

-se ainda iniciar o planeamento da reabilitação<br />

e, mais importante neste contexto, a escolha<br />

e o treino específico das tarefas que a doente<br />

terá de desempenhar durante o procedimento<br />

cirúrgico. Além de diminuir os níveis naturais<br />

de ansiedade do doente, optimiza-se assim a<br />

sua colaboração durante a cirurgia, tornando<br />

as suas respostas mais úteis e o procedimento<br />

mais rápido e eficaz.<br />

PROTOCOLO ANESTÉSICO<br />

Foi utilizado um protocolo anestésico apropriado<br />

à necessidade de mapeamento cerebral<br />

em doente acordado. A doente foi monitorizada,<br />

algaliada e asseguraram-se vias endovenosas<br />

periféricas múltiplas. Foi administrada<br />

apenas anestesia local desde o início da cirurgia.<br />

Utilizou-se para o efeito lidocaína e<br />

levobupivacaína que foram administradas<br />

ao longo da incisão cutânea planeada, ao nível<br />

dos troncos nervosos cutâneos regionais e<br />

nos pontos de fixação do suporte craniano de<br />

Mayfield. Salienta-se a necessidade de adequar<br />

as suas doses ao peso do doente, a fim de evitar<br />

efeitos cardiotóxicos potenciais. A infiltração<br />

anestésica pode ser repetida ao longo da<br />

cirurgia. São reservados cerca de 5 mL de lidocaína<br />

para a anestesia da dura-máter, após o


CIRURGIA CEREBRAL EM DOENTE ACOR<strong>DA</strong>DO PARA MAPEAMENTO <strong>DA</strong>S VIAS <strong>DA</strong> LINGUAGEM NO TRATAMENTO<br />

DE CAVERNOMA DO HEMISFÉRIO DOMINANTE<br />

elevar do retalho ósseo e antes da sua incisão.<br />

Toda a disposição da equipa e dos equipamentos<br />

na sala operatória estava preparada para a<br />

eventual necessidade de indução emergente de<br />

anestesia geral no caso de má colaboração do<br />

doente, crises convulsivas incontroláveis com<br />

soro gelado ou diazepan, complicações cirúrgicas<br />

major tais como edema cerebral maligno<br />

ou hemorragia de difícil controlo e que implicassem<br />

a redefinição do plano cirúrgico ou<br />

medidas de protecção cerebral.<br />

PROTOCOLO CIRÚRGICO E RESULTADOS<br />

A doente foi posicionada em decúbito dorsal<br />

e com a cabeça em flexão moderada e rodada<br />

cerca de 45º para a direita. São tomados todos<br />

os cuidados para que a doente se sinta numa<br />

posição confortável e natural e tenha boa<br />

visualização da unidade onde se encontra o<br />

neuropsicólogo e o seu computador (Fig. 3). A<br />

sua interacção é de especial importância neste<br />

procedimento, pelo que nunca é demais realçar<br />

este ponto. Inicia-se a infiltração cutânea<br />

anestésica e a fixação com pinos de Mayfield.<br />

A fixação foi realizada com o intuito de se poder<br />

utilizar a neuronavegação (BrainLab®). O<br />

campo operatório foi ainda optimizado para<br />

a utilização, se necessário, de imagem intra-<br />

-operatória por TC. Procedeu-se a craniotomia<br />

fronto-parietal esquerda, suficientemente<br />

ampla para permitir a exposição total da região<br />

opercular e das áreas corticais motoras<br />

e sensitivas. O mapeamento funcional foi rea-<br />

lizado através de eléctrodos bipolares que<br />

administraram corrente bifásica, com amplitude<br />

de intensidade de 0-5mA, a 60Hz, e<br />

pulsos de 1 ms. 1 Utilizou-se, como gerador,<br />

o Estimulador Multifuncional Nimbus® da<br />

Newmedic©. Os estímulos foram administrados<br />

por contacto directo dos eléctrodos<br />

sobre a superfície cerebral, em intervalos de<br />

cerca de 2 segundos. A estimulação foi feita<br />

em duas fases: a primeira de determinação da<br />

Fig. 3 A. O posicionamento da doente deve<br />

ser confortável e permitir a interacção com a<br />

neuropsicóloga que se encontra imediatamente à<br />

sua frente. B. Durante a cirurgia e a estimulação<br />

eléctrica, a doente desempenhou tarefas cognitivas<br />

relacionadas com a linguagem que foram<br />

previamente escolhidas e treinadas.<br />

intensidade mínima de estimulação efectiva<br />

e a segunda de mapeamento propriamente<br />

dito. Estes estímulos foram considerados positivos<br />

ao desencadear acção motora, sensações<br />

parestésicas somáticas ou perturbação<br />

das tarefas cognitivas solicitadas. Efectuou-<br />

-se o mapeamento da área motora, sensitiva<br />

e das áreas relevantes para as funções da<br />

linguagem cujos resultados se apresentam na<br />

Fig. 4. Este procedimento permitiu identificar<br />

um local funcionalmente seguro para a realização<br />

da corticotomia e invasão do parênquima<br />

cerebral. Identificou-se e foi removida<br />

na totalidade a lesão vascular e o hematoma<br />

adjacente (Fig. 5). O mapeamento estendeu-<br />

-se também às vias de substância branca circundantes<br />

e após a confirmação por estimulação<br />

da preservação das vias neurológicas<br />

procedeu-se ao encerramento. O estudo anátomo-patológico<br />

foi compatível com caver-<br />

noma. A doente foi admitida na Unidade de<br />

Cuidados Intensivos por um período de cerca<br />

de 24 horas. Assistiu-se nesse período a agra-<br />

143


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 4 Resultado do mapeamento:<br />

A. Representação gráfica das funções mapeadas<br />

e sua localização relativa. B. O mesmo aspecto<br />

mas sobrepondo o mesmo código de cores sobre<br />

fotografia cirúrgica. Esta encontra-se orientada<br />

da mesma forma que o esquema. Identificam-se<br />

os dois pontos de entrada no parênquima<br />

que permitiram a exérese da lesão, sem sacrifício<br />

de estruturas funcionalmente eloquentes.<br />

vamento da hemiparésia com plegia da mão e<br />

disartria mais marcada. Estes achados foram<br />

atribuídos ao edema e à manipulação cirúrgica.<br />

Iniciou ainda no internamento programa<br />

de reabilitação motora. Ao fim de três meses<br />

a ressonância magnética de controlo objectivava<br />

a remoção total da lesão, mas a doente<br />

apresentava ainda uma dificuldade discreta<br />

diSCuSSão e CoNCLuSÕeS<br />

Com mapeamento motor e cognitivo, só<br />

possível com o doente acordado durante a<br />

cirurgia, obteve-se a evacuação do hematoma,<br />

a remoção total do cavernoma e a doente<br />

encontra-se, aos seis meses, sem défices neurológicos<br />

ou neuropsicológicos sequelares.<br />

Tradicionalmente, quando um cavernoma<br />

se localizava em área funcionalmente eloquente,<br />

o tratamento cirúrgico era reservado<br />

Fig. 5 Aspecto das várias fases cirúrgicas:<br />

A. Resultado parcial do mapeamento cortical<br />

e identificação dos pontos de corticotomia<br />

e em baixo, a extracção do cavernoma sob<br />

a circunvolução parietal ascendente. B. Aspecto<br />

do cérebro no final da cirurgia e fragmento da<br />

peça operatória, compatível macroscopicamente<br />

com o diagnóstico de cavernoma.<br />

na coordenação fina dos movimentos da mão<br />

direita, que desapareceu completamente na<br />

avaliação aos seis meses. A avaliação neuropsicológica<br />

é também normal.<br />

apenas para as lesões mais superficiais ou era<br />

adiado até que nova hemorragia condicionas-<br />

se a destruição das estruturas funcionais<br />

em causa, evitando assim a possibilidade de<br />

défices de novo atribuíveis ao tratamento.<br />

A aferição fundamental desta relação risco/<br />

benefício por parte do cirurgião e dos doentes<br />

é no entanto subjectiva. Depende não só<br />

da localização do cavernoma ou hemorragia


CIRURGIA CEREBRAL EM DOENTE ACOR<strong>DA</strong>DO PARA MAPEAMENTO <strong>DA</strong>S VIAS <strong>DA</strong> LINGUAGEM NO TRATAMENTO<br />

DE CAVERNOMA DO HEMISFÉRIO DOMINANTE<br />

adjacente e das suas relações com as áreas<br />

funcionais adjacentes, mas também das armas<br />

que o cirurgião dispõe e que associa à<br />

sua destreza e experiência.<br />

As técnicas de neuronavegação são importantes<br />

para dirigir o cirurgião directamente à<br />

lesão alvo através de trajecto previamente escolhido<br />

em modelo virtual 3D e que pretende<br />

evitar estruturas relevantes. Essa aferição, no<br />

entanto, só pode ser baseada nas correlações<br />

anátomo-funcionais clássicas ou em técnicas<br />

de ressonância magnética funcionais que<br />

são ainda pouco fiáveis, principalmente no<br />

que respeita às vias subcorticais, e que além<br />

disso implicam colaboração do doente, o<br />

que nem sempre é possível nestes contextos.<br />

A ocorrência de deformação das estruturas<br />

cerebrais durante um procedimento cirúrgico<br />

torna pouco fidedignas estas orientações<br />

dos sistemas de neuronavegação baseados<br />

em imagens pré-operatórias. A possibilidade<br />

de actualizar o sistema de orientação com<br />

imagens colhidas ao longo da cirurgia por<br />

TC ou RM intra-operatórias tenta resolver<br />

esta limitação. Por outro lado, as correlações<br />

anátomo-funcionais clássicas, as áreas de<br />

Broadman e suas evoluções, apesar de bons<br />

indicadores não são universais e, em situações<br />

patológicas, por distorção e eventuais<br />

fenómenos de plasticidade cerebral, podem<br />

deslocar-se áreas funcionais importantes<br />

para regiões classicamente pouco eloquentes.<br />

7 Por estas e outras razões, as técnicas de<br />

mapeamento funcional pré-operatórias, por<br />

correlação da anatomia imagiológica com<br />

modelos padrão de localização funcional ou<br />

o recurso à ressonância magnética funcional<br />

(RMf), coincidem, nas melhores séries,<br />

apenas em 66% com os resultados do mapeamento<br />

intra-operatório. 8,9 Uma margem<br />

de erro de cerca de um terço nesta aferição<br />

pré-operatória implica um risco inaceitável<br />

de infligir défices sequelares importantes nos<br />

doentes se a avaliação funcional se basear<br />

apenas nestes métodos. Os paradigmas de<br />

mapeamento em RMf não permitem detectar<br />

de forma específica a origem cortical de<br />

tarefas motoras ou cognitivas complexas.<br />

Na prática, a execução de uma tarefa implica<br />

o recrutamento coordenador, associativo<br />

e efector de várias regiões de importância<br />

primária e acessória. As áreas evidenciadas<br />

numa RMf como funcionalmente relevantes<br />

para determinada tarefa podem ser extensas,<br />

na maioria das vezes multifocais ou bihemisféricas.<br />

7 Torna-se assim difícil a percepção<br />

da importância relativa real de cada<br />

uma dessas áreas e da verdadeira implicação<br />

funcional da remoção de uma delas durante<br />

o acto operatório.<br />

A estimulação directa das estruturas cerebrais<br />

realizada intra-operatoriamente é<br />

considerada actualmente a técnica de mapeamento<br />

funcional mais fidedigna. 10,11<br />

A sua utilização deve ser, no entanto,<br />

sistemática e criteriosa. A aplicação das intensidades<br />

de estimulação tem que ser limitada<br />

a parâmetros fisiológicos estritos, a fim<br />

de evitar potenciais efeitos adversos, tais<br />

como lesões corticais ou a sua disseminação<br />

regional, condicionando o desencadear de<br />

crises convulsivas intra-operatórias. 4,10-12 A<br />

manipulação cirúrgica de regiões cerebrais<br />

com esta importância funcional pode condicionar,<br />

como se ilustra no caso descrito,<br />

défices neurológicos que serão, no entanto,<br />

sempre transitórios, se for assegurada a integridade<br />

das áreas funcionais principais<br />

mapeadas.<br />

A aplicação destas técnicas de mapeamento<br />

complexas em doente acordado implica ainda<br />

a articulação estreita de toda a equipa<br />

cirúrgica, envolvendo os cirurgiões, anestesistas<br />

e neuropsicólogos. É esta multidisciplinaridade<br />

que permite, no tratamento destas<br />

145


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

lesões vasculares, assim como no tratamento<br />

dos tumores cerebrais, tratar para além dos<br />

limites anatómicos clássicos. Esta técnica<br />

possibilita, de forma mais segura, melhorar<br />

o prognóstico de lesões, que de outra forma<br />

BiBLioGRaFia<br />

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Hypothesis of brain compensation. J Neurol Neurosurg Psychiatry<br />

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seriam sujeitas apenas a tratamento médico<br />

ou que, a serem tratadas cirurgicamente,<br />

poderiam implicar o custo de sequelas neurológicas<br />

graves, não só para o indivíduo<br />

mas também para a sociedade.<br />

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Devinsky O, Beric A and Dogali M, eds. Electrical and magnetic<br />

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uTiLiZação da FLuoReSCêNCia<br />

iNduZida PeLo ÁCido<br />

5-amiNoLeVuLÍNiCo No TRaTameNTo<br />

CiRÚRGiCo de GLioma maLiGNo<br />

5-aminolevuninic acid induced fluorescence<br />

in the surgical treatment of a malignant<br />

glioma<br />

ReSumo Abstract<br />

Os resultados do tratamento dos tumores<br />

cerebrais malignos dependem da eficácia sinérgica<br />

de um conjunto multidisciplinar de<br />

cuidados que incluem o melhor tratamento<br />

cirúrgico, radioterapia e quimioterapia.<br />

O prognóstico do glioblastoma multiforme<br />

(GBM) continua, no entanto, a ser mau.<br />

Mesmo com esta abordagem complementar,<br />

a mediana de sobrevida dos doentes com esta<br />

patologia é de apenas 14,6 meses e apenas<br />

25% sobrevivem para além dos dois anos. A<br />

extensão da exérese cirúrgica é um dos factores<br />

que influencia o prognóstico mas a remoção<br />

total das lesões é conseguida em apenas<br />

um terço dos casos, quer por implicar<br />

sequelas inaceitáveis, quer pela dificuldade<br />

intraoperatória de distinguir as células tumorais<br />

das do parênquima normal. A administração<br />

pré-operatória de ácido 5-aminolevulínico<br />

(5-ALA) permite tornar esta distinção<br />

MIGUEL CASIMIRO<br />

CARLA REIZINHO<br />

JOSÉ <strong>DA</strong>MÁSIO<br />

RUTE JÁCOME<br />

JOSÉ BISMARCK<br />

Departamentos de neurocirurgia e de anestesiologia<br />

In the management of malignant brain<br />

tumors, clinical results depend on the<br />

synergic effect of a multidisciplinary care<br />

that includes surgery, radiotherapy and<br />

chemotherapy. Nevertheless, the median<br />

survival rate of a patient with the diagnosis<br />

of a glioblastoma multiforme is 14,6<br />

months and only 25% of patients survive<br />

beyond the second year of the disease.<br />

Extent of surgical resection affects the<br />

overall prognosis; however, radical removal<br />

is achieved in only one third of all cases. The<br />

resection is limited either in order to prevent<br />

neurologic deficits or due to the difficulty in<br />

distinguish the tumor cells from the normal<br />

parenchyma. Pre-operative administration<br />

of 5-aminolevulinic acid (5-ALA) induces<br />

tumor fluorescence allowing an easier intraoperative<br />

identification of the malignant<br />

cells. This increases the rate of total tumor<br />

147


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

mais fácil, uma vez que torna fluorescentes<br />

as células tumorais. Consegue-se assim duplicar<br />

a taxa de remoção tumoral, optimizando<br />

a vertente cirúrgica do tratamento destes<br />

tumores. Apresenta-se o caso clínico e os resultados<br />

cirúrgicos do primeiro doente tratado<br />

por esta técnica em Portugal, no Hospital<br />

da Luz.<br />

iNTRodução<br />

O mau prognóstico dos gliomas de alto<br />

grau de malignidade é bem conhecido, especialmente<br />

quando se trata do glioblastoma<br />

multiforme. Até há bem pouco tempo,<br />

o tratamento padrão consistia em neurocirurgia<br />

associada a radioterapia. A mediana<br />

da sobrevida era de cerca de 11 meses. 1-3<br />

Os resultados, em 2005, do ensaio clínico<br />

da European Organization for Reasearch<br />

and Treatment of Cancer (EORTC),<br />

demonstraram que a associação de temozolomida<br />

pode aumentá-la para 14,6<br />

meses, com cerca de 25% dos doentes a<br />

ultrapassar a barreira dos dois anos. 4-6<br />

A utilização da quimioterapia faz parte<br />

hoje em dia do tratamento convencional<br />

desta patologia. Mantém-se no entanto alguma<br />

controvérsia sobre o papel da extensão<br />

da remoção cirúrgica sobre o prognóstico.<br />

Sabe-se que os doentes submetidos apenas<br />

a biópsia tendem a ter sobrevidas mais curtas,<br />

do que aqueles que foram submetidos<br />

a remoções alargadas. A evidência acumulada,<br />

também no tratamento dos tumores<br />

benignos, parece consubstanciar que a uma<br />

remoção tumoral mais extensa corresponde<br />

um aumento da sobrevida, um aumento<br />

do período livre de recidiva e uma melhoria<br />

da qualidade de vida dos doentes. 2,3,7,8<br />

A grande questão é que estes tumores são<br />

por natureza infiltrativos e invadem o tecido<br />

cerebral normal, ao longo das suas fibras de<br />

resection to 66% optimizing the efficacy<br />

of the surgical treatment. The authors<br />

report the clinical case and results of the<br />

first patient treated with this technique in<br />

Portugal, at Hospital da Luz.<br />

substância branca, sendo difícil a sua identificação<br />

e remoção total.<br />

Os sistemas de neuronavegação e de imagem<br />

intra-operatória, seja por ecografia, tomografia<br />

computorizada (TC) ou ressonância<br />

magnética (RM), foram desenvolvidos com<br />

o propósito de permitir uma remoção mais<br />

extensa dos tumores. Permitem ao cirurgião<br />

a identificação do tecido tumoral residual e<br />

acrescentar um grau de fiabilidade superior<br />

à qualidade do seu desempenho, comparativamente<br />

às intervenções que dependiam<br />

apenas da experiência do cirurgião e das<br />

técnicas de tissue feeling que dependem da<br />

avaliação de alterações muito subtis da cor<br />

e consistência dos tecidos.<br />

A cirurgia guiada por fluorescência é uma<br />

técnica que se baseia na capacidade das células<br />

tumorais [gliomas grau III e IV da classificação<br />

da Organização Mundial de Saúde<br />

(OMS)] se tornarem fluorescentes quando<br />

expostas a luz de comprimento de onda entre<br />

375 a 440 nm, o que se deve à acumulação<br />

citoplasmática de protoporfirina IX,<br />

quando é administrado ao doente o seu precursor<br />

químico, o ácido 5-aminolevulínico<br />

(5-ALA).<br />

Está descrita a remoção total dos tumores<br />

cerebrais malignos em 66% dos casos com a


UTILIZAÇÃO <strong>DA</strong> FLUORESCÊNCIA INDUZI<strong>DA</strong> PELO ÁCIDO 5-AMINOLEVULINICO NO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE GLIOMA MALIGNO<br />

utilização de cirurgia guiada por fluorescência,<br />

relativamente a um valor de apenas<br />

36% nos casos em que se utilizaram técnicas<br />

de neuronavegação e cirurgia sob luz branca<br />

convencional. A percentagem de doentes<br />

livre de progressão da doença aos seis meses<br />

foi de 41% na cirurgia com fluorescência e<br />

de 21% nos casos tratados de forma convencional.<br />

7<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, de 36 anos de<br />

idade, canhoto, sem antecedentes clínicos relevantes,<br />

apresentou-se com crise convulsiva<br />

tónico-clónica generalizada inaugural, não<br />

presenciada, após a qual o exame neurológico<br />

era normal. O estudo imagiológico por<br />

ressonância magnética revelou a existência<br />

de lesão expansiva, intra-axial, subcortical,<br />

com cerca de 1 cm de diâmetro, heterogénea<br />

mas, de forma genérica, hipointensa em T1<br />

e hiperintensa em T2. Localizava-se no lobo<br />

frontal direito, na porção mais posterior<br />

de F2, na área pré-rolândica. Observava-<br />

-se edema peri-lesional e reforço do sinal à<br />

periferia da lesão após a administração de<br />

gadolíneo. Foi submetido a exérese cirúrgica<br />

noutra instituição, que decorreu sem complicações<br />

aparentes. O diagnóstico histológico<br />

foi de glioblastoma multiforme. Apesar da<br />

radioterapia e quimioterapia complementar<br />

com temozolamida, passados quatro meses<br />

constatou-se a recidiva local. A nova RM objectivava<br />

agora lesão com 3 cm de diâmetro<br />

(4,2 x 2 x 2,8 cm) com extensão, através<br />

da substância branca, até cerca de 1 cm do<br />

ventrículo lateral homolateral e com aumento<br />

marcado do edema perilesional. Rela-<br />

cionava-se, por RM-funcional (RMf), com<br />

a área de controlo motor primário da mão<br />

esquerda, a dominante neste doente (Fig. 1).<br />

O estudo por espectroscopia consubstanciou,<br />

Os autores apresentam o caso clínico de um<br />

doente com o diagnóstico de glioblastoma<br />

multiforme frontal direito. Pretendem ilustrar<br />

o que se pode considerar o actual estado<br />

da arte no tratamento cirúrgico dos tumores<br />

cerebrais malignos e descrever a metodologia<br />

e o resultado da aplicação desta técnica,<br />

utilizada, neste caso, pela primeira vez em<br />

Portugal, no Hospital da Luz.<br />

junto com os dados anteriores, o diagnóstico<br />

imagiológico de glioma maligno (Fig. 2).<br />

O doente referia cefaleias holocranianas<br />

Fig. 1 Avaliação imagiológica pré-operatória.<br />

A, B e C. Aspecto, por RM, T1 com gadolíneo,<br />

de corte sagital, coronal e axial de lesão expansiva<br />

frontal direita pré-motora.<br />

D. Reconstrução 3D de RMf identificando,<br />

a vermelho, as áreas de activação cortical com<br />

os movimentos da mão dominante do doente.<br />

O tumor, a amarelo, relaciona-se posteriormente<br />

com esta região.<br />

149


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 2 A. Corte axial por RM, da lesão central, profunda na substância branca hemisférica e de halo de<br />

edema perilesional. B. A avaliação pré-operatória deve englobar estudo por espectroscopia para melhor<br />

caracterização das eventuais lesões malignas. Observou-se relação colina/creatina elevada e diminuição<br />

da relação n-acetil-aspartato/creatina, ambas compatíveis com glioma maligno.<br />

matinais moderadas mas mantinha-se sem<br />

défices neurológicos focais objectiváveis.<br />

Com este diagnóstico foi proposto e aceite<br />

o tratamento cirúrgico com recurso à fluorescência<br />

intra-operatória.<br />

CUI<strong>DA</strong>DOS PERI-OPERATÓRIOS<br />

Cerca de 3 horas antes da indução anestésica<br />

foi administrado ácido 5-aminolevulínico<br />

(Gliolan©), numa dose de 20 mg/kg, diluído<br />

em água (Fig. 3). Durante o período que antecedeu<br />

a cirurgia e nas primeiras 24 horas<br />

após a administração do fármaco o doente<br />

não foi exposto à luz solar directa e foi reduzida<br />

a luz ambiente. Tal precaução deve-se ao<br />

facto do 5-ALA poder condicionar reacções<br />

de fotosensibilidade cutânea potencialmente<br />

graves. Não foram adoptados outros cuidados<br />

específicos relacionados com a técnica.<br />

PROTOCOLO ANESTÉSICO<br />

Foi utilizado um protocolo anestésico apropriado<br />

à necessidade de mapeamento cerebral<br />

em área motora. A anestesia geral foi admi-<br />

Fig. 3 Sequência temporal do método desde<br />

a administração do fármaco 5-ALA (Gliolan©),<br />

até ao final da cirurgia. A capacidade de emitir<br />

fluorescência permanece nas células tumorais por<br />

um período de 16 horas.<br />

nistrada sem recurso a curarização. A fim de<br />

não alterar as propriedades fisiológicas do<br />

potencial de membrana celular neuronal, que<br />

afectariam o seu limiar de despolarização e<br />

a sensibilidade do mapeamento, não foram<br />

utilizados anestésicos halogenados. 9-11 Neste<br />

sentido, optou-se por anestesia total intravenosa,<br />

utilizando-se perfusões de propofol e<br />

de remifentanil com taxas de infusão adequadas.<br />

As luzes da sala operatória foram reduzidas<br />

durante todo o procedimento.


UTILIZAÇÃO <strong>DA</strong> FLUORESCÊNCIA INDUZI<strong>DA</strong> PELO ÁCIDO 5-AMINOLEVULINICO NO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE GLIOMA MALIGNO<br />

PROTOCOLO CIRÚRGICO<br />

Com o doente em decúbito dorsal e com a<br />

cabeça em flexão moderada e rodada cerca<br />

de 45º para a esquerda, procedeu-se a craniotomia<br />

fronto-parietal direita, guiada por<br />

neuronavegação (BrainLab®). A craniotomia<br />

foi suficientemente ampla para permitir<br />

a exposição tumoral total e das áreas corticais<br />

adjacentes. A identificação do córtex<br />

motor primário da mão dominante, que<br />

limitava posteriormente a lesão tumoral,<br />

foi conseguida por mapeamento funcional<br />

através de electroestimulação cerebral directa.<br />

Utilizaram-se eléctrodos bipolares que<br />

administraram corrente bifásica, com amplitude<br />

de intensidade de 0-5 mA, a 60Hz, e<br />

pulsos de 1 ms. 11 Utilizou-se, como gerador,<br />

o Estimulador Multifuncional Nimbus® da<br />

Newmedic©. Os estímulos foram administrados<br />

por contacto directo dos eléctrodos<br />

sobre a superfície cerebral, em intervalos de<br />

cerca de 2 segundos. Depois da escolha do<br />

ponto de entrada no parênquima, utilizou-se<br />

microscópio cirúrgico Pentero da Zeiss©, especialmente<br />

equipado com módulo emissor<br />

de luz azul (375-440 nm). A lesão tumoral era<br />

na sua maioria macroscopicamente indistinguível<br />

do tecido cerebral normal adjacente.<br />

Alternou-se a incidência sobre a lesão de luz<br />

azul e luz branca convencional. Sob a luz azul<br />

as células tumorais tornam-se fluorescentes,<br />

enquanto sob a luz branca o cirurgião pode<br />

trabalhar com uma imagem mais detalhada.<br />

Inicia-se assim, alternadamente, o processo<br />

de identificação e remoção das áreas fluorescentes<br />

do cérebro (Fig. 4). Associaram-se as<br />

técnicas de neuronavegação e mapeamento<br />

funcional intra-operatório de forma a permitir<br />

uma exérese mais segura. Quando não<br />

se identificaram focos celulares de fluorescência,<br />

constatando intra-operatóriamente a<br />

remoção tumoral total, iniciou-se a fase de<br />

hemostase e encerramento. Após o procedi-<br />

Fig. 4 Imagens intra-operatórias do processo<br />

de excisão tumoral. A. Aspecto da loca tumoral<br />

sob luz branca convencional. Na profundidade<br />

e fora dos focos de necrose, o aspecto tumoral<br />

é indistinguível da substância branca normal<br />

adjacente. B. Com a emissão de luz azul<br />

as células tumorais tornam-se fluorescentes<br />

permitindo ao cirurgião identificá-las e estender<br />

a sua exérese.<br />

mento o doente foi admitido na Unidade<br />

de Cuidados Intensivos por cerca de 24<br />

horas. Apresentou ligeiro rubor cutâneo durante<br />

esse período, que não se traduziu em<br />

qualquer sensação de desconforto. Teve alta<br />

ao 5º dia de pós-operatório, sem queixas e<br />

sem défices neurológicos sequelares.<br />

O exame histológico confirmou o diagnóstico<br />

de glioblastoma multiforme. O doente<br />

reiniciou o tratamento complementar com<br />

temozolamida. A ressonância magnética de<br />

controlo aos 3 meses confirmou a exérese<br />

151


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

imagiologicamente total da lesão (Fig. 5). O<br />

doente, aos 9 meses, continuava sem evidência<br />

clínica ou imagiológica de crescimento<br />

tumoral e sem défices neurológicos. Mantém<br />

terapêutica anti-epiléptica com levetiracetam,<br />

1 g, per os, 12/12 horas.<br />

diSCuSSão e CoNCLuSÕeS<br />

O glioblastoma multiforme é o tumor maligno<br />

primário do sistema nervoso mais comum<br />

e também o mais agressivo em termos prognósticos.<br />

São esperados em Portugal cerca<br />

de 200 a 300 novos casos todos os anos. Sem<br />

tratamento a sobrevida média dos doentes<br />

seria de 4 meses e meio. Os resultados terapêuticos<br />

não têm sido menos frustrantes.<br />

Mesmo com terapêutica combinada, incluindo<br />

cirurgia, radioterapia e quimioterapia a<br />

sobrevida não ultrapassa os 15 meses. 5,6 O<br />

objectivo de qualquer tratamento oncológico<br />

é a estabilização do crescimento ou, preferencialmente,<br />

a eliminação total das células<br />

malignas do doente. De todas as armas clínicas<br />

actualmente ao dispor para o tratamento<br />

dos gliomas malignos, a exérese cirúrgica é<br />

para já a mais eficaz na redução da massa<br />

Fig. 5 Comparação das ressonâncias pré<br />

e pós-operatórias, em T1 com gadolíneo.<br />

A. Aspecto pré-operatório, em corte axial<br />

interceptando o córtex pré-motor.<br />

B. Objectiva-se a remoção total do tumor,<br />

por critérios imagiológicos, assim como<br />

a redução do edema perilesional e o seu efeito<br />

de massa sobre o ventrículo lateral homolateral.<br />

tumoral. Um GBM tem em média 10 11 células.<br />

O tratamento cirúrgico pode reduzir essa<br />

quantidade celular para 10 9 . Com radioterapia<br />

esse número diminui para 10 7 e com quimioterapia<br />

torna-se possível reduzir a massa<br />

tumoral em média para 10 6 . Apesar do impacto<br />

relevante da cirurgia, estes resultados<br />

são obtidos mesmo quando se sabe que a<br />

remoção total do tumor só é conseguida em<br />

20 a 30% de todas as cirurgias que têm este<br />

objectivo. 7 Nos últimos anos o desenvolvimento<br />

tecnológico aplicado à cirurgia tem<br />

tentado resolver este problema e as técnicas<br />

de neuronavegação e imagem intra-operatória<br />

baseadas em ecografia, tomografia<br />

computorizada ou ressonância magnética<br />

têm permitido estender a remoção cirúrgica<br />

e proceder a controlo intra-operatório dos


UTILIZAÇÃO <strong>DA</strong> FLUORESCÊNCIA INDUZI<strong>DA</strong> PELO ÁCIDO 5-AMINOLEVULINICO NO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE GLIOMA MALIGNO<br />

resultados do tratamento. Estas técnicas têm<br />

contudo uma limitação, ou seja, baseiam-se<br />

em representações imagiológicas das lesões<br />

que não coincidem necessariamente com<br />

as estruturas reais que tentam representar.<br />

A vantagem da utilização da fluorescência<br />

no tratamento dos GBM é que esta técnica<br />

marca fisicamente as células tumorais e o<br />

cirurgião adquire a capacidade de visualização<br />

directa da sua localização e extensão. A<br />

sua utilização está indicada não só no tratamento<br />

do GBM, mas também noutros casos<br />

de gliomas grau III e IV da OMS. A radicalidade<br />

cirúrgica aumenta para 66% com a sua<br />

utilização. 7 A administração de 5-ALA para<br />

este fim só deve ser ponderada em casos já<br />

com diagnóstico histológico, na sequência de<br />

outras intervenções ou em situações de elevado<br />

índice de suspeita de malignidade por<br />

critérios imagiológicos. Deve ser utilizada a<br />

RM se possível complementada pela análise<br />

por espectroscopia.<br />

O caso aqui apresentado tem a particularidade<br />

de ter sido o primeiro a ser tratado<br />

em Portugal com recurso a esta técnica e de<br />

ilustrar de forma exemplar a segurança e a<br />

eficácia do método. Evidenciaram-se as células<br />

tumorais por fluorescência e obteve-se,<br />

sem complicações acrescidas e sem sequelas<br />

neurológicas, uma remoção cirúrgica e imagiológica<br />

total.<br />

Apesar das vantagens óbvias desta técnica,<br />

torna-se fundamental que quem a utiliza esteja<br />

ciente das suas limitações. Apesar das<br />

complicações possíveis serem desprezíveis,<br />

com excepção da fotosensibilidade cutânea<br />

que necessita de cuidados especiais, deve<br />

ser evitada a sua utilização em doentes com<br />

porfiria e em grávidas, neste caso por falta<br />

de estudos que comprovem a sua segurança.<br />

Mais importante, contudo, é a percepção de<br />

que os estudos publicados e a experiência<br />

adquirida com estes tumores demonstram<br />

que radicalidade cirúrgica não equivale a<br />

cura. Remoção radical por imagem não é<br />

ainda igual a remoção “total” no sentido<br />

histológico, nem é sinónimo de remoção<br />

“totalmente segura”. A tentativa de maior<br />

remoção de tecido tumoral pode, pelo contrário,<br />

implicar um maior risco de sequelas<br />

neurológicas. Com o aumento da sobrevida<br />

que é possível oferecer agora aos doentes,<br />

maior será também o impacto negativo de<br />

eventuais sequelas graves e incapacitantes.<br />

A cirurgia com fluorescência permite identificar<br />

as células tumorais mas não a função.<br />

Entre as células tumorais encontram-se corpos<br />

celulares e fibras axonais com funções<br />

potencialmente relevantes. Para além da<br />

identificação do alvo cirúrgico a remover,<br />

agora mais fácil com a fluorescência, o neurocirurgião<br />

que pretenda oferecer o melhor<br />

tratamento cirúrgico, de acordo com o actual<br />

estado da arte, terá que dominar e aliar<br />

a esta técnica, as técnicas de imagem e de<br />

mapeamento funcional intra-operatórios. Só<br />

na posse destes dados e com a ponderação<br />

cuidada na sala operatória dos riscos e benefícios<br />

reais da sua acção num caso específico,<br />

poderá oferecer o melhor tratamento ao<br />

doente e continuar a adiar o desfecho ainda<br />

inevitável desta doença.<br />

A cirurgia dos gliomas malignos pode ser<br />

agora mais extensa e contribuir para a melhoria<br />

dos resultados, mas o tratamento des-<br />

ta entidade clínica ainda é o resultado de<br />

uma abordagem multidisciplinar, em que<br />

a radioterapia e a quimioterapia desempenham<br />

um papel fundamental.<br />

153


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Ohgaki H, Kleihues P. Population-based studies on incidence,<br />

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2. Lacroix M, Abi-Said D, Fourney DR, et al. A multivariate analysis<br />

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Devinsky O, Beric A and Dogali M, eds. Electrical and magnetic<br />

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In: Devinsky O, Beric A, Dogali M, eds. Electrical and magnetic<br />

stimulation on the brain and spinal cord. New York: Raven Press<br />

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Neurochirurgie 2004;50:474-83.


aBoRdaGem CiRÚRGiCa PoR Via<br />

aNTeRioR da CoLuNa doRSaL aLTa<br />

anterior surgical approach to the upper<br />

thoracic spine<br />

ReSumo Abstract<br />

No decorrer das últimas décadas a filosofia<br />

subjacente à cirurgia oncológica dos tumores<br />

da coluna vertebral evoluiu para uma atitude<br />

agressiva no tratamento da instabilidade, da<br />

dor axial ou da compressão medular, que<br />

frequentemente surgem neste contexto. Nas<br />

situações em que estes tumores envolvem<br />

sobretudo o corpo vertebral, as abordagens<br />

por via anterior têm conquistado popularidade,<br />

embora sejam mais exigentes do ponto<br />

de vista técnico. A região da coluna dorsal<br />

alta é a que se apresenta de maior complexidade<br />

no acesso por via anterior, pelas suas<br />

relações anatómicas com estruturas vitais. Os<br />

autores descrevem um caso clínico de acesso<br />

cervico-torácico anterior com manubriotomia<br />

no tratamento cirúrgico de uma fractura<br />

patológica de D2 e discutem as suas especificidades<br />

técnicas e complicações mais frequentes.<br />

BRUNO SANTIAGO<br />

HENRIQUE VAZ VELHO<br />

ÁLVARO LIMA<br />

Departamentos de neurocirurgia e de cirurgia cardiotorácica<br />

In the last decades the philosophy underlying<br />

oncological surgery of spinal tumors<br />

became increasingly more aggressive in<br />

the treatment of biomechanical instability,<br />

axial pain or spinal cord compression, that<br />

frequently occurs with this kind of tumors.<br />

When these lesions are predominantly<br />

restricted to the vertebral body, anterior<br />

approaches of the spine have gained<br />

wide acceptance, independently of being<br />

technically more demanding. Among the<br />

various anterior surgical approaches to the<br />

spine, the exposure of the upper thoracic<br />

vertebrae remains the most challenging,<br />

due to the vital anatomical relations in<br />

this region. The authors report the anterior<br />

approach through manubriotomy for the<br />

surgical treatment of a pathological fracture<br />

of T2 and discuss its technical specificities<br />

and most frequent complications.<br />

155


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

Nas últimas três décadas vários avanços<br />

técnicos permitiram que o tratamento cirúrgico<br />

dos tumores primários e secundários da<br />

coluna vertebral visse aumentada a sua importância.<br />

O uso generalizado da ressonância<br />

magnética (RM) permitiu um diagnóstico<br />

mais precoce destas lesões, bem como<br />

uma caracterização morfológica muito mais<br />

detalhada. Por outro lado, a evolução das<br />

técnicas de instrumentação da coluna e a<br />

sua versatilidade, possibilitaram a reconstrução<br />

e estabilização vertebrais de uma forma<br />

segura e eficaz após a exérese tumoral.<br />

Progressivamente implementou-se, em casos<br />

seleccionados, uma filosofia de cirurgia oncológica<br />

agressiva num contexto de tratamento<br />

multidisciplinar destes tumores, com<br />

quimioterapia e radioterapia adjuvantes<br />

quando indicado. Uma vez que estas lesões<br />

predominam no corpo vertebral, vários autores<br />

têm proposto a abordagem anterior da<br />

coluna vertebral como o acesso mais directo<br />

e eficaz para a remoção tumoral, com morbilidade<br />

aceitável e mortalidade reduzida<br />

em múltiplas séries. 1<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 64 anos de<br />

idade, sem antecedentes relevantes. Avaliada<br />

inicialmente em consulta de Neurocirurgia<br />

por fractura de D12 recente, na sequência<br />

de queda, e que apenas condicionava dorso-lombalgia.<br />

A tomografia computorizada<br />

(TC) da coluna dorsal documentava, para<br />

além da fractura estável de D12 sem indicação<br />

cirúrgica, uma lesão lítica não expansiva<br />

do corpo vertebral de D2, que tinha a sua<br />

altura mantida (Fig. 1).<br />

De todos os níveis da coluna vertebral a<br />

exposição das duas primeiras vértebras<br />

dorsais continua a ser a de maior complexidade.<br />

2 A necessidade de esternotomia ou<br />

remoção da articulação esterno-clavicular, a<br />

presença dos grandes vasos torácicos, o espaço<br />

pré-vertebral limitado e o risco de lesão<br />

de ambos os nervos laríngeos recorrentes<br />

tornam esta abordagem muito exigente do<br />

ponto de vista técnico. 3 A abordagem por<br />

via posterior com costotransversectomia<br />

para o tratamento de tumores desta região é<br />

uma alternativa válida e preferida por muitos<br />

cirurgiões, por lhes ser mais familiar. 3 No<br />

entanto, para tumores limitados ao corpo<br />

vertebral, o acesso anterior é o que permite<br />

uma exposição e remoção oncológica mais<br />

ampla, conseguindo-se uma descompressão<br />

medular e reconstrução da coluna anterior<br />

mais expedita e eficaz. 4<br />

Com o presente caso clínico os autores pretendem<br />

exemplificar a técnica cirúrgica utilizada<br />

na abordagem anterior cérvico-torácica<br />

para corpectomia de D2 numa doente<br />

com mieloma múltiplo.<br />

Perante a hipótese mais provável de lesão<br />

metastática a investigação prosseguiu, com<br />

TC tóraco-abdomino-pélvica e cintigrafia<br />

óssea, que não mostraram evidência de lesão<br />

primitiva ou outras metástases. Uma tomografia<br />

por emissão de positrões (PET-scan),<br />

foi também negativa. Foi proposta bió-<br />

psia guiada por TC, que a doente recusou.<br />

Posteriormente iniciou queixas de dorsalgia<br />

alta de agravamento progressivo, sem<br />

irradiação, de tipo mecânico, sem défices


neurológicos associados, mas que condicionava<br />

dificuldade em manter-se na posição<br />

ortostática. A RM realizada seis meses depois<br />

da avaliação inicial, revelou colapso<br />

somático de D2 (fractura patológica) com<br />

recuo do muro posterior que moldava a face<br />

anterior da medula (Fig. 2). Adicionalmente<br />

documentavam-se lesões suspeitas em D5 e D8.<br />

Fig. 1 TC da coluna dorsal, reconstrução sagital.<br />

Pequena lesão osteolítica do segmento posterior<br />

do corpo vertebral de D12, circunscrita e com<br />

altura do corpo vertebral preservada<br />

ABOR<strong>DA</strong>GEM CIRÚRGICA POR VIA ANTERIOR <strong>DA</strong> COLUNA DORSAL ALTA<br />

Fig. 2 RM sagital T2. Fractura patológica de D2<br />

com colapso somático grave e retropulsão do muro<br />

posterior que contacta a face anterior da medula<br />

Os resultados do estudo laboratorial e<br />

mielograma foram compatíveis com o diagnóstico<br />

de mieloma múltiplo.<br />

Perante uma fractura patológica biomecanicamente<br />

instável, com tradução clínica<br />

de dor axial incapacitante e risco de sofrimento<br />

neurológico, em caso de progressão<br />

da lesão, optou-se pelo tratamento cirúrgico<br />

complementado posteriormente com quimioterapia<br />

e radioterapia.<br />

A doente foi posicionada em decúbito<br />

dorsal com um apoio entre as omoplatas,<br />

após anestesia geral, entubação com tubo<br />

orotraqueal simples e administração de profilaxia<br />

antibiótica com cefazolina. A incisão<br />

cirúrgica ao longo do bordo anterior do esternocleidomastoideu<br />

(ECM), semelhante a<br />

uma abordagem cervical anterior padrão,<br />

foi prolongada ao longo do terço superior<br />

157


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

do esterno na linha média. O platisma foi<br />

seccionado ao longo da incisão e mobilizado,<br />

prosseguindo a dissecção ao longo do<br />

bordo interno do ECM. O plano anatómico<br />

entre o feixe neurovascular (artéria carótida<br />

comum, veia jugular interna e nervo vago)<br />

e as estruturas viscerais (traqueia, laringe,<br />

tiróide) foi dissecado com exposição dos<br />

corpos vertebrais cervicais inferiores, facilitada<br />

pela secção do músculo omohioideu.<br />

Fig. 3 Exposição cirúrgica da coluna dorsal alta<br />

Para a exposição das primeiras vértebras<br />

dorsais procedeu-se à secção do manúbrio<br />

esternal com serra oscilante e à dissecção da<br />

artéria carótida primitiva direita, troncos<br />

braquiocefálico arterial e venoso direitos e<br />

veia inominata. Prosseguiu-se depois com o<br />

alargamento da exposição lateral à glândula<br />

tiroideia, traqueia e esófago, com laqueação<br />

da artéria tiroideia inferior (Fig. 3). Esta<br />

exposição foi executada com o cuidado<br />

necessário para preservar o nervo laríngeo<br />

recorrente e o tronco simpático, embora a<br />

lesão destas estruturas esteja relacionada<br />

muitas vezes com a retracção ou estiramento<br />

dos tecidos.<br />

Após exposição adequada da face ventral<br />

da coluna vertebral até ao corpo vertebral<br />

de D3, os músculos longus colli foram dissecados<br />

bilateralmente da sua inserção entre<br />

C7 e D3. Procedeu-se à discectomia dos<br />

níveis acima e abaixo do corpo vertebral envolvido<br />

(D1-D2 e D2-D3) e posteriormente<br />

à remoção da lesão e do corpo de D2, com<br />

descompressão medular e exposição da dura-máter<br />

que ficou íntegra.<br />

A estabilização deste segmento foi conseguida<br />

com a colocação de um espaçador em<br />

PEEK (Cornerstone®, Medtronic), reforçado<br />

com uma placa anterior fixada com parafusos<br />

nos corpos de D1, D3 e no próprio<br />

espaçador (Venture®, Medtronic).<br />

A TC intra-operatória documentou uma<br />

descompressão medular adequada e uma<br />

aplicação correcta do material de instrumentação,<br />

com reconstruções que permitiram<br />

um excelente detalhe anatómico comparativamente<br />

ao intensificador de imagem<br />

(Fig. 4).<br />

Após a hemostase cuidada procedeu-se ao<br />

encerramento por planos, drenagem sub-<br />

esternal, manubriorrafia com arames, sutura<br />

do omohioideu, do platisma e da pele com<br />

fio reabsorvível.<br />

No pós-operatório não se registaram intercorrências<br />

do ponto de vista hemodinâmico


Fig. 4 TC intra-operatória, reconstrução sagital.<br />

Colocação correcta do material cirúrgico de fixação<br />

e descompressão do canal vertebral<br />

ou respiratório. As queixas álgicas moderadas<br />

foram controladas com analgesia.<br />

Destacava-se de novo uma disfonia ligeira<br />

por parésia da corda vocal direita (provável<br />

lesão do nervo laríngeo recorrente). O dreno<br />

foi removido às 24 horas sem complicações.<br />

A doente tolerou levante e marcha às 48<br />

horas de pós-operatório sem necessidade de<br />

ortótese. Teve alta hospitalar ao 5º dia após<br />

a intervenção cirúrgica.<br />

À data da última observação em ambulatório<br />

(4 meses após a cirurgia) estava sem<br />

diSCuSSão<br />

O mieloma múltiplo é uma neoplasia hematológica<br />

que resulta da transformação<br />

oncológica dos plasmócitos, caracterizada<br />

pelo desenvolvimento de doença óssea os-<br />

ABOR<strong>DA</strong>GEM CIRÚRGICA POR VIA ANTERIOR <strong>DA</strong> COLUNA DORSAL ALTA<br />

dor dorsal e sem défices neurológicos. A RM<br />

da coluna dorsal pós-operatória demonstra<br />

o bom resultado cirúrgico, de acordo com a<br />

evolução clínica (Fig. 5). Após radioterapia<br />

e quimioterapia aguarda transplante de medula<br />

óssea.<br />

Fig. 5 RM pós-operatória, sagital T2. Alinhamento<br />

vertebral correcto e descompressão ampla do<br />

canal raquidiano. Alteração do sinal em vários<br />

corpos vertebrais no contexto da doença mielomatosa.<br />

teolítica progressiva, fracturas patológicas,<br />

hipercalcemia, anemia e insuficiência renal. 5<br />

Predomina em idades mais tardias, pode envolver<br />

qualquer osso do esqueleto e na colu-<br />

159


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

na vertebral atinge sobretudo o segmento<br />

torácico. A localização na transição cérvicodorsal<br />

ou dorsal alta é rara.<br />

Entre as várias estratégias terapêuticas contam-se<br />

a quimioterapia e o transplante de<br />

medula óssea, e para a doença óssea a utilização<br />

de bifosfonatos, vertebroplastia/cifoplastia<br />

e, em casos seleccionados, cirurgia<br />

oncológica mais agressiva.<br />

A transição cérvico-dorsal é definida pela<br />

maioria dos autores como a região compreendida<br />

entre C7 e D4 e a sua abordagem<br />

por via anterior é uma das mais difíceis da<br />

coluna vertebral. 6 As abordagens por via<br />

posterior revelam múltiplas desvantagens<br />

para lesões restritas ao corpo vertebral. Em<br />

primeiro lugar, pela exposição inadequada<br />

da patologia e pelo controlo deficiente da<br />

face anterior do saco tecal, para além de um<br />

efeito destabilizador e da obrigatoriedade de<br />

construções posteriores longas para devolver<br />

estabilidade biomecânica, por se tratar<br />

de uma zona de charneira.<br />

A primeira abordagem directa de D3 através<br />

de esternotomia completa, permitindo um<br />

controlo adequado dos grandes vasos e<br />

uma ampla exposição cirúrgica até D5 foi<br />

descrita pela primeira vez em 1957. 7 Mais<br />

tarde é referida uma mortalidade de 40%<br />

com este acesso, 8 o que levou à exploração<br />

de variantes associadas a uma mortalidade<br />

mais baixa. Uma dessas modificações data<br />

de 1984, 2 e inclui a ressecção da clavícula<br />

e uma esternotomia curta. Demonstrou-<br />

-se também a possibilidade de abordar esta<br />

região removendo apenas a clavícula, 9 mas<br />

este tipo de acesso antero-lateral é inadequado<br />

para aplicação do material de instrumentação.<br />

Embora alguns autores defendam um<br />

acesso cervical supra-esternal sem manubriotomia<br />

em doentes com pescoço longo,<br />

para uma exposição adequada e maior versatilidade<br />

nas opções de instrumentação, a<br />

combinação deste acesso com manubriotomia<br />

parece ser o mais adequado. Recentemente<br />

foi descrita a utilização do ângulo<br />

cérvico-dorsal (medido entre duas linhas<br />

com origem no limite superior do esterno,<br />

uma linha horizontal até ao corpo vertebral<br />

adjacente e outra póstero-superior até ao<br />

bordo anterior do espaço C7-D1), combinada<br />

com a localização da extremidade caudal<br />

da lesão para a decisão de abordagem com<br />

um acesso simples ou complementado com<br />

manubriotomia ou esternotomia. 6<br />

Como se ilustra no caso descrito, a abordagem<br />

anterior da transição cérvico-dorsal<br />

com um acesso cervical combinado com manubriotomia<br />

assegura uma exposição ideal<br />

dos corpos vertebrais da coluna dorsal alta<br />

e permite uma descompressão eficaz, uma<br />

reconstrução adequada da coluna, um pósoperatório<br />

sem morbilidade significativa e<br />

uma franca melhoria da dor e da capacidade<br />

funcional da doente.<br />

Apesar do referido, esta cirurgia é condicionada<br />

por vários factores anatómicos que<br />

levantam problemas técnicos. Embora a<br />

abordagem pela esquerda seja preferida por<br />

muitos cirurgiões, por minorar o risco de<br />

lesão do nervo laríngeo recorrente, a preferên-<br />

cia dos autores é pela abordagem à direita,<br />

mais cómoda e familiar para cirurgiões<br />

dextros. Neste caso, apesar de não se ter<br />

identificado o nervo na dissecção efectuada,<br />

presume-se que tenha sido lesado por estiramento.<br />

As lesões vasculares, complicações<br />

pulmonares por violação da pleura cervical,<br />

lesões do esófago ou edema da faringe<br />

e síndrome de Horner por manipulação do<br />

simpático, contam-se entre outras complicações<br />

possíveis.


Numa série de 37 doentes com lesões da<br />

junção cérvico-dorsal, 35 dos quais por<br />

tumores desta região, foi utilizada manubriotomia<br />

em 12 casos para completar a<br />

dissecção supra-esternal. Oito dos doentes<br />

apresentaram morbilidade, nomeadamente<br />

um caso de paraplegia, um hematoma cervical,<br />

uma mediastinite, uma pseudartrose,<br />

uma lesão do canal torácico e dois casos<br />

com disfonia. 10<br />

O recurso a manubriotomia é também<br />

referido num outro trabalho cujos autores<br />

descrevem a sua experiência em 18 doentes<br />

com tumores da coluna dorsal alta; em cinco<br />

destes utilizaram uma abordagem anterior<br />

com manubriotomia. Ocorreu em todos os<br />

doentes uma estabilização ou melhoria do<br />

défice neurológico e não são referidas complicações<br />

em nenhum daqueles cinco casos. 11<br />

Num grupo de onze doentes, com a mesma<br />

patologia e operados por via anterior com<br />

descompressão medular e estabilização da<br />

junção cérvico-dorsal, é indicada também<br />

uma evolução neurológica favorável, re-<br />

CoNCLuSão<br />

No tratamento da patologia cirúrgica da<br />

transição cérvico-dorsal e coluna dorsal<br />

alta, que envolva preferencialmente o corpo<br />

vertebral, a abordagem por via anterior com<br />

uma dissecção cervical padrão complementada<br />

com manubriotomia é exequível, com<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Fourney DR, Gokaslan ZL Use of “MAPs” for determining<br />

the optimal surgical approach to metastatic disease of the<br />

thoracolumbar spine: anterior, posterior, or combined. Invited<br />

submission from the Joint Section Meeting on Disorders of the<br />

Spine and Peripheral Nerves, March 2004. J Neurosurg Spine<br />

2005;2(1): 40-9.<br />

ABOR<strong>DA</strong>GEM CIRÚRGICA POR VIA ANTERIOR <strong>DA</strong> COLUNA DORSAL ALTA<br />

gistando-se duas complicações, uma parésia<br />

de corda vocal e uma lesão do canal torácico.<br />

Embora o follow-up fosse apenas de 10<br />

meses, não ocorreram complicações com<br />

o material de instrumentação. 12 Numa série<br />

de seis doentes são descritos resultados<br />

semelhantes, apenas com um caso de infecção<br />

respiratória como morbilidade. 13<br />

É ainda de destacar a utilização da tomografia<br />

computorizada intra-operatória, que permitiu<br />

confirmar a descompressão medular<br />

adequada e o posicionamento correcto do<br />

material de instrumentação, com um detalhe<br />

muito superior à radiologia convencional e<br />

com a possibilidade de reconstruções tridimensionais.<br />

Esta é uma técnica de fácil aplicação,<br />

com um consumo de tempo reduzido<br />

e com uma resolução difícil de superar por<br />

outras técnicas de imagem no que respeita à<br />

coluna vertebral, podendo também ser associada<br />

a sistemas de neuronavegação. 14 Na<br />

localização particular da transição cérvicodorsal,<br />

a utilização do intensificador de imagem<br />

seria impossível pela sobreposição da<br />

cintura escapular.<br />

morbilidade reduzida, oferecendo ao cirurgião<br />

um controlo adequado das várias estruturas<br />

nobres desta região e a possibilidade<br />

de descompressão e estabilização da coluna<br />

anterior de uma forma segura e eficaz.<br />

2. Sundaresan N, Shah J, Foley KM, Rosen G. An anterior<br />

surgical approach to the upper thoracic vertebrae. J Neurosurg<br />

1984;61(4):686-90.<br />

3. Klekamp J, Samii M. Surgery of spinal tumors. Berlin: Springer,<br />

2007:526.<br />

161


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

4. Gokaslan Z L, York JE, Walsh JL, et al. Transthoracic<br />

vertebrectomy for metastatic spinal tumors. J Neurosurg 1998;<br />

89(4):599-609.<br />

5. Kyle RA, Rajkumar SV. Multiple myeloma. N Engl J Med<br />

2004;351(18):1860-73.<br />

6. Teng H, Hsiang J, Wu C, et al. Surgery in the cervicothoracic<br />

junction with an anterior low suprasternal approach alone or<br />

combined with manubriotomy and sternotomy: an approach<br />

selection method based on the cervicothoracic angle. J Neurosurg<br />

Spine 2009;10(6):531-42.<br />

7. Cauchoix J, Binet JP. Anterior surgical approaches to the spine.<br />

Ann R Coll Surg Engl 1957; 21(4):237-43.<br />

8. Hodgson A R, Stock FE, Fang HS, Ong GB. Anterior spinal<br />

fusion. The operative approach and pathological findings in 412<br />

patients with Pott’s disease of the spine. Br J Surg 1960;48:172-8.<br />

9. Kurz LT, Pursel SE, Herkowitz HN. Modified anterior approach<br />

to the cervicothoracic junction. Spine 1991;16(10 Suppl):S542-7.<br />

10. Pointillard V, Aurouer N, Gangnet N, Vital JM. Anterior<br />

approach to the cervicothoracic junction without sternotomy. A<br />

report of 37 cases. Spine 2007;32 (25):2875-9.<br />

11. Seol HJ, Chung CK, Kim HJ. Surgical approach to anterior<br />

compression in the upper thoracic spine. J Neurosurg Spine,<br />

2002;97:337-42.<br />

12. Lyu YL, Hao YJ, Li T, Song YM, Wang LM. Tran-upper-sternal<br />

approach to the cervicothoracic junction. Clin Orthop Relat Res<br />

2009;467(8):2018-24.


QuiSTo NaSoPaLaTiNo. CaSo CLÍNiCo<br />

e ReViSão da LiTeRaTuRa*<br />

Nasopalatine duct cyst. Case report and<br />

literature review<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores fazem uma revisão da literatura<br />

a propósito de um caso clinico de quisto<br />

nasopalatino (QNP). O QNP é a lesão óssea<br />

quística, não odontogénica, mais frequente<br />

do maxilar superior. Tratando-se por vezes<br />

de achados radiológicos, é importante co-<br />

nhecer o seu aspecto característico em “forma<br />

de coração” na tomografia computo-<br />

rizada. A ressonância magnética nuclear permite,<br />

sobretudo em lesões volumosas e com<br />

conteúdo heterogéneo, estabelecer com segurança<br />

o diagnóstico. Cirurgicamente a opção<br />

ideal é a marsupialização sendo que, para o<br />

bom sucesso desta, se torna por vezes importante<br />

obter a diminuição da tensão do quisto<br />

por punção aspirativa realizada no mesmo<br />

tempo cirúrgico.<br />

* Adaptado de trabalho publicado em Clínica e Investigação em Otorrinolaringologia 2009;3(1):60-3.<br />

SARA VIANA BAPTISTA<br />

ANTÓNIO LARROUDÉ<br />

Departamento de otorrinolaringologia<br />

The authors review the literature on<br />

nasopalatine duct cysts (NPDC) inspired on<br />

a clinical case on the same subject. NPDC is<br />

the most frequent, nonodontogenic osseous<br />

cyst of the maxilla. Frequently asymptomatic,<br />

it is detected on radiographic exams by<br />

dentists. On computed tomography it has<br />

a distinctive aspect known as the “heart<br />

image”. Magnetic ressonance imaging<br />

allows a definitive diagnosis, mainly in cases<br />

of massive lesions with an heterogenous<br />

content. Surgically, marsupialization is the<br />

preferred method, although sometimes<br />

an aspiration of the lesion is required<br />

simultaneously in order to reduce the cyst<br />

tension.<br />

163


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

O quisto nasopalatino (QNP) ou quisto do<br />

canal incisivo é um quisto ósseo fissurado e<br />

verdadeiro da maxila. É um dos quistos ósseos<br />

fissurais (de desenvolvimento) mais frequentes.<br />

1 Trata-se da lesão quística epitelial<br />

não odontogénica mais comum na maxila. 2<br />

De acordo com alguns autores, o QNP tem<br />

origem nas linhas de fusão dos ossos da face,<br />

derivando o seu epitélio de resíduos embrionários<br />

do canal nasopalatino. É considerado<br />

um quisto verdadeiro por apresentar cavidades<br />

patológicas revestidas por epitélio,<br />

que pode variar de estratificado pavimentoso<br />

a pseudoestratificado ciliado. O QNP<br />

é uma lesão com origem no canal nasopalatino,<br />

que quando próxima da cavidade nasal<br />

pode conter vasos sanguíneos e nervos. 1<br />

Existe alguma controvérsia sobre da etiologia<br />

destes quistos, tendo sido vários os<br />

factores implicados: infecção bacteriana,<br />

retenção mucosa, determinantes genéticos<br />

(proliferação de vestígios epiteliais) e traumatismos.<br />

Para efeitos didácticos os QNP podem ser<br />

divididos em dois subtipos: 1<br />

i) Quisto do canal incisivo, situado na junção<br />

das cavidades bucal e nasal, que se<br />

forma quando os ossos palatinos se fundem<br />

constituindo o palato deixando duas passagens,<br />

uma de cada lado do septo nasal. Dentro<br />

de cada passagem podem existir vestígios<br />

epiteliais remanescentes<br />

ii) Quisto da papila incisiva, quando situado<br />

mais abaixo do forâmen incisivo<br />

A prevalência do QNP é superior no sexo<br />

masculino, com detecção mais frequente en-<br />

tre a quarta e sexta décadas de vida. 3<br />

Em geral os QNP são assintomáticos, sendo<br />

detectados em exames radiográficos de rotina, 4<br />

excepto no caso de uma infecção secundária.<br />

Pode estar presente expansão do osso palatino<br />

ou edema da mucosa palatina. O doente<br />

pode queixar-se de um sabor salgado na<br />

boca no caso de fistulização espontânea.<br />

Estes quistos devem ser diferenciados dos<br />

quistos odontogénicos; por norma, os quistos<br />

radiculares têm a raiz dentária no seu<br />

interior estando alterada a vitalidade desta.<br />

O QNP pode apresentar raizes dentárias de<br />

dentes adjacentes no seu interior, mas estas<br />

não apresentam comprometimento da sua<br />

vitalidade. Já no que respeita aos quistos<br />

nasolabiais (QNL), a sua origem e apresentação<br />

são distintas; foram descritos em<br />

1882 por Zuckerkandl e a partir desta data<br />

foram propostas várias denominações, entre<br />

as quais quisto nasovestibular e quisto<br />

da asa nasal. 5 É importante compreender a<br />

fisiopatologia dos QNL já que pode existir<br />

confusão no diagnóstico diferencial com os<br />

QNP. Os QNL são lesões pouco frequentes,<br />

localizadas junto à cartilagem alar com extensão<br />

para o meato inferior e pavimento do<br />

vestibulo nasal. Entre outras razões para o<br />

diagnóstico diferencial destaca-se a forma<br />

de apresentação, que nesta lesão é o aumento<br />

de volume bem diferenciado e indolor no<br />

sulco nasogeniano e base alar nasal. 5<br />

Histologicamente, confirma-se a natureza<br />

quística destas lesões podendo existir no seu<br />

interior vasos sanguíneos e nervos. O epitélio<br />

de revestimento do quisto dependerá<br />

do nível a que tem origem no ducto nasopalatino;<br />

pode ser respiratório, estratificado,<br />

cúbico ou uma combinação dos anteriores. 1


O tratamento dos QNP é cirúrgico. 1,6 Quando<br />

detectados em exames de rotina de estomatologia<br />

são geralmente de dimensões<br />

apreciáveis. Nestes casos, o risco de infecção<br />

ou hemorragia intraquisto, com o aumento<br />

subsequente das suas dimensões, justifica<br />

em geral a sua excisão. Não é menosprezável<br />

também o risco de afecção das raizes<br />

dentárias no caso de não se intervir.<br />

A abordagem deverá ser realizada no rebordo<br />

gengival com incisão de canino a canino;<br />

segue-se o descolamento do retalho mucoperiostal.<br />

No caso de lesões muito volumosas<br />

sob tensão poderá ser necessário o<br />

esvaziamento parcial do quisto por punção<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, 28 anos de<br />

idade, caucasiano, referenciado para Otorrinolaringologia<br />

(ORL) por lesão quística do<br />

palato detectada em ortopantomografia de<br />

Fig. 1 Ortopantomografia: neoformação do maxilar superior<br />

QUISTO NASOPALATINO. CASO CLÍNICO E REVISÃO <strong>DA</strong> LITERATURA<br />

aspirativa, por forma a facilitar a dissecção<br />

cirúrgica. Esta deve ser realizada entre a cápsula<br />

do quisto e a mucosa. Sempre que possível,<br />

deve ser tentada a marsupialização do<br />

quisto embora, no caso desta ser impossível<br />

devido a rotura ou aderências, a enucleação<br />

com curetagem da cápsula quística seja uma<br />

opção. No caso da hemorragia durante a<br />

excisão cirúrgica ser apreciável poder-se-á<br />

recorrer a substâncias hemostáticas (para<br />

o tamponamento da cavidade deixada pela<br />

marsupialização) e a pinça bipolar. O encerramento<br />

da mucosa gengival deverá ser realizado<br />

por sutura com linha reabsorvível.<br />

O doente deverá manter gelo local e antibioterapia<br />

profiláctica.<br />

rotina (Fig. 1) prévia a tratamento dentário.<br />

Não apresentava qualquer outro sintoma<br />

além de uma obstrução nasal direita pouco<br />

significativa.<br />

165


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Na avaliação inicial constatava-se entre os<br />

dois caninos, uma tumefacção mole com<br />

abaulamento do sulco gengivolabial, mais<br />

evidente à direita e com abaulamento con-<br />

-comitante do pavimento do vestíbulo nasal<br />

homolateral.<br />

Foi pedida tomografia computorizada (TC)<br />

dos seios perinasais que evidenciava neoformação<br />

com densidade de partes moles com<br />

cerca de 6 cm de maior diâmetro, central,<br />

entre os dois caninos, apresentando o aspecto<br />

característico em “forma de coração”<br />

condicionado pela indentação pela espinha<br />

nasal anterior (Fig. 2, 3 e 4).<br />

Fig. 2 TC - neoformação com densidades de<br />

partes moles condicionando abaulamento do<br />

pavimento do vestíbulo, corte coronal<br />

Perante as dimensões da neoformação (o QNP<br />

têm em média 2 cm de diâmetro) optou-se<br />

por confirmar por ressonância magnética nuclear<br />

(RMN) a natureza quística da lesão. 7<br />

Esta técnica confirmou a natureza quística<br />

da lesão, tendo sido colocada como hipótese<br />

diagnóstica mais provável o QNP (Fig. 5).<br />

Procedeu-se a excisão cirúrgica da lesão por<br />

marsupialização, tendo havido necessidade<br />

Fig. 3 TC - corte axial<br />

Fig. 4 TC - corte axial, aspecto característico em<br />

“forma de coração” condicionado pela indentação<br />

da espinha nasal anterior<br />

de realizar punção aspirativa para diminuir<br />

a tensão quística e permitir a marsupialização<br />

sem rotura da parede. A aspiração<br />

revelou um liquido xantocrómico espesso,<br />

tendo o exame bioquímico detectado conteúdo<br />

proteico e de hemossiderina elevado.<br />

A excisão foi total tendo-se identificado, no<br />

final da intervenção, uma comunicação com<br />

a cavidade nasal no seu vestíbulo condicionada<br />

por rotura do epitélio de revestimento


Fig. 5 RMN - Lesão quística com cerca de 6 cm<br />

maior diâmetro, provável quisto nasopalatino<br />

ComeNTÁRioS<br />

Os QNP são lesões quísticas não odontogénicas<br />

localizadas na linha média da maxila,<br />

entre as raízes dos incisivos centrais ou em<br />

posição apical. Geralmente são assintomáticos<br />

sendo diagnosticados em exames radiográficos<br />

de rotina.<br />

Os dados da radiografia simples são no entanto<br />

limitados. A TC é o exame auxiliar de<br />

diagnóstico de referência, em que os QNP se<br />

apresentam como uma massa quística bem<br />

definida, oval ou em “forma de coração”,<br />

condicionada pela indentação da espinha<br />

nasal anterior, 4 tal como se verificou no caso<br />

descrito.<br />

QUISTO NASOPALATINO. CASO CLÍNICO E REVISÃO <strong>DA</strong> LITERATURA<br />

desta zona durante a marsupialização. Tamponou-se<br />

a cavidade deixada pela marsupialização<br />

do quisto com Spongostan®, não<br />

se registando mais intercorrências intra ou<br />

pós-operatórias.<br />

O exame histopatológico confirmou lesão<br />

quística revestida por epitélio respiratório<br />

tendo a excisão sido total. Clínica e laboratorialmente<br />

foi confirmado o diagnóstico de<br />

quisto nasopalatino.<br />

No quinto mês de pós-operatório, a avaliação<br />

estomatológica não identificou qualquer<br />

lesão das raízes dentárias. Seis meses após a<br />

cirurgia o doente refere ainda algum grau de<br />

parestesias no território do nervo infraorbitário<br />

direito.<br />

Tal como é aconselhável, após o diagnóstico<br />

de QNP, procedeu-se à excisão cirúrgica. 1,6<br />

Com efeito, estas lesões podem conter vasos<br />

sanguíneos no seu interior com o risco daí<br />

decorrente de hemorragia intraquística. Se<br />

bem que as raízes dentárias estejam geralmente<br />

poupadas, no caso de aumento de dimensões<br />

do quisto ou infecção intraquisto,<br />

esta situação poder-se-á alterar. Idealmente,<br />

a excisão cirúrgica será por marsupialização;<br />

no entanto, por vezes, como no caso<br />

clínico descrito há necessidade de efectuar<br />

uma punção aspirativa por forma a diminuir<br />

a tensão do quisto e facilitar a excisão total<br />

do mesmo.<br />

167


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Cuffari L, Callá L, Siqueira JTT, Nmer K. Tratamento cirúrgico do<br />

quisto nasopalatino em paciente edentado: caso clínico e aspectos<br />

gerais. Revista Brasileira de Cirurgia e Periodontia 2003;1(3):201-6.<br />

2. Righini CA, Boubagra K, Bettega G, Verougstreate G, Reyt E.<br />

Cyst du canal nasopalatine: 4 cas et une revision de la literature.<br />

Ann Otolaryngol Chir Cervicofac 2004;121(2):115-9.<br />

3. Regezi JA, Sciubba JJ. Cisto da boca: cisto não odontogénico.<br />

In: Patologia bucal: correlações clinicas. Rio de Janeiro: Guanabara<br />

Koogan, 1999;278-82.<br />

4. Mraiwa N, Jacobs R, Van Cleynenbreugel J, et al. The nasopalatine<br />

canal revisited using 2D and 3D CT imaging. Dentomaxillofacial<br />

Radiology 2004;33:396-402.<br />

5. Tiago RSL, Maia MS, Nascimento GMS, Correa JP, Salgado DC.<br />

Cisto nasolabial: aspectos diagnósticos e terapêuticos. Rev Bras<br />

Otorrinolaringol 2008;74(1):39-43.<br />

6. Elliott KA, Franzece CB, Pitman KT. Diagnosis and surgical<br />

management of nasopalatine duct cysts. Laryngoscope<br />

2004;114(8):1136-40.<br />

7. Spinelli HM, Isenberg JS, O’Brien M. Nasopalatine duct cysts<br />

and the role of magnetic resonance imaging. J Craniofac Surg<br />

1994;5(1):57-60.


CaRCiNoma de PRÓSTaTa LoCaLiZado.<br />

Tailoring TeRaPêuTiCo<br />

Localized prostate carcinoma. “Tailoring”<br />

therapeutic<br />

ReSumo<br />

A propósito de um caso clínico de carcinoma<br />

de próstata localizado, os autores fazem<br />

uma reflexão sobre as implicações e exigências<br />

que se colocam na gestão diagnóstica e<br />

terapêutica daquela que é considerada umas<br />

das mais emblemáticas patologias da Urologia<br />

actual. Esta abordagem é feita tendo em<br />

linha de conta não só a população urbana<br />

e crescentemente informada que os procura,<br />

como também o carácter multidisciplinar e<br />

tecnologicamente avançado do Hospital da<br />

Luz.<br />

RUI CARNEIRO<br />

JOSÉ VILHENA-AYRES<br />

FERNANDO MARQUES<br />

FRANCISCO MASCARENHAS<br />

Departamentos de urologia e de radioterapia<br />

Abstract<br />

This paper is aimed to reflect on the<br />

implications and demands of the diagnostic<br />

and therapeutic management of one of the<br />

most emblematic urologic pathology, the<br />

localized prostate carcinoma. The authors<br />

intend to do it not only taking into account<br />

the urbanity and increased awareness of<br />

the population that they serve, but also<br />

the multidisciplinary and technologically<br />

advanced care of Hospital da Luz.<br />

169


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A terapêutica actual do carcinoma de<br />

próstata localizado apresenta uma série de<br />

dificuldades que obrigam numa sociedade<br />

mediatizada e de consumo a uma resposta<br />

cuja latitude técnica e tecnológica é de considerável<br />

dimensão.<br />

Além da existência de uma multiplicidade<br />

de opções cientificamente equivalentes que<br />

impedem a existência de um tradicional gold<br />

standard, existem também opções que ainda<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, de 65 anos de<br />

idade, oficial do exército (aposentado), com<br />

biópsia prostática positiva após aumento do<br />

antigénio específico da próstata (PSA) (9 ng/<br />

mL), sem queixas urinárias, actividade sexual<br />

mantida e regular, sem patologia major associada.<br />

Tratava-se de um doente muito motivado em<br />

manter a sua actividade sexual, informado<br />

sobre as diversas opções e que chega já orientado<br />

para uma modalidade terapêutica específica,<br />

nomeadamente o uso de braquiterapia<br />

próstatica.<br />

Da avaliação complementar resultou um<br />

toque rectal que demonstrava uma próstata<br />

indolor, ligeiramente aumentada, com nódulo<br />

palpável abrangendo todo o lobo esquerdo.<br />

A ecografia transrectal mostrava uma<br />

próstata de 45 cm 3 com nódulo à esquerda.<br />

A revisão de lâminas diagnosticou um carcinoma<br />

de próstata com grau 6 de Gleason<br />

6(3+3) em todos os fragmentos colhidos à<br />

esquerda. A tomografia computorizada (TC)<br />

pélvica, a ressonância magnética nuclear<br />

(RMN) pélvica e a cintigrafia óssea evidenciaram<br />

ausência de adenomegalias, invasão<br />

não provaram a sua completa utilidade e cuja<br />

mediatização, muita vezes imposta pela indús-<br />

tria, as faz competir pela preferência dos<br />

doentes.<br />

O caso clínico que a seguir se expõe tenta<br />

ilustrar esta necessidade de associação entre<br />

rigidez de princípios oncológicos e flexibilidade<br />

de opções que no dia-a-dia se exige aos<br />

médicos.<br />

local ou metástases ósseas. A fluxometria<br />

urinária apresentou um fluxo máximo de 14<br />

mL/s.<br />

Resumidamente, tratava-se de um doente de<br />

65 anos, assintomático, com função sexual<br />

mantida, sem perturbações miccionais, sem<br />

evidência de doença extraprostática, com<br />

PSA de 9 ng/mL, histológica e clinicamente<br />

com um carcinoma de próstata de grau 6 de<br />

Gleason, em estádio T2b.<br />

Após discussão das várias opções terapêuticas<br />

disponíveis, pesando as aspirações do próprio<br />

doente, bem como a necessidade de utilizar<br />

protocolos de agressividade terapêutica<br />

ditadas pelo estadiamento, foi decidido usar<br />

braquiterapia prostática associada a radio-<br />

terapia externa como método de tratamento.<br />

No seguimento o doente não apresentou<br />

queixas urinárias ou intestinais, mantém actividade<br />

sexual com terapêutica oral e analiticamente<br />

segue uma curva correcta (PSA: 1<br />

mês – 6 ng/mL; 3 meses - 4,7 ng/mL; 6 meses<br />

2,4 ng/mL). Declara-se globalmente muito<br />

satisfeito.


diSCuSSão<br />

A situação clínica descrita configura um carcinoma<br />

de próstata localizado, sendo que o<br />

estadiamento o coloca num grau intermédio<br />

de risco (Quadro I). 1<br />

Não é âmbito deste artigo fazer a descrição<br />

exaustiva das opções terapêuticas do carcinoma<br />

de próstata localizado.<br />

As opções disponíveis e aceites em termos de<br />

guidelines internacionais são a prostatectomia<br />

radical, a radioterapia externa e a braquiterapia.<br />

2<br />

Cada uma destas técnicas tem vantagens e<br />

desvantagens (Quadro II) e indicações relativas<br />

e contra-indicações, sendo que a braquiterapia<br />

é mais apelativa naqueles doentes<br />

em quem a manutenção da função sexual se<br />

sobrepõe a outras preocupações, como era o<br />

caso do doente descrito.<br />

Quadro I - Classificação D’Amico<br />

- PSa ≤10 ng/mL<br />

- estadio clínico ≤T2a<br />

- Grau de gleason ≤6<br />

Nº de sessões<br />

Controle oncológico precoce<br />

disfunção eréctil (%)<br />

Toxicidade rectal<br />

Toxicidade urinária<br />

Risco baixo<br />

única<br />

++<br />

40 - 60<br />

-<br />

+<br />

- PSa 10 a 20ng/mL<br />

- estadio clínico ≥T2b<br />

- Grau de gleason 7<br />

Prostatectomia<br />

radical<br />

CARCINOMA DE PRÓSTATA LOCALIZADO. Tailoring TERAPÊUTICO<br />

Risco intermédio<br />

A braquiterapia prostática é uma forma engenhosa<br />

de radioterapia intersticial que passa<br />

pelo implante transperineal (Fig. 1) de sementes<br />

radioactivas (Iodo-125) sob controlo<br />

ecográfico, usando anestesia geral, e que exige<br />

apenas um internamento de 24 horas.<br />

Após colheita ecográfica de cortes da glândula<br />

faz-se a reconstrução tridimensional<br />

(Fig. 2), com recurso a um programa informático<br />

específico. Sobre esta reconstrução é<br />

planeado o implante virtual de sementes radioactivas,<br />

de forma a conseguir cobrir todo<br />

o órgão com curvas de isodose (Fig. 3) radioactiva<br />

previamente definidas, ao mesmo<br />

tempo que se poupam órgãos adjacentes, nomeadamente<br />

a uretra e o recto a exposições<br />

nocivas de radiação. Findo o processo virtual<br />

procede-se ao implante real (Fig. 4), fazendo<br />

coincidir ecograficamente as sementes<br />

reais com as virtuais.<br />

++<br />

30 - 50<br />

++<br />

++<br />

Risco elevado<br />

- PSa ≥20 ng/mL<br />

- estadio clínico ≥T2c<br />

- Grau de gleason ≥8<br />

Quadro II - Opções terapêuticas no carcinoma da próstata localizado (National Cancer Institute)<br />

Radioterapia<br />

externa<br />

múltiplas<br />

única<br />

++<br />

10 - 15<br />

+<br />

+<br />

Braquiterapia<br />

171


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 1 Aplicação perineal de sementes<br />

Fig. 2 Reconstrução tridimensional da próstata<br />

No Hospital da Luz a braquiterapia prostática<br />

teve início em Janeiro de 2008, por<br />

iniciativa conjunta das especialidades de<br />

Urologia e Radioterapia. Contou no seu início<br />

com formação e apoio nos primeiro implantes<br />

do Instituto Curie (Paris), tendo até<br />

à data uma casuística de 20 doentes. Todos<br />

apresentam controlo tumoral com normalização<br />

do PSA, sem critérios de recidiva bioquímica,<br />

sem efeitos secundários tardios ou<br />

sequelas graves e com excelente qualidade de<br />

vida, incluindo manutenção da função sexual<br />

(líbido e erecção).<br />

A braquiterapia prostática está indicada<br />

como monoterapia em tumores localiza-<br />

Fig. 3 Curvas de isodose<br />

Fig. 4 Aspecto radiológico da próstata<br />

dos, pouco agressivos, com valores baixos<br />

de PSA, que aparecem em próstatas relativamente<br />

pequenas em doentes sem obstrução<br />

urinária relevante (Quadro III).<br />

Esta técnica pode ainda ser usada, embora<br />

menos frequentemente, em associação com<br />

radioterapia externa, 3,4 constituindo um<br />

excelente método de escalar de dose total,<br />

adequando-se a doentes de risco intermédio<br />

e alto risco devidamente seleccionados. Permite<br />

um aumento da probabilidade de manutenção<br />

da função sexual nestes doentes,<br />

embora seja de referir uma toxidade rectal<br />

e urinária ligeiramente superior à que ocorre<br />

com a monoterapia intersticial.


Quadro III - Critérios para braquiterapia prostática<br />

Braquiterapia - Critérios da American<br />

Brachytherapy Society (ABS)<br />

- estádios T1 a T2a<br />

- Grau de Gleason 6<br />

- PSa < 10 ng/mL<br />

- Volume ≤ 60 cm 3<br />

- iPSS (international prostate symptom score) ≤ 8<br />

- Q máx (mL/s) > 1<br />

Braquiterapia como boost após<br />

radioterapia externa<br />

CoNCLuSão<br />

Em populações social e economicamente<br />

diferenciadas, a terapêutica oncológica em<br />

geral e do carcinoma de próstata localizado<br />

em particular necessita do cumprimento estrito<br />

de normas de actuação diagnósticas e<br />

terapêuticas muito bem definidas, de forma<br />

responder a dúvidas e aspirações muitas vezes<br />

irrealistas provocadas pela mediatização<br />

e informação avulsa.<br />

Em contraponto, é necessário da parte do<br />

terapeuta conhecimento, domínio técnico<br />

e flexibilidade de métodos que permitam<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. D’Amico AV, Whittington R, Schultz D, Malcowicz<br />

SB, Tomaszewski JE, Wein A. Outcome based staging for<br />

clinically localized adenocarcinoma of the prostate. J Urol<br />

1997;158(4):1422-6.<br />

2. Heidenreich A, Aus G, Bolla M, et al. European Association of<br />

Urology guidelines on prostate cancer. Eur Urol 2008;53(1):68-<br />

80.<br />

3. Stone NN, Potters L, Davis BJ, et al. Multicenter analysis of<br />

effect of high biologic effective dose on biochemical failure and<br />

survival outcomes in patients with Gleason score 7-10 prostate<br />

cancer treated with permanent prostate brachytherapy. Int J Radiat<br />

Oncol Biol Phys 2009;73(2):341-6.<br />

CARCINOMA DE PRÓSTATA LOCALIZADO. TAILORING TERAPÊUTICO<br />

- estádios T1a T2a<br />

- Grau de Gleason até 7 (se primário 3 e se os outros factores são<br />

idênticos à aBS)<br />

- PSa ≤ 15 ng/mL (se os outros factores são idênticos à aBS)<br />

- Volume ≤ 70 cm 3<br />

- iPSS < 15<br />

- T2b ou T2c<br />

- Grau de Gleason 10<br />

- PSa ≥ 15 ng/mL<br />

Braquiterapia - Critérios do<br />

Instituto Curie<br />

acompanhar as expectativas do doente em<br />

toda a extensão do que é aceite como correcto.<br />

Apenas instituições com abordagem multidisciplinar<br />

(urológica, radioterapêutica, oncológica,<br />

anatomo-patolológica, radiológica,<br />

entre outras), baseada na excelência do co-<br />

nhecimento e actualização tecnológica, podem<br />

desempenhar esta função de modo<br />

cabal, desenhando para cada doente uma<br />

abordagem terapêutica individual de forma a<br />

satisfazer as várias premissas expostas.<br />

4. Ragde H, Elgamal AA, Snow PB, Brandt J, et al. Ten-year disease<br />

free survival after transperineal sonography-guided iodine-125<br />

brachytherapy with or without 45-gray external beam irradiation<br />

in the treatment of patients with clinically localized, low to high<br />

Gleason grade prostate carcinoma. Cancer 1998;83(5):989-1001.<br />

173


TeRaPêuTiCa FoCaL do CaRCiNoma<br />

de PRÓSTaTa<br />

Focal therapy of prostate carcinoma<br />

ReSumo<br />

A terapêutica focal do carcinoma de próstata<br />

é, na actualidade, e para os seus implementadores,<br />

o início de uma nova era no tratamento<br />

desta patologia. A ideia de tratar apenas<br />

o tumor, e não toda a próstata de forma<br />

radical, embora conceptualmente apelativa,<br />

situa-se ainda, pela escassez de resultados a<br />

médio e longo prazo, no domínio da controvérsia.<br />

O uso da terapêutica focal do carcinoma<br />

de próstata tem sido efectuado apenas<br />

em alguns centros internacionais, sob<br />

condições de rigorosa selecção e informação<br />

dos doentes. Os autores descrevem um caso<br />

clínico que marca o início da terapêutica focal<br />

do carcinoma de próstata no Hospital da<br />

Luz, ao mesmo tempo que demonstra as virtualidades<br />

do uso dos ultra-sons de alta intensidade<br />

nesta patologia.<br />

RUI CARNEIRO<br />

EDUARDO SILVA<br />

JOSÉ VILHENA-AYRES<br />

Departamento de urologia<br />

Abstract<br />

The focal therapy of prostate carcinoma<br />

is at the moment and to those who are<br />

implementing it, the beginning of a new era<br />

in the management of prostate carcinoma.<br />

The idea of treating only the tumor and not<br />

all the prostate in a radical way, although<br />

conceptually appealing, is still controversial,<br />

by the paucity of results in medium and<br />

long term. The use of focal therapy for<br />

prostate carcinoma has been done only<br />

in few centers worldwide, under strict<br />

selection and patients information. The<br />

authors report a clinical case that marks<br />

the beginning of focal therapy for prostate<br />

carcinoma in Hospital da Luz while displays<br />

the advantages of high-intensity ultrasound<br />

in the treatment of this pathology.<br />

175


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

Com o advento do antigénio específico da<br />

próstata (PSA) como marcador tumoral, na<br />

década de oitenta, o diagnóstico e tratamento<br />

do carcinoma de próstata sofreu modificações<br />

significativas. Cada vez mais homens<br />

são diagnosticados com pequenos tumores<br />

localizados. Para estes doentes a terapêutica<br />

proposta balança entre dois extremos diametralmente<br />

opostos: por um lado, a terapêutica<br />

expectante; por outro, a terapêutica<br />

radical cirúrgica (prostatectomia radical) ou<br />

radiógena (radioterapia externa ou braquiterapia).<br />

Embora distintos entre si, os efeitos<br />

secundários das diversas terapêuticas radicais<br />

não são negligenciáveis, nomeadamente<br />

em termos de disfunção eréctil, incontinência<br />

e infertilidade. 1<br />

Numa tentativa de minorar esta iatrogenia,<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo masculino, de 62 anos<br />

de idade, assintomático, com função sexual<br />

mantida. No exame objectivo, o toque rectal<br />

revelou uma próstata elástica indolor sem<br />

nódulos palpáveis. O doseamento de PSA<br />

resultou num valor de 5,39 ng/mL. É então<br />

realizada uma ecografia prostática transrectal,<br />

em que é evidente uma próstata com um<br />

volume de 41 cm 3 . O doente é submetido a<br />

uma biópsia prostática, com diagnóstico histológico<br />

de carcinoma de próstata Gleason 6<br />

(3+3) (um fragmento positivo na base direita<br />

em biópsia de duplo sextante). Numa segunda<br />

biópsia (18 fragmentos), mantém um fra-<br />

gmento positivo na base direita. A ressonância<br />

magnética revelou lesão da base direita sem<br />

penetração capsular.<br />

Após a discussão das opções terapêuticas<br />

têm sido desenvolvidas novas técnicas para<br />

a terapêutica do carcinoma de próstata localizado.<br />

2<br />

Mais de que uma nova técnica, a terapêutica<br />

focal do carcinoma de próstata assume-se<br />

como um novo paradigma que pretende fazer<br />

a ablação do foco de doença diagnosticado,<br />

poupando a restante próstata. Procura-se<br />

minimizar a morbilidade sem comprometer<br />

o controlo oncológico e a esperança de vida,<br />

nomeadamente preservando a ejaculação, a<br />

fertilidade, a função eréctil e a continência. 3<br />

O caso clínico que a seguir se descreve marca<br />

o início da terapêutica focal do carcinoma de<br />

próstata no Hospital da Luz. Descrevem-se<br />

também as virtualidades do uso dos ultrasons<br />

de alta intensidade (HIFU) nesta patologia.<br />

escolheu-se a execução de terapêutica focal,<br />

apenas após cabal esclarecimento e compreensão<br />

por parte do doente dos condicionalismos<br />

desta técnica, que se referem mais<br />

adiante.<br />

O procedimento escolhido foi a hemi-ablação<br />

próstatica à direita, usando ultra-sons de<br />

alta intensidade (HIFU) (Fig.1A e B), sob supervisão<br />

de um elemento pertencente a uma<br />

instituição de referência internacional nesta<br />

área. 4 De referir que esta supervisão se estendeu<br />

ao protocolo seguido no pré-operatório,<br />

integrando-se num estudo prospectivo conjunto<br />

em implementação.<br />

O doente teve alta ao 3º dia, estando actualmente<br />

assintomático e em vigilância.


Fig.1A e B Pormenores da terapêutica focal com HIFU<br />

diSCuSSão<br />

O sucesso da terapêutica focal do carcinoma<br />

de próstata depende da resolução bem sucedida<br />

de dificuldades que se prendem quer<br />

com o diagnóstico quer com o tratamento.<br />

No que respeita ao diagnóstico, importa<br />

referir que esta terapêutica apenas é aplicável<br />

quando a doença não é multifocal e bilateral,<br />

o que acontece em cerca de 20%<br />

dos casos conforme revelam estudos reali-<br />

zados em peças de prostatectomia radical. 5<br />

Para definir a unilateralidade e focalidade da<br />

doença é necessário utilizar novos esquemas<br />

de biópsia prostática, cuja capacidade diagnóstica<br />

ultrapassa o duplo sextante que actualmente<br />

é usado na prática clínica. 6<br />

A terapêutica focal do carcinoma de próstata<br />

tem colocado novos desafios à imagiologia,<br />

já que se torna necessário visualizar o<br />

tumor intraprostático, quer na sua localização<br />

e volumetria, quer no seguimento após<br />

a ablação. O uso da ressonância magnética<br />

multimodal tem permitido aumentar a sensibilidade<br />

e a especificidade no diagnóstico e<br />

seguimento destes doentes. 7,8<br />

Em relação ao procedimento de ablação tumoral<br />

debatem-se vários esquemas e fontes<br />

TERAPÊUTICA FOCAL DO CARCINOMA DE PRÓSTATA<br />

de energia como método valido. O esquema<br />

mais usado passa pela hemi-ablação ou<br />

seja o tratamento da hemi-próstata atingida,<br />

preservando o restante órgão, bem como todas<br />

as estruturas adjacentes.<br />

Varias fontes de energia têm sido propostas,<br />

entre outras, o congelamento (crioterapia), 9<br />

a terapêutica fotodinâmica e o uso de ultra-<br />

-sons de alta intensidade (HIFU).<br />

O HIFU usa um feixe de ultra-sons de alta<br />

energia para induzir lesões de tecidos in vivo.<br />

A absorção do feixe de energia térmica resulta<br />

na destruição imediata do tecido no ponto<br />

focal (tumor). Existe uma razoável experiência<br />

acumulada da utilização do HIFU no<br />

tratamento do carcinoma de próstata localizado.<br />

10 O seu uso em terapêutica focal, embora<br />

menor, é bastante encorajador em termos<br />

de controlo oncológico. 4,11<br />

O sistema usado no caso presente (Ablatherm®)<br />

consiste numa sonda endorectal composta<br />

por dois transdutores de ultra-sons (um<br />

transdutor de terapia de alta energia e um<br />

transdutor de imagem) e um scanner de ultra-sons<br />

ligado à sonda endorectal para<br />

permitir a visualização do tecido-alvo.<br />

177


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Além disso, compreende um módulo de tratamento<br />

que consiste numa mesa de tratamento,<br />

uma unidade motorizada endorectal de<br />

posicionamento da sonda, um gerador de alta<br />

frequência para fornecer energia ao transdutor<br />

e um computador para controlar a ope-<br />

ração. Este sistema além de minimamente invasivo,<br />

possui recursos internos de segurança<br />

que permitem sessões terapêuticas com<br />

iatrogenia mínima.<br />

CoNCLuSão<br />

Face ao conhecimento actual parece ser<br />

possível, ao abrigo de estudos prospectivos,<br />

propor terapêutica focal do carcinoma de<br />

próstata a um número restrito de doentes sob<br />

condições muito específicas:<br />

1. O doente deve possuir diferenciação e motivação<br />

suficientes para perceber e aceitar que<br />

opta por um tratamento em que a evidência<br />

de controlo oncológico não está tão bem estabelecida<br />

como noutras formas terapêuticas.<br />

2. O tratamento deve ser oferecido como alternativa<br />

à terapêutica expectante, salvaguar-<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Heidenreich A, Aus G, Bolla M, et al. EAU guidelines on<br />

prostate cancer European Association of Urology. Eur Urol<br />

2008;53(1):68-80.<br />

2. Marberger M, Carroll PR, Zelefsky MJ, et al. New Treatments<br />

for localized prostate cancer. Urology 2008;72:36-43.<br />

3. Bostwick DG, Waters DJ, Farley ER, et al. Group consensus<br />

reports from the Consensus Conference on Focal Treatment of<br />

Prostatic Carcinoma, Celebration, Florida, February 24, 2006.<br />

Urology 2007;70(6 Suppl):42-4.<br />

4. Barret E, Prapotnich D, Cathelineau X, Rozet F, Vallancien G.<br />

Focal therapy with HIFU for prostate cancer in elderly: feasibility<br />

study with 10 years follow up. 2nd International Workshop on Focal<br />

Therapy and Imaging in Prostate and Kidney Cancer. Amsterdam,<br />

2009. (disponível em http://www.focaltherapy.org) (abst.)<br />

As características apreciáveis deste sistema<br />

incluem, por um lado, a possibilidade de<br />

repetição do procedimento, bem como o uso<br />

de outras formas de tratamento em caso de<br />

recidiva; por outro lado, a sua invasividade<br />

é baixíssima, já que não implica qualquer alteração<br />

da integridade corporal seja por via<br />

aberta ou percutânea.<br />

dando-se a eventual necessidade de terapêuticas<br />

complementares no futuro.<br />

3. O tumor deve ser de baixo risco, com PSA<br />


9. Bahn DK, Silverman PD. Focal cryoablation of prostate: a<br />

review. Scientific World Journal 2008;20;8:486-91.<br />

10. Thüroff S, Chaussy C, Vallancien G, et al. High-intensity<br />

focused ultrasound and localized prostate cancer: efficacy results<br />

from the European multicentric study. J Endourol 2003;17(8):673-7.<br />

TERAPÊUTICA FOCAL DO CARCINOMA DE PRÓSTATA<br />

11. Muto S, Yoshii T, Saito K, Kamiyama Y, Ide H, Horie S. Focal<br />

therapy with high-intensity-focused ultrasound in the treatment<br />

of localized prostate cancer. Jpn J Clin Oncol 2008;38(3):192-9.<br />

179


CaRCiNoma ReNaL muCiNoSo de<br />

CÉLuLaS TuBuLaReS e FuSiFoRmeS<br />

Renal mucinous tubular and spindle<br />

cell carcinoma<br />

ReSumo<br />

O carcinoma renal mucinoso de células tubulares<br />

e fusiformes é um tipo histológico<br />

raro de carcinoma de células renais recentemente<br />

identificado, mais frequente no sexo<br />

feminino. É um tumor de baixo grau de malignidade<br />

e bom prognóstico, de características<br />

morfológicas e histológicas semelhantes<br />

ao carcinoma de células renais papilar. Os<br />

autores descrevem o caso clínico de uma<br />

doente de 46 anos de idade com antecedentes<br />

familiares de doença renal poliquística, assintomática,<br />

com o diagnóstico imagiológico de<br />

neoplasia do urotélio superior. Foi submetida<br />

a nefroureterectomia com cistectomia<br />

perimeática por via laparoscópica. O exame<br />

anatomo-patológico revelou esta rara entidade<br />

histológica, com implicações positivas<br />

no prognóstico. Tem um crescimento indolente,<br />

que implica o diagnóstico diferencial<br />

com o carcinoma de células renais papilar.<br />

É geralmente considerado não agressivo e<br />

com um prognóstico favorável. A descrição<br />

do presente caso justifica-se pela raridade da<br />

apresentação clínica.<br />

TITO PALMELA LEITÃO<br />

JOSÉ SANTOS DIAS<br />

ANA CATARINO<br />

PEDRO OLIVEIRA<br />

Departamentos de urologia e de anatomia patológica<br />

Abstract<br />

Mucinous tubular and spindle cell<br />

carcinoma is a rare histological type of<br />

renal cell carcinoma recently identified,<br />

with female predominance. It’s a low grade<br />

malignant tumor, with morphological and<br />

histological features similar to papilar renal<br />

cell carcinoma. The authors report the case<br />

of a 46-year old asymptomatic female with<br />

family history of polycystic kidney disease,<br />

with the imagiological diagnosis of superior<br />

urothelial neoplasia. The patient underwent<br />

laparoscopic nephroureterectomy with<br />

perimeatal cistectomy. Pathological studies<br />

revealed this rare entity, with positive<br />

implications on the prognosis. Mucinous<br />

tubular and spindle cell must be differentiated<br />

of papilar renal cell carcinoma, rendering<br />

important prognostic implications. It is<br />

generally considered nonagressive and with<br />

a favorable prognosis. The authors report<br />

this case due to the rarity of the clinical and<br />

radiological presentation.<br />

181


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

O carcinoma renal mucinoso de células tubulares<br />

e fusiformes (CRMCTF) é um tipo<br />

de carcimoma de células renais (CCR) raro,<br />

recentemente descrito. Tem características<br />

semelhantes ao CCR papilar, mas apresenta<br />

diferenças morfológicas e imunohistoquímicas<br />

relevantes. 1<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 46 anos de<br />

idade, caucasiana, com história familiar de<br />

doença renal poliquística, assintomática. Pelos<br />

antecedentes familiares, realizou ecografia<br />

de rotina que revelou lesão sugestiva de<br />

neoplasia do bacinete esquerdo, confirmada<br />

em tomografia computorizada (TC). Em ressonância<br />

magnética nuclear (RMN) (Fig. 1),<br />

a massa apresentava 30 mm de diâmetro,<br />

ocupando o terço médio do seio renal esquerdo,<br />

com ligeira captação de contraste.<br />

Não estavam presentes adenopatias ou focos<br />

secundários.<br />

Perante a hipótese diagnóstica de neoplasia<br />

do urotélio superior, a doente foi indicada<br />

para tratamento cirúrgico por nefroureterectomia<br />

e cistectomia peri-meática.<br />

Fig. 1. RMN abdominal revelando massa sólida com 30 mm no terço<br />

médio do seio renal esquerdo. A. corte coronal B. corte axial<br />

Os autores descrevem um caso de carcinoma<br />

renal mucinoso de células tubulares e fusiformes<br />

por se tratar de uma apresentação<br />

clínica e imagiológica rara deste tipo de tumor.<br />

Foi submetida, sob anestesia geral e por via<br />

endoscópica, a desinserção do ureter intramural<br />

e cistectomia peri-meática, com ressector<br />

e ansa de Collins, após inserção de catéter<br />

ureteral, que se manteve durante o restante<br />

período da cirurgia para facilitar a identificação<br />

do ureter. Em seguida realizou-se a nefroureterectomia<br />

por abordagem laparoscópica<br />

trans-peritoneal, hand-assisted, utilizando<br />

dissector ultrassónico Ultracision®, tesoura<br />

monopolar e agrafador automático de titânio<br />

(Endo-Gia®) para laqueação em bloco dos<br />

vasos do hilo renal. Retirada do catéter ureteral<br />

e laqueação do coto ureteral sob visão.<br />

Os períodos peri e pós-operatórios decorreram<br />

sem incidentes. A doente teve alta ao 2º<br />

dia pós-operatório.


O resultado anatomopatológico (Fig. 2) reve-<br />

lou um CRMCTF, sem crescimento extrarenal<br />

e sem invasão do bacinete, do ureter,<br />

das estruturas vasculares ou de gânglios peri-<br />

diSCuSSão<br />

O CRMCTF é um tipo de CCR raro e<br />

descrito recentemente, mais frequente no<br />

sexo feminino, com uma relação de 4:1. 2,3<br />

A idade média dos doentes é de 53 anos. 3<br />

Macroscopicamente, estes tumores são geralmente<br />

bem circunscritos, uniformes, com<br />

uma coloração acinzentada ou levemente<br />

amarelada. 3<br />

Histologicamente, caracterizam-se por áreas<br />

compactas de proporções variáveis de células<br />

tubulares e fusiformes, com estroma mucinoso<br />

focal ou exuberante. 1 As populações<br />

celulares têm padrões de crescimento tubu-<br />

CARCINOMA RENAL MUCINOSO DE CÉLULAS TUBULARES E FUSIFORMES<br />

-hilares; ausência de tecido neoplásico nos<br />

limites cirúrgicos e no ureter, bem como no<br />

segmento de mucosa vesical peri-meática adjacente.<br />

Fig. 2. Exame anátomo-patológico da peça<br />

operatória.<br />

A. Descrição macroscópica: Tumor de aspecto<br />

branco amarelado, homogéneo, bem circunscrito,<br />

não capsulado, com 25 mm de diâmetro, localizado<br />

junto ao bacinete, sem contudo o infiltrar. Não<br />

invade estruturas vasculares.<br />

B. Descrição microscópica: Neoplasia constituída<br />

por estruturas tubulares pequenas e alongadas,<br />

revestidas por células cúbicas, com componente<br />

fusocelular no seio de um estroma mucinoso<br />

escasso. Ocupa a medula renal, é bem circunscrita<br />

e não apresenta atipia significativa, hemorragia ou<br />

necrose (hematoxilina-eosina, X400)<br />

lar, trabecular e sólido. 4 As células são cúbicas,<br />

com citoplasma eosinofílico, núcleos<br />

ovalados e nucléolos inconspícuos. 1 Há proliferação<br />

de células fusiformes e focos de células<br />

claras. 2,4 O grau nuclear é geralmente<br />

baixo, sem figuras mitóticas. 4 As células encontram-se<br />

num estroma mucinoso. 2 Em alguns<br />

casos estão presentes macrófagos esponjosos.<br />

1<br />

Ultraestruturalmente, as células tumorais<br />

apresentam geralmente um número moderado<br />

de mitocôndrias, ausência de grânulos<br />

densos, de renina ou de glicogénio e alguns<br />

focos com microtúbulos. 4<br />

183


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

A origem histogénica destes tumores é ainda<br />

desconhecida, 1 pensando-se inicialmente<br />

que tinham origem na ansa de Henle. 5<br />

No entanto, as características morfológicas<br />

e a expressão preferencial de marcadores<br />

dos túbulos proximais (por exemplo, da<br />

α-metilacil-CoA racemase) sugerem que este<br />

é um CCR com diferenciação tubular proximal,<br />

com relação ou representando uma<br />

variante do CCR papilar. 1,2<br />

Imunohistoquimicamente, as células marcam<br />

preferencialmente para antigénio da<br />

membrana epitelial, α-metilacil-CoA racemase,<br />

citoqueratina. 7 Menos frequentemente,<br />

encontra-se reacção positiva para vimentina,<br />

caderina específica renal, CD10,<br />

CD15, antigénio marcador de CCR e para<br />

marcadores neuroendócrinos, como a enolase<br />

específica de neurónio e o CD57. 6,7<br />

Genomicamente, estes tumores apresentam<br />

delecções nos cromossomas 1, 4, 6, 8, 9, 13,<br />

14, 15 e 22, 2 bem como ganhos nos cromossomas<br />

7 e 17. 7<br />

Em tumores com predominância de crescimento<br />

tubular compacto e focos de arqui-<br />

CoNCLuSão<br />

O carcinoma renal mucinoso de células tubulares<br />

e fusiformes é um tipo raro de carcinoma<br />

de células renais, de crescimento<br />

indolente, que implica o diagnóstico diferencial<br />

com o carcinoma de células renais pa-<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Shen SS, Ro JY, Tamboli P, et al. Mucinous tubular and spindle<br />

cell carcinoma of kidney is probably a variant of papillary renal<br />

cell carcinoma with spindle cell features. Ann Diagn Pathol<br />

2007;11(1):13-21.<br />

tectura papilar, deve ser prestada particular<br />

atenção à presença de populações celulares<br />

fusiformes de baixo grau, já que o CCR papi-<br />

lar e o CRMCTF têm perfis imunohistoquímicos<br />

semelhantes. 6<br />

O crescimento destes tumores é relativamente<br />

indolente, e seu o prognóstico é geral-<br />

mente favorável; l no entanto, em alguns casos<br />

pode haver recidiva local ou metástases. 2<br />

Mantêm-se ainda por esclarecer as verdadeiras<br />

implicações prognósticas dos diferentes<br />

tipos histólogicos de CCR.<br />

A abordagem terapêutica deste tipo de tumores<br />

não difere da dos restantes CCR.<br />

No caso descrito, a decisão de realizar uma<br />

nefroureterectomia foi determinada pela localização<br />

e aspecto imagiológico do tumor,<br />

que sugeria tratar-se de uma neoplasia do<br />

urotélio superior. Esta forma de apresentação<br />

é mais rara do que apresentação clássica<br />

deste tipo de tumor. Tendo em consideração<br />

o resultado do exame anatomo-patológico,<br />

antecipa-se um prognóstico consideravelmente<br />

mais favorável do que o inicialmente<br />

expectável.<br />

pilar. Em geral, é considerado não agressivo<br />

e com um prognóstico favorável. A descrição<br />

do presente caso justifica-se pela raridade da<br />

apresentação clínica e imagiológica desta entidade,<br />

já de si pouco frequente.<br />

2. Kuroda N, Toi M, Hiroi M, Shuin T, Enzan H. Review of<br />

mucinous tubular and spindle cell carcinoma of the kidney with a<br />

focus on clinical and pathobiological aspects. Histol Histopathol<br />

2005;20(1):221-4.


3. Eble JN, Sauter G, Epstein JI, Sesterhenn IA (eds). World Health<br />

Organization Classification of Tumours. Pathology and Genetics<br />

of Tumours of the Urinary System and Male Genital Organs.<br />

Lyon: IARC Press, 2004.<br />

4. Kuroda N, Nakamura S, Miyazaki E, et al. Low-grade tubularmucinous<br />

renal neoplasm with neuroendocrine differentiation:<br />

a histological, immunohistochemical and ultrastructural study.<br />

Pathol Int 2004;54(3):201-7.<br />

5. Weber A, Srigley J, Moch H. Mucinous spindle cell carcinoma<br />

of the kidney: a molecular analysis [in German]. Pathologe<br />

2003;24:453-9.<br />

CARCINOMA RENAL MUCINOSO DE CÉLULAS TUBULARES E FUSIFORMES<br />

6. Jung SJ, Yoon HK, Chung JI, Ayala AG, Ro JY. Mucinous<br />

tubular and spindle cell carcinoma of the kidney with<br />

neuroendocrine differentiation: report of two cases. Am J Clin<br />

Pathol. 2006;125(1):99-104.<br />

7. Okoń K, Klimkowska A, Pawelec A, Dobrowolski Z, Kohla<br />

Z, Stachura J. Immunophenotype and cytogenetics of mucinous<br />

tubular and spindle cell carcinoma of the kidney. Pol J Pathol<br />

2007;58(4):227-3.<br />

185


PEDIATRIA<br />

GINECOLOGIA-OBSTETRÍCIA<br />

ANESTESIOLOGIA<br />

MEDICINA MOLECULAR<br />

IMAGIOLOGIA<br />

187


meNiNGiTe BaCTeRiaNa. CaSo CLÍNiCo<br />

Bacterial meningitis. Case report<br />

ReSumo Abstract<br />

A meningite bacteriana é considerada uma<br />

emergência médica. Apresenta-se o caso<br />

clínico de uma criança do sexo masculino<br />

de 18 meses de idade, com uma meningite<br />

bacteriana, cujas características e evolução<br />

demonstraram a importância de um diagnóstico<br />

rápido e de um início imediato de<br />

terapêutica específica.<br />

ANA ELISA COSTA<br />

ANA CARVALHO<br />

CARLA CONCEIÇÃO<br />

PAULO PAIXÃO<br />

Departamento de pediatria, centro de imagiologia e laboratório de patologia clínica<br />

Bacterial meningitis is regarded as a<br />

medical emergency. The authors report<br />

the clinical case of a 18-month old male<br />

child, that enhances the importance of a<br />

prompt diagnosis, in order to establish a<br />

specific etiology and initiate the appropriate<br />

antimicrobial therapy.<br />

189


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A meningite é uma inflamação das membranas<br />

envolventes do cérebro e medula es-<br />

pinhal, as leptomeninges (pia-máter, aracnoide<br />

e dura-máter).<br />

É uma causa de morbilidade e mortalidade<br />

em todo o mundo e pode deixar sequelas<br />

neurológicas importantes. Requer assim<br />

uma actuação imediata, sendo indispensável<br />

o diagnóstico rápido e início de tratamento<br />

antibiótico a fim de evitar maior morbilidade<br />

ou mortalidade. 1<br />

A meningite bacteriana pode ser causada<br />

por diversos agentes bacterianos. A sua epidemiologia<br />

tem sofrido algumas alterações<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Criança do sexo masculino, de 18 meses de<br />

idade, enviada pelo pediatra assistente ao<br />

Atendimento Médico Permanente do Hospital<br />

da Luz por febre difícil de ceder à terapêutica<br />

antipirética, prostração, gemido e<br />

vómitos com início cerca de 24 horas antes.<br />

À entrada a criança apresentava-se prostrada,<br />

pálida, com gemido. Estava febril<br />

(38,6ºC) e com má perfusão periférica. Não<br />

apresentava petéquias. A frequência cardíaca<br />

era de 160 batimentos por minuto e a tensão<br />

arterial (TA) de 101/66 mmHg. Estavam<br />

presentes rigidez da nuca e sinal de Kernig e<br />

Brudzinsky positivo. Não foram detectadas<br />

outras alterações no exame objectivo.<br />

Foram realizadas colheitas de sangue e urina<br />

e a criança iniciou perfusão intravenosa de<br />

soro fisiológico. Foi realizada punção lombar<br />

para colheita de LCR. Os resultados<br />

laboratoriais confirmaram o diagnóstico<br />

nos últimos 10 anos, quer pelo desenvolvimento<br />

e utilização de novas vacinas, quer<br />

pelo aparecimento de estirpes resistentes.<br />

O quadro clínico varia com a idade. O dia-<br />

gnóstico é confirmado pelo exame citoquímico<br />

e bacteriológico do líquido céfaloraquidiano<br />

(LCR). A imagiologia é um auxiliar<br />

de diagnóstico importante em doentes<br />

com factores de risco para a realização imediata<br />

de uma punção lombar.<br />

O caso clínico descrito em seguida pretende<br />

demonstrar a importância destes aspectos.<br />

de meningite bacteriana, a presença de<br />

parâmetros infecciosos sistémicos e acidose<br />

metabólica.<br />

Iniciou-se de imediato terapêutica antibiótica<br />

endovenosa empírica com ceftriaxone,<br />

100 mg/kg de 12 em 12 horas nas primeiras<br />

24 horas, seguido de 100 mg/kg diariamente.<br />

Cerca de 90 minutos após o início do tratamento<br />

verificou-se agravamento do estado<br />

neurológico, com GCS (Glasgow Coma<br />

Scale) 12, pupilas isocóricas, pouco reactivas,<br />

hiperventilação acentuada, TA 120/80<br />

mmHg e temperatura corporal 38,4ºC.<br />

Foi realizada uma tomografia computorizada<br />

crânio-encefálica (TC CE), onde se<br />

observou imagem hipodensa extensa na<br />

região cerebelosa, correspondente a quisto<br />

aracnoideu, provavelmente congénito e não<br />

relacionado com o quadro clínico actual.


Não eram evidentes sinais de hipertensão<br />

intracraniana ou lesões do parênquima cerebral<br />

(Fig.1).<br />

Fig. 1 Tomografia computorizada crânio-encefálica<br />

com imagem de quisto retrocerebeloso<br />

A criança permaneceu hospitalizada durante<br />

10 dias. Nos primeiros cinco dias a<br />

evolução clínica caracterizou-se por febre<br />

e irritabilidade com choro frequente, mobilização<br />

dolorosa do pescoço, dificuldade<br />

na marcha e diminuição do apetite. Neurologicamente,<br />

à excepção do agravamento<br />

anteriormente descrito, não se verificaram<br />

ComeNTÁRioS<br />

A meningite bacteriana continua a ser uma<br />

causa significativa de morbilidade e mortalidade<br />

a nível mundial. Nos Estados Unidos<br />

a incidência anual é de 0,4-6 casos/100000<br />

habitantes. 2 No entanto, este valor é variável<br />

com o microrganismo envolvido.<br />

Nas crianças com idade superior a três meses<br />

as bactérias mais frequentemente envolvi-<br />

das na meningite bacteriana são a Neisseria<br />

meningitidis (meningococo), o Streptococ-<br />

MENINGITE BACTERIANA. CASO CLÍNICO<br />

outras alterações. Hemodinamicamente a<br />

criança manteve-se estável, com TA dentro<br />

do normal, boa saturação de oxigénio,<br />

eupneica e com diurese mantida. Analiticamente<br />

verificou-se anemia ligeira, acidose<br />

metabólica importante corrigida ao longo<br />

de 36 horas com bicarbonato de sódio a<br />

8,4% por via endovenosa; hiponatremia<br />

e hipocaliemia ligeiras que normalizaram<br />

ao terceiro dia de internamento; hipoalbuminemia<br />

que se manteve até ao quinto dia.<br />

Salienta-se o exame bacteriológico directo<br />

e cultural do LCR, em que foi identificada<br />

Neisseria meningitidis (meningococo), assim<br />

como na hemocultura. Foi submetida<br />

uma amostra de LCR para cultura, tendo<br />

sido identificado o serótipo B, subtipo P1.7-<br />

2,16 de Neisseria meningitidis. A partir do<br />

sexto dia registou-se uma melhoria significativa<br />

da sintomatologia. A criança foi observada<br />

pela Neurocirurgia, que confirmou ser<br />

o quisto aracnoideu retrocerebeloso uma alteração<br />

congénita (dilatação focal do espaço<br />

subaracnoideu), sem significado patológico<br />

ou relação com este episódio agudo.<br />

A criança teve alta clinicamente bem e foi<br />

referenciada à consulta de Neurocirurgia.<br />

Não apresenta sequelas.<br />

cus pneumoniae (pneumococo) e o Haemophilus<br />

influenzae tipo b (Hib).<br />

As características epidemiológicas da meningite<br />

bacteriana têm sofrido alterações ao<br />

longo dos últimos dez anos, o que se deve a<br />

dois factores principais:<br />

1º O desenvolvimento das vacinas conjugadas<br />

anti-meningocócica (serótipo C da<br />

Neisseria meningitidis), anti-pneumocócica<br />

191


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

(7 serótipos de Streptococcus pneumoniae)<br />

e anti-Haemophilus influenzae tipo b<br />

2º O aparecimento de estirpes de Streptococcus<br />

pneumoniae resistentes à penicilina<br />

Justifica-se desta forma o quase desaparecimento<br />

do Haemophilus influenzae tipo b<br />

como um dos agentes etiológicos principais<br />

de meningite bacteriana na criança com<br />

idade inferior a cinco anos 3 e o facto do<br />

Streptococcus pneumoniae representar actualmente<br />

o principal agente etiológico da<br />

meningite bacteriana entre os 3 meses e os<br />

10 anos de idade (47%). 1<br />

Em Portugal verifica-se a mesma tendência<br />

já referida, embora o meningococo tenha<br />

maior incidência como agente etiológico<br />

principal da meningite bacteriana nas crianças,<br />

predominando entre os seus cinco<br />

serótipos o B e o C, como acontece em<br />

outros países europeus. À escala mundial o<br />

serótipo A continua a ser responsável pela<br />

maioria dos casos de doença meningocócica.<br />

No caso clínico descrito foi isolado o serótipo<br />

B, subtipo P1.7-2,16. No caso descrito a<br />

criança tinha recebido as três doses de vacina<br />

anti-meningolócica preconizadas pelo Plano<br />

Nacional de Vacinação.<br />

Nos anos de 2005 e 2006 a incidência da doença<br />

meningocócica invasiva (meningite, sépsis)<br />

foi de 0,2/100000 para o serótipo C e de<br />

1,3/100000 para o serótipo B, com ligeiro predomínio<br />

do sexo masculino em todos os grupos<br />

etários, excepto entre os 15 e os 19 anos.<br />

As taxas de incidência mais elevadas ocorrem<br />

em crianças com idades inferiores a cinco<br />

anos, com destaque para as que têm menos de<br />

um ano de vida. 4 Desde a introdução da imunização<br />

observou-se um aumento relativo dos<br />

casos devidos ao serótipo B, com uma taxa de<br />

mortalidade de 7,7-8,3%. 4<br />

Os sinais e sintomas associados à meningite<br />

bacteriana são variáveis com a idade. No<br />

lactente observam-se sintomas gerais como<br />

febre, recusa alimentar, prostração, gemido<br />

ou choro agudo. Pode ainda haver hipotermia,<br />

vómitos, irritabilidade e convulsões.<br />

Dos sinais mais característicos salientam-se<br />

a fontanela procidente ou tensa à palpação,<br />

olhar fixo ou nistagmo. Na criança mais velha<br />

os sintomas habituais são a febre, cefaleias,<br />

vómitos e fotofobia. Podem igualmente<br />

ocorrer alterações do estado de consciência<br />

– estado confusional, prostração e/ou irritabilidade.<br />

No exame objectivo os sinais<br />

mais característicos são a rigidez da nuca<br />

e os sinais de Kernig e Brudzinsky. Podem<br />

surgir petéquias e sufusões hemorrágicas,<br />

sendo mais sugestivas de infecção a meningococo.<br />

1,3<br />

O exame diagnóstico de eleição para a<br />

meningite é a punção lombar para exame<br />

citoquímico e bacteriológico do LCR. As alterações<br />

principais incluem pleocitose com<br />

predomínio de polimorfonucleares, glicorráquia<br />

inferior a 50% da glicemia e proteinorráquia<br />

superior a 80 mg/dL. 2 O exame<br />

bacteriológico com coloração de Gram permite<br />

identificar a presença do microrganismo<br />

de forma imediata, seguindo-se o exame<br />

cultural. Em situações em que o doente está<br />

medicado com um antibiótico, o isolamento<br />

da bactérias é mais difícil, pelo que se<br />

deve recorrer a um teste específico por PCR<br />

(polymerase chain reaction). 5<br />

A punção lombar imediata está contra-<br />

-indicada em doentes em coma, com sinais<br />

focais ou de hipertensão craniana, derivação<br />

ventrículo-peritoneal, hidrocefalia, traumatismo<br />

recente do sistema nervoso central e<br />

neurocirurgia recente. 1 Nestes casos deve<br />

efectuar-se previamente TC CE para caracterização<br />

mais precisa da situação clínica.


Nas imagens podem surgir alterações do<br />

parênquima cerebral que não estão relacionadas<br />

directamente com a situação aguda e<br />

são diagnosticadas nesse momento, como<br />

aconteceu no caso descrito relativamente ao<br />

quisto aracnoideu. O quisto aracnoideu é<br />

uma cavidade com conteúdo semelhante ao<br />

LCR, frequentemente em comunicação com<br />

o espaço subaracnoideu; representa 1% das<br />

lesões intracranianas ocupantes de espaço,<br />

congénitas, características na idade pediátrica,<br />

podendo não ser diagnosticadas até à<br />

idade adulta. Quando sintomático, as suas<br />

manifestações clínicas principais incluem<br />

macrocefalia e crises epilépticas secundárias<br />

à irritação cortical por pressão. O tratamento<br />

das lesões sintomáticas é cirúrgico – colocação<br />

de derivação ventriculo-peritoneal. 6<br />

Neste caso não constituiu factor de risco ou<br />

agravamento.<br />

Idealmente, o tratamento antibiótico deve<br />

ser iniciado imediatamente após a punção<br />

lombar ou, nos casos em que a tomografia<br />

computorizada está indicada, logo após a<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Kaplan SL. Epidemiology, clinical features and diagnosis of<br />

acute bacterial meningitis in children. In http://www.uptodate.com<br />

(actualizado 27 Maio 2009).<br />

2. Razonable RR, Keating MR. Meningitis. In http://www.<br />

emedicine.medscape.com (actualizado em 26 Novembro 2007).<br />

3. Tuna M, Marques JG. Meningite. In: Correia M, Gomes AL,<br />

Oom P, Pedro JC, eds. Protocolos de Urgência em Pediatria. Lisboa:<br />

ACSM Editora, 2003;175-8.<br />

MENINGITE BACTERIANA. CASO CLÍNICO<br />

colheita de sangue para hemocultura. Para<br />

aumentar a probabilidade de eficácia, o<br />

antibiótico escolhido deve abranger pneumococos<br />

penicilino-resistentes e o meningococo<br />

(agentes etiológicos mais comuns),<br />

ter acção bactericida e atravessar a barreira<br />

hemato-encefálica. 1 Após a primeira administração<br />

do antibiótico pode ocorrer agravamento<br />

transitório do estado clínico e neurológico<br />

do doente devido a uma resposta<br />

inflamatória muito intensa à acção bactericida<br />

maciça. 2 No caso clínico descrito este<br />

agravamento ocorreu noventa minutos após<br />

a primeira administração de ceftriaxone.<br />

Em cerca de 25% dos doentes a meningite<br />

bacteriana deixa sequelas neurológicas, nomeadamente<br />

atraso mental, surdez, convulsões,<br />

espasticidade e/ou parésia. 1<br />

No caso descrito a criança fez uma recuperação<br />

total, sem qualquer tipo de sequela.<br />

O quisto aracnoideu diagnosticado não justificou<br />

até agora qualquer intervensão neurocirurgica.<br />

4 Furtado C, Brum L, Queirós L, Gomes MC, Simões MJ. Doença<br />

meningocócica em Portugal 2000-2006. Lisboa: Direcção Geral de<br />

Saúde e Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2007.<br />

5. Pickering LK, Baker CJ, Long SS, et al, (eds). Red Book: 2006<br />

Report of the Committee on Infectious Diseases. 27th ed. Elk Grove<br />

Village, IL: American Academy of Pediatrics, 2006.<br />

6. Gómez-Escalonilla CI, Garcia-Morales I, Galán L, et al. Quistos<br />

aracnoideus intra-cranianos. Estudo de uma série de 35 casos. Rev<br />

Neur 2001;33:305-11.<br />

193


um CaSo CLÍNiCo de<br />

SÍNdRome de aSPeRGeR<br />

asperger syndrome. Case report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam o caso clínico de uma<br />

criança de sete anos de idade, a frequentar o<br />

segundo ano do ensino básico, com queixas<br />

de dificuldades na interacção social (desajustamento<br />

social, isolamento, ausência de reciprocidade<br />

social e emocional). Foi efectuada<br />

a história clínica e do desenvolvimento, bem<br />

como uma avaliação do neurodesenvolvimento<br />

(cognitivo, emocional e comportamental),<br />

que permitiram esclarecer a génese<br />

das dificuldades na regulação da interacção<br />

social. A história do desenvolvimento indicou<br />

a ausência de um atraso nas aquisições<br />

da marcha e linguagem, a existência de alte-<br />

rações na interacção social desde a primeira<br />

infância, a manifestação de interesses restritos<br />

por determinados temas e dificuldades<br />

em lidar com a alteração da rotina. A avaliação<br />

cognitiva permitiu esclarecer a au-<br />

sência de um comprometimento cognitivo e<br />

o levantamento e análise das competências<br />

sociais e emocionais foi determinante para<br />

o diagnóstico de síndrome de Asperger. Foi<br />

sugerida optimização das competências de<br />

grafia e intervenção nas competências sociais<br />

e emocionais.<br />

PATRÍCIA DÂMASO<br />

RITA BETTENCOURT<br />

FERNANDO SANTOS<br />

LUÍSA TELES<br />

Departamento de pediatria (unidade de neurodesenvolvimento e comportamento da criança e do adolescente)<br />

The authors report the clinical case of a 7-year<br />

old child, in the second grade, with social<br />

interaction difficulties (social impairment,<br />

isolation, absence of social and emotional<br />

reciprocity). Clinical and developmental<br />

history and psychological evaluation<br />

(cognitive, emotional and behavioral)<br />

were performed, and clarified the origin<br />

of the difficulties in the social interaction<br />

regulation. The developmental history<br />

pointed out absence of delay in walking<br />

and language, existence of social interaction<br />

changes since first childhood, demonstration<br />

of restrict interests in particular issues<br />

and difficulties in dealing with routine<br />

changes. The cognitive evaluation allowed<br />

the conclusion of a cognitive commitment<br />

absence and the survey and analysis of<br />

social and emotional competences were<br />

determinant to the diagnosis of Asperger<br />

syndrome. It was suggested an optimization<br />

of calligraphy competences and intervention<br />

in social and emotional skills.<br />

195


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A perturbação do espectro do autismo<br />

(PEA) tem sido apontada nas últimas décadas<br />

como uma das mais importantes causas<br />

de desajustamento social, caracterizando-se<br />

essencialmente por uma tríade de défices nos<br />

domínios da interacção social, da comunicação<br />

e do pensamento imaginativo e jogo<br />

simbólico. 1 Estes défices manifestam-se logo<br />

na infância e os sintomas são estáveis, permanecendo<br />

ao longo da adolescência e na<br />

idade adulta. 2 É uma perturbação do desenvolvimento<br />

de causa neurobiológica, poden-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Criança do sexo masculino, de sete anos<br />

e sete meses de idade, a frequentar o 2º ano<br />

do primeiro ciclo do ensino básico, efectuou<br />

uma avaliação psicológica no Hospital da<br />

Luz por queixas de desajustamento na interacção<br />

social (isolamento, dificuldades<br />

em estabelecer relações sociais com os pa-<br />

res preferindo a companhia dos adultos<br />

e de crianças mais novas). A história do<br />

desenvolvimento e do contexto actual indi-<br />

cou também a manifestação de interesse<br />

particular por determinados temas (dinossauros,<br />

sistema solar e Capitão Cuecas*)<br />

e dificuldades em adaptar-se à alteração<br />

das rotinas.<br />

Filho único do casal, a gravidez foi planeada<br />

e vigiada, com parto eutócico sem intercorrências.<br />

Nos antecedentes familiares não<br />

se regista patologia psiquiátrica ou outra.<br />

A cronologia das aquisições do desenvolvimento<br />

ocorreu dentro do esperado, com<br />

marcha autónoma aos 12 meses, nomeação<br />

das primeiras palavras aos nove meses<br />

do manifestar-se em associação com outras<br />

patologias, em que a variabilidade dos sintomas<br />

e o nível intelectual se arrogam como<br />

factores determinantes do prognóstico. Em<br />

Portugal, a prevalência estimada para a PEA<br />

é de uma em cada 1000 crianças. 3<br />

Dentro da perturbação do espectro do autismo,<br />

o síndrome de Asperger (SA) constitui-se<br />

no contexto científico actual como objecto de<br />

investigação distinto nos domínios do comportamento<br />

e das neurociências.<br />

de idade e construção frásica aos 14 meses.<br />

Não apresentava alterações na alimentação<br />

e no padrão de sono, sendo descrito<br />

no primeiro ano de vida como uma criança<br />

calma que respondia ao sorriso materno e à<br />

interacção social, apesar de solicitar pouco a<br />

presença da mãe e do pai.<br />

A criança esteve em casa com a mãe até aos<br />

seis meses de idade, tendo ficado com uma<br />

ama (um adulto e três crianças da sua idade)<br />

até à entrada para o infantário. Registou-se<br />

boa adaptação ao contexto da ama e a descrição<br />

efectuada pelos pais acerca do comportamento<br />

no período dos 18 aos 36 meses<br />

de idade indica:<br />

· Manifestação de um vocabulário rico, com<br />

utilização de expressões elaboradas e características<br />

dos adultos, repetição de falas de<br />

filmes dos desenhos animados (ecolália)<br />

· Linguagem própria, principalmente a brincar<br />

sozinho (idiossincrasias)<br />

* Da autoria de Dav Pilkey, os livros da série Capitão Cuecas (Captain Underpants no original) contam-se actualmente entre as preferências<br />

de leitura dos rapazes na faixa etária em que frequentam o primeiro ciclo do ensino básico. A série inclui vários títulos que relatam com textos<br />

e imagens divertidos as aventuras do Capitão Cuecas, um super-herói criado por dois amigos e colegas, George e Harold, A versão original<br />

do primeiro livro desta série foi publicada na década de 1990.


· Interesse intenso por anúncios de televisão<br />

(deslocava-se de qualquer zona da<br />

casa ao ouvir um anúncio), por marcas de<br />

automóveis (conhecia e nomeava todas as<br />

marcas) e por objectos em movimento (máquina<br />

de lavar, ventoinha)<br />

· Andar em bicos de pés e mexer os braços e<br />

as pernas quando estava muito contente ou<br />

maçado (estereotipias)<br />

· Excelente memória visual (memorização<br />

do trajecto de casa e do parque, ficando agitado<br />

e verbalizando que o trajecto não era o<br />

habitual quando o mesmo era modificado)<br />

· Jogo simbólico pouco elaborado e um pouco<br />

repetitivo (alinhamento com os carros,<br />

repetição das construções com Lego®)<br />

· Dificuldades no comportamento não-verbal<br />

(manutenção do contacto ocular por longos<br />

períodos de tempo e utilização de poucos<br />

gestos para se expressar)<br />

Aos três anos de idade, a criança iniciou a<br />

frequência no infantário com dificuldades<br />

na adaptação. Chorava e não se queria separar<br />

da mãe e isolava-se (não procurava as<br />

outras crianças para brincar, realizava uma<br />

brincadeira paralela e procurava as auxiliares<br />

e as educadoras como suporte). Os pais<br />

separam-se aos quatro anos de idade e a criança<br />

ficou a viver com a mãe, mantendo um<br />

contacto regular com o pai e diário com a<br />

avó paterna. Frequentou o ensino pré-escolar<br />

e ingressou no primeiro ciclo do ensino<br />

básico num estabelecimento de ensino regular<br />

situado numa zona urbana.<br />

Ao longo dos anos escolares tem demonstrado<br />

bom aproveitamento, não obstante as<br />

queixas de períodos de alheamento durante<br />

as aulas.<br />

UM CASO CLÍNICO DE SÍNDROME DE ASPERGER.<br />

Na interacção social diminuiu os períodos<br />

de isolamento e no contexto actual realiza<br />

algumas actividades com as raparigas, mas<br />

continua a preferir e a procurar as auxiliares<br />

para conversar (por exemplo, nos intervalos<br />

e nos períodos de almoço); não gosta<br />

de jogar à bola, fica aflito e desconfortável<br />

com brincadeiras violentas e desorganizadas<br />

(por exemplo, wrestling, futebol). Em suma,<br />

brinca essencialmente com as raparigas e<br />

prefere conversar com adultos em detrimento<br />

das crianças da sua idade, mas demonstra<br />

prazer e participa quando é solicitado para<br />

integrar brincadeiras e jogos com os pares.<br />

A intensidade e a motivação intrínseca para<br />

explorar os temas que lhe são particulares<br />

tem-se mantido ao longo do tempo, apesar<br />

destes apresentarem variação. No momento<br />

actual a banda desenhada As Aventuras do<br />

Capitão Cuecas constitui-se como o interesse<br />

principal.<br />

Nas sessões de avaliação, a criança mostrou-<br />

-se colaborante, motivada e curiosa relativamente<br />

às actividades em questão, questionando<br />

as examinadoras (“Isto tem alguma<br />

coisa a ver com a escola?”) e introduzindo<br />

constantemente o tema de conversa do<br />

seu interesse (“Há alguma actividade do<br />

Capitão Cuecas?” ou “Já leram o último livro<br />

do Capitão Cuecas?”), sem que lhe fosse<br />

dado feedback ou demonstração de reciprocidade<br />

para manter o tópico de conversa<br />

no tema da banda desenhada. Pediu inclusivamente<br />

para fazer uma desenho em que<br />

ilustrou uma banda desenhada do Capitão<br />

Cuecas (Fig. 1).<br />

Durante a avaliação observou-se ainda a<br />

manifestação dos seguintes comportamentos:<br />

197


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 1 Ilustração realizada pela criança durante a sessão de avaliação<br />

· Discurso coerente e organizado sem alterações<br />

na morfossintaxe<br />

· Alterações da prosódia e utilização sistemática<br />

da expressão “Vamos a isto!”<br />

como introdução de nova tarefa<br />

· Dificuldade em manter o tópico de conversa<br />

introduzido pelo adulto, modificando<br />

o mesmo e associando os temas ao Capitão<br />

Cuecas<br />

· Movimentos repetitivos (mexer os dedos<br />

repetidamente) associados a momentos de<br />

grande excitação e alegria<br />

· Desajeitamento motor<br />

· Dificuldades no controlo da atenção<br />

Foi efectuada uma avaliação da cognição, 4<br />

do comportamento e das competências sociais<br />

e emocionais. Os resultados obtidos<br />

na WISQ-III5 (Fig. 2) indicam um funcionamento<br />

intelectual num nível médio superior,<br />

ou seja, com o valor do quociente de<br />

inteligência (QI) de escala completa compreendido<br />

no intervalo entre 110 e 119,<br />

para um nível de significância de 90%. Registou-se<br />

homogeneidade entre o QI verbal<br />

e o QI de realização.


Fig. 2 Perfil cognitivo registado para a criança<br />

A análise e interpretação dos resultados<br />

obtidos nas provas verbais indicam a manifestação<br />

de competências dentro da média<br />

esperada no domínio do vocabulário, do<br />

raciocínio lógico-matemático, do raciocínio<br />

verbal abstracto e associativo e ainda no<br />

juízo social e capacidade de resolução de<br />

problemas relacionados com experiências e<br />

vivências do quotidiano.<br />

A criança obteve um desempenho acima do<br />

esperado na aquisição de conhecimentos e<br />

retenção da informação (memória a longo<br />

prazo) e um desempenho no limite inferior<br />

da média na realização de tarefas que avaliam<br />

a memória verbal imediata. Nas provas<br />

não-verbais, o desempenho obtido sugere<br />

competências dentro da média esperada em<br />

tarefas que avaliam a capacidade de atenção<br />

ao detalhe e ao meio circundante, codificação<br />

simbólica, rapidez e destreza visuo-motora,<br />

organização e planeamento de tarefas e, ainda,<br />

na estruturação espacial e organização perceptiva.<br />

Nas tarefas que avaliam a memória<br />

visual, o estabelecimento de relações causais,<br />

a sequenciação visual e temporal, obteve um<br />

desempenho acima do esperado.<br />

UM CASO CLÍNICO DE SÍNDROME DE ASPERGER.<br />

PRoVaS VeRBaiS:<br />

iNF - informação<br />

Sem - Semelhanças<br />

aRiT - aritmética<br />

VoC - Vocabulário<br />

ComP - Compreensão<br />

md - memória de dígitos<br />

PRoVaS de ReaLiZação:<br />

CG - Completamento de Gravuras<br />

Cd - Código<br />

dg - disposição de Gravuras<br />

Cb - Cubos<br />

Co - Composição de objectos<br />

PS - Pesquisa de Símbolos<br />

Lb - Labirintos<br />

eSCaLa WiSC iii:<br />

Resultados padronizados<br />

intervalo médio<br />

No domínio das competências académicas,<br />

a criança apresenta uma qualidade de leitura<br />

adequada (velocidade, fluência e entoação),<br />

sem dificuldades na ortografia e no<br />

processamento fonológico, com registo de<br />

uma caligrafia irregular que denota algumas<br />

dificuldades na motricidade fina. Na interpretação<br />

escrita e oral, apresenta em geral<br />

um desempenho dentro do esperado com<br />

dificuldades na descodificação de palavras<br />

com duplo sentido e na resposta a questões<br />

inferenciais.<br />

O resultado dos questionários 6 preenchidos<br />

pelos pais e pela professora são coincidentes<br />

relativamente à manifestação de sintomas<br />

clinicamente significativos para desatenção.<br />

Não se registam outros problemas e/ou<br />

queixas de comportamentos associados. Em<br />

reunião com a professora esclareceu-se a génese<br />

das queixas de desatenção, ou seja, que<br />

as mesmas são um período que a criança<br />

dedica aos seus interesses restritos.<br />

Da avaliação das competências sociais e<br />

emocionais destaca-se:<br />

199


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

· Contacto ocular por curtos períodos de tempo<br />

· Identificação e nomeação das expressões<br />

faciais para as emoções básicas (alegria,<br />

tristeza, zanga, frustração, medo)<br />

· Identificação de diferentes situações sociais<br />

(exemplo, assaltar uma loja, fazer uma<br />

manifestação)<br />

· Interpretação dos acontecimentos a partir<br />

de experiências que vivencia na sua vida (escola/família<br />

e banda desenhada)<br />

· Dificuldade em referir “melhores amigos”,<br />

oscilando entre verbalizar que são todos ou<br />

que prefere brincar sozinho<br />

· Dificuldades em estar atento ao tópico da<br />

conversa do interlocutor, interrompendo ou<br />

fazendo associações com o Capitão Cuecas ou<br />

simplesmente desviando a atenção para outra<br />

actividade que lhe desperte maior interesse<br />

· Verbalização de situações de desconforto<br />

falando das mesmas com alteração da expressão<br />

emocional (tom de voz e expressão<br />

facial)<br />

· Dificuldade em analisar a posição do outro (por<br />

exemplo, quando um adulto ralha ou quando<br />

alguém faz algo que não estava de acordo com o<br />

seu repertório de situações sociais)<br />

· Dificuldade em iniciar e manter conversas<br />

acerca de tópicos que não constituam temas<br />

do seu interesse<br />

· Capacidade para partilhar experiências<br />

com o adulto dentro dos seus interesses (por<br />

exemplo, descrever uma situação específica<br />

do Capitão Cuecas que esteja relacionada<br />

com a situação que está a vivenciar e utilização<br />

da mesma para expressar intenções)<br />

· Dificuldade na interpretação dos sinais<br />

não-verbais de carácter mais social e também<br />

no cumprimento de normas sociais,<br />

como: modular o tom de voz em função dos<br />

diferentes espaços, utilizar a cortesia espontaneamente<br />

(por exemplo, dar os bons dias,<br />

perguntar se a pessoa está bem)<br />

· Capacidade para diferenciar e reconhecer<br />

emoções positivas e negativas<br />

· Dificuldade em generalizar e estabelecer<br />

paralelismos entre as situações descritas em<br />

livros e a sua vida quotidiana<br />

· Incapacidade em compreender e antecipar<br />

os pensamentos e estados emocionais dos<br />

outros, não obstante o facto de os reconhecer<br />

· Dificuldade na resolução de situações problemáticas<br />

e na compreensão e interpretação<br />

de expressões idiomáticas, efectuando<br />

interpretações literais dos significados das<br />

palavras e dos conteúdos das conversações<br />

Perante o quadro atrás descrito sugeriu-se<br />

optimização das competências caligráficas e<br />

intervenção nas competências sociais e emocionais,<br />

em contexto individualizado e posteriormente<br />

em contexto de grupo. Foi ainda<br />

sugerido que a criança iniciasse a frequência<br />

de actividades recreativas e lúdicas (por exem-<br />

plo, escutismo) com o objectivo de generalizar<br />

as competências sociais treinadas<br />

em contexto de intervenção especializada,<br />

o que tem tido repercussões positivas. Actualmente<br />

a criança é seguida periodicamente<br />

em consulta de Desenvolvimento.


ComeNTÁRioS e CoNCLuSÕeS<br />

A história do desenvolvimento, o contexto<br />

actual e os critérios classificativos do Manual<br />

de Diagnóstico e Estatística das Perturbações<br />

Mentais (DSM-IV-TR), 7 constituem o<br />

leitmotiv para o enquadramento diagnóstico<br />

de uma perturbação do desenvolvimento.<br />

No caso clínico que se apresenta, as queixas<br />

de dificuldade na interacção social (isolamento,<br />

desajustamento social, incapacidade<br />

para estabelecer padrões de relacionamento<br />

ajustados à idade cronológica) constituíram<br />

o motivo de consulta e de preocupação dos<br />

pais. Ao efectuar-se a história do desenvolvimento,<br />

verifica-se a existência de um padrão<br />

de dificuldades na regulação da interacção<br />

social desde a primeira infância, associado<br />

à manifestação de interesses restritos por<br />

determinados temas e objectos, em concomitância<br />

com dificuldades em lidar com a<br />

alteração das rotinas estabelecidas no quotidiano.<br />

A história do desenvolvimento indicou<br />

ainda que a cronologia das aquisições<br />

ocorreu dentro do esperado para a idade<br />

(marcha e linguagem) com peculiaridades<br />

no domínio da linguagem, nomeadamente,<br />

a existência de um vocabulário rico com<br />

alterações na prosódia e ecolália. A análise<br />

da história familiar excluiu a ocorrência de<br />

acontecimentos ou situações geradoras de<br />

desconforto emocional que pudessem justificar<br />

os comportamentos descritos e o perfil<br />

neurocognitivo indicou a manifestação de<br />

capacidades intelectuais acima do esperado<br />

sem dificuldades de aprendizagem, não obstante<br />

as queixas de dificuldades no controlo<br />

da atenção. A história do desenvolvimento<br />

(linguagem formalmente falada aos três<br />

anos de idade, ausência de reciprocidade<br />

emocional, manifestação de interesses restritos)<br />

a sintomatologia actual, o perfil cognitivo<br />

e o critério de exclusão (ausência de<br />

UM CASO CLÍNICO DE SÍNDROME DE ASPERGER.<br />

critérios para outra perturbação do desenvolvimento)<br />

consubstanciam o diagnóstico<br />

de síndrome de Asperger, 7 ou seja, de uma<br />

perturbação do espectro do autismo.<br />

O síndrome de Asperger e o autismo foram<br />

descritos na década de 40 por Hans Asperger<br />

(em Viena) e Leo Kanner (em Boston).<br />

As publicações de ambos os autores, descrevem<br />

rapazes com dificuldades sociais, com<br />

poucas capacidades de interacção e de linguagem<br />

e movimentos repetitivos e estereotipados,<br />

sendo a principal diferença entre<br />

as descrições, o facto de os rapazes descritos<br />

por Hans Asperger apresentarem competências<br />

linguísticas na infância. 8<br />

A designação de PEA tem sido amplamente<br />

utilizada com o objectivo de integrar um<br />

conjunto de diagnósticos a partir da tríade<br />

de défices nos domínios da interacção social,<br />

da comunicação e do pensamento imaginativo<br />

e jogo simbólico, sendo que, segundo<br />

o DSM-IV-TR, os critérios da linguagem,<br />

do nível intelectual e de exclusão de outra<br />

patologia, constituem-se como factores de<br />

discrepância entre os diagnósticos de síndrome<br />

de Asperger e de autismo altamente<br />

funcionante (AAF). Esta distinção, amplamente<br />

debatida na literatura não é consensual,<br />

9 conduzindo a ambiguidades na prática<br />

clínica. Pelo exposto, salienta-se que no<br />

caso apresentado foram utilizados os critérios<br />

classificativos do DSM-IV-TR e que este<br />

se elege pela singularidade do cumprimento<br />

desses critérios, mas sobretudo pela intensidade<br />

e perseverança do tema do Capitão<br />

Cuecas que conduz falsamente à percepção<br />

deste ter de facto visitado o Hospital da Luz.<br />

201


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Wing L. The relationship between Asperger´s syndrome and<br />

Kanner´s autism. iIn: Frith U, eds. Autism and Asperger Syndrome.<br />

London: Cambridge University Press, 1991;93-121.<br />

2. Volkmar FL, Klin A. Issues in the classification of autism and<br />

related disorders. in: Volkmar F, Rhea P, Klin A, Cohen D, eds.<br />

Handbook of Autism and Pervasive Developmental Disorders. New<br />

Jersey: Jonh Wiley & Sons, 2005:5-42.<br />

3. Oliveira L, Ataíde A, Marques C, et al. Epidemiology of autism<br />

spectrum disorder in Portugal: prevalence, clinical characterization<br />

and medical conditions. Developmental Medicine and Child<br />

Neurology 2007;49:726-33.<br />

4. Simões MR. Utilizações da Wisc-III na avaliação neuropsicológica<br />

de crianças e adolescentes. Paidéia 2002;12:113-32.<br />

5. Wechsler, D. Escala de inteligência de Wechsler para crianças<br />

– III. Lisboa: Adaptação Portuguesa de Simões, M. Faculdade de<br />

Psicologia e Ciências da Educação, UC; Rocha, A.M, Ferreira, C.<br />

Departamento de Investigação e Publicações Psicológicas, CEGOC<br />

– TEA, 2003.<br />

6. Conners, K. Escala de Conners para pais e professores (Forma<br />

Completa). Lisboa: Aferição Portuguesa de Rodrigues A. Lisboa:<br />

Faculdade de Motricidade Humana, 2000.<br />

7. American Psychiatric Association. Manual de diagnóstico e<br />

estatística das perturbações mentais. Lisboa: Climepsi Editores,<br />

2002:944.<br />

8. Cumine V, Leach J, Stevenson G.Asperger Syndrome: A Practical<br />

Guide for Teachers. London: David Fulton Publishers, 2002:85.<br />

9. Williams JH, Whiten A, Suddendorf T, Perrett DI. Imitation,<br />

mirror neurons and autism. Neuroscience and Biobehavioral<br />

Reviews 2001;25:287-95.


aBdÓmeN aGudo PoR ToRção da<br />

TRomPa de FaLÓPio em GRaVideZ<br />

de 24 SemaNaS<br />

acute abdomen due to Fallopian tube<br />

torsion in a 24th weeks pregnant woman<br />

ReSumo Abstract<br />

Nos últimos anos, a cirurgia laparoscópica<br />

tem vindo a ser realizada com maior frequência,<br />

tanto na área da Ginecologia como na da<br />

Cirurgia Geral. As vantagens inerentes à técni-<br />

ca, associadas a um bom prognóstico materno<br />

e fetal, têm contribuído para a sua crescente<br />

utilização durante a gravidez. Cerca de<br />

0,2% das mulheres grávidas necessitam de<br />

cirurgia abdominal. As indicações mais frequentes<br />

para a cirurgia laparoscópica na gravidez<br />

são a litíase biliar, a apendicite aguda,<br />

a persistência de quisto do ovário e a torção<br />

anexial. Os autores descrevem um caso clínico<br />

muito raro de abdómen agudo por torção<br />

da trompa de Falópio em gravidez de 24 semanas,<br />

tendo a doente sido submetida com<br />

sucesso a salpingectomia laparoscópica.<br />

ANTÓNIO SETÚBAL<br />

SÓNIA BARATA<br />

FÁTIMA FAUSTINO<br />

FILIPA OSÓRIO<br />

DUARTE VILARINHO<br />

Departamento de ginecologia-obstetrícia<br />

In the last years, operative laparoscopy has<br />

been progressively used in gynecology and<br />

general surgery. Even in pregnancy, its use is<br />

becoming widely accepted. In fact, it offers<br />

similar advantages to those in nonpregnant<br />

women, and it is associated with good<br />

maternal and fetal outcomes. Around 0,2%<br />

of pregnant women may require abdominal<br />

surgery. The most common indications of<br />

laparoscopic surgery during pregnancy<br />

are cholelithiasis, appendicitis, persistent<br />

ovarian cyst and adnexal torsion. The<br />

authors report a very rare case of acute<br />

abdomen due to Fallopian tube torsion<br />

successfully managed by laparoscopic<br />

salpingectomy in a 24th weeks pregnant<br />

woman.<br />

203


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A torção da trompa de Falópio é uma causa<br />

pouco frequente de abdómen agudo, ainda mais<br />

rara durante a gravidez. Em 1933 são referidos<br />

201 casos de torção da trompa, 12% (n=24)<br />

destes em mulheres grávidas. 1 Desde então e até<br />

2009 foram descritos ape-nas 17 casos. 2<br />

A etiologia da torção da trompa de Falópio<br />

é mal conhecida. Sendo uma situação rara,<br />

com apenas casos esporádicos publicados,<br />

a sua incidência real é pouco conhecida. 3<br />

Os resultados da avaliação clínica, exames<br />

laboratoriais e de imagem não são especí-<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Grávida de 36 anos de idade, primípara,<br />

sem intercorrências até à 24ª semana de<br />

gravidez. Refere então dor abdominal aguda<br />

na fossa ilíaca e flanco direitos que motivou<br />

a ida a vários serviços de urgência no espaço<br />

de duas semanas, sem ser possível um<br />

diagnóstico definitivo. Quando recorreu ao<br />

Atendimento Médico Permanente do Hospital<br />

da Luz, queixava-se de agravamento<br />

da dor abdominal e paragem da emissão de<br />

gases e fezes, verificando-se à observação,<br />

aumento de volume do abdómen compatí-<br />

vel com o tempo de gravidez e palpação<br />

muito dolorosa no flanco direito, com<br />

reacção peritoneal.<br />

A ecografia revelou um feto vivo, com<br />

biometria compatível com 24 semanas de<br />

gestação. Na região correspondente à zona<br />

álgica da doente, visualizava-se uma estrutura<br />

quística com 4 cm x 3 cm. A ressonância<br />

magnética nuclear (RMN) pélvica<br />

confirmou a imagem quística, em posição<br />

anterior ao cego e infra-hepática, que se ad-<br />

ficos, pelo que o diagnóstico é muitas vezes<br />

difícil. O sintoma mais frequente é a dor abdominal<br />

aguda (fossa ilíaca e flanco), com<br />

palpação dolorosa e reacção peritoneal.<br />

O diagnóstico definitivo é possível por laparoscopia,<br />

que na actualidade se tornou o<br />

procedimento preferencial para esta situação,<br />

mesmo na mulher grávida.<br />

Dada a sua raridade, os autores descrevem<br />

um caso de torção da trompa de Falópio<br />

em gravidez de 24 semanas, diagnosticada<br />

e tratada por abordagem laparoscópica.<br />

mitiu ter origem no anexo direito, sem outra<br />

patologia detectável (Fig.1).<br />

Fig. 1 Imagem de RMN - Estrutura quística<br />

na região anexial direita<br />

Decidiu-se laparoscopia diagnóstica que<br />

mostrou edema e necrose da trompa de<br />

Falópio direita (Fig. 2), em consequência<br />

de torção do seu pedículo (Fig. 3). A exploração<br />

da cavidade abdominal não revelou<br />

outra patologia.<br />

Realizou-se salpingectomia direita por via


Fig. 2 Trompa de Falópio direita necrosada<br />

Fig. 4 Salpingectomia direita<br />

laparoscópica (Fig. 4), sendo a técnica adaptada<br />

à situação de gravidez, tal como se descreve<br />

em seguida.<br />

O útero a ultrapassar cerca de 5 cm o umbigo<br />

limitou de forma marcada a entrada no<br />

abdómen. Com efeito, uma entrada directa<br />

a nível do umbigo poderia provocar uma<br />

lesão acidental do útero e o uso alternativo<br />

do ponto de Palmer ou do 9º espaço intercostal<br />

também se afigurava com algum risco,<br />

pelo facto de haver um desvio marcado<br />

das vísceras ocas para cima devido à distensão<br />

uterina, com ocupação maior dessa<br />

área. Além disso, pelo facto de se tratar de<br />

uma situação de emergência, o intestino não<br />

fora submetido a uma preparação adequada,<br />

o que aumentava o risco associado à<br />

intervenção.<br />

ABDÓMEN AGUDO POR TORÇÃO <strong>DA</strong> TROMPA DE FALÓPIO EM GRAVIDEZ DE 24 SEMANAS<br />

Fig. 3 Torção do pedículo da trompa de Falópio<br />

Assim, optou-se por uma entrada aberta<br />

fazendo uso do trocar de Hassan. Identificado<br />

o problema, a colocação dos trocares<br />

secundários foi realizada de acordo com a<br />

ergonomia mais aceitável para a abordagem<br />

da trompa em posição alta.<br />

O trocar de 5 mm, na parte inferior do flanco<br />

direito, destinou-se apenas à introdução<br />

de pinça para afastar o útero; os outros dois<br />

trocares, no epigastro e no hipocôndrio direito,<br />

destinaram-se à realização da cirurgia<br />

(Fig. 5).<br />

Procedeu-se à laqueação da base de torção<br />

da trompa, junto ao ovário e à sua secção.<br />

Utilizou-se um saco endoscópico para a remoção<br />

da peça e encerramento da porta de<br />

10 mm, epigástrica, para evitar herniação.<br />

205


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

O procedimento decorreu sem complicações,<br />

tendo a doente alta ao 2º dia de pósoperatório<br />

sem queixas.<br />

O exame histopatológico da peça operatória<br />

revelou uma trompa necrosada secundária à<br />

torção de um quisto do paraovário.<br />

Não se verificaram complicações obstétricas<br />

até ao final da gravidez. O parto ocorreu<br />

por via vaginal às 40 semanas de gestação,<br />

nado vivo saudável e com 3350 g. Puerpério<br />

sem intercorrências.<br />

diSCuSSão e CoNCLuSÕeS<br />

A torção isolada da trompa de Falópio é<br />

uma situação clínica rara, mais ainda durante<br />

a gravidez. Em toda a literatura revista,<br />

a mais recente estimativa realizada, datada<br />

de 1970, refere uma incidência de 1 caso<br />

em 1,5 milhões de mulheres, na Dinamarca.<br />

4 Por outro lado, entre 1933 e 2009 apenas<br />

foram descritos 17 casos de torção da<br />

trompa de Falópio na gravidez. 2<br />

O quadro clínico pode ser comum a outras<br />

patologias, o que coloca habitualmente<br />

problemas de diagnóstico diferencial. Este<br />

inclui torção do ovário, apendicite aguda,<br />

gravidez ectópica, salpingite aguda, abcesso<br />

tubo-ovárico, rotura de quisto do ovário,<br />

degenerescência de leiomioma, urolitíase,<br />

obstrução ou perfuração intestinal. 2,5,6<br />

Os resultados laboratoriais não têm um va-<br />

lor significativo no diagnóstico diferencial<br />

2,5 e os exames de imagem não acrescem<br />

dados patognomónicos desta situação, 2,7,8<br />

pelo que a laparoscopia é o procedimento de<br />

eleição para o diagnóstico definitivo e tratamento<br />

desta patologia, 3 mesmo na gravidez.<br />

Fig. 5 Localização das portas umbilical<br />

e secundárias<br />

Até ao presente, não foram realizados estudos<br />

prospectivos ou aleatórios (randomizados)<br />

que comparem a laparoscopia com a<br />

laparotomia durante a gravidez. Alguns estudos<br />

retrospectivos publicados, mostram<br />

que a laparoscopia parece ser um procedi-<br />

mento seguro na gravidez, sem acréscimo<br />

dos riscos maternos e fetais. Os resultados<br />

obtidos em 48 cirurgias laparoscópicas para<br />

tratamento de massas anexiais na gravidez<br />

permitiram concluir que se trata de um procedimento<br />

seguro e eficaz, desde que seja rea-<br />

lizado por uma equipa experiente, 9 conclusão<br />

similar à obtida numa série de 26 casos. 10<br />

Apesar da escassez de dados publicados, parece<br />

consensual que a cirurgia laparoscópica<br />

na gravidez é uma técnica com vantagens,<br />

entre as quais se incluem a deambulação<br />

precoce, menor dor, menor tempo de internamento<br />

e retorno mais rápido à actividade<br />

normal, menor risco de infecção da ferida<br />

operatória e de hérnia incisional. 11,12 A<br />

menor manipulação do útero parece reduzir<br />

os riscos de irritabilidade ou contractilidade<br />

uterina e, consequentemente, reduzir o risco<br />

de aborto ou parto prétermo. 11


Contudo, a laparoscopia durante a gravidez<br />

deve ser realizada com algumas precauções,<br />

nomeadamente no que se refere ao posicionamento<br />

da doente (ligeiro decúbito lateral<br />

para prevenção de compressão da veia cava<br />

inferior), abordagem pela técnica aberta de<br />

Hassan, pressão intra-abdominal inferior<br />

a 15 mmHg e monitorização constante do<br />

volume CO 2 materno. A colocação das portas<br />

secundárias, sempre realizada sob visão<br />

directa, depende do volume uterino, da lo-<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Regad J. Etude anatomo-pathologique de la torsion des trompets<br />

uterines. Gynecol Obstet 1933;27:519-35.<br />

2. Batukan C, Ozgun MT, Turkyilmaz C, Tayyar M. Isolated<br />

torsion of the Fallopian tube during pregnancy. J Reprod Med<br />

2007;52:745-7.<br />

3. Krissi H, Shalev J, Bar-Hava I, Langer R, Herman A, Kaplan B.<br />

Fallopian tube torsion: laparoscopic evaluation and treatment of a<br />

rare gynecological entity. J Am Board Fam Pract 2001;14:274-7.<br />

4. Hassen OH. Isolated torsion of the Fallopian tube. Acta Obstet<br />

Gynecol Scand 1970;49:3-6.<br />

5. Antoniou N, Varras M, Akrivis C, Kitsiou E, Stefanaki S,<br />

Salamalekis E. Isolated torsion of the Fallopian tube: a case report<br />

and review of the literature. Clin Exp Obstet Gynecol 2004;31:235-8.<br />

6. Yalcin OT, Hassa H, Zeytinoglu S, Isiksoy S. Isolated torsion of<br />

Fallopian tube during pregnancy: report of two cases. Eur J Obstet<br />

Gynecol Rep Biol 1997;74:179-82.<br />

7. Baumgartel PB, Fleischer AC, Cullinan JA, Bluth RF. Color<br />

Doppler sonography of tubal torsion. Ultrasound Obstet Gynecol<br />

1996;7:367-70.<br />

ABDÓMEN AGUDO POR TORÇÃO <strong>DA</strong> TROMPA DE FALÓPIO EM GRAVIDEZ DE 24 SEMANAS<br />

calização da patologia e da ergonomia necessária<br />

à prática cirúrgica. 11,13 A administração<br />

profilática de tocolíticos não parece<br />

ser necessária, excepto se ocorrer contractilidade<br />

uterina. 11,13<br />

O caso descrito pelos autores demonstra<br />

que a laparoscopia pode ser a abordagem de<br />

eleição, mesmo nas situações em que o campo<br />

operatório se torna muito limitado.<br />

8. Elchalal U, Caspi B, Schachter M, Borenstein R. Isolated tubal<br />

torsion: clinical and ultrasonographic correlation. J Ultrasound<br />

Med 1993;12:115-7.<br />

9. Mathevet P, Nessah K, Dargent D, Mellier G. Laparoscopic<br />

management of adnexal masses in pregnancy: a case series. Eur J<br />

Obstet Gynecol Rep Biol 2003;108:217-22.<br />

10. Lenglet Y, Roman H, Rabishong N, et al. Traitement<br />

coelioscopique des kystes de l’ovaire au cours de la grossesse.<br />

Gynecol Obstet Fertil 2006;34:101-6.<br />

11. Al-Fozan H, Tulandi T. Safety and risks of laparoscopy in<br />

pregnancy. Cur Opin Obstet Gynecol 2002;14:375-9.<br />

12. Fatum M, Rojansky N. Laparoscopic surgery during pregnancy.<br />

Obstet Gynecol Surv 2001;56:50-9.<br />

13. Kilpatrick CC, Orejuela FJ. Management of the acute abdomen<br />

in pregnancy: a review. Cur Opin Obstet Gynecol 2008;20:534-9.<br />

207


CiRuRGia do CaNCRo do CoLo do<br />

ÚTeRo. HiSTeReCTomia RadiCaL<br />

aSSiSTida PoR LaPaRoSCoPia<br />

– CeLio-SCHauTa diSTaL modiFiCada<br />

Cervical cancer surgery.<br />

Laparoscopy-assisted radical histerectomy<br />

- distal modified celio-Schauta<br />

ReSumo Abstract<br />

A cirurgia minimamente invasiva é actualmente<br />

aceite como a abordagem de eleição<br />

para o tratamento da patologia cirúrgica<br />

ginecológica. Em centros de referência, esta<br />

abordagem pode representar mais de 90%<br />

da cirurgia realizada. As suas principais limi-<br />

tações são basicamente o volume dos tumores<br />

a remover e o estadio oncológico da<br />

doença. Apesar de ainda persistir alguma<br />

controvérsia nas indicações da componente<br />

laparoscópica na patologia oncológica, esta<br />

técnica é mundialmente aceite para o tratamento<br />

de situações específicas de neoplasias<br />

do colo do útero, endométrio e anexos. Os<br />

autores descrevem um caso clínico de carcinoma<br />

do colo do útero no estadio IB1, tratado por uma<br />

abordagem combinada laparoscópica e vaginal<br />

designada celio-Shauta distal modificada.<br />

ANTÓNIO SETÚBAL<br />

ANTÓNIO ALVES˚<br />

FILIPA OSÓRIO<br />

FÁTIMA FAUSTINO<br />

ANA CATARINO<br />

SÓNIA BARATA<br />

DUARTE VILARINHO<br />

Departamento de ginecologia-obstetrícia e de anatomia patológica<br />

˚Hospital da arrábida<br />

Minimally invasive surgery is nowadays<br />

the gold standard approach for surgical<br />

gynecological pathology. In referral centers<br />

and for benign pathology, it could represent<br />

up to 90% of all the gynecological surgery.<br />

Its main limitations are basically related<br />

to the tumor size and advanced stage of<br />

malignancy. Although some controversy still<br />

remains concerning laparoscopy limitations,<br />

this technique is widely approved in specific<br />

cases of cervix, endometrial and adnexal<br />

cancer. The authors report a case of cervical<br />

cancer stage IB1 treated with a combined<br />

approach by laparoscopy and vaginal route<br />

entitled distal modified celio-Shauta.<br />

209


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

Desde que Harry Reich realizou a primeira<br />

histerectomia laparoscópica, 1 abriu-se um<br />

novo mundo para uma técnica abrangente<br />

de toda a cirurgia pélvica na mulher, menos<br />

invasiva, menos traumática, com menos cicatrizes,<br />

com uma recuperação mais rápida e<br />

com uma hospitalização mais curta. A laparoscopia<br />

(ou celioscopia, nome usado em<br />

português com origem na língua francesa),<br />

revolucionou por completo a cirurgia pélvica<br />

feminina, além de áreas comuns da cirurgia<br />

colo-rectal e da Urologia. Até então, a laparoscopia<br />

tinha sido uma ferramenta médica<br />

que não ultrapassava os campos do diagnóstico<br />

e timidamente a laqueação tubária<br />

na área ginecológica.<br />

Rapidamente, apesar da dificuldade de aprendizagem<br />

da técnica, a laparoscopia, foi-se impondo<br />

progressivamente noutras patologias:<br />

anexos, reconstrução do pavimento pélvico,<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 55 anos de idade,<br />

com menopausa aos 53 anos e sem vigilância<br />

ginecológica há cerca de 11 anos, recorreu à<br />

consulta de Ginecologia do Hospital da Luz<br />

por metrorragia. Tratava-se de uma doente<br />

com antecedentes de enfarte agudo do<br />

miocárdio sob medicação, nomeadamente<br />

com ácido acetilsalicílico.<br />

À observação é identificado tumor do endocolo<br />

com área de necrose e base de implantação<br />

larga, com cerca de 3 cm de eixo maior,<br />

tendo sido programada e submetida a biópsia<br />

excisional do tumor por via vaginal. O diagnóstico<br />

anatomo-patológico foi compatível<br />

com adenocarcinoma do colo do útero com<br />

padrão predominante de tipo viloglandular.<br />

infertilidade e, mais tarde, nas áreas complexas<br />

da oncologia e numa das patologias<br />

mais emergentes e difíceis – a endometrio-<br />

se profunda.<br />

No início da década de 1990, começaram<br />

a ser desenvolvidas técnicas cirúrgicas laparoscópicas<br />

na área da oncologia, abrangendo<br />

o cancro do colo do útero, endométrio e<br />

ovário. Ao longo dos anos, tem-se assistido<br />

a uma padronização das técnicas que permitem,<br />

hoje em dia, em centros especializados,<br />

tratar estas doenças tão complexas,<br />

minimizando a agressão cirúrgica.<br />

O presente caso clínico descreve a primeira<br />

cirurgia de cancro do colo do útero totalmente<br />

realizada por cirurgiões portugueses<br />

nas unidades do Grupo Espírito Santo Saúde<br />

através da histerectomia radical assistida por<br />

laparoscopia - celio-Shauta distal modificada.<br />

Dada a natureza oncológica da formação<br />

a doente realizou posteriormente ecografia<br />

pélvica, identificando-se uma massa cervical<br />

hipervascularizada. À observação clínica<br />

não foi detectada invasão dos paramétrios<br />

ou adenopatias inguino-crurais, supra e<br />

infra-claviculares palpáveis - estadio clínico<br />

IB1 da FIGO (International Federation of<br />

Gynecology and Obstetrics).<br />

A ressonância magnética nuclear (RMN)<br />

revelou lesão do lábio anterior do colo com<br />

extensão longitudinal de 12 mm, antero-posterior<br />

de 7 mm e transverso de 12 mm, sem<br />

critérios de invasão dos paramétrios, bexiga<br />

ou recto.


CIRURGIA DO CANCRO DO COLO DO ÚTERO. HISTERECTOMIA RADICAL ASSISTI<strong>DA</strong> POR LAPAROSCOPIA<br />

– CELIO-SCHAUTA DISTAL MODIFICA<strong>DA</strong><br />

Perante este quadro clínico e após discussão<br />

do caso com a equipa de ginecologia oncológica<br />

do Hospital da Luz, decidiu-se<br />

proceder a cirurgia segundo técnica de celio-<br />

-Shauta distal modificada.<br />

As Fig. 1A a G ilustram vários passos da intervenção<br />

realizada.<br />

A cirurgia decorreu sem complicações. A<br />

drenagem vesical foi removida 72 horas após<br />

o procedimento. A doente teve alta, clinicamente<br />

bem, ao 4º dia de pós-operatório.<br />

No pós-operatório há a referir episódio de<br />

retenção urinária ao 8º dia, com necessidade<br />

de algaliação e treino vesical durante uma semana<br />

e com resolução completa do quadro.<br />

No exame anátomo-patológico (Fig. 2 a 4)<br />

foram identificados 8 gânglios linfáticos de<br />

A<br />

D<br />

G<br />

cada peça de linfadenectomia pélvica direita<br />

e esquerda. A peça operatória de histerectomia<br />

radical e anexectomia bilateral, incluiu<br />

colpectomia e paramétrios com 4 e 5 cm à<br />

direita e à esquerda, respectivamente. No<br />

orifício externo do colo era evidente tumor<br />

que infiltrava de forma circunferencial o<br />

canal cervical, com 22 mm de eixo maior,<br />

identificado com um adenocarcinoma pouco<br />

diferenciado [G3 da classificação da Organização<br />

Mundial de Saúde (OMS)], sem invasão<br />

dos paramétrios, vagina, istmo uterino<br />

ou invasão linfo-vascular.<br />

Tendo em consideração a clínica e o resultado<br />

anátomo-patológico, e em consenso com<br />

a equipa de Oncologia Médica do Hospital<br />

da Luz, a doente iniciou esquema de quimioterapia<br />

e radioterapia, encontrando-se<br />

na presente data clinicamente bem e livre de<br />

doença.<br />

B<br />

E<br />

Fig. 1 Passos da intervenção realizada<br />

A. Linfadenectomia pélvica direita; B. Identificação dos vasos ilíacos<br />

externos direitos, fossa obturadora e nervo obturador; C. Identificação<br />

da veia ilíaca externa (VIE) direita, corona mortis (veia anastomótica<br />

entre VIE e veia obturadora) e pedículo obturador; D. Linfadenectomia<br />

pélvica esquerda; E. Identificação dos vasos ilíacos<br />

externos esquerdos, fossa obturadora e nervo obturador; F. Identificação<br />

da artéria umbilical, artéria hipogástrica e artéria uterina na sua<br />

origem; G. Técnica de Shauta para remoção da peça por via vaginal<br />

C<br />

F<br />

211


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Fig. 2A e B Peça operatória: útero, anexos,<br />

paramétrios e vagina<br />

ComeNTÁRioS<br />

A histerectomia radical é o método mais indicado<br />

para tratamento cirúrgico do cancro<br />

do colo do útero em estádios precoces, de I<br />

B a II. A introdução da laparoscopia, para<br />

além das vantagens já enunciadas para a paciente,<br />

é a melhor técnica na abordagem do<br />

cancro do colo do útero em estadios precoces<br />

com gânglios negativos. 2 A cirurgia vaginal<br />

combinada é não só melhor aceite pelas<br />

doentes, como permite obter melhores resul-<br />

tados do que a cirurgia totalmente abdo-<br />

minal, por laparotomia ou laparoscopia, com<br />

mortalidade inferior, 3 incluindo a histerectomia<br />

radical. Foi com base nestes princípios<br />

que Daniel Dargent concebeu a histerectomia<br />

radical assistida por laparoscopia, à<br />

qual chamou operação celio-Schauta. 2<br />

A<br />

B<br />

Fig. 3 Corte do colo do útero, identificando-se<br />

lesão que envolve o canal cervical<br />

Fig. 4 Corte histológico da lesão: adenocarcinoma<br />

pouco diferenciado – G3/OMS (hematoxicilina-<br />

-eosina, X50)<br />

Esta técnica evoluiu ao longo do tempo no<br />

sentido de uma maior rapidez na fase lapa-<br />

roscópica, combinando a linfadenectomia<br />

com uma preparação mais sistematizada<br />

dos espaços para-vesical, recto-vaginal e<br />

Douglas, mas sobretudo o paracérvix e o<br />

paracolpos, bem como o espaço vesico-vaginal<br />

e ligamentos vesico-uterinos e ureteres,<br />

deixando para o tempo vaginal quase a<br />

remoção da peça pela técnica de Schauta<br />

agora simplificada, com o nome celio-<br />

-Schauta distal modificada. Esta operação<br />

é uma cirurgia eficaz no tratamento dos<br />

cancros do colo do útero de estadios precoces.<br />

A maior preparação laparoscópica diminui<br />

o grau de complicações e de mortalidade.<br />

As complicações graves relacionadas com


as lesões do plexo hipogástrico inferior são<br />

diminuídas por técnica de nerve spearing,<br />

pelo que danos irreversíveis como a atonia<br />

vesical com cateterização vesical cróni-<br />

ca, complicações do funcionamento intestinal<br />

e anorgasmia, são minimizados. A<br />

recuperação das doentes e o retorno a uma<br />

vida normal são amplificados.<br />

BiBLioGRaFia<br />

CIRURGIA DO CANCRO DO COLO DO ÚTERO. HISTERECTOMIA RADICAL ASSISTI<strong>DA</strong> POR LAPAROSCOPIA<br />

– CELIO-SCHAUTA DISTAL MODIFICA<strong>DA</strong><br />

1. Reich H, Decaprio J, Mcglynn F. Laparoscopic Hysterectomy. J<br />

Gyncol Surg 1989;5:213-2116.<br />

2. Querleu D, Childers J, Dargent D. Laparoscopic Surgery<br />

in Gynaecological Oncology. Oxford, Blackwell Science Ltd,<br />

1999:196.<br />

O Hospital da Luz possui capacidade técnica<br />

para a realização desta cirurgia tão delicada,<br />

só conseguida em muito poucos centros<br />

em todo o mundo.<br />

3. Wingo PA, Kovakou F, Adeleine P. The Mortality Risk Associated<br />

With Hysterectomy. Am J Obstet Gynecol 1992;67:756-7.<br />

213


ReSTRição do CReSCimeNTo FeTaL.<br />

a PRoPÓSiTo de um CaSo CLÍNiCo<br />

Fetal growth restriction. Case report<br />

ReSumo Abstract<br />

No âmbito da actividade do Centro de Diagnóstico<br />

Pré-Natal (CDPN) do Departamento<br />

de Ginecologia-Obstetrícia do Hospital da<br />

Luz, os autores descrevem um caso de restrição<br />

do crescimento fetal detectado às 26<br />

semanas de gestação. A grávida foi informada<br />

sobre os riscos, foram-lhe propostas alterações<br />

dos hábitos alimentares e repouso, e<br />

foi seguida de acordo com a situação. Às 29<br />

semanas foi realizada cesariana que decorreu<br />

sem complicações. O recém-nascido foi<br />

transferido para a Unidade de Cuidados Especiais<br />

Neonatais deste hospital, tendo tido<br />

alta ao 44º dia com 1820 g. Aos 4 meses de<br />

idade tinha um desenvolvimento neurológico<br />

e estaturo-ponderal normal.<br />

CLÁUDIA APPLETON<br />

JOSÉ LOURENÇO REIS<br />

IRENE CARO<br />

CARLOS VERÍSSIMO<br />

Departamento de ginecologia-obstetrícia (centro de Diagnóstico pré-natal)<br />

Within the scope of activity of Prenatal<br />

Diagnosis Unit, the authors report a clinical<br />

case of fetal growth restriction detected<br />

at 26 th week of gestation. The pregnant<br />

woman was informed about the risks, and<br />

some changes on rest and feeding practices<br />

were recomended. At 29 th week she was<br />

submited to a cesarian section, whitout any<br />

problems on the post operative period. The<br />

newborn was transferred to the neonatalogy<br />

intensive care unit of Hospital da Luz and<br />

has been discharged at 44 th day with 1820 g<br />

of weight. At 4 months of age he had a normal<br />

neurological and height-weight development.<br />

215


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A restrição do crescimento fetal (RCIU) é<br />

uma condição patológica que limita ou impossibilita<br />

o feto de atingir o seu potencial<br />

de crescimento. O diagnóstico baseia-se nos<br />

parâmetros biométricos fetais, dependendo<br />

a definição clássica da patologia de uma<br />

estimativa ponderal abaixo do percentil 10<br />

para a idade gestacional, ou da ausência de<br />

crescimento fetal em 2 semanas consecutivas.<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Grávida de segunda gestação, de 26 anos de<br />

idade, caucasiana, ARh + , 150 cm de altura<br />

e 47 kg de peso corporal (IMC 20,9 kg/m 2 ).<br />

Sem antecedentes médicos relevantes, nem<br />

hábitos tóxicos conhecidos.<br />

Primeira gravidez vigiada, sem intercorrências.<br />

Cesariana no termo por feto em apresentação<br />

pélvica.<br />

Segunda e actual gravidez planeada, com<br />

vigilância regular. Hemorragia do 1° trimestre<br />

e contractilidade desde as 24 semanas.<br />

Às 26 semanas e 3 dias foi realizada ecografia<br />

para estudo do desenvolvimento e<br />

bem-estar fetal, por recém-nascido (RN) da<br />

gestação anterior com baixo peso, tendo sido<br />

detectado feto com biometria no percentil 25,<br />

evidenciando fluxometria da artéria umbilical<br />

de resistência variável - alguns segmentos com<br />

fluxos diastólicos ausentes (Fig. 1), alternando<br />

com outros segmentos com fluxos diastólicos<br />

normais (Fig. 2).<br />

Tendo em conta as características variáveis<br />

da onda de fluxo na artéria umbilical fetal,<br />

e a possível insuficiência placentar subjacente,<br />

foi proposta reavaliação fluxométrica<br />

A importância clínica desta entidade reside<br />

na morbimortalidade fetal e perinatal a que<br />

está associada, pelo que o bom desfecho obs-<br />

tétrico depende de uma vigilância apertada,<br />

bem como da ponderação entre os riscos fetais<br />

e os riscos neonatais na decisão do momento<br />

do parto.<br />

Fig. 1 Fluxometria da artéria umbilical. Ausência<br />

de fluxo diastólico<br />

Fig. 2 Fluxometria da artéria umbilical. Padrão de<br />

resistência aumentada


passadas 48 horas, apresentado o feto nesta<br />

altura um padrão mantido de aumento da<br />

resistência no território umbilical [índice<br />

de pulsatilidade (IP) - 1,48, acima do percentil<br />

95], com índices vasculares normais<br />

nos outros territórios fetais (artéria cerebral<br />

média e ductus venoso). A perfusão placentar<br />

apresentava igualmente um padrão de<br />

resistência aumentada (IP médio nas artérias<br />

uterinas: 1,3) (Fig. 3), sugerindo um risco<br />

aumentado de desfecho obstétrico adverso<br />

(como pré- /eclâmpsia).<br />

Fig. 3 Fluxometria das artéria uterinas. Presença<br />

de incisura protodiastólica e de pulsatilidade<br />

aumentada, traduzindo risco de desfecho adverso<br />

A grávida foi esclarecida sobre os riscos,<br />

e foi-lhe proposto repouso, correcção dos<br />

hábitos alimentares, vigilância tensional e<br />

reavaliação fluxométrica e do bem-estar fetal.<br />

Às 29 semanas e 5 dias, o feto apresentava<br />

uma franca restrição do crescimento (biometrias<br />

no percentil 5) (Fig. 4), mantendo<br />

fluxos vasculares de alta resistência periférica<br />

(artéria umbilical) com centralização de<br />

fluxos. O líquido amniótico (LA) e o registo<br />

cardiotocográfico eram normais. Os valores<br />

tensionais mantiveram-se normais.<br />

RESTRIÇÃO DO CRESCIMENTO FETAL. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO<br />

Ponderados os riscos da prematuridade relativamente<br />

ao risco de morte fetal in utero,<br />

foi proposto internamento da grávida para<br />

indução da maturidade pulmonar fetal (betametasona<br />

12 mg/dia, intramuscular, 2<br />

dias) e programado o parto para as 24 horas<br />

seguintes à última administração da betametasona,<br />

período a partir do qual é máxima a<br />

eficácia da corticoterapia (peso calculado às<br />

29 semanas: 1057 g).<br />

Fig . 4 Estimativa ponderal abaixo do percentil 10<br />

Às 29 semanas de gestação foi realizada<br />

cesariana por apresentação pélvica em feto<br />

com RCIU grave, que decorreu sem complicações.<br />

Nado vivo do sexo feminino com<br />

1040 g de peso, índice de Apgar 5/9. Dequitadura<br />

de placenta de pequenas dimensões.<br />

O recém-nascido, transferido para a UCEN<br />

(Unidade de Cuidados Especiais Neonatais),<br />

teve como complicações um quadro de<br />

doença das membranas hialinas (DMH I-lI)<br />

corrigido com CPAP (continuous positive<br />

airway pressure) nasal, necessitando de ventilação<br />

de alta frequência ao 11° dia por<br />

sépsis; anemia multifactorial com necessidade<br />

de transfusão de concentrado eritrocitário<br />

e icterícia neonatal que regrediu<br />

com fototerapia. A nutrição parentérica<br />

217


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

manteve-se até ao 22° dia de vida, iniciando<br />

alimentação entérica exclusiva a partir desta<br />

altura. As ecografias transfontanelares realizadas<br />

(dias 3, 10 e 44) evidenciaram uma<br />

leucomalácia periventricular ligeira.<br />

diSCuSSão<br />

A importância clínica da RCIU consiste na<br />

morbi-mortalidade perinatal a que está associada,<br />

nomeadamente no risco de morte<br />

in utero (26%), de complicações intra-parto<br />

(como o maior número de cesarianas<br />

por sofrimento fetal), complicações neonatais<br />

secundárias à hipóxia (como as alterações<br />

metabólicas), risco de morte neonatal e<br />

complicações a longo prazo, como risco de<br />

hipertensão arterial (HTA) e diabetes mellitus<br />

(DM) na idade adulta. 1<br />

A etiologia da RCIU é variada e inclui causas<br />

fetais, como as doenças congénitas, as<br />

cromossomopatias ou doenças metabólicas;<br />

causas maternas, como as doenças vasculares<br />

crónicas (HTA, DM, conectivopatias), os<br />

hábitos tóxicos e a gravidez nos extremos<br />

da vida reprodutiva; e causas ditas placentares,<br />

como as anomalias estruturais da placenta,<br />

anomalias de inserção da placenta ou<br />

do cordão, entre outras. 2<br />

A abordagem diagnóstica do feto com RCIU<br />

integra a informação de várias modalidades.<br />

É a combinação da biometria e da anatomia<br />

fetais, a avaliação do líquido amniótico e da<br />

placenta, com a avaliação da função vascular<br />

feto-placentária que melhor identificam<br />

os fetos em risco de desfechos adversos. 1,2<br />

Excluindo as causas fetais óbvias, como os<br />

defeitos estruturais ou as doenças cromossómicas,<br />

a identificação da RCIU baseia-se<br />

O recém-nascido teve alta ao 44º dia, com<br />

1820 g, referenciado às consultas de Pediatria<br />

e Oftalmologia do Hospital da Luz,<br />

apresentando-se aos 4 meses de vida com<br />

um desenvolvimento neurológico e estaturoponderal<br />

normal.<br />

na avaliação seriada da biometria fetal, nomeadamente<br />

do perímetro abdominal (PA <<br />

percentil 10 ou ausência de crescimento superior<br />

a 1 cm em 2 semanas consecutivas), 1<br />

LA diminuído (traduz perfusão preferencial<br />

para órgãos nobres em detrimento de<br />

órgãos não nobres como o rim) e alteração<br />

vascular ou fluxométrica em diferentes territórios,<br />

nomeadamente: 3-5<br />

· Na artéria umbilical (AU): a pulsatilidade<br />

aumentada nesta artéria (> percentil 95),<br />

traduz aumento da resistência à circulação<br />

fetal/insuficiência placentar<br />

· Na artéria cerebral média (ACM): a pulsatilidade<br />

diminuída nesta artéria (< percentil<br />

5) traduz vasodilatação cerebral, ou seja,<br />

um mecanismo de adaptação fetal à hipoperfusão<br />

periférica, com redistribuição de<br />

sangue para órgãos nobres como o cérebro<br />

· No ductus venoso (DV): as alterações de<br />

fluxo neste território vascular traduzem esgotamento<br />

da capacidade adaptativa fetal e<br />

risco de morte iminente<br />

Tendo em conta o risco fetal, a vigilância<br />

da gravidez deve ter por base a etiologia da<br />

RCIU, a idade gestacional e a condição materna<br />

subjacente, devendo ser promovido o<br />

parto sempre que os riscos de morte fetal sejam<br />

superiores aos riscos de morte neonatal<br />

ou da prematuridade. 1,2


No caso descrito, tratava-se de uma grávida<br />

com antecedentes de RCIU, instalação<br />

de insuficiência placentar progressiva a partir<br />

das 26 semanas, em que uma vigilância<br />

ecográfica apertada evidenciou instabilidade<br />

hemodinâmica. Uma vez induzida a maturi-<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Royal College of Obstetricians and Gynacologists. The<br />

investigation and management of the small-for gestational-age<br />

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Practical Bulletin N12 American College of Obstetricians and<br />

Gynaecologists, 2000:17.<br />

RESTRIÇÃO DO CRESCIMENTO FETAL. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO<br />

dade pulmonar fetal e ponderados os riscos<br />

associados à prematuridade versus risco significativo<br />

de morte in utero foi decidido o<br />

parto às 29 semanas, com um desfecho favorável,<br />

materno e perinatal.<br />

3. Baschat AA. The fetal circulation and essential organs, a new<br />

twist to an old tale. Ultrasound Obstet Gynecol 2006;7:349-54.<br />

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5. Mari G. Middle cerebral artery peak systolic velocity: a new<br />

Doppler parameter in the assessment of grow restricted fetuses.<br />

Ultrasound Obstet Gynecol 2007;29:310-16.<br />

219


aGeNÉSia iSoLada<br />

do CoRPo CaLoSo. CaSo CLÍNiCo<br />

agenesis of the corpus callosum.<br />

Case report<br />

JOSÉ LOURENÇO REIS<br />

ANA CHUNG<br />

CLÁUDIA APPLETON<br />

IRENE CARO<br />

CARLOS VERÍSSIMO<br />

Departamento de ginecologia-obstetrícia (centro de Diagnóstico pré-natal)<br />

ReSumo Abstract<br />

O Centro de Diagnóstico Pré-Natal (CDPN)<br />

do Departamento de Ginecologia-Obstetrícia<br />

do Hospital da Luz iniciou a sua actividade<br />

no último trimestre de 2008 e reúne<br />

as condições físicas, humanas e tecnológicas<br />

necessárias à correcta vigilância ecográfica,<br />

aconselhamento clínico e genético, dia-<br />

gnóstico e rastreio pré-natal. No âmbito da<br />

sua actividade neste Centro os autores descrevem<br />

um caso clínico de agenésia isolada<br />

do corpo caloso, pretendendo exemplificar<br />

a rotina do CDPN, tanto no que se refere<br />

ao diagnóstico ecográfico, como ao apoio à<br />

Obstetrícia clínica.<br />

The Prenatal Diagnosis Center (CDPN) of<br />

Hospital da Luz began its activity in the last<br />

trimester of 2008. It joins the staff, physical<br />

and technological conditions required for<br />

a correct clinical and genetic counselling,<br />

ultrasound scanning for prenatal and<br />

screening diagnosis. To exemplify the<br />

routine work in CDPN, the authors report<br />

the diagnosis of a case of isolated agenesis<br />

of the corpus callosum.<br />

221


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

O corpo caloso é uma estrutura que liga<br />

os dois hemisférios cerebrais e que tem origem<br />

na coalescência de células gliais. Tem<br />

a forma de uma “ponte” que serve de guia<br />

para as fibras calosas atravessarem o sulco<br />

cerebral longitudinal e atingirem o lado contralateral<br />

do cérebro (Fig.1). A formação do<br />

corpo caloso inicia-se às 5 semanas e termina<br />

cerca das 18 semanas de gestação. 1<br />

Na agenésia do corpo caloso (ACC) as fibras<br />

calosas não atravessam a linha média<br />

e formam bandas espessas que progridem<br />

em direcção posterior ao longo das paredes<br />

internas dos ventrículos laterais, levando a<br />

uma separação dos seus cornos anteriores.<br />

Fig. 1 Localização do corpo caloso<br />

Habitualmente na ecografia apenas as incidências<br />

medianas sagital e coronal permitem<br />

a visualização do corpo caloso. Os<br />

fetos em apresentação cefálica requerem frequentemente<br />

uma abordagem por ecografia<br />

transvaginal.<br />

No plano sagital o corpo caloso surge como<br />

uma estrutura hipoecogénica, delimitada,<br />

superior e inferiormente, por duas linhas<br />

ecogénicas. A utilização do Doppler permite<br />

visualizar a artéria pericalosa, ramo<br />

da artéria cerebral anterior, que acompanha<br />

o corpo caloso. No plano coronal o corpo<br />

caloso forma o tecto do cavum do septum<br />

pellucidum e dos cornos frontais.


Os sinais neuroradiológicos clássicos para<br />

o diagnóstico de ACC foram descritos em<br />

1934 e podem ser aplicados à ecografia. 2<br />

Estes critérios incluem a ausência do corpo<br />

caloso, do cavum do septum pellucidum e os<br />

seguintes sinais indirectos:<br />

i) Separação dos cornos frontais dos ventrículos<br />

laterais e dilatação dos cornos occipitais.<br />

A constatação de ventriculomegália<br />

ligeira durante um exame de rotina obriga<br />

à confirmação da presença do corpo caloso.<br />

Nesta situação os ventrículos são habitualmente<br />

caracterizados como tendo uma<br />

forma de “lágrima”, conformação esta que<br />

não está descrita noutras patologias, aparentando,<br />

como tal, ser específica da ACC. 3<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Grávida de 29 anos de idade, G2P0 (2ª<br />

gravidez, nenhum parto anterior). Nos antecedentes<br />

pessoais, destacava-se elevação<br />

transitória da pressão arterial não medicada<br />

e tratamento com isotretinoína que interrompeu<br />

1 ano antes. Entre os antecedentes<br />

familiares, havia a salientar um irmão com<br />

epilepsia. O exame físico e as rotinas do 1º<br />

trimestre foram normais. A ecografia realizada<br />

às 12 semanas era normal e efectuou<br />

nessa idade gestacional rastreio combinado<br />

de aneuploidias que foi negativo.<br />

A gravidez decorreu sem intercorrências<br />

até à ecografia morfológica às 23 semanas,<br />

que foi realizada no contexto de avaliação<br />

pré-natal de rotina. Nesta ecografia, mediante<br />

um plano transventricular, constatou-se<br />

AGENÉSIA ISOLA<strong>DA</strong> DO CORPO CALOSO. CASO CLÍNICO<br />

ii) Concavidade dos limites internos dos<br />

ventrículos laterais, condicionada pela protrusão<br />

das fibras de Probst impossibilitadas<br />

de efectuarem o seu trajecto habitual.<br />

iii) Dilatação e desvio superior do 3º ventrículo.<br />

iv) Orientação radial anómala dos sulcos<br />

cerebrais medianos. 4<br />

Como exemplo da rotina do Centro de Diagnóstico<br />

Pré-Natal do Hospital da Luz, nomeadamente<br />

no que refere ao diagnóstico<br />

ecográfico e ao apoio à Obstetrícia clínica,<br />

os autores descrevem um caso de diagnóstico<br />

de agenésia isolada do corpo caloso.<br />

Fig. 2 Ecografia obstétrica, plano transventricular.<br />

Ventriculos laterais em forma de “lágrima”<br />

ausência do cavum do septum pellucidum,<br />

distanciamento dos cornos ventriculares<br />

anteriores e dilatação dos cornos ventricula-<br />

223


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

res posteriores, originando a característica<br />

conformação dos ventrículos laterais em<br />

forma de “lágrima” (Fig. 2). No plano sagital<br />

não era possível visualizar o corpo caloso<br />

nem a artéria pericalosa. O restante exame<br />

morfológico fetal era normal.<br />

Perante a suspeita ecográfica de ACC isolada,<br />

foi efectuada uma ressonância magnética<br />

fetal que confirmou o diagnóstico (Fig. 3).<br />

A grávida foi referenciada para o hospital da<br />

sua área de residência. Fig. 3 Imagem de ressonância magnética, plano<br />

sagital mediano, revela ausência de corpo caloso<br />

diSCuSSão e CoNCLuSÕeS<br />

Não existem dados consensuais que permitam<br />

um aconselhamento pré-natal inequívoco<br />

nos casos em que é detectada uma ACC<br />

isolada no feto.<br />

A incidência de ACC é estimada em 0,4 a<br />

0,7 % das gravidezes. 5 O corpo caloso completa<br />

o seu desenvolvimento apenas às 18 semanas<br />

de gestação, o que aliado às alterações<br />

muitas vezes subtis que condicionam o sistema<br />

ventricular, leva a que, com frequência,<br />

o diagnóstico de ACC seja efectuado apenas<br />

no 3º trimestre. 6 Perante uma suspeição de<br />

ACC no contexto da ecografia pré-natal, a<br />

ressonância magnética é o exame de eleição<br />

para confirmar o diagnóstico.<br />

A ACC pode ocorrer de forma isolada.<br />

No entanto, associa-se com frequência a<br />

cromossomopatias (por exemplo, 13, 18<br />

e 21), síndromes genéticos (por exemplo<br />

síndromes d´Aicardi e Shapiro), doenças<br />

metabólicas e a outras malformações, como<br />

anomalias da migração neuronal, lisencefalia,<br />

esquizencefalia, malformação de Dandy-<br />

Walker, holoprosencefalia, ou anomalias ex-<br />

tra-cranianas da face, cardiovasculares ou<br />

músculo-esqueléticas. Desta forma, a presença<br />

de ACC obriga a uma pesquisa atenta de<br />

outras anomalias intra e extra-cranianas por<br />

um médico experiente em ecografia obstétrica,<br />

estando ainda indicada a colheita de material<br />

para estudo citogenético. 3<br />

Numa das maiores séries estudadas no Reino<br />

Unido, verificou-se que dois terços de 59<br />

doentes afectados vieram a desenvolver epilepsia,<br />

metade dos adultos apresentavam algum<br />

grau de défice intelectual e um terço tinha<br />

alterações psicóticas. 7 Mesmo na presença de<br />

inteligência normal, a ACC pode associar-se<br />

a um défice cognitivo. 8 No entanto, é possível<br />

que a estas e a outras séries esteja associado<br />

algum enviesamento dos dados, tendo em<br />

consideração que muitos doentes com ACC<br />

assintomáticos e sem diagnóstico não são incluídos.<br />

Nas situações de ACC isolada e de causa<br />

desconhecida, o risco de recorrência é de<br />

2-3%. 9


BiBLioGRaFia<br />

1. Rakic P, Yakovlev PI. Development of the corpus callosum and<br />

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5. Jeret JS, Serur D, Wisniewski K, et al. Frequency of agenesis of<br />

the corpus callosum in the developmentally disabled population<br />

AGENÉSIA ISOLA<strong>DA</strong> DO CORPO CALOSO. CASO CLÍNICO<br />

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225


PLaCeNTa PRÉVia e aCReTa Com<br />

HiSTeReCTomia PeRiPaRTo<br />

Placenta previa and accreta with peripartum<br />

histerectomy<br />

ReSumo Abstract<br />

A histerectomia periparto, apesar de ser um<br />

evento raro, está associada a um aumento da<br />

morbilidade e mortalidade materna. Os autores<br />

descrevem o caso clínico de uma grávida<br />

com duas cesarianas anteriores, internada<br />

às 31 semanas por hemorragia vaginal e con-<br />

tractilidade uterina. Ecograficamente diagnosticou-se<br />

placenta prévia e provável acretismo<br />

placentar. Na cesariana foi possível<br />

efectuar dequitadura manual e optou-se por<br />

conservar o útero. No puerpério imediato,<br />

desenvolveu-se um quadro de coagulopatia<br />

intravascular disseminada e choque hipovolémico,<br />

que não tendo respondido à terapêutica<br />

médica instituída, levou à realização de<br />

uma histerectomia. Grávidas com o diagnóstico<br />

de placenta prévia e/ou acreta devem ter<br />

o seu parto em instituições com equipas multidisciplinares<br />

diferenciadas e preparadas,<br />

bem como com recursos neonatais e um serviço<br />

de imunohemoterapia adequados.<br />

BÁRBARA BETTENCOURT<br />

PAULA ARTEAGA<br />

IRENE CARO<br />

JOSÉ <strong>DA</strong>MÁSIO<br />

MA<strong>DA</strong>LENA TUNA<br />

CARLOS PALOS<br />

MANUEL IRIMIA<br />

PEDRO OLIVEIRA<br />

JOSÉ SILVA PEREIRA<br />

Departamentos de ginecologia-obstetrícia, de anestesiologia, de pediatria<br />

(unidade de neonatologia), de medicina interna e intensiva e de anatomia patológica<br />

The peripartum hysterectomy, despite of<br />

being a rare event, is associated with increased<br />

maternal morbidity and mortality. The authors<br />

report the clinical case of a pregnant woman<br />

submitted to two previous caesarean sections,<br />

admitted to Hospital da Luz at 31 weeks, with<br />

vaginal hemorrhage and uterine contractions.<br />

The diagnosis of placenta previa and possible<br />

placenta accreta was done by ultrasound. During<br />

caesarean section, the delivery of placenta<br />

was achieved and it was decided to preserve<br />

the uterus. The immediate puerperium was<br />

complicated with disseminated intravascular<br />

coagulopathy and hipovolemic shock, which<br />

did not respond to medical therapy and, as a<br />

consequence, a hysterectomy was performed.<br />

Pregnant women with prior diagnosis of<br />

placenta previa and/or accreta must deliver in<br />

institutions with differentiated multidisciplinary<br />

teams, neonatal resources and adequate blood<br />

transfusion facilities.<br />

227


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

A histerectomia periparto (definida como<br />

a que é realizada durante o parto ou nas<br />

primeiras 24 horas) é um evento raro, associado<br />

a um aumento da morbilidade e mortalidade<br />

materna 1 por hemorragia maciça,<br />

necessidade de transfusão de hemoderivados<br />

e complicações intraoperatórias, entre<br />

outras. Estima-se que a sua incidência seja<br />

entre 0,8 e 1,5 /1000 partos, 1,2 ocorrendo<br />

em 0,5% das cesarianas. 2<br />

O factor de risco mais importante para uma<br />

histerectomia periparto é uma hemorragia<br />

devido a rotura uterina, retenção placentar<br />

e atonia uterina.<br />

Diversos trabalhos referem um aumento da<br />

incidência da histerectomia periparto de dez<br />

vezes entre as mulheres com antecedentes<br />

de cesariana, 3 provavelmente pela associação<br />

entre esta intervenção e um maior risco<br />

de placenta prévia e de placenta acreta nas<br />

gravidezes seguintes (24% no caso de uma<br />

cesariana anterior, 67% no caso de três ou<br />

mais). 4<br />

A placenta prévia ocorre em 0,3 a 0,5% das<br />

gravidezes, 5 estando associada a diversos<br />

factores de risco, nomeadamente cesariana<br />

anterior, multiparidade e idade materna<br />

avançada, entre outros.<br />

O acretismo placentar deve-se a uma penetração<br />

exagerada do trofoblasto na decídua<br />

materna e artérias espiraladas, atingindo<br />

o miométrio, deixando assim de existir o<br />

plano de clivagem formado pela decídua e<br />

impossibilitando a separação da placenta<br />

após o nascimento do feto. A hipótese de<br />

uma alteração ao nível da decídua basal é<br />

suportada clinicamente pela forte associação,<br />

já referida, entre a placenta prévia e<br />

uma cirurgia uterina anterior, especialmente<br />

a cesariana. 5 A sua incidência está a aumentar,<br />

5 devido principalmente ao aumento do<br />

numero de cesarianas, calculando-se que<br />

atinja 1 em cada 2510 partos nos EUA. 6<br />

A placenta acreta pode levar a uma hemorragia<br />

maciça, coagulopatia intravascular<br />

disseminada (CID), histerectomia, lesão de<br />

órgãos adjacentes e morte materna. 5 O seu<br />

diagnóstico é possível através de ecografia<br />

ou ressonância magnética, não tendo nenhu-<br />

ma destas técnicas uma sensibilidade ou<br />

especificidade de 100%. 5,7 A suspeita clínica<br />

desempenha uma função relevante para o<br />

diagnóstico.<br />

A hemorragia pós parto, frequentemente associada<br />

a estes quadros clínicos, é uma das<br />

cinco principais causas de morte materna.<br />

As complicações de uma hemorragia grave<br />

incluem morte, choque hipovolémico, CID,<br />

insuficiência renal, hepática e respiratória. 8<br />

A morbi-mortalidade elevada associada à<br />

placenta prévia e à placenta acreta, justifica,<br />

sempre que possível, o planeamento adequado<br />

de cesariana electiva, que permitirá<br />

preparar uma equipa multidisciplinar apropriada,<br />

bem como informar e esclarecer a<br />

grávida sobre os riscos associados.


CaSo CLÍNiCo<br />

Grávida de 37 anos de idade, idade gestacional<br />

de 31 semanas e seis dias, 3ª gravidez,<br />

dois partos anteriores por cesariana (G3,<br />

P2), internada no Hospital da Luz por hemorragia<br />

vaginal e contractilidade uterina.<br />

A ecografia obstétrica realizada às 30 semanas<br />

revelava placenta prévia total (Fig.<br />

1), feto no percentil 90, índice de líquido<br />

amniótico aumentado e fluxometria da artéria<br />

umbilical normal.<br />

Fig. 1 Placenta prévia total. A placenta reveste a<br />

totalidade do orifício interno do colo uterino<br />

Durante o internamento foi realizada indução<br />

maturativa fetal com betametasona,<br />

mantendo-se a grávida assintomática até ao<br />

8º dia de internamento. Nesta altura teve<br />

nova hemorragia vaginal ligeira/moderada.<br />

A repetição da ecografia mostrou feto cefálico<br />

com boa vitalidade, placenta prévia<br />

total sem sinais de descolamento e possível<br />

acretismo placentar (Fig. 2).<br />

Ao 9º dia, com 33 semanas de gestação, após<br />

nova hemorragia moderada e esclarecimento<br />

com o casal dos riscos materno-fetais, decidiu-<br />

-se em conjunto com a equipa de Neonatologia,<br />

efectuar uma cesariana electiva. A cesari-<br />

PLACENTA PRÉVIA E ACRETA COM HISTERECTOMIA PERIPARTO<br />

Fig. 2 Provável acretismo placentar. Perda da zona<br />

hipoecogenea retroplacentar e presença de lagos<br />

intraplacentares<br />

ana foi realizada sob anestesia loco-regional.<br />

Perante uma deiscência da histerorrafia optou-<br />

-se pela extracção fetal transplacentar.<br />

O recém-nascido do sexo masculino pesava<br />

2705 g e teve um índice de Apgar 8-9/10.<br />

Apesar das perdas hemorrágicas significativas<br />

e tendo a dequitadura decorrido sem<br />

tracção placentar excessiva, após revisão do<br />

leito placentar e restante cavidade uterina,<br />

optou-se por manter o útero.<br />

Uma hora após a cirurgia iniciou-se um<br />

quadro de hemorragia abundante, CID<br />

e choque hipovolémico tendo a doente<br />

sido transferida para a Unidade de Cuidados<br />

Intensivos. Por insucesso das terapêuticas<br />

médicas instituídas optou-se,<br />

após estabilização hemodinâmica e analítica<br />

da doente, por realizar uma histerec-<br />

tomia.<br />

A cirurgia decorreu sem intercorrências,<br />

tendo a doente recuperado bem e tido alta<br />

hospitalar ao 6º dia pós parto.<br />

229


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

O resultado anatomo-patológico da peça<br />

cirúrgica revelou acretismo placentar que<br />

condiciona a ectasia vascular (Fig. 3).<br />

Dada a sua prematuridade, o recém-nascido<br />

diSCuSSão e ComeNTÁRioS<br />

A avaliação dos casos de placenta prévia e/ou<br />

acreta deve ser ponderada individualmente<br />

tendo em consideração as expectativas de<br />

fertilidade da mulher. As opções terapêuticas<br />

estendem-se desde uma atitude mais conservadora,<br />

recorrendo, por exemplo, ao uso de<br />

metotrexato no acretismo placentar, até uma<br />

atitude mais radical com a realização de histerectomia,<br />

9 como aconteceu no caso descrito.<br />

Nesta doente, a opção intraoperatória de não<br />

realizar uma histerectomia durante a cesariana<br />

pode ser questionada, principalmente por<br />

se tratar de uma mulher com o seu projecto de<br />

maternidade completo. No entanto, e perante<br />

uma hemorragia controlada, a conservação<br />

do útero pode também constituir uma atitude<br />

terapêutica adequada. Neste caso clínico é de<br />

permaneceu na Unidade de Cuidados Especiais<br />

Neonatais. Teve uma evolução clínica favorável,<br />

manteve-se em respiração espontânea<br />

e sem necessidade de suporte ventilatório.<br />

Teve alta ao 10º dia de vida, clinicamente bem.<br />

Fig. 3 Imagem peça operatória de histerectomia total. Observa-se incisão da histerotomia e restante área<br />

do istmo/colo correspondendo a área de inserção placentar<br />

salientar a importância do diagnóstico ecográfico<br />

adequado que permitiu, atempadamente,<br />

conhecer a gravidade da situação clínica.<br />

Grávidas com diagnóstico de placenta<br />

prévia e/ou acreta devem ter o seu parto em<br />

instituições com equipas multidisciplinares<br />

diferenciadas e preparadas, bem como com<br />

recursos neonatais e um serviço de imunohemoterapia<br />

adequados.<br />

No caso descrito, a resposta eficaz de toda<br />

equipa clínica do Hospital da Luz que esteve<br />

envolvida (enfermagem, obstetrícia, anestesia,<br />

imunohemoterapia, cuidados intensivos,<br />

neonatologia e anatomia-patológica) permitiu<br />

tornar uma situação emergente num caso<br />

de sucesso.


BiBLioGRaFia<br />

1. Bodelon C, Bernabe-Ortiz A, Schiff MA, Reed S. Factors<br />

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determinants of peripartum hysterectomy. Obstet Gynecol<br />

2006;108:1486-92.<br />

4. Clark SL, Koonings PP, Phelan JP. Placenta previa/accrete and<br />

prior caesarean section. Obstet Gynecol 1985;66:89-92.<br />

5. Oyelese Y, Smulian JC. Placenta previa, placenta accrete, and vasa<br />

previa. Obstet Gynecol 2006;107:927-41.<br />

PLACENTA PRÉVIA E ACRETA COM HISTERECTOMIA PERIPARTO<br />

6. Miller <strong>DA</strong>, Chollet JA, Goodwin TM. Clinical risk factors for<br />

placenta previa-placenta accreta. Am J Obstet Gynecol 1997;<br />

177:210-4.<br />

7. Yang JI, Kim HY, Kim HS, Ryu HS. Diagnosis in the first trimester<br />

of placenta accreta with previous cesarean section. Ultrasound<br />

Obstet Ginecol 2009; 34:116-8.<br />

8. Glaze S, Ekwalanga P, Roberts G, et al. Peripartum hysterectomy<br />

1999 to 2006. Obstet Gynecol 2008;111(3):732-8.<br />

9. Kayem G, Davy C, Goffinet F, Thomas C, Clément D, Cabrol D.<br />

Obstet Gynecol 2004;104(3):531-6.<br />

231


aNeSTeSia PaRa adReNaLeCTomia<br />

PoR FeoCRomoCiToma<br />

anesthesia for adrenalectomy due to<br />

pheochromocytoma<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam o caso clínico de<br />

uma doente de 47 anos de idade, cuja única<br />

queixa consistia em palpitações e sensação<br />

de morte iminente em situações de stress e<br />

cujo estudo ulterior veio a revelar tratar-se de<br />

um feocromocitoma com localização na supra-renal<br />

esquerda. Discutem-se as implicações<br />

anestésicas desta patologia, cuja mortalidade<br />

é altamente dependente da preparação<br />

pré-anestésica e da monitorização e controlos<br />

peri-operatórios.<br />

CRISTINA PESTANA<br />

RUTE JÁCOME<br />

JOSÉ BATISTA +<br />

JOSÉ BISMARCK<br />

JOÃO REBELO DE ANDRADE<br />

JOSÉ <strong>DA</strong>MIÃO FERREIRA<br />

PAULO ROQUETE<br />

CÉSAR RESENDE<br />

ANTÓNIO GARRÃO<br />

ISABEL ESPERANÇA<br />

PEDRO OLIVEIRA<br />

CARLOS VAZ<br />

Departamentos de anestesiologia, de cirurgia geral, de Endocrinologia, de<br />

anatomia patológica e de medicina interna e intensiva<br />

The authors report the clinical case of a 47year<br />

old female, complaining of palpitations<br />

and feeling of imminent death in situations<br />

of stress. The complete evaluation of<br />

the patient allowed the diagnosis of<br />

pheochromocytoma, located in the left<br />

adrenal gland. The authors discuss the<br />

anesthetic implications of this pathology,<br />

whose mortality is highly dependent on<br />

pre-anesthetic preparation, as well as on<br />

peroperative monitoring and control of the<br />

patient.<br />

+<br />

Estudante do 6º ano (2008-2009) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa a estagiar no Hospital da Luz no<br />

âmbito do programa BESup<br />

233


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

O feocromocitoma é um tumor que produz,<br />

armazena e segrega catecolaminas. Em<br />

90% dos casos a terapêutica cirúrgica é curativa.<br />

A mortalidade anestésica associada<br />

ao feocromocitoma pode atingir valores<br />

muitos elevados (45%), que diminuem si-<br />

gnificativamente (para valores de 0,3%) com<br />

uma preparação pré-anestésica adequada.<br />

CaSo CLÍNiCo<br />

Doente do sexo feminino, de 47 anos de<br />

idade, professora universitária, residente em<br />

Lisboa, referia desde há 2 anos sensação de<br />

desconforto precordial e de morte iminente<br />

em situações de stress relacionadas habitualmente<br />

com a “…condução automóvel do<br />

marido”. Durante aquele período de tempo<br />

as queixas foram interpretadas como sendo<br />

psicossomáticas e a doente foi medicada sucessivamente<br />

com múltiplos ansiolíticos, chegando<br />

a ser seguida por Psiquiatria. Negava<br />

hipertensão arterial, cefaleias, diaforese,<br />

flushing, perda de peso, bem como outros<br />

sintomas ou sinais.<br />

Recorreu ao Hospital da Luz para realização<br />

de um checkup, sendo nesta altura pedidos<br />

exames complementares de rotina e, entre<br />

outros, uma tomografia computorizada (TC)<br />

toraco-abdominal que revelou uma massa na<br />

glândula supra-renal esquerda (Fig 1).<br />

É então enviada à consulta de Endocrinologia<br />

onde lhe são pedidos exames laboratoriais,<br />

nomeadamente doseamentos de noradrenalina,<br />

adrenalina, dopamina, metanefrinas,<br />

normetanefrinas e ácido vanilmandélico na<br />

urina. Entre os resultados destacam-se os<br />

seguintes:<br />

A propósito de um caso clínico de adrenalectomia<br />

por feocromocitoma, os autores<br />

descrevem a preparação pré-anestésica, fazem<br />

uma breve revisão dos casos de adrenalectomia<br />

operados no período 2008 – 2009<br />

no Hospital da Luz e discutem a importância<br />

da multidisciplinaridade e dos cuidados<br />

peri-operatórios destes doentes.<br />

Fig. 1 TC toraco-abdominal revela massa na<br />

glândula supra-renal<br />

· Adrenalina - 400 µg/24h (valores de referência<br />

-


Na consulta de Anestesiologia a doente apresentava-se<br />

lúcida, orientada, colaborante e<br />

apreensiva com a situação. Tinha uma tensão<br />

arterial (TA) de 150-90 mmHg e o restante<br />

exame objectivo não apresentava alterações.<br />

O electrocardiograma (ECG) revelava ritmo<br />

sinusal, frequência cardíaca (FC) 72 bpm,<br />

sem alterações significativas. A hemoglobina<br />

era de 13,2 g/dL e o hematócrito de 39,3%.<br />

Nesta altura pediu-se um ECG de Holter,<br />

um registo pressurimétrico ambulatório de<br />

24 horas, uma prova de esforço e um ecocardiograma.<br />

O ECG de Holter revelou extra sistoles ventriculares<br />

(ESV) e supra-ventriculares (ESSV)<br />

frequentes. O registo pressurométrico da TA<br />

revelou várias medições acima dos valores<br />

normais ao longo de todo o tempo de registo,<br />

com maior expressão ao nível da componente<br />

diastólica, com descida tensional<br />

adequada no período nocturno. A prova de<br />

esforço foi negativa para isquemia e o ecocardiograma<br />

era normal, sem alterações valvulares,<br />

sem alterações de cavidades e com boa<br />

função sistólica global.<br />

A doente foi então medicada com fenoxibenzamina<br />

em doses progressivas, a partir de 10<br />

mg diários até 10 mg de 8/8 horas, terapêutica<br />

que manteve durante 14 dias. Passado este<br />

período o ECG revelava ESV muito esporádicas.<br />

A hemoglobina tinha descido para 12,1<br />

g/dL e o hematócrito para 36%. Na pressurometria<br />

de ambulatório não se registava<br />

qualquer pico hipertensivo.<br />

Passados 14 dias desde o início da terapêutica<br />

e perante os resultados dos exames, a doente<br />

foi internada e submetida a adrenalectomia<br />

esquerda laparoscópica sob anestesia combinada<br />

(anestesia geral com analgesia epidural).<br />

A medicação pré-anestésica foi vigorosa,<br />

ANESTESIA PARA ADRENALECTOMIA POR FEOCROMOCITOMA<br />

com benzodiazepinas e anti-histamínicos<br />

para ansiólise e diminuição dos efeitos da<br />

eventual libertação de histamina por fármacos<br />

anestésicos.<br />

Já no bloco operatório, após sedação com<br />

midazolam por via endovenosa (ev), procedeu-se<br />

à colocação de cateter epidural torácico.<br />

A monitorização consistiu em ECG de 5 derivações,<br />

TA invasiva, oximetria de pulso,<br />

CO 2 expirado por capnografia, pressão venosa<br />

central (CVP), índice biespectral (BIS), bloqueio<br />

neuromuscular, débito cardíaco (CO)<br />

e resistências vasculares periféricas (SVR); os<br />

dois últimos parâmetros foram monitorizados<br />

por Doppler esofágico.<br />

A indução anestésica decorreu em ambiente<br />

calmo e com baixa intensidade luminosa,<br />

consistindo em fentanil, etomidato e brometo<br />

de rocurónio. Antes da laringoscopia administrou-se<br />

0,5 mg/kg ev de esmolol, pelo que<br />

esta decorreu sem que o aumento da tensão<br />

arterial e da frequência cardíaca fossem superiores<br />

a 20% em relação aos valores basais.<br />

Após a indução anestésica e antes da insuflação<br />

do pneumoperitoneu, foi iniciada perfusão<br />

epidural de 10 mg/h de ropivacaína<br />

precedida de bólus de 20 mg.<br />

Foi necessária a administração de nitroprussiato<br />

de sódio desde o início da manipulação<br />

da glândula até à laqueação da veia supra-<br />

-renal (período de tempo de cerca de 15 minutos),<br />

devido a hipertensão arterial com aumento<br />

das resistências vasculares sistémicas.<br />

Após a remoção da glândula e apesar de óptimo<br />

preenchimento vascular verificou-se diminuição<br />

da tensão arterial, com diminuição<br />

do débito cardíaco e das resistências vasculares<br />

sistémicas, o que foi compensado com<br />

235


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

perfusão de noradrenalina.<br />

No final da cirurgia procedeu-se à reversão<br />

da anestesia e à extubação da doente, já sem<br />

qualquer perfusão de fármacos vasoactivos.<br />

A doente permaneceu 24 horas na Unidade<br />

de Cuidados Intensivos (UCI) para vigilância<br />

hemodinâmica e onde necessitou durante um<br />

período de tempo curto e pontual de uma<br />

pequena dose de noradrenalina. Teve alta<br />

hospitalar ao 4º dia pós-operatório.<br />

O exame anatomo-patológico confirmou o<br />

diagnóstico de feocromocitoma (Fig. 2). No<br />

follow-up realizado aos seis meses a doente<br />

apresenta-se bem, sem desequilibrios tensionais<br />

e não tendo voltado a referir as sensações<br />

de desconforto e de morte iminente que<br />

antecederam o diagnóstico e a cirurgia.<br />

Quadro I - Demografia dos casos de adrenalectomia em 2008 – 2009<br />

Tipo de Tumor<br />

Feocromocitoma<br />

adenoma supra-renal<br />

Quadro II - Resumo dos casos de adrenalectomia em 2008 – 2009<br />

Tipo de Tumor<br />

Feocromocitoma<br />

adenoma supra-renal<br />

2<br />

2<br />

Nº de Doentes<br />

Manifestações<br />

Clínicas<br />

Palpitações<br />

escassas<br />

Síndrome de<br />

Cushing<br />

Hipertensão<br />

arterial<br />

osteoporose<br />

diabetes<br />

Classificação<br />

Asa<br />

aSa ii<br />

aSa iii<br />

aSa ii<br />

aSa iV<br />

Fig. 2 Aspecto macroscópico da supra-renal<br />

esquerda<br />

No período de 2008-2009 foram operados<br />

no Hospital da Luz quatro tumores da glândula<br />

supra-renal, dois dos quais feocromocitomas,<br />

com as características demográficas<br />

referidas no Quadro I, e todos com resultado<br />

favorável (Quadro II).<br />

Substância Produzida Localização<br />

Noradrenalina /<br />

adrenalina<br />

esquerda<br />

dopamina<br />

direita<br />

Cortisol<br />

esquerda<br />

aCTH<br />

Bilateral<br />

Preparação<br />

pré-operatória<br />

Fenoxibenzamina<br />

3 semanas<br />

Sem terapêutica<br />

Controlo difícil<br />

1 dia<br />

1 dia<br />

1 dia<br />

2 dias<br />

Sexo<br />

Feminino<br />

Idade<br />

>40<br />

Feminino<br />

Feminino >40<br />

masculino<br />

Estadia<br />

UCI<br />

Duração<br />

Internamento<br />

4 dias<br />

4 dias<br />

8 dias<br />

2 meses


diSCuSSão<br />

O feocromocitoma é um tumor de células<br />

cromafins que produz, armazena e segrega<br />

catecolaminas. Na maioria dos casos (85%<br />

a 90%) trata-se de tumores solitários da supra-renal,<br />

podendo, no entanto, ser bilate-<br />

rais ou ter outras localizações (


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

minas circulantes. Nesta fase é necessária<br />

a utilização de fármacos vasoactivos que<br />

promovam a subida da TA e o aumento das<br />

resistências vasculares periféricas, como por<br />

exemplo a noradrenalina.<br />

O princípio será sempre o da utilização de<br />

fármacos de início de acção rápido e semivida<br />

curta, de modo a compensar as alterações<br />

hemodinâmicas opostas que a manipulação<br />

e remoção da glândula promovem.<br />

A analgesia epidural diminui a magnitude<br />

da subida tensional na primeira fase da<br />

cirurgia até à laqueação veia supra-renal.<br />

No entanto, devem ser utilizadas apenas<br />

concentrações analgésicas e não anestésicas<br />

(ropivacaína a 0,2% e não 0,75 ou 1%),<br />

para que não se potencie a descida tensional<br />

com diminuição das resistências vasculares<br />

CoNCLuSão<br />

A sintomatologia do feocromocitoma pode<br />

não ser completamente evidente, pelo que o<br />

seu diagnóstico implica um elevado grau de<br />

suspeição.<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Kinney MA, Warner ME, vanHeerden JA, et al. Perianesthetic<br />

risks and outcomes of pheochromocytoma and paraganglioma<br />

resection. Anesth Analg 2000;91(5):1118-23.<br />

2. Kinney MA, Narr BJ, Warner MA. Perioperative management<br />

of pheochromocytoma. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2002<br />

Jun;16(3):359-69.<br />

na segunda fase da cirurgia. No pós-operatório<br />

imediato os doentes deverão permanecer<br />

em UCI para controle hemodinâmico, já<br />

que poderá ocorrer algum grau de disautonomia,<br />

mas cerca de 50% dos doentes estão<br />

normotensos às 48 horas.<br />

A monitorização do débito cardíaco e das<br />

resistências vasculares permite um controlo<br />

hemodinâmico mais rigoroso e portanto um<br />

manuseamento farmacológico mais adequado,<br />

com uma diminuição importante da<br />

morbilidade. 2<br />

Esta doente permaneceu 24 horas em UCI<br />

tendo tido alta hospitalar ao 4º dia pós-operatório,<br />

facto só conseguido, na opinião dos<br />

autores, pela optimização pré-operatória e<br />

controlo intra e pós-operatório.<br />

A mortalidade peri-operatória dos casos<br />

não optimizados, com valores que podem<br />

atingir 45%, justifica a necessidade de rigor<br />

diagnóstico, de excelente optimização pré-<br />

operatória e de controlo peri-operatório.<br />

3. Geoghegan JG, Emberton M, Bloom SR, Lynn JA. Changing<br />

trends in the management of Pheochromocytoma.British Journal of<br />

Surgery 1998;85:117-20.<br />

4. Pacak K. Perioperative management of the pheochromocytoma<br />

patient. J Clin Endocrinol Metab 2007;92(11):4069-79.


uTiLiZação de CiNTiGRaFia Com<br />

111<br />

iN-PeNTaTReÓTido e 18<br />

F-FdG PeT-CT<br />

em TumoReS NeuRoeNdÓCRiNoS<br />

do TuBo diGeSTiVo e do PÂNCReaS.<br />

a PRoPÓSiTo de 2 <strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

111<br />

in-pentetreotide scintigraphy and 18<br />

F-FdG<br />

PeT-CT in digestive tract and pancreas<br />

neuroendocrine tumors. Two cases report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os tumores neuroendócrinos do tubo digestivo<br />

e pâncreas podem provocar sintomatologia<br />

muito variada, dependendo da secreção<br />

hormonal específica de cada tumor, e provocar<br />

sintomatologia relacionada com o crescimento<br />

do próprio tumor, que muitas vezes é<br />

lento. Alguns destes tumores mantêm-se durante<br />

longos períodos de tempo com dimensões<br />

muito reduzidas, o que dificulta a sua<br />

localização pelos métodos convencionais. De<br />

um modo geral, a presença de concentrações<br />

elevadas de receptores de somatostatina nestes<br />

tumores tem permitido, nas últimas décadas,<br />

o desenvolvimento de métodos de imagem<br />

mais dirigidos, como a cintigrafia com<br />

octreótido marcado com Iodo-123 e a cintigrafia<br />

com pentatreótido marcado com Índio-111.<br />

Mais recentemente, também a tomografia<br />

por emissão de positrões associada<br />

ou não a tomografia computorizada (PET e<br />

PET-CT), tem sido utilizada para a detecção<br />

destes tumores e suas metástases.<br />

MARIA DO ROSÁRIO VIEIRA<br />

CRISTINA LOEWENTHAL<br />

Departamento de medicina molecular<br />

Neuroendocrine tumors of the digestive<br />

tract and pancreas may be responsible for a<br />

wide variety of symptoms, depending on the<br />

specific hormonal secretion of each tumor,<br />

and they may also cause symptoms due to<br />

the growth of the tumors, which is often very<br />

slow. Many of these tumors remain small<br />

for long periods of time, which hampers<br />

their identification by conventional imaging<br />

methods. The presence of large quantities<br />

of somatostatin receptors in many of these<br />

tumors, has allowed in the last few decades,<br />

for the development of more specific<br />

imaging methods, namely scintigraphy<br />

with 123 I-octreotide or 111 In-pentatreotide.<br />

More recently, both PET (or PET-CT) have<br />

also been used for the detection of these<br />

tumors and their metastases. The authors<br />

report two clinical cases which aimed at<br />

demonstrate the potential usefulness of<br />

both 111 In-pentatreotide scintigraphy and<br />

18 F-FDG PET-CT in the diagnostic work-up<br />

239


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Apresentam-se dois casos clínicos ilustrativos<br />

da utilização da cintigrafia com 111 In-pentatreótido<br />

e da PET-CT com fluorodesoxiglicose<br />

marcada com Flúor-18 ( 18 F-FDG) no estudo<br />

dos tumores neuroendócrinos.<br />

iNTRodução<br />

Os tumores neuroendócrinos do tubo digestivo,<br />

anteriormente também designados por<br />

apudomas, incluem os tumores carcinóides<br />

e os tumores endócrinos pancreáticos.<br />

Habitualmente considerados derivados da<br />

crista neural, sabe-se actualmente que as células<br />

secretoras não são de origem neuroectodérmica<br />

e que praticamente qualquer célula<br />

estaminal epitelial tem a capacidade de<br />

se diferenciar numa célula neuroendócrina. 1<br />

A presença de receptores da somatostina na<br />

superfície destes tumores permite a utilização<br />

de radiofármacos que lhes sejam dirigidos,<br />

obtendo-se imagens cintigráficas cujo<br />

objectivo é localizar o tumor primitivo e<br />

eventuais metástases.<br />

O radiofármaco mais utilizado nas últimas<br />

décadas tem sido um derivado do octreótido,<br />

o pentatreótido marcado com Índio-111<br />

( 111 In).<br />

Com a utilização cada vez mais generalizada<br />

da tomografia por emissão de positrões<br />

(PET), ou mais recente ainda, a PET com<br />

tomografia computorizada acoplada (PET-<br />

CT), também estas técnicas têm sido utilizadas<br />

com os mesmos objectivos, devido à<br />

sua capacidade de resolução muito superior<br />

comparativamente ao estudo cintigráfico<br />

com pentatreótido.<br />

O radiofármaco mais utilizado em tomografia<br />

por emissão de positrões, por ser o<br />

mais disponível, é um derivado da glicose, a<br />

of neuroendocrine tumors.<br />

fluorodesoxi-D-glicose (Fig. 1) marcada com<br />

Flúor-18 ( 18 F-FDG), devido à sua semivida<br />

relativamente longa (110 minutos), que permite<br />

o transporte para centros afastados dos<br />

locais de produção em ciclotrão. A 18 F-FDG<br />

é um radiofármaco universalmente utilizado<br />

em Oncologia graças ao grande consumo<br />

de glicose por inúmeros tipos de tumores. É<br />

captada pelas células malignas, entra na via<br />

glicolítica, é fosforilada pela hexoquinase,<br />

mas não sofre acção das restantes enzimas<br />

glicolíticas por lhe faltar um grupo hidroxilo.<br />

Desta forma fica retida nas células. Têm<br />

sido desenvolvidos outros tipos de radiofármacos<br />

para estudo dos tumores neuroendócrinos,<br />

com o objectivo de aumentar a especificidade<br />

na detecção dos tumores.<br />

HO<br />

HO<br />

OH<br />

O<br />

F<br />

OH<br />

Fig. 1 Molécula de fluorodesoxi - D - glicose


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

CASO 1<br />

UTILIZAÇÃO DE CINTIGRAFIA COM 111 IN-PENTATREÓTIDO E 18 F-FDG PET-CT EM TUMORES NEUROENDÓCRINOS DO TUBO<br />

DIGESTIVO E DO PÂNCREAS. A PROPÓSITO DE 2 CASOS CLÍNICOS<br />

Doente do sexo masculino, de 68 anos de<br />

idade, enviado ao Departamento de Medicina<br />

Molecular para realização de PET-CT,<br />

Quadro I - Técnica de PET-CT<br />

com metástases hepáticas de tumor neuroendócrino,<br />

sem estar identificada a localização<br />

do tumor primitivo. A PET-CT (Quadro<br />

I) demonstrou várias lesões hepáticas, todas<br />

com baixa captação de 18 F-FDG (Fig. 2).<br />

- administração de cerca de 3.7 mBq/kg de 18F-FdG uma hora antes da realização das imagens<br />

- distribuição do radiofármaco por todo o corpo com maior acumulação nos órgãos e/ou tumores com<br />

aumento do consumo de glicose<br />

- excreção renal do radiofármaco<br />

- aquisição de CT de baixa dose com reconstrução nos eixos coronal, axial e sagital<br />

- aquisição das imagens de PeT que se baseia na utilização de isótopos emissores de positrões como o<br />

Flúor-18, sendo que estes positrões vão em seguida colidir com electrões que encontram nos tecidos do<br />

doente, aniquilando-se e emitindo em simultâneo dois fotões de 511 keV cada que são projectados em direcções<br />

opostas (a 180º um do outro). a técnica de PeT baseia-se na detecção destes fotões coincidentes<br />

a 180º, sendo apenas registados os fotões que ocorrem praticamente em simultâneo<br />

- utilização dos dados da CT para correcção de atenuação das imagens de PeT, melhorando a qualidade<br />

da imagem e permitindo obtenção de referências anatómicas mais precisas<br />

Fig. 2 Caso 1 - Imagens de PET-CT, corte transversal, sagital e coronal com visualização de alterações<br />

da distribuição de 18 F-FDG no fígado, traduzida por aumento moderado da captação. Não há outras<br />

localizações patológicas de 18 F-FDG<br />

241


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

Não foram visualizados focos extra-hepáticos<br />

de hipermetabolismo de 18 F-FDG.<br />

Posteriormente foi realizada uma cintigrafia<br />

com 111 In-pentatreótido (Quadro II).<br />

Este exame revelou captação aumentada<br />

do radiofármaco nas lesões hepáticas e em<br />

Quadro II - Técnica de cintigrafia com 111 In-pentatreótido 6<br />

mais três lesões, duas das quais adjacentes<br />

à parede abdominal e outra em topografia<br />

infradiafragmática. Retrospectivamente, foi<br />

possível visualizar duas delas também no estudo<br />

de PET-CT, não tendo sido valorizadas<br />

na análise prévia desse exame devido ao seu<br />

baixo metabolismo (Fig. 3).<br />

- administração endovenosa de aproximadamente 5 mCi (185 mBq) de 111in-pentatreótido - aproximadamente 50% da actividade administrada é eliminada na urina nas primeiras 6 horas e 85%<br />

nas primeiras 24 horas<br />

- a excreção hepatobiliar e eliminação por via fecal correspondem apenas a 2% da actividade administrada<br />

- os órgãos sujeitos a maior dose de radiação são o baço e os rins<br />

- Realização de imagens planares e tomográficas 4 a 6 horas após a injecção, com eventual repetição às 24<br />

horas. É possível realizar imagens até cerca de 4 dias após a injecção<br />

- É recomendado reforço da hidratação durante cerca de dois dias<br />

- a administração terapêutica de octreótido ou a produção endógena de somatostatina pelo tumor podem<br />

reduzir a sensibilidade do estudo<br />

- Por vezes podem não ser identificadas lesões hepáticas devido à reduzida densidade de receptores da<br />

somatostatina<br />

- a utilização desta técnica está contra-indicada em grávidas e em mulheres que amamentam para evitar<br />

a exposição da criança, bem como em doentes com insuficiência renal significativa, já que a principal via<br />

de excreção é a urinária, o que implicaria um aumento importante da dose de radiação. Habitualmente, e<br />

sempre que possível, recomenda-se a suspensão transitória de terapêutica com análogos da somatostatina<br />

para evitar o bloqueio dos receptores<br />

Figura 3 Caso 1 - Cintigrafia com<br />

pentatreótido marcado com<br />

Índio-111 e imagens de fusão.<br />

Captação do derivado da<br />

somatostatina nos nódulos hepáticos<br />

e três localizações abdominais


CASO 2<br />

UTILIZAÇÃO DE CINTIGRAFIA COM 111 IN-PENTATREÓTIDO E 18 F-FDG PET-CT EM TUMORES NEUROENDÓCRINOS DO TUBO<br />

DIGESTIVO E DO PÂNCREAS. A PROPÓSITO DE 2 CASOS CLÍNICOS<br />

Doente do sexo masculino, de 41 anos de<br />

idade, submetido a colectomia total por carcinoma<br />

neuroendócrino do cólon transverso<br />

(estadio pT3N2MX). Os resultados anatomo-patológicos<br />

demonstravam:<br />

· “Formação tumoral, ulcerada e estenosante<br />

com 5,5 cm de eixo maior, secção<br />

esbranquiçada, irregular e firme com áreas<br />

amolecidas de necrose e limites mal definidos”<br />

· Aspectos compatíveis com “carcinoma<br />

neuroendócrino, bem diferenciado, com<br />

extensas áreas de necrose e que invade em<br />

profundidade com atingimento do tecido<br />

adiposo para além da camada muscular<br />

própria”<br />

· “Presença de sinais de permeação vascular<br />

pela neoplasia não sendo evidentes sinais de<br />

permeação peri-neural”<br />

· “Células neoplásicas com imunopositividade<br />

citoplasmática para CK e cromogranina”<br />

Fig. 4 Caso 2 - Imagens de PET com metastização<br />

extensal ganglionar, hepática e óssea.<br />

O doente realizara cintigrafia de corpo inteiro<br />

com 111 In-pentatreótido três meses<br />

após a cirurgia, que fora negativa. Dois<br />

meses depois, foi referenciado para PET-CT<br />

que revelou extensa metastização a nível<br />

de cadeias ganglionares cervicais, torácicas,<br />

abdomino-pélvicas e retro-peritoneais,<br />

bem como doença hepática e uma lesão<br />

óssea. Os índices máximos de captação de<br />

18 F-FDG (SUVs máximos) foram extremamente<br />

elevados em todas as lesões, oscilando<br />

entre 14,80 e 20,76 (Fig. 4 a 6).<br />

Fig. 5 Caso 2 - Imagens de PET-CT. Localizações<br />

ganglionares mediastínicas, hepáticas e ósseas<br />

Fig. 6 Caso 2 - Imagens de PET-CT. Localizações<br />

ganglionares cervicais, supra e infraclaviculares,<br />

abdominais e retroperitoneais. Metastização<br />

hepática<br />

243


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

diSCuSSão<br />

Os tumores neuroendócrinos do tubo digestivo,<br />

nos quais se incluem os tumores<br />

carcinóides e os tumores endócrinos do<br />

pâncreas, são responsáveis pela produção<br />

de uma diversidade de hormonas. Os tumores<br />

carcinóides produzem serotonina e<br />

inúmeros polipéptidos, como a substância P,<br />

enteroglucagon, neurotensina, entre outros.<br />

No que diz respeito aos tumores endócrinos<br />

com origem no pâncreas, a hipersecreção de<br />

gastrina dá origem à síndrome de Zollinger-<br />

Ellison, no insulinoma há hiperprodução<br />

de insulina, no VIPoma há hiperprodução<br />

de péptido intestinal vasoactivo (VIP), no<br />

glucagonoma há hiperprodução de glucagon,<br />

no somatostatinoma há hiperprodução<br />

de somatostatina, no GRFoma há hiperprodução<br />

de hormona libertadora da hormona<br />

de crescimento (GHRH), entre outros<br />

péptidos possíveis. Sabe-se que a maior parte<br />

deste tumores libertam mais do que um<br />

tipo de polipéptido, podendo dar origem<br />

a síndromes variáveis ao longo da história<br />

natural da doença. 2<br />

Após a suspeição clínica, o diagnóstico dos<br />

tumores neuroendócrinos é laboratorial<br />

e imagiológico. Embora muitos destes tumores<br />

tenham características histológicas<br />

de benignidade, pensa-se que mais de 50%<br />

dos tumores neuroendócrinos com origem<br />

no pâncreas, excluindo os insulinomas, sejam<br />

malignos; além disso, a produção hormonal<br />

excessiva dando origem às diversas<br />

síndromes pode, por si só, provocar complicações<br />

graves, eventualmente fatais. Muitas<br />

vezes tumores de pequenas dimensões<br />

podem provocar, pelo excesso hormonal,<br />

situações clínicas graves, caracterizando-se<br />

no caso dos tumores carcinóides principalmente<br />

por diarreia e flushing, que se devem<br />

nos insulinomas a hipoglicemias que podem<br />

ser graves, nos gastrinomas a hipersecreção<br />

clorídrica difícil de controlar e ulceração<br />

péptica de repetição, nos glucagonomas a<br />

um quadro diabético e eritema necrolítico<br />

migratório, entre outros. 3<br />

É numa perspectiva de localização tumoral<br />

que a Medicina Nuclear tem uma intervenção<br />

mais frequente, além da avaliação terapêutica<br />

e da suspeita de recorrência. O octreótido,<br />

um derivado da somatostatina, tem<br />

sido classicamente utilizado na terapêutica<br />

de algumas manifestações destes tumores.<br />

Utilizando este mesmo princípio de ligação<br />

aos receptores da somatostatina, foi desenvolvida<br />

na década de 1980 a cintigrafia com<br />

octreótido marcado com Iodo-123 e em finais<br />

da década de 1990, a cintigrafia com<br />

111 In-pentatreótido. A somatostatina é um<br />

neuropéptido de pequenas dimensões presente<br />

nos neurónios e em células endócrinas.<br />

A sua densidade é elevada no sistema nervoso,<br />

no pâncreas e no tracto gastrintestinal. A<br />

somatostatina endógena tem uma semivida<br />

plasmática muito reduzida (1-3 minutos),<br />

pelo que foram desenvolvidos análogos sintéticos.<br />

O derivado pentatreótido tem características<br />

que permitem a sua marcação com<br />

Índio-111. As indicações da cintigrafia com<br />

111 In-pentatreótido no estudo dos doentes<br />

com tumores neuroendócrinos incluem a detecção<br />

de tumor primitivo e suas metástases<br />

no estadiamento inicial e no re-estadiamento,<br />

a detecção de recorrência ou progressão<br />

da doença, a monitorização das terapêuticas<br />

instituídas e também a possível selecção de<br />

doentes para terapêutica com radionúclidos.<br />

Também a meta-iodo-benzil-guanidina marcada<br />

com Iodo-123 ( 123 I-MIBG) tem sido<br />

frequentemente utilizada no estudo destes<br />

tumores. A 123 I-MIBG, um derivado da guanetidina,<br />

estruturalmente semelhante à nora-


UTILIZAÇÃO DE CINTIGRAFIA COM 111 IN-PENTATREÓTIDO E 18 F-FDG PET-CT EM TUMORES NEUROENDÓCRINOS DO TUBO<br />

DIGESTIVO E DO PÂNCREAS. A PROPÓSITO DE 2 CASOS CLÍNICOS<br />

drenalina, é captada pelas células neuroendócrinas<br />

por um mecanismo de transporte<br />

activo e é armazenada nos grânulos<br />

neurosecretores (marcada ou apenas a<br />

MIBG). Embora as suas principais indicações<br />

sejam o estudo dos feocromocitomas,<br />

paragangliomas e neuroblastomas, também<br />

permite visualizar outros tipos de tumores<br />

neuroendócrinos. 3<br />

Utilizando a cintigrafia com 111 In-pentatreótido,<br />

são referidas sensibilidades da ordem<br />

dos 95% para os tumores carcinóides<br />

e de 67% para os tumores endócrinos com<br />

origem no pâncreas. 4 Complementarmente,<br />

tanto a cintigrafia com 123 I-MIBG, como<br />

a cintigrafia com 111 In-pentatreótido permitem<br />

avaliar a viabilidade de realizar terapêutica<br />

com radionúclidos utilizando isótopos<br />

como o Iodo-131 ou o Ítrio-90.<br />

Tanto a terapêutica com 131 I-MIBG como a<br />

terapêutica com 90 Y-DOTA-d-Phe(1)-Tyr(3)<br />

-octreótido (DOTATOC), se baseiam na utilização<br />

de radiação beta emitida por estes<br />

isótopos. Os raios beta têm um alcance de<br />

apenas um centímetro nos tecidos moles,<br />

permitindo tratar os tecidos-alvo, sem irradiar<br />

excessivamente os tecidos sãos. 5<br />

Mais recentemente, com o desenvolvimento<br />

e franca disseminação da PET e, mais<br />

recentemente ainda da PET-CT, estas técnicas<br />

têm sido também largamente utilizadas,<br />

administrando como agente de contraste a<br />

18 F-FDG. A 18 F-FDG acumula-se nos tecidos<br />

através da via metabólica da glicose, não<br />

entrando contudo na via glicolítica. Acumula-se<br />

mais intensamente nos tecidos normais<br />

que utilizam a glicose como substrato<br />

e acumula-se de forma mais acentuada nas<br />

células com elevado índice mitótico. A PET<br />

ou PET-CT com 18 F-FDG permite visualizar<br />

o aumento do metabolismo presente em inú-<br />

meros tipos de tumores, entre eles alguns<br />

dos tumores neuroendócrinos do tubo digestivo,<br />

obtendo imagens de qualidade<br />

superior e com maior poder de resolução<br />

relativamente às cintigrafias com 111 In-pentatreótido.<br />

Contudo, devido à grande diversidade<br />

dos tumores neuroendócrinos em<br />

termos metabólicos, alguns são detectados<br />

por PET (ou PET-CT) e não por cintigrafia<br />

com 111 In-pentatreótido ou vice-versa. Estão<br />

ainda em fase de desenvolvimento novos<br />

radiofármacos mais específicos do que a<br />

18 F-FDG para estudo dos tumores neuroendócrinos.<br />

7,8 Como muitos destes tumores<br />

têm uma taxa de proliferação baixa, a sua<br />

actividade metabólica é também relativamente<br />

baixa, o que dificulta a visualização<br />

com 18 F-FDG. De um modo geral, considera-se<br />

que os tumores bem diferenciados são<br />

melhor estudados com a cintigrafia com<br />

111 In-pentatreótido e que os indiferenciados<br />

ou pouco diferenciados, pelo seu metabolismo<br />

mais elevado, serão bem visualizados<br />

com PET-CT utilizando 18 F-FDG.<br />

No caso clínico 1, estavam presentes metástases<br />

hepáticas previamente identificadas<br />

e foi solicitada a PET-CT com o objectivo<br />

de tentar identificar o tumor primitivo.<br />

Contudo, devido ao baixo metabolismo das<br />

lesões, não foi possível identificar qualquer<br />

lesão sugestiva de se tratar do tumor primitivo.<br />

Posteriormente, foi realizada cintigrafia<br />

com 111 In-pentatreótido que identificou<br />

três lesões abdominais não detectadas na<br />

PET-CT, pelo seu baixo metabolismo, mas<br />

que retrospectivamente foram visualizadas.<br />

No caso clínico 2, o doente previamente<br />

submetido a colectomia total pela presença<br />

de tumor neuroendócrino no cólon transverso,<br />

realizou seguidamente cintigrafia com<br />

111 In-pentatreótido que não revelou lesões.<br />

Passado pouco tempo a PET-CT revelou ex-<br />

245


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

tensa metastização ganglionar supra e infradiafragmática,<br />

metastização hepática e uma<br />

lesão óssea.<br />

As imagens obtidas nos estudos descritos<br />

são demonstrativas de duas situações metabolicamente<br />

opostas. No caso clínico 1, as<br />

localizações tumorais tinham escassa expressão<br />

na PET-CT, pois correspondiam a<br />

um tumor de crescimento lento com poucas<br />

manifestações sistémicas. Simultaneamente,<br />

havia uma expressão hormonal responsável<br />

pelos sintomas gastrointestinais e cutâneos,<br />

evidenciada pela riqueza de receptores da<br />

somatostatina. Esta característica tumoral<br />

foi confirmada pela positividade das lesões<br />

na cintigrafia realizada com o derivado da<br />

somatostatina ( 111 In-pentatreótido) e paralelamente<br />

pela melhoria da sintomatologia<br />

clínica após terapêutica com somatostatina.<br />

O doente está clinicamente bem, mantém<br />

uma vida profissional activa. Desde há um<br />

ano faz mensalmente 30 U de somatostatina,<br />

não tem sintomas gastrointestinais ou<br />

cutâneos, e o seu peso está estabilizado. As<br />

lesões controladas por tomografia computorizada<br />

também estão estabilizadas.<br />

No caso clínico 2, a doença foi rapidamente<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Howman-Giles R, Shaw P, Uren R, Chung D, et al. Neuroblastoma<br />

and other neuroendocrine tumors. Semin Nucl Med 2007;37:286-302.<br />

2. Portela-Gomes G. Endocrinologia do tubo digestivo. In: Pinto<br />

Correia J, eds. Gastrenterologia. Lisboa: Fundação Calouste<br />

Gulbenkian 1986;191-213.<br />

3. Bombardieri E, Aktolun C, Baum R, et al. 131I/ 123I- Metaiodobenzilguanedine (MIBG) scintigraphy - Procedure<br />

guidelines for tumour imaging. Eur J Nucl Med Mol Imaging<br />

2003;30(12):132-9.<br />

4. Krenning EP, de Jong M, Kooij PP et al. Radiolabelled<br />

somatostatin analogue(s) for peptide receptor scintigraphy and<br />

radionuclide therapy. Ann Oncol. 1999;10(Suppl2):S23-9.<br />

progressiva, traduzida por sintomas gerais<br />

de perda de peso, anorexia e adinamia e<br />

repercussões bioquímicas. Dois meses após<br />

a cirurgia ao tumor primitivo, verificava-se<br />

uma metastização extensa com intensa captação<br />

de 18 F-FDG, o que é compatível com<br />

um tumor agressivo. O doente está actualmente<br />

a fazer quimioterapia.<br />

Nos tumores neuroendócrinos ambas as técnicas<br />

utilizadas podem fornecer informação<br />

diagnóstica importante à boa orientação<br />

da terapêutica. Com a descrição destes<br />

casos clínicos pretendeu-se demonstrar o<br />

valor da Medicina Nuclear, que se destaca<br />

dos métodos morfológicos pois as suas técnicas<br />

permitem obter informação funcional<br />

relevante nas orientações prognósticas e estratégias<br />

terapêuticas.<br />

Admite-se que seja difícil a priori conseguir<br />

determinar qual a técnica mais indicada no<br />

estudo dos tumores neuroendócrinos devido<br />

à grande diversidade anteriormente referida<br />

para estes tumores. Considera-se que devem<br />

ser usadas complementarmente ambas as<br />

técnicas, cintigrafia com 111 In-pentatreótido<br />

e PET-CT, de acordo com os resultados obtidos<br />

no primeiro estudo realizado.<br />

5. Otte A, Herrmann R, Heppeler A et al. Yttrium-90 DOTATOC:<br />

first clinical results. Eur J Nucl Med. 1999;26(11):1439-47.<br />

6. Bombardieri E, Aktolun C, Baum R et al. 111In-pentetreotide scintigraphy procedure guidelines for tumor imaging. Eur J Nucl<br />

Med. 2003;30(suppl):B140–7.<br />

7. Nanni C, Rubello D, Fanti S. 18F-DOPA PET/CT and<br />

neuroendocrine tumours. Eur J Nucl Med Mol Imaging<br />

2006;33:509-13.<br />

8. Prasad V, Ambrosini V, Hommann H, Hoersch D, Fanti S, Baum<br />

R. Detection of unknown primary neuroendocrine tumours (CUP-<br />

NET) using 68Ga-DOTA-NOC receptor PET/CT. Eur J Nucl Med<br />

Mol 2009; DOI 10.10007/s00259-009-1205-4.


TRaTameNTo eNdoVaSCuLaR<br />

de aNeuRiSmaS SaCuLaReS<br />

iNTRaCRaNiaNoS. a PRoPÓSiTo<br />

de TRêS <strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

endovascular treatment of saccular<br />

intracranial aneurysms. Three clinical<br />

cases report<br />

ReSumo Abstract<br />

Os autores apresentam três casos clínicos de<br />

aneurismas saculares intracranianos tratados<br />

no Hospital da Luz por via endovascular.<br />

Dois destes casos foram tratados em contexto<br />

de hemorragia subaracnoideia por rotura<br />

de aneurismas supraclinoideu (carótido-oftálmico)<br />

e do segmento V4 da artéria vertebral;<br />

o terceiro caso consistiu numa embolização<br />

electiva de um aneurisma da artéria<br />

comunicante anterior. Os autores fazem uma<br />

revisão da literatura dedicada ao tratamento<br />

endovascular dos aneurismas intracranianos.<br />

PEDRO VILELA<br />

JOÃO REIS<br />

centro de imagiologia (unidade de neurorradiologia)<br />

The authors report three clinical cases<br />

of endovascular management of saccular<br />

intracranial aneurysms at Hospital da Luz.<br />

Two of the cases were managed in a clinical<br />

setting of subarachnoid haemorrhage, due<br />

to the rupture of carotid ophthalmic and<br />

V4 vertebral aneurysms; the remaining<br />

case was an elective treatment of an<br />

anterior communicating artery aneurysm.<br />

The authors review the literature regarding<br />

the endovascular management of intracranial<br />

aneurysms.<br />

247


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

iNTRodução<br />

Os aneurismas intracranianos têm uma<br />

prevalência estimada de 1 a 5% e a he-<br />

morragia subaracnoideia (HSA) tem uma<br />

incidência de 1/10000, sendo responsável<br />

por cerca de 5 a 15% dos acidentes vasculares<br />

cerebrais. 1,2 Múltiplos factores têm sido<br />

associados à génese e rotura dos aneurismas,<br />

destacando-se a idade (com o aumento<br />

da prevalência de aneurismas com a idade),<br />

a história familiar de aneurismas, a hipertensão<br />

arterial, o tabagismo e o consumo<br />

elevado de álcool. 3,4<br />

A história natural dos aneurismas intracranianos<br />

é variável, dependendo sobretudo da<br />

existência, ou não, de rotura aneurismática<br />

presente ou prévia e das dimensões dos aneu-<br />

rismas.<br />

Em 2003 foi publicada a avaliação da história<br />

natural de aneurismas não rotos (avaliação<br />

de 1692 doentes e 2686 aneurismas<br />

não-rotos, com um seguimento médio de 4<br />

anos). 4 Este estudo revelou os seguintes valores<br />

para a taxa cumulativa de hemorragia<br />

aos 5 anos em aneurismas localizados na<br />

circulação anterior [artéria carótida interna<br />

(ACI), artéria cerebral anterior (ACA), artéria<br />

cerebral média (ACM)]: 4 0% para diâmetros<br />

inferiores a 7 mm, 2,6% para diâmetros entre<br />

7 a 12 mm, 14,5% para diâmetros entre<br />

13 a 24 mm, 40% para diâmetros iguais ou<br />

maiores a 25 mm.<br />

Estas taxas cumulativas aos 5 anos aumentavam<br />

para 2,5%, 14,5%, 18,4%, e 50%,<br />

respectivamente, para aneurismas não-rotos<br />

localizados na circulação posterior. 4 Em<br />

1998 o mesmo autor já tinha publicado a<br />

história natural dos aneurismas, apontando,<br />

para doentes com antecedentes de hemorragia<br />

subaracnoideia, uma taxa anual de<br />

hemorragia de 0,5% e de 1% para aneurismas<br />

com diâmetros inferiores a 10 mm e<br />

superiores a 10 mm, respectivamente. 5 São<br />

estes os dados da história natural que os autores<br />

usam para determinar os critérios de<br />

selecção dos doentes a tratar.<br />

A forma de apresentação clínica mais frequente<br />

dos aneurismas é a hemorragia<br />

subaracnoideia consequente à sua rotura,<br />

com um prognóstico reservado e uma uma<br />

taxa de mortalidade estimada entre 33 e<br />

50%. 1,6-13<br />

A rehemorragia é um dos problemas mais<br />

graves na HSA, com uma taxa de mortalidade<br />

que atinge os 70%. 13 Estima-se que<br />

a taxa de rehemorragia seja de 2 a 4% no<br />

primeiro dia (com estudos recentes apontando<br />

para taxas que atingem os 15% nas<br />

primeiras 24h 14,15 ) e posteriormente de 1 a<br />

2% por dia durante as primeiras quatro semanas,<br />

perfazendo uma taxa total de 20 a<br />

30% no primeiro mês. 1,13,16-18<br />

A confirmação da suspeita clínica de HSA<br />

é efectuada na fase aguda por estudo de tomografia<br />

computorizada (TC), devendo esta<br />

ser seguida de um estudo angiográfico por<br />

angiografia de subtracção digital (ASD) ou,<br />

na sua impossibilidade, por angio-TC ou<br />

angio ressonância magnética (angio-RM)<br />

para detecção da presença de aneurisma(s). 2<br />

Os autores revêem os três primeiros casos<br />

consecutivos de aneurismas intracranianos<br />

tratados no Hospital da Luz por método<br />

endovascular.


CASO 1<br />

TRATAMENTO ENDOVASCULAR DE ANEURISMAS SACULARES INTRACRANIANOS. A PROPÓSITO DE TRÊS CASOS CLÍNICOS<br />

<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong><br />

Doente do sexo feminino, de 38 anos de<br />

idade, saudável, inicia de forma súbita<br />

episódio de cefaleia muito intensa tendo<br />

recorrido ao serviço de urgência de outro<br />

hospital onde foi efectuada TC crânio-encefálica<br />

(TC-CE) que demonstrou a existência<br />

de hemorragia subaracnoideia (grau 3 da escala<br />

de Fisher). A doente é transferida para<br />

o Hospital da Luz e à entrada apresentavase<br />

prostrada e com períodos de confusão,<br />

com cefaleias muito intensas e sem défices<br />

neurológicos de nervos cranianos e/ou vias<br />

longas [scores II/III na Hunt and Hess Scale<br />

(HH) e 13-14 na Glasgow Coma Scale<br />

(GCS)].<br />

Realizou angio-TC e seguidamente, para<br />

melhor caracterização, angiografia cerebral<br />

digital (DSA) que confirmaram a existência<br />

de aneurisma sacular carótido-oftálmico direito<br />

de pequenas dimensões (4x4x4mm). O<br />

estudo DSA demonstrou que a origem da artéria<br />

oftálmica estava incorporada no saco<br />

aneurismático na proximidade do colo.<br />

A doente foi submetida a terapêutica endovascular,<br />

realizada sob anestesia geral e<br />

heparinização sistémica. Foram introduzidas<br />

bainhas arteriais bilateralmente (5F à<br />

direita e 7F à esquerda) e através de catéter<br />

portador 5F na artéria carótida interna direita,<br />

foi avançado microcatéter até ao interior<br />

do aneurisma com deposição de 3 coils<br />

GDC (Guglielmi Detachable Coil), com exclusão<br />

do aneurisma e preservando a artéria<br />

oftálmica. O procedimento decorreu sem intercorrências<br />

(Fig. 1), bem como o restante<br />

internamento. Registou-se uma melhoria<br />

progressiva dos sintomas e a doente teve<br />

alta em score GCS 15.<br />

Fig. 1 Angiografia digital cerebral.<br />

A. Imagem de perfil da ACI direita pré-embolização. Aneurisma carotido-oftálmico direito de pequenas dimensões.<br />

B. Imagem AP (antero-posterior) da ACI direita pré-embolização.<br />

C. Imagem AP não subtraída da ACI direita pós-embolização. Disposição dos coils no interior do aneurisma.<br />

D. (Imagem AP) e E. (Imagem obliqua) Injecção da ACI direita. Pós-embolização: exclusão angiográfica do<br />

aneurisma.<br />

F e G. Contolo angiográfico após 12 meses. Pequeno colo residual na base onde a artéria oftálmica tem origem.<br />

249


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

CASO 2<br />

Doente do sexo masculino, de 60 anos de<br />

idade com antecedentes de múltiplos factores<br />

de risco vasculares (hipertensão arterial,<br />

tabagismo e dislipidemia) que inicia subitamente<br />

cefaleia intensa, predominantemente<br />

localizada na região suboccipital, associada<br />

a diminuição transitória da força no membro<br />

inferior esquerdo. À entrada apresentava<br />

de positivo sinais meníngeos e scores<br />

GCS 15 e HH I.<br />

O estudo TC inicial mostrava hemorragia<br />

subaracnoideia difusa (Fisher 3), com<br />

maior acumulação de sangue nas cisternas<br />

látero-bulbar e látero-pontica esquerda com<br />

pequeno nível hemático no IV ventrículo<br />

associado.<br />

O estudo de angio-TC detectou a presença<br />

de aneurisma sacular de médias dimensões<br />

do segmento V4 da artéria vertebral esquerda,<br />

com diâmetros aproximados de 10 x 9 x 4 mm,<br />

de colo largo e com 2 microlobulações na parede<br />

do saco aneurismático.<br />

O doente foi submetido a terapêutica endovascular,<br />

realizada sob anestesia geral,<br />

heparinização sistémica e após dose de load<br />

de antiagregação dupla (clopidogrel e ácido<br />

acetilsalicílico) foi introduzida bainha<br />

arterial 6F e avançado catéter portador 6F<br />

na artéria vertebral esquerda, tendo-se efectuado<br />

implantação de stent Neuroform®<br />

cruzando o colo aneurismático seguida da<br />

colocação de microcateter SL10 no interior<br />

do aneurisma e deposição de 5 coils com<br />

exclusão do aneurisma.<br />

O procedimento decorreu sem intercorrências<br />

(Fig. 2), bem como o restante internamento.<br />

O doente teve alta assintomático em<br />

score GCS 15.<br />

Fig. 2 Caso clínico 2. Angiografia digital cerebral.<br />

A. Imagem de AP da artéria vertebral esquerda pré-embolização. Aneurisma sacular de médias dimensões<br />

do segmento V4 distal.<br />

B. Imagem AP não subtraída da ACI direita durante a embolização. Marcas proximais e distais do stent<br />

(pontas de seta) e do microcatéter e coils no seu interior (seta).<br />

C. (Imagem AP) e D. (Imagem de perfil) Injecção da AV esquerda. Pós-embolização: exclusão angiográfica<br />

do aneurisma.


CASO 3<br />

TRATAMENTO ENDOVASCULAR DE ANEURISMAS SACULARES INTRACRANIANOS. A PROPÓSITO DE TRÊS CASOS CLÍNICOS<br />

Doente do sexo masculino, de 78 anos de<br />

idade, com antecedentes de hemorragia subaracnoideia<br />

anterior há mais de 30 anos por<br />

rotura de aneurisma de grandes dimensões,<br />

parcialmente trombosado e calcificado, da<br />

região da artéria cerebral anterior esquerda,<br />

não submetido a terapêutica nessa altura.<br />

Adicionalmente, tinha antecedentes de epilepsia<br />

vascular controlada medicamente<br />

com monoterapia, estenose aórtica com indicação<br />

para tratamento cirúrgico de substituição<br />

valvular, fibrilhação auricular e hiperplasia<br />

benigna da próstata.<br />

O doente foi submetido a terapêutica endovascular,<br />

realizada sob anestesia geral e<br />

heparinização sistémica. O estudo angiográ-<br />

diSCuSSão<br />

Na ultima década assistiu-se a uma evolução<br />

extremamente rápida dos métodos de terapêutica<br />

endovascular dos aneurismas. O<br />

tratamento endovascular na patologia vascular<br />

cerebral iniciou-se na década de 70<br />

com materiais muito rudimentares. Em<br />

1974, foram usados balões destacáveis no<br />

tratamento endovascular (“deconstrutivo”)<br />

de oclusão vascular, 19 tendo sido seguido<br />

por outros autores que usaram estes balões<br />

no tratamento de aneurismas 20, 21 Posteriormente,<br />

já na década de 80, com o desenvolvimento<br />

de microcatéteres e micro-espiras<br />

metálicas (coils) iniciou-se a técnica de<br />

tratamento dos aneurismas intracranianos<br />

que é usada presentemente. Em 1991, Guido<br />

Guglieimi revolucionou o tratamento endovascular<br />

dos aneurismas ao desenvolver coils<br />

destacáveis por electrólise, que, dessa forma,<br />

permitiam o reposicionamento, a remoção e<br />

o destacamento mais seguros e controláveis<br />

fico demonstrou que o aneurisma tinha um<br />

componente não trombosado de pequenas<br />

dimensões, em forma de L, nascendo do<br />

segmento A1 esquerdo distal. O segmento<br />

A1 esquerdo era responsável pela irrigação<br />

dos segmentos A2 bilateralmente, sendo o<br />

segmento A1 direito hipoplásico. Após a<br />

introdução de bainha arterial 6F e de avançar<br />

catéter portador 5F na artéria carótida<br />

interna esquerda, foi colocado microcatéter<br />

no interior do aneurisma que foi embolizado<br />

com a deposição de 2 coils com exclusão<br />

do componente permeável do aneurisma.<br />

Com excepção de episódio autolimitado de<br />

hematúria, o internamento decorreu sem<br />

intercorrências e o doente teve alta assintomático<br />

do ponto de vista neurológico.<br />

dos mesmos. 22 Os marcos seguintes no desenvolvimento<br />

da terapêutica endovascular<br />

dos aneurismas consistiram na introdução,<br />

em 1997, da técnica de protecção com balão<br />

do colo do aneurisma (ballon remodelling),<br />

que permitiu o tratamento de aneurismas<br />

com colo desfavorável, ou seja com colo<br />

largo, 23 bem como no desenvolvimento de<br />

coils tridimensionais e de morfologia complexa.<br />

24 O passo tecnológico posterior foi<br />

o recurso a stents intracranianos. 25 Estes<br />

têm sido alvo de inovações tecnológicas permanentes<br />

permitindo uma redução no seu<br />

perfil, uma maior flexibilidade necessária<br />

para navegar nos vasos intracranianos, um<br />

sistema de implantação de tipo autoexpansível<br />

e uma maior densidade da malha.<br />

Dessa forma, os stents permitem não só a<br />

protecção do colo aneurismático, em aneurismas<br />

de colo largo, mas também “reconstruir”<br />

a continuidade do vaso em casos de<br />

251


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

aneurismas serpentiginosos e fusiformes,<br />

para além de reduzir o fluxo no interior dos<br />

aneurismas promovendo a sua trombose. 26<br />

Os últimos avanços levaram ao desenvolvimento<br />

de stents com uma elevada densidade<br />

de malha metálica (”semi-cobertos”) que os<br />

estudos iniciais sugerem serem capazes de<br />

modelar o fluxo nas artérias podendo, dessa<br />

forma, ser usados no tratamento de aneurismas<br />

fusiformes e/ou de grandes dimensões<br />

e/ou de colo largo promovendo a sua trombose,<br />

27 mas cuja consistência e durabilidade<br />

dos resultados se aguarda.<br />

A terapêutica endovascular é um método de<br />

tratamento de aneurismas intracranianos<br />

seguro e estável e os exemplos apresentados<br />

neste trabalho são exemplificativos das potencialidades<br />

desta técnica. Presentemente, a<br />

American Heart Association recomenda que<br />

doentes com aneurismas rotos devam ser<br />

tratados em locais que disponham de uma<br />

equipa multidisciplinar, neurocirúrgica e endovascular,<br />

com experiência em tratamento<br />

de doenças vasculares cerebrais e que os dois<br />

métodos devem ser avaliados em cada caso<br />

em particular (For patients with ruptured<br />

aneurysms judged by an experienced team of<br />

cerebrovascular surgeons and endovascular<br />

practitioners to be technically amenable to<br />

both endovascular coiling and neurosurgical<br />

clipping, endovascular coiling can be beneficial.<br />

Class I, Level of Evidence B). 2,28<br />

Estas recomendações resultaram do International<br />

Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT). 29<br />

Durante este estudo internacional prospectivo,<br />

randomizado, multicêntrico com<br />

uma duração de 9 anos (1994 a 2002),<br />

foram distribuídos aleatoriamente 2143<br />

doentes com aneurismas saculares rotos<br />

pelas duas técnicas terapêuticas, neurocirúrgica<br />

e endovascular, e avaliados os<br />

resultados da aplicação de cada uma. A té-<br />

cnica endovascular permitiu obter resultados<br />

superiores, com menor morbilidade<br />

e mortalidade. 29 Os primeiros resultados<br />

do ISAT mostraram uma redução de 22%<br />

no risco relativo e de 7% no risco absoluto<br />

de morte ou dependência a 1 ano. 29 O<br />

benefício do tratamento endovascular, com<br />

redução da taxa de mortalidade, manteve-se<br />

durante o período de seguimento dos doentes<br />

após o tratamento, com uma duração<br />

média de 9 anos. 30 Deve ser salientado que o<br />

ISAT avaliou principalmente aneurismas da<br />

circulação anterior e de pequenas dimensões<br />

(90% dos aneurismas incluídos) em doentes<br />

com bom estado neurológico, dado que para<br />

aneurismas da circulação posterior e/ou<br />

doentes em mau estado neurológico a opção<br />

endovascular já era geralmente a preferida.<br />

Refira-se ainda que à data de realização do<br />

ISAT, não estavam disponíveis algumas das<br />

inovações tecnológicas que permitem tornar<br />

o tratamento endovascular ainda mais eficaz<br />

e com menor risco.<br />

O cepticismo inicial relativamente à terapêutica<br />

endovascular centrava-se sobretudo<br />

na estabilidade dos resultados desta<br />

terapêutica a longo prazo. O componente<br />

prospectivo do ISAT, demonstrou, após um<br />

follow-up médio de 9 anos, que a recanalização<br />

do aneurisma poderia ocorrer com as<br />

duas modalidades terapêuticas (neurocirúrgica<br />

e endovascular), sendo mais frequente<br />

na segunda. No entanto, aparentemente,<br />

as hemorragias no grupo com abordagem<br />

neurocirúrgica conduziram mais frequentemente<br />

à morte. 30 A taxa de rehemorragia<br />

após tratamento endovascular foi baixa<br />

(0,12%) e ocorreu sobretudo nos primeiros<br />

cinco anos após o tratamento. 30<br />

Surpreendentemente constatou-se que para<br />

os doentes tratados por qualquer uma das<br />

abordagens existia um risco acrescido de


TRATAMENTO ENDOVASCULAR DE ANEURISMAS SACULARES INTRACRANIANOS. A PROPÓSITO DE TRÊS CASOS CLÍNICOS<br />

desenvolver novos aneurismas, e que o risco<br />

de hemorragia por aneurismas de novo era<br />

idêntico ao risco de rehemorragia associado<br />

ao aneurisma parcialmente tratado; assim,<br />

torna-se necessário no futuro alterar o plano<br />

de seguimento destes doentes.<br />

Após a publicação dos resultados do ISAT,<br />

a expansão do tratamento endovascular<br />

como tratamento de eleição, constitui a<br />

grande mudança na atitude terapêutica<br />

dos aneurismas. Com efeito, inicialmente<br />

o tratamento endovascular estava indicado<br />

especialmente em maus candidatos neurocirúrgicos<br />

(por exemplo doentes idosos, em<br />

mau estado neurológico e em aneurismas da<br />

circulação posterior e/ou de difícil acesso<br />

cirúrgico). Contudo, como as características<br />

de cada doente e aneurisma são únicas,<br />

cada caso deve ser avaliado individualmente<br />

por uma equipa multidisciplinar, cirúrgica e<br />

endovascular, para decidir a melhor opção<br />

terapêutica.<br />

A bibliografia publicada permite ainda a<br />

conclusão de que os aneurismas tratados,<br />

independentemente da modalidade terapêutica,<br />

devem ser seguidos com o método de<br />

imagem mais informativo. Dessa forma, é<br />

imperioso optimizar os protocolos de imagem<br />

de seguimento dos doentes com aneurismas.<br />

A angiografia digital de subtracção<br />

mantém-se de eleição nestes casos. 2 A angio-<br />

-RM poderá ser tentada como alternativa<br />

nos doentes submetidos a terapêutica endovascular.<br />

31<br />

Um aspecto crucial no seguimento dos aneurismas<br />

submetidos a terapêutica endovascular<br />

é a selecção dos aneurismas parcialmente<br />

recanalizados, ou de um subgrupo destes,<br />

que necessitam de segundo tratamento.<br />

Uma meta-analise recente avaliou 46 publicações,<br />

totalizando 8161 aneurismas em-<br />

bolizados, com um seguimento médio de 14<br />

meses, demonstrando uma taxa de oclusão<br />

imediata adequada em 91.2% dos aneurismas,<br />

com uma taxa de recanalização de<br />

20.8% e de retratamento de 10.3%. 32 Surpreendentemente,<br />

a taxa de recanalização<br />

observada foi menor em aneurismas rotos<br />

e, como seria espectável, foi maior em<br />

aneurismas da circulação posterior e com<br />

dimensões superiores a 10 mm. 32 Os dados<br />

publicados sugerem que nem todas as recanalizações<br />

necessitam de retratamento. Os<br />

autores partilham a opinião que têm indicação<br />

para retratamento os colos residuais/<br />

recanalizações que aumentem de dimensões<br />

nos estudos de imagem de seguimento.<br />

Na opinião dos autores, as questões de futuro<br />

estarão relacionadas com os seguintes<br />

aspectos:<br />

· A melhoria do prognóstico dos doentes<br />

com hemorragia subaracnoideia na fase<br />

aguda na abordagem holística do problema<br />

multifactorial que é a HSA.<br />

· A optimização do seguimento dos doentes<br />

que sobrevivem à HSA (critérios de inclusão,<br />

duração e periodicidade do follow-up, critérios<br />

para re-tratamento)<br />

· A identificação de indicadores de recanalização/rerotura/desenvolvimento<br />

de aneurismas<br />

de novo<br />

· A identificação de subgrupos com características<br />

singulares que possam beneficiar de<br />

tipos específicos de tratamento<br />

· A melhor compreensão da história natural<br />

dos aneurismas não rotos e uniformização<br />

de critérios para intervenção.<br />

253


<strong>CaSoS</strong> <strong>CLÍNiCoS</strong> <strong>HOSPITAL</strong> <strong>DA</strong> <strong>LUZ</strong><br />

aGRadeCimeNToS<br />

Os autores agradecem aos colegas Dr. Manuel<br />

Cunha e Sá, Dr.ª Cristina Pestana, Dr.ª<br />

Rute Jácome e Prof. Dr. José Roquette, bem<br />

como a toda a equipa médica da Unidade<br />

BiBLioGRaFia<br />

1. Brisman JL, Song JK, Newell DW. Cerebral aneurysms. N Engl J<br />

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for healthcare professionals from a special writing group of the<br />

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subarachnoid hemorrhage. An updated systematic review of<br />

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in 722 cases: related and unrelated to grade of patient, type of<br />

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de Cuidados Intensivos do Hospital da Luz<br />

as suas valiosas contribuições no tratamento<br />

e seguimento clínico dos doentes apresentados<br />

neste trabalho.<br />

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after subarachnoid hemorrhage: variations according to hospital<br />

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TRATAMENTO ENDOVASCULAR DE ANEURISMAS SACULARES INTRACRANIANOS. A PROPÓSITO DE TRÊS CASOS CLÍNICOS<br />

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255

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