a conversão dos reis germânicos ea aliança da igreja ao ... - UTP
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A CONVERSÃO DOS REIS GERMÂNICOS E A ALIANÇA DA IGREJA AO<br />
IMPÉRIO FRANCO NA ALTA IDADE MÉDIA<br />
INTRODUÇÃO<br />
Aproxima<strong>da</strong>mente a partir do ano de 276, o mundo europeu foi<br />
estremecido pelas grandes imigrações germânicas; diversas tribos e<br />
povos se alternaram em distintos ataques, as decadentes e desestru-<br />
tura<strong>da</strong>s muralhas romanas, que não resistindo vieram a ruir. Segundo<br />
a historiografia tradicional convencionou atribuir o ano 476, o marco<br />
histórico desses acontecimentos.<br />
Não nos prenderemos totalmente a <strong>da</strong>ta em si, 476 como que<strong>da</strong> do<br />
Império Romano do Ocidente, nem como o ano de 276, como <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>s<br />
imigrações germânicas. Entendemos essas periodizações apenas como<br />
símbolos de um grande processo que se prolongou durante séculos.<br />
A trajetória <strong>da</strong> decadência do Império Romano teve início no século I,<br />
quando inúmeras divergências por parte do corpo militar vieram a surgir<br />
como um <strong>dos</strong> elementos que propiciaram uma guerra civil que culminou<br />
na falta de um exército preparado para conter o avanço germânico. Por<br />
outro lado, as imigrações germânicas no mundo romano, surgiram neste<br />
mesmo século, como um fator externo que, aliado <strong>ao</strong>s internos, atingiu<br />
seu ápice na total desintegração do Império Romano do Ocidente.<br />
Única instituição que resistiu a “que<strong>da</strong>” do Império no Ocidente, a<br />
Igreja, começou a resgatar o grande papel de guia espiritual em um mun-<br />
do onde as diferenças religiosas eram entendi<strong>da</strong>s primeiramente como<br />
elemento de separação entre os povos vin<strong>dos</strong> do leste europeu e o con-<br />
tingente romano. Coube à Igreja, a grande missão de conquistar esses<br />
povos, buscando através <strong>da</strong> <strong>conversão</strong> <strong>ao</strong> cristianismo, uma unificação<br />
política, que aconteceria séculos depois, na figura de Carlos Magno.<br />
Analisar a estratégia de unificação política entre poder e Igreja<br />
no reino franco nos apresentou como questão inquietante, pro-<br />
curamos responder com base nas idéias de três teóricos: Mirc<strong>ea</strong><br />
Eliade 1 , nos mostrou como o sagrado se manifesta nas mais di-<br />
ferentes socie<strong>da</strong>des, <strong>da</strong>s mais remotas às mais contemporân<strong>ea</strong>s.<br />
A partir do termo hierofania, que quer dizer manifestação do sa-<br />
grado, ou algo sagrado que nos é mostrado. Quando o sagrado<br />
se manifesta, todo entendimento exercido sobre o elemento, era<br />
alterado; assim consiste em duas maneiras de ver o mundo: o sa-<br />
grado e o profano.<br />
Autor: Rafael Mincewicz <strong>da</strong> Silva<br />
Orientador: Geraldo Pieroni<br />
Outro autor, Alphonse Dupront 2 , estabelece que to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> inseri<strong>da</strong><br />
em uma religião é uma forma de unificação. Demonstra também que,<br />
todo acontecimento ou fenômeno religioso, do ponto de vista humano<br />
é um processo de longa duração, principalmente no que se entende<br />
como visão de mundo e do cotidiano. Assim Dupront, traça a idéia de<br />
estu<strong>da</strong>r o homem em todo o seu comportamento religioso.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 1<br />
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Jerôme Baschet 3 , remonta a civilização feu<strong>da</strong>l, em seus mais diver-<br />
sos aspectos, analisando desde as imigrações “bárbaras”, no mundo<br />
europeu, até o resplandecer do ano mil, quando to<strong>da</strong> concepção de<br />
uma “longa I<strong>da</strong>de Média” é apresenta<strong>da</strong>.<br />
Para analisarmos esse período, nos remetemos ás fontes primárias<br />
agrupa<strong>da</strong>s nos livros de Fernan<strong>da</strong> Espinosa 4 e Maria Gua<strong>da</strong>lupe Pedre-<br />
ro Sanchez 5 . Tais textos deram suporte em todo nosso estudo, que foi<br />
fun<strong>da</strong>mentado principalmente na análise de livros de diversos autores<br />
que se debruçam sobre as questões liga<strong>da</strong>s <strong>ao</strong> mundo medieval, como:<br />
Jacques Le Goff 6 , Marc Bloch 7 , Georges Duby 8 , Hilário Franco Junior 9 ,<br />
Pierre Riche 10 , Paul Johnson 11 , entre outros.<br />
A construção textual se dividiu em três capítulos, distribuí<strong>dos</strong> de<br />
uma forma que possibilite uma melhor compreensão e análise.<br />
No primeiro, foi contextualizado o Ocidente medieval a partir <strong>da</strong>s<br />
imigrações germânicas, <strong>da</strong>ndo ênfase para a relação <strong>dos</strong> <strong>germânicos</strong><br />
com os romanos, as grandes imigrações e o politeísmo germânico em<br />
contradição <strong>ao</strong> mundo cristão.<br />
No segundo, foi trata<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> Igreja Católica no Oci-<br />
dente, seu enraizamento, mediante <strong>ao</strong> trabalho de homens do clero<br />
como bispos e monges que muitas vezes se sacrificaram em nome<br />
<strong>da</strong> Igreja; em outro momento é trata<strong>da</strong> a luta desses monges contra<br />
o paganismo quando é exposta a atuação de Martinho de Tours.<br />
Nesse mesmo capítulo, é trata<strong>da</strong> a questão dogmática e a institui-<br />
ção <strong>dos</strong> Concílios Ecumênicos, lugares de discussão de to<strong>da</strong> moral<br />
dogmática cristã.<br />
No terceiro capítulo, estu<strong>da</strong>mos o mundo Carolíngio, a partir <strong>da</strong><br />
<strong>conversão</strong> de Clóvis, sua <strong>aliança</strong> com a Igreja, como conseqüência<br />
à <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong> <strong>reis</strong> <strong>germânicos</strong>, finalizando com Carlos Magno e o<br />
triunfo <strong>da</strong> Igreja e do Império, quando ressaltamos alguns resulta<strong>dos</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>aliança</strong> fecun<strong>da</strong> entre Estado franco e Igreja.<br />
Como anunciado esse trabalho busca uma análise <strong>da</strong> <strong>aliança</strong> Igre-<br />
ja/Império. Para isso faz um resgate <strong>da</strong>s imigrações germânicas no<br />
Ocidente e, principalmente relatamos o papel de Igreja perante esses<br />
<strong>germânicos</strong> considera<strong>dos</strong> opressores e intolerantes. Analisaremos o<br />
papel <strong>da</strong> Igreja na tumultua<strong>da</strong> cristianização em meio <strong>ao</strong> c<strong>ao</strong>s que se-<br />
guiu as imigrações. Entendemos que to<strong>da</strong> ação cristianizadora lança-<br />
<strong>da</strong> pelo poder eclesiástico tinha como objetivo a <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong> assim<br />
chama<strong>dos</strong> “bárbaros”.<br />
1. OS POVOS GERMÂNICOS NO<br />
OCIDENTE<br />
1.1. Fora <strong>dos</strong> limites romanos: bárbaros?<br />
“Vedes desabar sobre vós a cólera do Senhor. Só há ci<strong>da</strong>des despovoa<strong>da</strong>s,<br />
mosteiros em ruínas ou incendia<strong>dos</strong>, campos reduzi<strong>dos</strong><br />
<strong>ao</strong> abandono. Por to<strong>da</strong> parte o poderoso oprime o fraco e os homens<br />
são semelhantes <strong>ao</strong>s peixes do mar que indistintamente se<br />
devoram uns <strong>ao</strong>s outros”.<br />
(São Jerônimo)<br />
Um <strong>dos</strong> principais e mais conheci<strong>dos</strong> Impérios <strong>da</strong> história, com<br />
certeza foi o Império Romano, quando, por volta do século IV, diversos<br />
escritores celebraram seu esplendor.<br />
Roma permitiu diante de sua grandeza que homens vivessem em<br />
harmonia, diante de uma só ci<strong>da</strong>de, uma só família e uma só religião.<br />
Diversos clérigos e escritores glorificavam Roma por ter preparado o<br />
mundo inteiro para propagar a nova fé. Porém, a partir do século III<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 2<br />
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<strong>da</strong> Era Cristã, mais precisamente a partir do ano de 276 12 , o mundo<br />
europeu presenciou a primeira grande imigração germânica, posterior-<br />
mente entendi<strong>da</strong> como um <strong>dos</strong> principais fatores que contribuíram di-<br />
retamente para a desintegração do Império Romano do Ocidente.<br />
Essas imigrações já vinham sendo conti<strong>da</strong>s desde o século I, no<br />
entanto a partir do século III, sob pressão vin<strong>da</strong> principalmente de po-<br />
vos provenientes <strong>da</strong> Ásia, os <strong>germânicos</strong> 13 forçaram de uma maneira<br />
muito sóli<strong>da</strong>, as fronteiras do Império, que além de contribuírem para<br />
a desintegração do mesmo, deram um teor de violência extremamente<br />
elevado a esse período chamado comumente de Alta I<strong>da</strong>de Média.<br />
Tais povos eram conheci<strong>dos</strong> como “bárbaros”, conceito que teve<br />
sua origem em torno do século X a.C, quando foi usado pelos gregos<br />
para indicar quem não tinha seus costumes, falava sua língua ou até<br />
quem não seguia sua religião.<br />
Esse conceito construído pelos gregos atravessou séculos até che-<br />
gar em Roma. Para eles, os <strong>germânicos</strong> eram os “bárbaros”, inciviliza-<br />
<strong>dos</strong>, diferentes, selvagens, tribais e profanos, pois não professavam<br />
a mesma fé <strong>dos</strong> romanos, desconhecendo totalmente o ensinamento<br />
bíblicos passa<strong>dos</strong> pela Igreja “O nome de bárbaros, que o Império apli-<br />
cava a essas massas e que lhe fora ensinado pelos gregos, tinha uma<br />
ressonância de desprezo <strong>da</strong> civilização <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de e do Estado pela<br />
civilização <strong>da</strong> Tribo” (PETIOT, 1991, p. 63).<br />
A partir de então, o termo “bárbaro” passou a ter uma conotação<br />
preconceituosa, e principalmente, foi aplicado de uma forma muito am-<br />
pla, como referência a dezenas de povos diferentes, <strong>dos</strong> mais diversos<br />
lugares, <strong>ao</strong>nde suas peculiari<strong>da</strong>des eram notórias.<br />
Nem sequer fisicamente estes povos se pareciam muito, embora<br />
fossem to<strong>dos</strong> mais ou menos louros; não se podia confundir um<br />
“saxão de olhos azuis e cabelo cortado acima <strong>da</strong> testa, para alongar<br />
o rosto”, com um sicâmbrio de longa cabeleira deita<strong>da</strong> para<br />
trás [...]. (id. ibid., p.67).<br />
Entendia-se que determina<strong>da</strong> terminologia era usa<strong>da</strong> para mostrar<br />
que um padrão de civilização era melhor que outro, e como Roma era<br />
a “luz do mundo”, tudo o que se encontrava fora dela era sinônimo de<br />
um total atraso e incultura.<br />
Jerôme Baschet, em seu livro “A civilização Feu<strong>da</strong>l” nos alerta para<br />
o referido termo:<br />
Bárbaro: na sua origem, a palavra designa apenas os não gregos e,<br />
depois, os não romanos. Mas a conotação negativa adquiri<strong>da</strong> por<br />
esse termo torna difícil empregá-lo hoje sem reproduzir um julgamento<br />
de valor que faz de Roma o padrão <strong>da</strong> civilização e de seus<br />
adversários os agentes <strong>da</strong> decadência, do atraso e <strong>da</strong> incultura.<br />
(BASCHET, 2006, p. 49).<br />
Trata<strong>dos</strong> como incultos e selvagens, muitos desses “bárbaros”,<br />
tiveram um contato muito grande com a romani<strong>da</strong>de, pois era uma prá-<br />
tica normal nos primeiros séculos do Império, chamar para o comando<br />
<strong>dos</strong> exércitos e principalmente para a corte imperial jovens estrangei-<br />
ros <strong>germânicos</strong>, ficando assim garanti<strong>dos</strong> trata<strong>dos</strong> e pactos. Esses<br />
jovens tinham a oportuni<strong>da</strong>de de conhecer o Império por dentro, era<br />
o caso de “bárbaros” conheci<strong>dos</strong> como Àtila 14 e Alarico 15 , que falavam<br />
grego e latim, possibilitando um entendimento muito grande sobre a<br />
vi<strong>da</strong> romana “civiliza<strong>da</strong>”, suas artes, seus costumes e etc.<br />
Outro sentido atribuído para esse termo seria o de que os “bárba-<br />
ros” quando em guerra costumavam geralmente, além de se apodera-<br />
rem de to<strong>da</strong>s as riquezas locais, incendiarem praticamente tudo o que<br />
viam, causando muito terror e revolta nos romanos que viam isso como<br />
uma barbárie.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 3<br />
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“Bárbaros”, que acima de tudo, se mostravam como uma am<strong>ea</strong>ça<br />
para o padrão de civilização que se encontrava mergulhado em um pe-<br />
ríodo de guerra civil e anarquia militar 16 , favorecendo assim a falta de<br />
um Estado romano sólido que combatesse o perigo externo.<br />
Esses povos formaram um contingente conhecido dentro do pró-<br />
prio Império: em um determinado momento como sol<strong>da</strong><strong>dos</strong> infiltra<strong>dos</strong><br />
no exército; ou ain<strong>da</strong> no campo, sob o título de federa<strong>dos</strong>, que eram<br />
trabalhadores recompensa<strong>dos</strong> com uma partícula de terra, em troca de<br />
seus serviços. Diante disso o comando de guerra progressivamente foi<br />
passando para as mãos <strong>dos</strong> “bárbaros”, que mantinham um contato<br />
muito próximo com os romanos.<br />
Entende-se a partir de então que esses protagonistas “bárbaros”<br />
dentro do Império com cargos militares altamente reconheci<strong>dos</strong> repre-<br />
sentaram de uma forma ou de outra, uma “barbarização” sistemática<br />
do mundo romano, com influência na língua, cultura, religião e socie-<br />
<strong>da</strong>de onde um mínimo sentimento de traição pode aparecer, e o que<br />
impediria um “bárbaro” de recorrer auxilio <strong>dos</strong> demais “bárbaros” fora<br />
do limes 17 ?<br />
Determina<strong>dos</strong> povos “bárbaros”, do lado de fora do limes, manti-<br />
nham com os romanos uma relação de troca e de comércio, no qual o<br />
gado constituía um <strong>dos</strong> principais elementos de contato, ou seja, os limes<br />
do Império eram um ponto de convergência entre romanos e “bárbaros”.<br />
A partir de então, a aproximação entre romanos e “bárbaros” se<br />
fez presente durante muito tempo, e diversos “bárbaros” não tinham<br />
problema algum em conhecer o Império por dentro, bem como pratica-<br />
mente tudo o que acontecera dentro <strong>da</strong>s muralhas era de conhecimen-<br />
to germânico. Tal conhecimento se mostrou muito útil no momento em<br />
que alguns povos adentraram as muralhas romanas.<br />
Eram povos que não tinham um chefe ou líder em tempos de paz,<br />
mas em tempo de guerra eram escolhi<strong>dos</strong> chefes militares com po-<br />
deres extr<strong>ao</strong>rdinários que acabavam quando terminava a campanha<br />
militar. Não conheciam um Estado, ou uma ci<strong>da</strong>de, suas famílias eram<br />
agrupa<strong>da</strong>s nos clãs e tribos, tinham a figura paterna como cabeça do<br />
grupo familiar.<br />
Em linhas gerais, os “bárbaros”, a partir do século III, surgiram<br />
como uma am<strong>ea</strong>ça r<strong>ea</strong>l diante do decadente Império Romano do Oci-<br />
dente que veio a ruir definitivamente, segundo a historiografia tradi-<br />
cional, no ano de 476.<br />
1.2. T<strong>ea</strong>tro de violência recíproca: as “invasões”.<br />
“A minha voz extingue-se; os soluços embargam-me as palavras.<br />
Foi toma<strong>da</strong> a Ci<strong>da</strong>de que tinha tomado o mundo! Pereceu pela<br />
fome e pela espa<strong>da</strong>; está em chamas a ilustre cabeça do Império!<br />
Quis hoje dedicar-me <strong>ao</strong> estudo de Ezequiel, mas, no momento em<br />
que ia começar a ditar, pensei na catástrofe do Ocidente e tive de<br />
calar-me, sentindo que chegara a hora <strong>da</strong>s lágrimas”.<br />
(São Jerônimo)<br />
Tendo seu declínio acentuado a partir do século III, devido a inú-<br />
meros fatores internos e externos, o Império Romano surge como<br />
um “gigante” em fase terminal, dentre as principais causas internas<br />
cabe destacar: uma estrutura administrativa muito custosa, princi-<br />
palmente pelo fato do Império ter tomado dimensões consideráveis,<br />
decorrente disso era notória uma falta de comunicação muito grande<br />
entre os postos de comando localiza<strong>dos</strong> nos limites do Império, nesse<br />
mesmo espaço de tempo a anarquia militar surgia como um fator de<br />
desagregação alarmante, pois preocupa<strong>dos</strong> com o conflito interno,<br />
as fronteiras foram deixa<strong>da</strong>s sem proteção do inimigo externo, sem<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 4<br />
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mencionar uma aristocracia corrupta, tudo isso em um período de<br />
crise <strong>da</strong> escravidão.<br />
Sobretudo, o mundo romano presenciou de uma forma evidente,<br />
a partir do ano de 276 um grande perigo externo: as primeiras vagas<br />
invasoras, que devem ser entendi<strong>da</strong>s como eventos inseri<strong>dos</strong> em um<br />
processo de longa duração. Entretanto destaca-se que muitas dessas<br />
“invasões” tiveram um caráter violento e destrutivo, no entanto diver-<br />
sas delas se mostraram como eventos pacíficos e sem agressivi<strong>da</strong>de.<br />
[...] a instalação <strong>dos</strong> povos <strong>germânicos</strong> deve ser imagina<strong>da</strong>, sobretudo<br />
como uma infiltração lenta, durando vários séculos, como<br />
uma imigração [grifo nosso] progressiva e muitas vezes pacífica,<br />
durante o qual os recém chega<strong>dos</strong> se instalaram individualmente,<br />
aproveitando-se de seus talentos artesanais ou pondo sua força<br />
física a serviço <strong>da</strong> arma<strong>da</strong> romana. (id. ibid, p. 50).<br />
As imigrações já vinham sendo conti<strong>da</strong>s desde o século I, porém a<br />
partir do século III, sob pressão vin<strong>da</strong> principalmente <strong>da</strong> Ásia, os ger-<br />
mânicos forçavam de uma maneira muito forte as fronteiras do Império,<br />
fortalecendo assim a acentua<strong>da</strong> crise enfrenta<strong>da</strong> pelos romanos.<br />
É importante ressaltar que tal prática imigratória perdurou pratica-<br />
mente durante to<strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média.<br />
[...] as vagas se sucedem quase ininterruptamente, <strong>ao</strong> longo de to<strong>da</strong><br />
I<strong>da</strong>de Média; <strong>ao</strong>s germanos se sucedem primeiramente os eslavos,<br />
os húngaros e depois to<strong>dos</strong> os povos turcos provenientes <strong>da</strong> Ásia<br />
Central: búlgaros, petchenegues, kubanos, mongóis principalmente:<br />
os de Gengis-Cã por volta de 1250. [...]. (HEERS, 1991, p. 12).<br />
Vários são os motivos dessas longas imigrações: procura por terras<br />
melhores para o plantio ou esmagamento sofrido por outros povos vin<strong>dos</strong><br />
do leste e, acima de tudo, tal evento colocou a mostra a fragili<strong>da</strong>de do<br />
Império, cansado e frágil devido à guerra civil enfrenta<strong>da</strong> no século III.<br />
Porém, pensar que essas grandes imigrações foram em um todo<br />
planeja<strong>da</strong>s pela barbárie com o objetivo de apossar-se de uma civili-<br />
zação, é se colocar distante <strong>da</strong> r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong>de, pois em nenhum momento<br />
houve um plano de união organizado entre “bárbaros”, contra a “ci-<br />
vilização”. Nesses povos até o termo “<strong>germânicos</strong>” era desconheci-<br />
do, tinham no exercício imigratório um elemento natural de vivencia,<br />
assim como a prática <strong>da</strong> vingança e <strong>da</strong> violência, e principalmente<br />
tinham uma paixão excessiva pela guerra que dominava todo cotidiano<br />
desses povos.<br />
Como já comentado nesse trabalho, essas imigrações legitimaram<br />
a fraqueza e a falta de um Estado romano sólido, que muito tempo<br />
antes já colocara em seus exércitos guerreiros “bárbaros”, ou em seu<br />
território trabalhadores agrícolas <strong>germânicos</strong>, recompensando-os com<br />
uma parcela de terra.<br />
É prudente pensar também que o Império estava fragilizado, muitos<br />
“bárbaros” tinham esse conhecimento, por estarem dentro <strong>dos</strong> muros,<br />
com cargos de muita relevância. Conhecendo essa fragili<strong>da</strong>de, o ou-<br />
trora poderoso Império, foi presa fácil para os <strong>germânicos</strong> que vieram<br />
com: sol<strong>da</strong><strong>dos</strong>, mulheres, crianças, carruagens, cavalaria, rebanhos,<br />
etc. O que de uma forma mais ampla, caracteriza uma imigração, pois<br />
não eram apenas sol<strong>da</strong><strong>dos</strong> e um exército devi<strong>da</strong>mente perfilado que<br />
entrara no Império, mas famílias inteiras colocaram os pés em Roma.<br />
Outro ponto muito importante é que Roma, para esses “bárbaros”,<br />
era a parte luz <strong>da</strong> Europa, com isso to<strong>dos</strong> tinham a vontade de an<strong>da</strong>r,<br />
e porque não, conquistar tal símbolo <strong>da</strong> história. Roma poderia ter o<br />
maior exército e as armas <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s, mas o que adiantava<br />
ter tais armas, se elas estavam em mãos de um exército debilitado e<br />
praticamente morto?<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 5<br />
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A formação militar romana nesse período não passava de aparên-<br />
cia, o Império estava desestruturado, e a partir disso é muito fácil de<br />
entender, que como um velho chama para si as doenças e conseqüen-<br />
temente a morte, o Império praticamente chamou os “bárbaros” para<br />
dentro de si.<br />
Diante <strong>da</strong>s mais diversas pesquisas que norteiam esse período,<br />
destaca-se que o termo “invasões”, assim como o termo “bárbaro”,<br />
não nos remete ver<strong>da</strong>deiramente <strong>ao</strong> que aconteceu. “O termo invasões<br />
não é mais satisfatório do que o termo bárbaro. Houve vários episó-<br />
dios sangrentos, conflitos militares, incursões violentas e ocupações<br />
de ci<strong>da</strong>des – certamente, aqueles <strong>ao</strong>s quais as narrativas <strong>dos</strong> cronistas<br />
deram maior relevo” (BASCHET, op., cit. p. 50).<br />
Sobretudo, acredita-se que o termo “invasões” remete a algum<br />
acontecimento de curta duração, onde dá-se a idéia que os <strong>germânicos</strong><br />
invadiram o Império Romano em questão de muito pouco tempo, <strong>ao</strong><br />
contrário do que r<strong>ea</strong>lmente aconteceu, pois tais “invasões” são produ-<br />
to de inúmeras tentativas durante séculos.<br />
Enfim, se as invasões bárbaras dessa época desempenharam um<br />
papel determinante para evolução do mundo ocidental e na deslocação<br />
do Império, são elas apenas um episódio importante, mais<br />
marcante, de uma longa série de avanços ou infiltrações conti<strong>da</strong>s<br />
pelo limes em to<strong>da</strong>s as fronteiras do Império. (HEERS, op.cit.,<br />
p.11).<br />
Esse período <strong>da</strong>s imigrações é acima de tudo caracterizado por um<br />
tempo de extrema confusão entendi<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> falta de um Estado<br />
Romano sólido que combatesse os “invasores”, e pela diversi<strong>da</strong>de de<br />
povos que entravam pelos limes do decadente Império “Com certeza<br />
aqueles tempos foram, antes de tudo, de confusão. Confusão nasci<strong>da</strong><br />
em primeiro lugar <strong>da</strong> própria mistura de invasores. No decurso de sua<br />
marcha as tribos e os povos haviam guerr<strong>ea</strong>do entre si, uns sujeitando<br />
os outros”. [...] (LE GOFF. 2005. p. 27).<br />
As imigrações “bárbaras” no Ocidente ocorreram através de duas<br />
formas distintas: com germanos assenta<strong>dos</strong> com uma economia pre-<br />
dominantemente pastoril 18 , onde o contato com romanos no limes do<br />
Império era constante, mas principalmente através <strong>da</strong> violência e <strong>da</strong><br />
força é que se dá a imigração germânica no seio do mundo romano,<br />
pois em um tempo de mu<strong>da</strong>nças, a matança, a cruel<strong>da</strong>de e a violência,<br />
assumiram um papel natural, pois para os homens desse período a<br />
morte e o nascimento não vêm senão por violência e dor.<br />
Esses acontecimentos são compreendi<strong>dos</strong> em to<strong>da</strong> literatura do<br />
século V, como episódios de massacres, terror, atroci<strong>da</strong>des, destrui-<br />
ção, destacando-se que pobres são saqu<strong>ea</strong><strong>dos</strong> e crianças esmaga<strong>da</strong>s.<br />
Nesse período até pessoas com uma boa criação e com uma educação<br />
superior, buscavam refúgio e socorro com os considera<strong>dos</strong> inimigos<br />
“Os pobres são despoja<strong>dos</strong>, as viúvas gemem, os órfãos são esma-<br />
ga<strong>dos</strong>, a tal ponto que muitos dentre eles, incluí<strong>da</strong>s gentes de bom<br />
nascimento que tinham recebido uma educação superior, refugiam-se<br />
entre os inimigos” (SALVIANO. In: SÁNCHEZ, 2000, p. 44).<br />
Nesse fragmento de fonte, percebe-se claramente a instabili<strong>da</strong>de<br />
do Império Romano, que diante <strong>da</strong> crise e <strong>da</strong>s constantes e temíveis<br />
imigrações germânicas, os romanos não tinham outra alternativa se-<br />
não buscar nos outrora “bárbaros” esse refúgio necessário para sua<br />
sobrevivência, pois entendiam como uma chance de sobrevivência e,<br />
acima de tudo, tinham como única opção de vi<strong>da</strong>, a misericórdia <strong>dos</strong><br />
<strong>germânicos</strong>, pois do contrário seriam massacra<strong>dos</strong> pelos mesmos.<br />
Além <strong>da</strong> violência, esse período também foi assolado por pestes<br />
e doenças, onde enquanto <strong>germânicos</strong> promoviam matanças hostis, a<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 6<br />
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fome acabava por destruir as pessoas, prolongando até <strong>ao</strong> extremo em<br />
que carne humana era consumi<strong>da</strong>, mães alimentavam-se <strong>da</strong> carne de<br />
seus filhos. Eram os flagelos enfrenta<strong>dos</strong> nesse período: a espa<strong>da</strong>, a<br />
fome, a peste, até a de animais selvagens que em determinado tempo<br />
alimentavam-se de carne humana, promovendo assim um período de<br />
extrema violência sangue e dor.<br />
Ou ain<strong>da</strong>:<br />
Os bárbaros que tinham entrado nas Espanhas depre<strong>da</strong>ram-nas com<br />
matança hostil, E a peste, por sua parte, não fez menos estragos.<br />
Enquanto os bárbaros cometiam atroci<strong>da</strong>des na Espanha e o flagelo<br />
<strong>da</strong> peste atacava com não menos intensi<strong>da</strong>de [...]. (HIDÁCIO. In:<br />
SÁNCHEZ, op cit. p. 36).<br />
Uma fome cruel prolongou-se até o ponto de que a carne humana<br />
chegou a ser devora<strong>da</strong> pelo gênero humano pela necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
fome; inclusive as mães alimentaram-se com os corpos de seus<br />
filhos mortos ou cozinha<strong>dos</strong> pelas próprias mãos. Os animais selvagens,<br />
acostuma<strong>dos</strong> <strong>ao</strong>s cadáveres <strong>dos</strong> que morriam pela espa<strong>da</strong>,<br />
a fome ou a peste, matavam os homens mais fortes e, alimenta<strong>dos</strong><br />
com sua carne, lançavam por to<strong>da</strong> parte para perdição do gênero<br />
humano. E assim, fazendo estragos por todo o orbe as quatro pragas,<br />
a do ferro, <strong>da</strong> fome, <strong>da</strong> peste e <strong>dos</strong> animais selvagens [...].<br />
(id. ibid., p. 36).<br />
E notório que, no século III, Roma representava a “cabeça” do Im-<br />
pério, e como tal sempre obteve a atenção <strong>dos</strong> guerreiros <strong>germânicos</strong>,<br />
por entenderem que a que<strong>da</strong> de Roma representaria a que<strong>da</strong> de um<br />
Império inteiro, bem como a vitória triunfal sobre a “luz do mundo eu-<br />
ropeu” e a submissão de seu povo.<br />
Roma representava a vitória sobre os demais, além de riquezas,<br />
poder, terras para a sobrevivência, uma nova perspectiva, um poder<br />
colocado como absoluto que os <strong>germânicos</strong> buscavam.<br />
Como conseqüência, no século V, é chega<strong>da</strong> a notícia que Roma<br />
estava cerca<strong>da</strong>, e a ci<strong>da</strong>de que outrora fora conquistadora, era então<br />
conquista<strong>da</strong> e pereceu antes de ser destruí<strong>da</strong>, fazendo do ocidente um<br />
t<strong>ea</strong>tro de violência e sofrimento “Quem acreditaria que Roma, edifica-<br />
<strong>da</strong> pelas vitórias sobre todo o universo, viesse a cair; que tivesse sido<br />
simultan<strong>ea</strong>mente a mãe <strong>da</strong>s nações e o seu sepulcro” [...]. (HIERON-<br />
(HIERON-<br />
MI. In: ESPINOSA, 1972, p. 3)<br />
O mundo europeu no inicio do século V se encontrava mergulhado<br />
em tamanha depressão, que Santo Agostinho 19 nos coloca a notícia de<br />
Roma saqu<strong>ea</strong><strong>da</strong> no ano de 410 “[...] Roma a inexpugnável, entregue<br />
<strong>ao</strong> saque, a Ci<strong>da</strong>de Eterna confessando-se mortal. Em 24 de agosto de<br />
410, soa <strong>ao</strong>s ouvi<strong>dos</strong> romanos o primeiro toque de fina<strong>dos</strong>” (PETIOT,<br />
op cit., p.73).<br />
Como já comentado, as “invasões” foram eventos de longa dura-<br />
ção, a “que<strong>da</strong>” do Império Romano do Ocidente também foi aconte-<br />
cendo paulatinamente. Um Império não poderia cair <strong>da</strong> noite para o<br />
dia, mas por decorrência de vários fatores, ocorri<strong>dos</strong> em um grande<br />
espaço de tempo, como a crise interna enfrenta<strong>da</strong> a partir do século<br />
III e, principalmente, com o início violento as grandes imigrações ger-<br />
mânicas no mundo Ocidental. Iniciava-se assim um <strong>dos</strong> capítulos mais<br />
sangrentos <strong>da</strong> história, acarretando a desintegração do Império Roma-<br />
no do Ocidente, quando Odroacro, rei <strong>dos</strong> Hérulos destronou Romulus<br />
Augústulus como aparece no texto abaixo:<br />
Assim, o Império do Ocidente do povo romano, que o primeiro <strong>dos</strong><br />
augustus, Otaviano Augusto, tinha começado a dirigir no ano de<br />
709 <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Roma, pereceu com este Augústulo<br />
no ano de quinhentos e vinte e dois (476 d.C) do reinado de seus<br />
antecessores imperadores. Desde aí Roma e a Itália são governa<strong>dos</strong><br />
pelos <strong>reis</strong> Go<strong>dos</strong>. (JORDANES. In: SÁNCHEZ, op. cit., p. 40).<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 7<br />
| História | 2008
Enfim, essas imigrações causaram inúmeras transformações no<br />
mundo europeu, marcado pela “decadência” <strong>da</strong> civilização romana e<br />
pelo estabelecimento de diversos costumes “bárbaros”, <strong>ao</strong>nde a que-<br />
<strong>da</strong> <strong>da</strong>s instituições e <strong>dos</strong> direitos imperiais romanos geraram uma vio-<br />
lência, muitas vezes sem controle.<br />
1.3. O politeísmo germânico em um mundo cristão.<br />
Nesse espaço ain<strong>da</strong> em construção, um mundo confuso em que<br />
duas formas distintas de viver foram coloca<strong>da</strong>s frente a frente, a Igre-<br />
ja assumiu papel fun<strong>da</strong>mental funcionando como amálgama que unia<br />
duas formas distintas de viver podendo ser chama<strong>da</strong> de herdeira natu-<br />
ral do Império Romano do Ocidente.<br />
Em 391, Teodósio colocou o cristianismo como religião legal dentro<br />
do Império; com isso to<strong>da</strong>s as crenças fora <strong>dos</strong> dogmas prega<strong>dos</strong> pela<br />
Igreja Católica, foram persegui<strong>dos</strong> – O Cristianismo passava de perse-<br />
guido para perseguidor.<br />
Dentre as principais diferenças entre romanos e “bárbaros”, é no-<br />
tório no campo <strong>da</strong> religião. Os “bárbaros” tinham uma religião volta<strong>da</strong><br />
para as crenças tribais, com deuses <strong>da</strong> natureza, ou deuses provenien-<br />
tes <strong>da</strong> Mitologia Nórdica como: Odin, Votan, Fr<strong>ea</strong>, etc. Acreditavam que<br />
deuses encarnavam em elementos <strong>da</strong> natureza, como o Sol, Lua, e a<br />
Terra. Votan ou Odin só recebiam no paraíso celestial os guerreiros mor-<br />
tos em batalha; como conseqüência disso, o trabalho no exército, bem<br />
como o amor pela guerra eram de muito valor e honra para tais povos.<br />
[...] assim eles encontram prazer no perigo e na guerra. É considerado<br />
feliz aquele que sacrificou a sua vi<strong>da</strong> na batalha, enquanto<br />
que aqueles que envelheceram e deixaram o mundo por uma<br />
morte fortuita atacam com terríveis censuras de degenera<strong>dos</strong> e<br />
cobardes; e não existe na<strong>da</strong> de que mais se orgulhem do que matar<br />
um homem, qualquer que ele seja; como glorioso despojo do assassinato,<br />
cortam-lhe a cabeça, arrancam-lhe a pele e colocam-na<br />
sobre os seus cavalos de guerra como jaez. (MARCELLINUS. In:<br />
ESPINOSA, op. cit., p. 6).<br />
Entende-se então que to<strong>da</strong> visão de mundo <strong>dos</strong> <strong>germânicos</strong> era<br />
mol<strong>da</strong><strong>da</strong> através <strong>da</strong> crença em deuses <strong>da</strong> natureza, onde ca<strong>da</strong> um<br />
tinha uma determina<strong>da</strong> “função”, como deuses do vinho, deuses <strong>da</strong><br />
guerra, entre outros.<br />
Esse politeísmo “bárbaro” era muito controverso <strong>ao</strong> mundo roma-<br />
no que estava com os pés “finca<strong>dos</strong>” no Cristianismo, e como tal, não<br />
acreditava em valores <strong>da</strong> natureza, muito menos em quaisquer tipo<br />
de amuletos como os “bárbaros” acreditavam e carregavam consigo<br />
principalmente em tempos de batalha.<br />
[...] Os homens carregam inúmeros amuletos, presas de javalis, dentes<br />
de ursos, me<strong>da</strong>lhões de resina ou de âmbar. Alimentam fogos<br />
purificadores sobre os túmulos, onde são celebra<strong>da</strong>s refeições rituais.<br />
Levam oferen<strong>da</strong>s <strong>ao</strong>s deuses <strong>da</strong>s fontes, <strong>dos</strong> lagos e <strong>da</strong>s florestas;<br />
outros adoram o Sol e o fogo, cujos símbolos (ro<strong>da</strong>s estiliza<strong>da</strong>s,<br />
monstros contorci<strong>dos</strong>) enfeitam as pedras a os objetos familiares;<br />
outros, na Germânia, erguem ain<strong>da</strong> templos ás divin<strong>da</strong>des do antigo<br />
panteão romano, a Diana, por exemplo.[...]. (HEERS, op.cit., p. 31).<br />
Enquanto o Cristianismo oficialmente pregava a igual<strong>da</strong>de de to-<br />
<strong>dos</strong> perante um só Deus e principalmente o perdão diante <strong>dos</strong> inimi-<br />
gos, os “bárbaros” acreditavam que morrer lutando era uma questão<br />
de honra; e em sua cultura, a vingança era muito pratica<strong>da</strong> como uma<br />
maneira de controle social.<br />
Essa vingança tinha um valor legal muito elevado para os povos<br />
<strong>germânicos</strong>, pois, a partir de então, o culpado era punido com o próprio<br />
mal que ele havia causado. Nesse caso, a vingança era vista como uma<br />
mantenedora <strong>da</strong> ordem, onde os costumes eram tribais.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 8<br />
| História | 2008
Cometido um assassinato, a linhagem <strong>da</strong> vitima tinha o imperioso<br />
dever religioso de vingar essa morte, fosse no culpado, fosse num<br />
membro de sua parentela. E esta, por sua vez, devia fazer a mesma<br />
coisa. To<strong>da</strong> a educação para agressivi<strong>da</strong>de culminava nessas intermináveis<br />
vinganças priva<strong>da</strong>s que às vezes se prolongavam até o<br />
século VI. (ROUCHE, 1989, p. 482).<br />
Eram duas formas distintas de ver o mundo, duas representações<br />
de cotidiano extremamente conflitantes; se os <strong>germânicos</strong> pecavam,<br />
era inconscientemente, pois sua moral, sua conduta, sua cultura era<br />
outra, não se pode condenar tais povos pelo diferente.<br />
Nessa época, as principais quali<strong>da</strong>des do homem eram: o poder<br />
de destruição, agressivi<strong>da</strong>de, e a quali<strong>da</strong>de de tirar vi<strong>da</strong>s; que culti-<br />
va<strong>da</strong>s desde o inicio <strong>da</strong> juventude, consistia na maior gloria masculina<br />
descrita nas palavras de um cronista do século VII e referi<strong>da</strong> por Ja-<br />
cques Le Goff:<br />
Tal paixão pela destruição é expressa por Fedegário, cronista do<br />
século 7, através <strong>da</strong> exortação <strong>da</strong> mãe de um rei bárbaro <strong>ao</strong> filho:<br />
“ Se queres r<strong>ea</strong>lizar um grande feito e ganhar nome destrua tudo o<br />
que os outros construíram e massacre todo o povo que venceres,<br />
pois não é capaz de construir um edifício superior <strong>ao</strong>s que foram<br />
construí<strong>dos</strong> por teus predecessores e não há mais bela façanha<br />
que possa engrandecer teu nome.” (LE GOFF, op.cit, p. 28).<br />
Com tantos episódios de violência, cabe destacar um <strong>dos</strong> prin-<br />
cipais povos “bárbaros” do Ocidente, que de uma forma geral não<br />
se mostrou muito agressivo perante os romanos; frisam-se então os<br />
francos 20 com sua infiltração nos territórios do Império, na maioria <strong>da</strong>s<br />
vezes pacífica sem um teor de violência tão elevado quanto os outros<br />
povos <strong>germânicos</strong>.<br />
Os francos foram praticamente o único <strong>dos</strong> povos que não se<br />
converteram <strong>ao</strong> arianismo 21 , porém se mantiveram pagãos, até sua<br />
<strong>conversão</strong> <strong>ao</strong> Cristianismo católico ti<strong>da</strong> como uma “joga<strong>da</strong>” política<br />
consegui<strong>da</strong> através do rei Clóvis 22 no século V.<br />
[...] Mas este povo mostrou-se sempre entregue a cultos fanáticos<br />
sem ter qualquer conhecimento do ver<strong>da</strong>deiro Deus. Fez<br />
imagens <strong>da</strong>s florestas e <strong>da</strong>s águas, <strong>dos</strong> pássaros, <strong>dos</strong> animais<br />
selvagens e <strong>dos</strong> outros elementos <strong>ao</strong>s quais tinha por hábito<br />
prestar um culto divino e oferecer sacrifícios.[...]. (TOURS. In:<br />
SANCHEZ, op cit., p. 33).<br />
Como pagãos, certos povos também faziam sacrifícios para seus<br />
deuses, como uma forma de agradecimento pelas graças recebi<strong>da</strong>s e<br />
vitórias alcança<strong>da</strong>s em campanhas militares, sua divin<strong>da</strong>de principal<br />
era Mercúrio, que diversas vezes recebia sacrifícios humanos “Sua di-<br />
vin<strong>da</strong>de mais venera<strong>da</strong> é Mercúrio. Para aplacar-lhes as iras em certos<br />
dias do ano julgam lícito imolar-lhe vítimas humanas. Aplacam a Hér-<br />
cules e a Marte com animais rituais. Alguns <strong>dos</strong> suevos também fazem<br />
sacrifícios a Ísis” [...]. (TACÍTO, 1946, p. 03).<br />
As diferenças religiosas em um primeiro momento assumiram um<br />
papel de grande distinção entre romanos e “bárbaros”. Porém em um<br />
segundo momento, o Cristianismo era o principal elemento que aju<strong>da</strong>-<br />
va na manutenção <strong>da</strong> ordem nesse período, pois o Evangelho começa<br />
a penetrar nas leis e principalmente na política do período.<br />
A Igreja, única instituição sobrevivente <strong>da</strong> desintegração do Im-<br />
pério Romano do Ocidente, começava a trabalhar na <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong><br />
povos “bárbaros” de diversas formas. Ca<strong>da</strong> povo “bárbaro” necessita-<br />
va de uma forma diferente de ação <strong>da</strong> Igreja, visto que alguns, se não<br />
eram pagãos eram converti<strong>dos</strong> <strong>ao</strong> arianismo considerado como uma<br />
crença herética a partir do Concílio de Nicéia 23 em 325 d.C.<br />
Diversos povos “bárbaros” converti<strong>dos</strong> <strong>ao</strong> arianismo criaram um<br />
novo sistema de escrita, traduzindo a Bíblia para o gótico. Entende-se<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 9<br />
| História | 2008
que a partir disso os cultos seriam celebra<strong>dos</strong> em suas línguas, favo-<br />
recendo a um melhor entendimento que ajudou a entra<strong>da</strong> de mais fiéis<br />
<strong>ao</strong> movimento religioso.<br />
Outro fator muito importante foi a “tradução” <strong>da</strong> doutrina bíblica<br />
em esquemas simplórios, tirando to<strong>da</strong> a idéia de teologia dogmática,<br />
praticamente incompreensível <strong>ao</strong>s olhos “bárbaros” que entendiam o<br />
mundo e o cosmo de uma maneira mais aberta do que to<strong>dos</strong> os dogmas<br />
confusos prega<strong>dos</strong> pela Igreja.<br />
To<strong>da</strong> idéia dogmática prega<strong>da</strong> pela Igreja foi traduzi<strong>da</strong> para uma<br />
moral militar, de energia, de força, e principalmente em uma moral<br />
heróica, pois a partir desses elementos os <strong>germânicos</strong> se mostra-<br />
vam mais atraí<strong>dos</strong>, favorecendo assim a uma grande aceitação <strong>da</strong><br />
doutrina ariana. Foi dessa forma que o arianismo se apresentou<br />
como grande afronta <strong>ao</strong> catolicismo nos tempos medievais.<br />
Com certeza, a aproximação entre autori<strong>da</strong>des religiosas cristãs<br />
e os monarcas <strong>germânicos</strong> foram a melhor estratégia de cristianiza-<br />
ção desses povos, bem como a construção de monastérios em luga-<br />
res mais isola<strong>dos</strong>, como parte presente <strong>da</strong> doutrina católica, com sua<br />
função principal: evangelizar. Tal assunto será tratado no decorrer<br />
desse trabalho, quando será analisa<strong>da</strong>: a <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong> <strong>reis</strong> germâ-<br />
nicos e as estratégias de <strong>conversão</strong> usa<strong>da</strong> pela Igreja no período <strong>da</strong><br />
Alta I<strong>da</strong>de Média.<br />
Em linhas gerais, as divergências entre romanos e “bárbaros”, no<br />
campo religioso foi imenso, gerando um esforço de Evangelização ime-<br />
diato por parte <strong>da</strong> Igreja Católica visando o futuro <strong>da</strong> instituição no<br />
mundo medieval.<br />
2. IGREJA: UMA TRAJETÓRIA DE<br />
FÉ E PODER<br />
2.1 Enraizamento <strong>da</strong> <strong>igreja</strong> medieval<br />
Com a desintegração do Império Romano do Ocidente e a forma-<br />
ção de diversos Esta<strong>dos</strong> <strong>germânicos</strong>, a Igreja era ti<strong>da</strong> como herdeira<br />
r<strong>ea</strong>l do Império e estava intimamente liga<strong>da</strong> com o Estado Romano<br />
em seu caráter universalista principalmente a partir <strong>da</strong> legalização do<br />
culto cristão nos territórios do Império em 391. Por um lado, nega-<br />
va alguns aspectos <strong>da</strong> romani<strong>da</strong>de, como o significado <strong>da</strong> divin<strong>da</strong>de<br />
do imperador propiciando assim uma aproximação maior com o con-<br />
tingente “bárbaro” que adentrara <strong>ao</strong> decadente Império. Por outro,<br />
aceitava diversos aspectos <strong>da</strong> cultura romana como sua língua e seu<br />
aspecto universalista como citado acima. Mostrava-se assim como um<br />
elemento eclesiástico de amálgama dessas duas formas distintas de<br />
ver o mundo.<br />
A Igreja, em uma primeira ocasião, visava a consoli<strong>da</strong>ção de uma<br />
recente vitória do cristianismo como religião legal e em um segun-<br />
do momento pregava a aproximação com as autori<strong>da</strong>des germânicas<br />
com o intuito de alavancar maiores formas de atuação nos reinos<br />
recém forma<strong>dos</strong>.<br />
Nota-se, então, que como único elemento sobrevivente, a Igreja<br />
é incumbi<strong>da</strong> de uma <strong>da</strong>s tarefas mais longas <strong>da</strong> história: a <strong>conversão</strong><br />
desses povos <strong>germânicos</strong> que se apresentavam com um papel social<br />
muito importante na romani<strong>da</strong>de. A partir de então, bas<strong>ea</strong>ndo-se nas<br />
idéias de Cristo para “pregar o Evangelho a to<strong>da</strong> criatura” e principal-<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 10<br />
| História | 2008
mente com a idéia de única representante de Cristo no mundo medie-<br />
val, a Igreja começava tal investi<strong>da</strong> que acabou por triunfar séculos<br />
mais tarde na conquista <strong>dos</strong> povos “bárbaros”.<br />
O cristianismo tinha a necessi<strong>da</strong>de de se fortalecer e levar consi-<br />
go seu ideário de civilização <strong>ao</strong>s povos que chegavam. Com isso, cabe<br />
destacar o papel <strong>dos</strong> bispos que nos primeiros séculos <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média<br />
eram entendi<strong>dos</strong> como ver<strong>da</strong>deiras colunas de sustentação <strong>da</strong> fé cris-<br />
tã, divulgando as boas novas de Cristo, evangelizando e principalmente<br />
apresentavam-se como líderes políticos locais, liga<strong>dos</strong> com a conserva-<br />
ção do passado, bem como <strong>da</strong> paz e <strong>da</strong> ordem como nos refere Baschet:<br />
“O bispo é, então, a principal autori<strong>da</strong>de urbana, concentrando em si<br />
poderes religiosos e políticos: ele é juiz e conciliador, encarnação <strong>da</strong> lei e<br />
<strong>da</strong> ordem, pai e protetor de sua ci<strong>da</strong>de” [...] (BASCHET, op., cit. p. 63).<br />
Alguns desses bispos pertenciam às altas cama<strong>da</strong>s aristocráticas<br />
romano/germânicas eram homens com um determinado reconheci-<br />
mento na socie<strong>da</strong>de medieval. Sua posição social era um <strong>dos</strong> elemen-<br />
tos que facilitava a entra<strong>da</strong> no quadro eclesiástico que necessitava de<br />
homens com uma certa notorie<strong>da</strong>de na região. Ele organizava a defesa,<br />
dirigia e orientava a economia de mercado, surgia assim como um líder<br />
urbano com diversas funções diferentes.<br />
Ele organizava as defesas, dirigia a economia de mercado, presidia<br />
a justiça, negociava com outras ci<strong>da</strong>des e governantes. Quem eram<br />
esses bispos? É claro, membros proeminentes <strong>da</strong> antiga classe dominante<br />
romana. Famílias romanas aristocráticas, proprietárias de<br />
terras e do alto funcionalismo público, vinham se infiltrando nos<br />
escalões superiores <strong>da</strong> Igreja desde o século IV [...]. (JOHNSON,<br />
2001, p. 155).<br />
Foi por meio desses homens do clero que diversos aspectos <strong>da</strong><br />
organização administrativa romana e boa parte de seus costumes fo-<br />
ram aceitos na socie<strong>da</strong>de que se formava com presença germânica.<br />
Negociavam com monarcas <strong>germânicos</strong> trata<strong>dos</strong> de paz e muitas <strong>da</strong>s<br />
vezes eram ti<strong>dos</strong> como conselheiros de grande sabedoria. Com isso, a<br />
Igreja colocava sua influência sobre as ci<strong>da</strong>des e estendendo-se assim<br />
uma certa continui<strong>da</strong>de urbana em reinos <strong>germânicos</strong> onde os id<strong>ea</strong>is<br />
de uma vi<strong>da</strong> tribal eram apresenta<strong>dos</strong> timi<strong>da</strong>mente.<br />
Desde as suas mais remotas origens, a Igreja sempre se apoiou<br />
no trabalho e no empenho de homens como os bispos. Sua organiza-<br />
ção eclesiástica sempre necessitava de homens com muito desejo em<br />
expandir a obra e a Igreja de Cristo, a partir de então é que surge uma<br />
frase muito conheci<strong>da</strong> de São Cipriano, bispo mártir do século IV: Ec-<br />
clesia in episcopo (to<strong>da</strong> Igreja esta representa<strong>da</strong> na figura do bispo),<br />
que nos primeiros anos após a que<strong>da</strong> do Império Romano assumiu a<br />
missão de reconstituir o rebanho separado pelos peca<strong>dos</strong> “bárbaros”.<br />
Ou seja, se não há bispo, não há Igreja e, como tal quem perde com<br />
isso é a socie<strong>da</strong>de onde o bispo atua em diversos aspectos sociais<br />
além do religioso, pois r<strong>ea</strong>lizava diversos trabalhos que lhe eram in-<br />
cumbi<strong>dos</strong>, como: a manutenção de hospitais, escolas e prisões.<br />
Mas este papel propriamente religioso não é senão o coroamento<br />
de um prodigioso conjunto de diversas funções. Exige-se dele,<br />
também que supra a carência de administradores civis, que seja o<br />
primeiro organizador, que fiscalize o governador, e até que intervenha<br />
em questões r<strong>ea</strong>lmente surpreendentes, tais como o abastecimento<br />
ou a limpeza <strong>da</strong>s ruas! To<strong>da</strong> a obra social leva<strong>da</strong> a cabo pela<br />
Igreja – hospitais, escolas e prisões – recai praticamente sobre as<br />
suas costas. (PETIOT, op cit., p. 272).<br />
O respeito e admiração conquista<strong>da</strong> pelos bispos no decorrer <strong>dos</strong><br />
séculos IV e V impressionam pelo seu alto valor simbólico, pois a partir<br />
desse considerável reconhecimento é que os valores e os dogmas pre-<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 11<br />
| História | 2008
ga<strong>dos</strong> pela Igreja seriam respeita<strong>dos</strong> pela socie<strong>da</strong>de, o que garantiria<br />
seu crescimento no seio do Ocidente medieval.<br />
Esses bispos eram chama<strong>dos</strong> pelos próprios chefes “bárbaros”<br />
para colaborar na organização <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> recém forma<strong>dos</strong> pós “que-<br />
<strong>da</strong>” do Império Romano, pois em uma primeira experiência como lí-<br />
deres de Estado, esses “bárbaros” desconheciam sua estrutura de<br />
organização e o que restava <strong>da</strong>s leis romanas eram de certa forma<br />
incompreensível <strong>ao</strong>s olhos de chefes que conheciam apenas o campo<br />
de batalha e uma vi<strong>da</strong> em clãs ou tribos. Assim a Igreja e o poderio <strong>dos</strong><br />
bispos foram coloca<strong>dos</strong> como superiores.<br />
A Igreja, além de se firmar como poder religioso e político, acima de<br />
tudo era entendi<strong>da</strong> como uma força intelectual, pois dentro de seus monas-<br />
térios existiam bibliotecas memoráveis, além do que se deve <strong>ao</strong> papel <strong>dos</strong><br />
monges copistas a preservação de inúmeras obras do período medieval.<br />
Outro fator de determinante importância para o enraizamento <strong>da</strong><br />
Igreja no período medieval, com certeza foi o desempenhado pelos<br />
monges 24 que eram membros do clero e procuravam viver uma vi<strong>da</strong><br />
do cristianismo mais puro do que <strong>dos</strong> bispos que tinham um contato<br />
muito grande com a população em geral. Por isso, tinham esses repre-<br />
sentantes do clero regular uma maneira de vi<strong>da</strong> com oração e trabalho<br />
em mosteiros que, durante to<strong>da</strong> a Alta I<strong>da</strong>de Média, floresceram em<br />
grande quanti<strong>da</strong>de no mundo europeu.<br />
Com o cristianismo exercendo um forte papel nas ci<strong>da</strong>des prin-<br />
cipalmente com o trabalho religioso e político desempenhado pelos<br />
bispos, no campo e nas regiões mais distantes, a população tendia a<br />
aproximar-se de crenças mais antigas e pagãs condena<strong>da</strong>s pelo cristia-<br />
nismo oficial como heresia 25 , pois ia contra os dogmas prega<strong>dos</strong> pela<br />
Igreja, na qual existia um só Deus e uma só Igreja.<br />
Foi nesse contexto de expansão <strong>da</strong> fé cristã que surgem os mo-<br />
nastérios, quando era evidencia<strong>da</strong> a atuação cristianizadora <strong>dos</strong> mon-<br />
ges nas regiões mais afasta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de onde o cristianismo ain<strong>da</strong><br />
era quase desconhecido ou não tinha um conhecimento muito grande<br />
<strong>da</strong> população. Esses monastérios permitiram <strong>ao</strong> poder eclesiástico<br />
chegar a lugares mais remotos <strong>da</strong> Europa, pois onde estava um mo-<br />
nastério ali se encontrava as idéias cristãs “O conjunto desses esta-<br />
belecimentos, geralmente fun<strong>da</strong><strong>dos</strong> em lugares isola<strong>dos</strong>, permite <strong>ao</strong><br />
cristianismo fincar o pé nos campos: <strong>ao</strong> lado de uma rede urbana <strong>dos</strong><br />
bispos, existe agora uma plantação rural de fun<strong>da</strong>ções monásticas”<br />
(BASCHET, op., cit. p. 66).<br />
O aumento significativo <strong>dos</strong> monastérios pode ser considerado<br />
um <strong>dos</strong> maiores eventos propicia<strong>dos</strong> pela Igreja na I<strong>da</strong>de Média, pois<br />
tanto <strong>reis</strong>, como bispos e nobres, acreditavam que colocando recursos<br />
na construção de monastérios seria a melhor maneira de alcançar um<br />
lugar no mundo celestial e a salvação <strong>da</strong> alma.<br />
Nesse empreendimento destaca-se também o papel <strong>da</strong>s mulheres<br />
como monjas que se dedicavam principalmente a oração e <strong>ao</strong> trabalho<br />
de tecelagem.<br />
Efetivamente, as mulheres não ficaram atrás <strong>dos</strong> homens desta<br />
santa emulação. Multiplicam-se também as abadias de monjas,<br />
ain<strong>da</strong> que em menos numero. Estritamente enclausura<strong>da</strong>s, conforme<br />
fora estabelecido por São Cesário e se observa por to<strong>da</strong> parte,<br />
as religiosas dedicavam-se sobretudo á oração e a trabalhos de<br />
tecelagem e bor<strong>da</strong><strong>dos</strong>.(PETIOT, op cit., p. 282).<br />
Juntamente com o surgimento <strong>dos</strong> monastérios, cabe destacar o<br />
papel <strong>da</strong>s paróquias rurais que colaboraram muito para o crescimento<br />
do cristianismo em lugares de massa <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de “bárbara”. Além<br />
<strong>dos</strong> monastérios, bispos e monges, cabe destacar também o papel de<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 12<br />
| História | 2008
evangelização <strong>dos</strong> missionários que, nas regiões mais distantes se en-<br />
tregavam à obra <strong>da</strong> Igreja de Cristo.<br />
Foram esses os principais elementos de colaboração para o enrai-<br />
zamento <strong>da</strong> Igreja no Ocidente pós “que<strong>da</strong>” do Império Romano. To<strong>dos</strong><br />
esses elementos juntos formam um grande instrumento de cristiani-<br />
zação e divulgação <strong>da</strong> boa nova <strong>da</strong> Igreja de Cristo em regiões onde<br />
sobreviviam vários costumes tribais. Esses elementos colocaram sua<br />
voz e r<strong>ea</strong>lizaram o grande papel <strong>da</strong> Igreja na época: a <strong>conversão</strong> do<br />
Ocidente <strong>ao</strong> cristianismo.<br />
2.2 EXPANSÃO DA FÉ E LUTA CONTRA O PAGANISMO<br />
Decorrente do grande crescimento institucional proporcionado por<br />
diversos fatores já comenta<strong>dos</strong> nesse trabalho, a Igreja penetra nas<br />
cama<strong>da</strong>s mais distantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, saindo <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des e chegando<br />
a lugares mais remotos como as partes rurais. Nesses locais onde a<br />
missão evangelizadora ain<strong>da</strong> não tinha chegado, as pessoas tendiam a<br />
crer nos deuses de seus ancestrais, forças <strong>da</strong> natureza ou até mesmo<br />
estavam converti<strong>dos</strong> à doutrina ariana.<br />
Em tal período é notória a presença de uma Igreja que fazia frente<br />
<strong>ao</strong> paganismo como perseguidora. Na maioria <strong>da</strong>s vezes destruía tem-<br />
plos pagãos ou então se apossava de outros para a prática do próprio<br />
culto cristão. Destaca-se então o papel de um monge que lutou fervo-<br />
rosamente contra o paganismo: Martinho de Tours 26 , que juntamente<br />
com Gregório de Tours 27 , pode ser considerado os grandes evangeliza-<br />
dores <strong>da</strong> Gália. Martinho de Tours é um exemplo muito claro dessa luta<br />
contra o paganismo, mesmo antes <strong>da</strong> “que<strong>da</strong>” do Império Romano do<br />
Ocidente, ou seja em um momento em que o cristianismo buscava uma<br />
afirmação dentro <strong>da</strong> massa popular, era conhecido pelos seus prodí-<br />
gios de curas maravilhosas, exorcismo, destruição de diversas arvores<br />
sagra<strong>da</strong>s, feitos que lhe renderam grande repercussão nas regiões em<br />
que atuava.<br />
Feitos prodigiosos continuavam sendo atribuí<strong>dos</strong> a ele. Curas numerosas,<br />
exorcismos, previsão do futuro, diálogos com anjos e demônios.<br />
Digno de nota é o fato de uma boa parte desses prodígios<br />
aparecer associa<strong>da</strong> a momentos de luta contra o paganismo. Martinho<br />
destruía os ídolos <strong>dos</strong> camponeses pagãos, cortava suas árvores<br />
sagra<strong>da</strong>s, derrubava seus templos e os substituía por Igrejas<br />
e monastérios, sendo numerosas as conversões nessas ocasiões<br />
(FREITAS, 2001, p. 142).<br />
Os relatos acerca dessa propagação sugerem uma vontade clara<br />
por parte <strong>dos</strong> monges de ganhar mais uma alma para a Igreja de Cris-<br />
to. Destaca-se seu grande poder de oratória, pois onde os pagãos fos-<br />
sem mais violentos, a grande arma para evangelização era a pregação<br />
<strong>da</strong> palavra <strong>da</strong> Igreja, com o intuito de levar salvação para essas pesso-<br />
as, que diversas vezes induzi<strong>da</strong>s pela pregação desses homens de fé<br />
destruíam os templos de adoração de seus próprios deuses “Mas em<br />
geral, quando os camponeses procuravam com hostili<strong>da</strong>de dissuadi-lo<br />
de destruir seus santuários, sua santa pregação mitigava o ânimo <strong>dos</strong><br />
pagãos que, ilumina<strong>dos</strong> pela luz <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, derrubavam eles próprios<br />
os seus templos” (SEVERO, 2001, apud., FREITAS, id., ibid., p. 141).<br />
Não podemos deixar de pensar que essas ações de evangelização de<br />
Martinho nas regiões mais afasta<strong>da</strong>s fossem, de certa forma, apoia<strong>da</strong>s<br />
pelo Império, pois com a oficialização do culto cristão no Ocidente euro-<br />
peu, to<strong>da</strong> e qualquer crença fora <strong>da</strong> prega<strong>da</strong> pela Igreja era condena<strong>da</strong>.<br />
Por isso, é prudente pensar que algumas dessas missões de destruição de<br />
templos pagãos podem ter sido apoia<strong>da</strong>s por homens do exército romano<br />
que lutavam em favor <strong>da</strong> Igreja buscando uma maior difusão <strong>da</strong> fé cristã.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 13<br />
| História | 2008
A partir desse momento, percebe-se uma atuação essencial de<br />
Martinho de Tours no processo de <strong>conversão</strong> <strong>da</strong>s pessoas que, crentes<br />
na pregação desses homens <strong>da</strong> Igreja, deixavam gra<strong>da</strong>tivamente suas<br />
crenças a partiam para uma nova visão de mundo totalmente fun<strong>da</strong>-<br />
menta<strong>da</strong> nos princípios <strong>da</strong> Igreja Católica.<br />
Para os monges cristãos, aqueles deuses pagãos eram demônios<br />
que deveriam ser destruí<strong>dos</strong>. Por isso, a luta incessante <strong>da</strong> Igreja con-<br />
tra os pagãos. Além de se apresentarem como contestadores <strong>da</strong> fé<br />
crista, esses deuses eram, de uma forma mais ampla, portadores de<br />
espíritos malignos que <strong>ao</strong>s olhos <strong>dos</strong> homens do clero deviam ser exor-<br />
ciza<strong>dos</strong> para se manter a paz e a união de to<strong>dos</strong>.<br />
Esses homens encarrega<strong>dos</strong> de lutar contra o paganismo, tinham o<br />
propósito de modificar do homem a visão sagra<strong>da</strong> que o mesmo tinha.<br />
Essa visão de sagrado é estu<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo historiador <strong>da</strong>s religiões. Mir-<br />
c<strong>ea</strong> Eliade que, em seu livro, O Sagrado e o Profano, nos aponta clara-<br />
mente essa manifestação do sagrado para as diferentes socie<strong>da</strong>des:<br />
Poder-se-ia dizer que a história <strong>da</strong>s religiões - desde as mais primitivas<br />
ás mais elabora<strong>da</strong>s – é constituí<strong>da</strong> por um número considerável<br />
de hierofanias 28 , pelas manifestações <strong>da</strong>s r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong>des sagra<strong>da</strong>s.<br />
A partir <strong>da</strong> mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação<br />
do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore – e<br />
até a hierofania suprema, que é para um cristão, a encarnação de<br />
Deus em Jesus Cristo [...] (ELIADE, 2001, p. 17).<br />
Nesse sentido, prevalecia a visão cristã de substituir essa imagem<br />
do sagrado estabelecido em diversos elementos <strong>da</strong> natureza, e o colo-<br />
caria no seio <strong>da</strong> Igreja Católica. Além disso, colocaria to<strong>da</strong> a natureza<br />
sob domínio e conhecimento do homem.<br />
Um aspecto determinante na luta contra o paganismo foi à busca<br />
por pontos de contato que tivessem um significado essencial para os<br />
pagãos. A partir disso, foram introjeta<strong>da</strong>s idéias cristãs, em amule-<br />
tos pagãos, eram altera<strong>dos</strong> símbolos de ritos locais ou pagãos, em<br />
seu lugar eram coloca<strong>dos</strong> a cruz – símbolo do cristão. Era o caso <strong>dos</strong><br />
templos pagãos cita<strong>dos</strong> anteriormente, quando muitas vezes esses<br />
templos eram transforma<strong>dos</strong> em templos cristãos; os lugares eram os<br />
mesmos, mas a essência a partir dessa mu<strong>da</strong>nça era outra, totalmente<br />
contrária.<br />
Outro elemento de luta <strong>da</strong> Igreja nesse período era a doutrina<br />
ariana, que se apresentava como uma grande am<strong>ea</strong>ça <strong>ao</strong>s dogmas<br />
prega<strong>dos</strong> pela Igreja Católica. Essa doutrina entrava muito facilmente<br />
no espírito germânico, pois, como já comentado, a doutrina católica<br />
muito dogmática era praticamente incompreensível <strong>ao</strong>s olhos germâ-<br />
nicos, acostuma<strong>dos</strong> com uma crença menos elabora<strong>da</strong> e tribal. Visto<br />
que para os “bárbaros” com um passado politeísta, era mais aceitável<br />
a figura de Deus (Pai) e Cristo (Filho) e Espírito Santo, como três<br />
divin<strong>da</strong>des diferentes, visão condena<strong>da</strong> pela Igreja que pregava to<strong>dos</strong><br />
eram a mesma pessoa.<br />
Para tal obra de evangelização os missionários envia<strong>dos</strong> pela Igreja<br />
Católica às regiões com grandes concentrações de arianos, buscavam<br />
pregar as boas novas <strong>da</strong> fé em linguagem gótica, propiciando uma<br />
aproximação maior com tais povos. Condena<strong>da</strong> com heresia a partir<br />
do Concilio de Nicéia, o arianismo foi vitima de inúmeras perseguições<br />
por parte <strong>dos</strong> católicos, muitas dessas perseguições com extrema vio-<br />
lência e sangue, o que faria com que a doutrina nicena prevalecesse<br />
fortalecendo ain<strong>da</strong> mais o poder <strong>da</strong> Igreja nesse período.<br />
Em linhas gerais, assim se apresentou a luta contra o paganismo<br />
no Ocidente cristão nos primeiros séculos <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média. Em deter-<br />
mina<strong>da</strong> etapa contra os pagãos com uma religião liga<strong>da</strong> a elementos <strong>da</strong><br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 14<br />
| História | 2008
natureza e em outro momento a luta contra o arianismo que acabou por<br />
decretar a vitória do credo niceno colocando assim um poder supremo<br />
nas mãos <strong>da</strong> Igreja Católica.<br />
2.3 A <strong>igreja</strong> consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>: concílios e dogmas<br />
Antes do enraizamento <strong>da</strong> Igreja, o culto Cristão foi severamente<br />
perseguido no Ocidente. Apenas, a partir do ano de 313 com o Édito<br />
de Milão 29 , é que o culto cristão e os demais cultos religiosos pagãos<br />
passaram a ser tolera<strong>dos</strong> sob ordem Imperador romano Constantino<br />
como é relatado abaixo:<br />
[...] conceder tanto <strong>ao</strong>s cristãos quanto a to<strong>dos</strong> os demais a facul<strong>da</strong>de<br />
de seguirem livremente a religião que ca<strong>da</strong> um desejar,<br />
de maneira que to<strong>da</strong> a classe de divin<strong>da</strong>de que habita a mora<strong>da</strong><br />
celeste seja propícia a nós e a to<strong>dos</strong> os que estão sob a nossa<br />
autori<strong>da</strong>de. Assim temos tomado esta saudável e retíssima determinação<br />
de que a ninguém seja nega<strong>da</strong> a facul<strong>da</strong>de de seguir<br />
livremente a religião que tenha escolhido para o seu espírito, seja a<br />
cristã ou qualquer outra que achar mais conveniente; a fim de que a<br />
suprema divin<strong>da</strong>de a cuja religião prestamos esta livre homenagem<br />
possa nos conceder o seu favor e benevolência (LACTANCIO. In:<br />
SANCHEZ, op cit., p. 28).<br />
Entretanto, no ano de 391, o Imperador Teodósio colocou o cristia-<br />
nismo como religião oficial do Império, a partir do Édito de Tessalôni-<br />
ca 30 e, como conseqüência disso, torna-se a religião oficial no Ocidente<br />
medieval. Mesmo com o enfraquecimento e “que<strong>da</strong>” do Império Roma-<br />
no do Ocidente, o cristianismo continuou com sua influência passando<br />
de religião “caça<strong>da</strong>” a religião “caçadora” quando séculos mais tarde,<br />
seu poder de perseguição era ilustrado pelas fogueiras <strong>da</strong> Inquisição.<br />
A partir de então, to<strong>dos</strong> que seguiam a fé cristã, passaram a ser cha-<br />
ma<strong>dos</strong> de Cristãos Católicos, como conseqüência, quem não seguisse<br />
a Igreja seria considerado herege, insensatos entre outros.<br />
Ordenamos que to<strong>da</strong>s aquelas pessoas que seguem esta norma tomem<br />
o nome de cristãos católicos. Porém, o resto, <strong>ao</strong>s quais consideramos<br />
dementes e insensatos, assumirão a infâmia <strong>dos</strong> dogmas<br />
heréticos, os lugares de suas reuniões não receberão o nome de<br />
<strong>igreja</strong>s e serão castiga<strong>dos</strong> em primeiro lugar pela divina vingança,<br />
e, depois, também, (por justo castigo) pela nossa iniciativa, que<br />
providenciaremos de acordo com o juízo divino (TEODOSIANO. In:<br />
SANCHEZ, id. ibid., p. 29).<br />
Diante disso, percebe-se que to<strong>da</strong> e qualquer crença, inclusive o<br />
cristianismo, é coloca<strong>da</strong> como tolera<strong>da</strong> pelo Imperador Constantino.<br />
Porém, cerca de 78 anos depois o cristianismo é tido como religião<br />
legal dentro do Império, deslocando assim, o culto não cristão para a<br />
ilegali<strong>da</strong>de.<br />
A Igreja tendo estabelecido o cristianismo como religião legal no<br />
Ocidente, se viu diante de inúmeras dúvi<strong>da</strong>s relativas <strong>ao</strong>s dogmas cris-<br />
tãos <strong>ao</strong> corpo eclesiástico, a organização e principalmente a hierarqui-<br />
zação <strong>da</strong> Igreja na Europa medieval. A partir disso foram instituí<strong>dos</strong><br />
os Concílios Ecumênicos, em que diversas discussões sobre a moral<br />
eclesiástica eram coloca<strong>dos</strong>.<br />
Decorrente do crescimento <strong>da</strong> Igreja, o corpo eclesiástico se viu<br />
num grande e delicado problema: a natureza de Deus? Diante disso<br />
existiam duas correntes com interpretações divergentes sobre a re-<br />
lação entre Deus (Pai), Cristo (Filho) e Espírito Santo. O arianismo<br />
pregava que o Filho não era a mesma substância do Pai, enquanto a<br />
doutrina nicena colocava o Filho como substância provi<strong>da</strong> do Pai.<br />
Como determina<strong>da</strong>s questões envolviam diretamente a manuten-<br />
ção <strong>da</strong> Igreja no Ocidente foi organizado o Concilio de Nicéia em 325,<br />
que pretendia abrir discussão sobre a natureza divina e as relações en-<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 15<br />
| História | 2008
tre os elementos formadores <strong>da</strong> Santíssima Trin<strong>da</strong>de, tendo como re-<br />
sultado a vitória do credo niceno e a negação do arianismo, tornando-o<br />
como heresia, contrária e combati<strong>da</strong> pela Igreja Católica.<br />
Nesse mesmo período, surgem duas interpretações diferentes: os<br />
monofisitas defensores <strong>da</strong> idéia que Cristo era apenas divino e não<br />
substância humana e, por outro lado, encontravam-se os nestorianos<br />
com a idéia de que Cristo portava duas naturezas: a divina e a humana.<br />
Tal questão foi discuti<strong>da</strong> no Concilio de Calcedônia em 451, onde as<br />
duas correntes foram condena<strong>da</strong>s, pois Cristo era de natureza única<br />
indivisível e inseparável “[...] Seguindo os santos Padres, to<strong>dos</strong> nós em<br />
uníssono ensinamos que o Filho e Nosso Senhor Jesus Cristo são um<br />
só e o mesmo” [...] (MANSI. In: ESPINOSA, 1972, p. 59).<br />
Nesse mesmo Concílio, a decisão sobre a divin<strong>da</strong>de de Cristo é<br />
coloca<strong>da</strong>:<br />
Um só e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, em duas naturezas<br />
inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis, salva<br />
a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s naturezas e concorrendo numa só pessoa e<br />
hipóstase, não separa<strong>da</strong> ou dividi<strong>da</strong> em duas pessoas, mas um só<br />
e o mesmo Filho e Unigênito, Deus Verbo, o Senhor Jesus Cristo,<br />
como desde o principio os profetas anunciaram a seu respeito e<br />
como Jesus Cristo, ele mesmo, nos ensinou, e como o credo <strong>dos</strong><br />
Padres transmitiu (id. ibid., p. 59).<br />
Mesmo com a condenação tanto de monofisitas como de nesto-<br />
rianos, o Concílio de Calcedônia teve uma nova edição no ano de 553,<br />
reforçando a decisão toma<strong>da</strong> no primeiro Concílio.<br />
Foi o concílio <strong>da</strong> Calcedônia (451) que assumiu a posição cristológica<br />
mais firme, sancionando a teoria <strong>da</strong>s duas naturezas de<br />
Cristo. Mas o debate não termina, o que obrigará Justiniano I a<br />
convocar o segundo concílio de Constantinopla (553) para reforçar<br />
a decisão <strong>da</strong> Calcedônia, insistindo mais sistematicamente na di-<br />
vin<strong>da</strong>de de Cristo. O origenismo é formalmente condenado nesse<br />
concílio (ELIADE, 2003, p. 119).<br />
Tanto no Concílio de Nicéia quanto nos dois r<strong>ea</strong>liza<strong>dos</strong> em (451 e<br />
553), nota-se claramente a defesa e a luta <strong>da</strong> Igreja para uma melhor<br />
compreensão <strong>da</strong> doutrina Cristã, pois a partir disso sua aceitação e<br />
organização na socie<strong>da</strong>de medieval estaria avançando de uma forma<br />
muito ampla, deixando pra trás quaisquer divergências e contestações.<br />
To<strong>da</strong> moral dogmática <strong>da</strong> Igreja estava buscando consoli<strong>da</strong>r-se, não<br />
abrindo caminho para heresias que pudessem surgir.<br />
Esses Concílios surgiram também com a função de organizar e hie-<br />
rarquizar a Igreja, especificando funções para ca<strong>da</strong> membro do clero,<br />
bem como distinguir lugares de ação desses membros <strong>da</strong> Igreja no<br />
Ocidente, e o papel <strong>dos</strong> bispos como lugares de atuação dentre outros<br />
e principalmente exortava o corpo eclesiástico para as medi<strong>da</strong>s que<br />
seriam toma<strong>da</strong>s caso tanto bispos como qualquer outro membro do<br />
clero viesse a trocar de lugar de atuação.<br />
Cânone 15 – Devido <strong>ao</strong> grande distúrbio e discórdia que ocorre,<br />
decreta-se que o costume subsistente em certos lugares contrário<br />
<strong>ao</strong> Cânone seja por completo revogado; desta maneira, nem<br />
bispos, nem presbíteros, nem os diáconos, deverão passar de uma<br />
ci<strong>da</strong>de para outra. Se alguém depois deste decreto do sagrado e<br />
grande sínodo tentar tal coisa ou continuar a fazer o mesmo, o seu<br />
procedimento deverá ser por completo anulado e restituído á Igreja<br />
para a qual foi ordenado bispo ou presbítero (AER. In: ESPINOSA<br />
id. ibid., p. 128).<br />
Cabe destacar que, desde os tempos medievais até o século XVI,<br />
19 Concílios foram r<strong>ea</strong>liza<strong>dos</strong>. To<strong>dos</strong> eles tiveram um papel importante<br />
na definição e estruturação <strong>dos</strong> dogmas eclesiásticos. Havia uma ne-<br />
cessi<strong>da</strong>de de consoli<strong>da</strong>r aquela organização e hierarquia. O poder polí-<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 16<br />
| História | 2008
tico e a grande atuação <strong>da</strong> Igreja na socie<strong>da</strong>de eram manti<strong>dos</strong> através<br />
<strong>da</strong> r<strong>ea</strong>lização desses Concílios, onde eram toma<strong>da</strong>s decisões visando a<br />
manutenção e a continui<strong>da</strong>de e a supremacia <strong>da</strong> Igreja nesse período.<br />
Durante esse longo processo de enraizamento, organização, hie-<br />
rarquização e estruturação <strong>da</strong> Igreja, o Ocidente passou por diversas<br />
mu<strong>da</strong>nças, como a “que<strong>da</strong>” do Império Romano do Ocidente, a insti-<br />
tuição de diversos Esta<strong>dos</strong> “bárbaros” que foram se formando pro-<br />
gressivamente. A Igreja assistiu a to<strong>dos</strong> esses eventos, onde em de-<br />
termina<strong>dos</strong> momentos assumiu um papel de diferença entre os povos<br />
do Ocidente, ou ain<strong>da</strong> quando surge como grande unificadora desses<br />
povos. Diante dessas mu<strong>da</strong>nças, a Igreja sentiu a necessi<strong>da</strong>de de se<br />
estruturar, formar melhor seu quadro eclesiástico e fun<strong>da</strong>mentar me-<br />
lhor sua doutrina. Tudo isso foi possível através <strong>dos</strong> Concílios Ecumê-<br />
nicos r<strong>ea</strong>liza<strong>dos</strong>, sempre que entendi<strong>dos</strong> como necessários, pela Igreja<br />
ou muitas vezes pelo poder imperial como no caso de Justiniano.<br />
3. IMPÉRIO CAROLÍNGIO<br />
3.1. A <strong>conversão</strong> de Clóvis<br />
Antes de analisar a <strong>conversão</strong> do rei <strong>dos</strong> francos Clóvis, é neces-<br />
sário entender o motivo aparentemente r<strong>ea</strong>l <strong>da</strong> r<strong>ea</strong>lização de seu batis-<br />
mo. É essencial uma premissa: é mais vantajosa a atuação de bispos e<br />
missionários em regiões onde o politeísmo era predominante, visto que,<br />
colocar a palavra de Cristo em lugares onde essa idéia ain<strong>da</strong> não tinha<br />
chegado era mais eficaz, pois mostrar todo ensinamento ortodoxo de<br />
Cristo em lugares onde o entendimento sobre o mesmo era divergente,<br />
como nas regiões onde o arianismo predominante levaria muito mais<br />
tempo, além de possíveis batalhas sangrentas em nome <strong>da</strong> fé.<br />
Os francos, nesse período, eram praticamente o único povo ger-<br />
mânico que não se convertera <strong>ao</strong> arianismo; antes se mantivera com<br />
cultos e ritos pagãos, tinham e adoravam deuses <strong>da</strong> natureza como<br />
árvores sagra<strong>da</strong>s, florestas com poderes mágicos, seres mitológicos<br />
gigantes ou ain<strong>da</strong> se colocavam perante divin<strong>da</strong>des provenientes <strong>da</strong><br />
mitologia nórdica. Entende-se, portanto, que o povo franco tendia a<br />
uma atuação maior e mais vibrante por parte <strong>dos</strong> missionários e mon-<br />
ges <strong>da</strong> Igreja Católica. Foi o caso de Martinho e Gregório de Tours<br />
dentre outros.<br />
Uma vez considera<strong>da</strong> essa premissa, a <strong>conversão</strong> do rei <strong>dos</strong> fran-<br />
cos, Clóvis, marca o início de uma união entre os povos “bárbaros” no<br />
Ocidente, e acima de tudo, nos revela uma grande atuação missionária<br />
na região <strong>da</strong> Gália. O contato de Clóvis com o cristianismo vem de pelo<br />
menos 15 anos antes do seu batismo, como é relatado por Gregório de<br />
Tours o episodio muito conhecido do vaso de Soissons 31 .<br />
Mesmo se apresentando como pagão Clóvis é um conhecedor na-<br />
tural do cristianismo, pois além do contato com os bispos locais, sua<br />
esposa Clotilde 32 trabalhava diariamente sua <strong>conversão</strong> que ocorreu<br />
cerca de 6 anos após o seu casamento. Ano que a historiografia não<br />
consegue detalhar com exatidão, provavelmente final do século V, ou<br />
início do século VI. Seu batismo foi r<strong>ea</strong>lizado por São Remígio, bispo de<br />
Reims, quando no mesmo dia 3 mil homens do seu exército desceram<br />
à pia batismal para receberem o sacramento:<br />
Então a rainha chamou em segredo São Remígio, bispo de Reims,<br />
suplicando-lhe que fizesse penetrar no coração do rei a palavra<br />
<strong>da</strong> salvação. O sacerdote, tendo-se posto em contato com Clóvis,<br />
levou-o pouco a pouco e secretamente a acreditar no ver<strong>da</strong>deiro<br />
Deus, criador do céu e <strong>da</strong> terra, e a renunciar <strong>ao</strong>s ídolos, que não<br />
lhe podiam ser de qualquer aju<strong>da</strong>, nem de ninguém [...]<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 17<br />
| História | 2008
O rei, tendo, pois confessado um Deus todo-poderoso na trin<strong>da</strong>de,<br />
foi batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ungido<br />
do santo Crisma com o sinal-<strong>da</strong>-cruz. Mais de três mil homens do<br />
seu exército foram igualmente batiza<strong>dos</strong> [...] (TOURS. In: SAN-<br />
CHEZ, op cit., p. 44).<br />
O batismo do rei não significou automaticamente uma total acei-<br />
tação <strong>da</strong> doutrina cristã no Império franco, mesmo com 3 mil sol<strong>da</strong>-<br />
<strong>dos</strong> sendo batiza<strong>dos</strong>, essa total aceitação <strong>da</strong> crença cristã era uma<br />
questão que levaria mais tempo, até ser aceita pela maioria do con-<br />
tingente franco.<br />
Outros casos também vem à tona quando pensamos no ver<strong>da</strong>-<br />
deiro motivo do batismo de Clóvis, além <strong>da</strong> influência de homens do<br />
clero e de sua esposa, é muito certo que a batalha contra os alamanos<br />
(496-497) conta<strong>da</strong> por Gregório de Tours 33 foi um grande ponto de<br />
apoio para a aceitação, por parte de Clóvis, do cristianismo. Diante<br />
<strong>da</strong> batalha, em uma situação de total desespero <strong>ao</strong> ver seu exército<br />
praticamente definhando perante o inimigo, Clóvis prometeu se deixar<br />
batizar na doutrina do Deus de sua esposa se alcançasse a vitória<br />
que parecia impossível; o fato é que a vitória ocorreu e, com isso, o<br />
batismo ficou registrado ca<strong>da</strong> vez com mais força perante os olhos<br />
do rei franco.<br />
Percebe-se, então, que o fato de maior relevância para conduzir<br />
Clóvis à pia batismal, foi o episódio <strong>da</strong> batalha contra os alamanos. Em<br />
uma socie<strong>da</strong>de como a medieval, onde o medo era representado em<br />
diversas partes do cotidiano: guerras, fome e pestes, o homem sentia<br />
a necessi<strong>da</strong>de de encontrar o sagrado como forma de comprovação <strong>da</strong><br />
sua fé. Clóvis deu a impressão de esperar um momento de manifesta-<br />
ção do sagrado em favor <strong>da</strong> sua vitória para assim ilustrar melhor sua<br />
entra<strong>da</strong> no mundo crstão “Nas batalhas medievais, Deus, ou algum<br />
representante seu (anjo, santo), sempre participa e define o resultado.<br />
Ele não resolve a pendência sem a batalha, para <strong>da</strong>r a chance <strong>ao</strong>s<br />
homens de melhor expressarem seu envolvimento com Ele” (FRANCO<br />
JUNIOR, 2006, p. 140).<br />
Com a vitória em mãos só restava <strong>ao</strong> rei cumprir sua promessa feita<br />
em campanha militar. Com sua desci<strong>da</strong> à pia batismal, Clóvis, pode-se<br />
assim dizer que iniciou um processo de unificação política <strong>da</strong>s tribos “bár-<br />
baras” que alcançou seu esplendor com a coroação de Carlos Magno no<br />
ano de 800. A partir do sacramento batismal, a Igreja alcançou uma vitó-<br />
ria sem tamanho, além de encaminhar o destino do Ocidente cristão.<br />
Com certeza esse fato serviu de símbolo para os diversos outros<br />
povos “bárbaros” que ain<strong>da</strong> não tinham se convertido <strong>ao</strong> cristianismo ou<br />
ain<strong>da</strong> eram pagãos, pois, a partir disso, Clóvis, com apoio <strong>da</strong> Igreja, ini-<br />
ciou uma série de grandes guerras de conquistas nas regiões vizinhas au-<br />
mentando consideravelmente o território do império franco. A <strong>conversão</strong><br />
de Clóvis relaciona<strong>da</strong> à vitória na guerra funcionou como uma eficiente<br />
propagan<strong>da</strong> político e religiosa. Com isso o trabalho <strong>dos</strong> bispos em regi-<br />
ões onde o arianismo predominava era facilitado, pois usavam o fato do<br />
reino <strong>dos</strong> francos ter êxito em batalhas e como isso só era possível pela<br />
adoção do cristianismo pelo seu rei. A partir de então, as massas se co-<br />
locavam muitas vezes contra seus próprios <strong>reis</strong> pedindo sua <strong>conversão</strong>,<br />
como explica Jacques Le Goff:<br />
Convertendo-se <strong>ao</strong> cristianismo ortodoxo, Clóvis, rei <strong>dos</strong> francos<br />
(481-511), impeliu os soberanos <strong>dos</strong> outros povos invasores a seguir<br />
seu exemplo – o último a fazê-lo foi o rei <strong>dos</strong> lombar<strong>dos</strong>. A<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 18<br />
| História | 2008
escolha de Clóvis conferiu <strong>ao</strong>s francos o direito de primogenitura<br />
na Cristan<strong>da</strong>de ocidental (LE GOFF, 2006, p. 572).<br />
As conquistas territoriais, sob comando de Clóvis, ilustram uma<br />
vontade muito grande em organizar a fusão de raças, germânico-ro-<br />
mana sob o comando eclesiástico. O rei Clóvis buscava essa uni<strong>da</strong>-<br />
de através de suas conquistas nas diversas regiões de combate que<br />
passava, proibindo num primeiro momento, qualquer tipo de violência<br />
com as populações conquista<strong>da</strong>s, libertando homens e mulheres que<br />
os visigo<strong>dos</strong> tinham colocado na escravidão:<br />
É fora de dúvi<strong>da</strong> que Clóvis ambicionou essa fusão, proibindo, tanto<br />
quanto pôde, quaisquer violências contra as populações nativas,<br />
matando por sua própria mão os francos que se entregarem a pilhagem<br />
e man<strong>da</strong>ndo libertar homens e mulheres, sobretudo clérigos,<br />
que os visigo<strong>dos</strong> tinham reduzido a escravidão (PETIOT, op<br />
cit., p. 202).<br />
No entanto, as conquistas de Clóvis eram segui<strong>da</strong>s de violência<br />
extrema<strong>da</strong>. Porém chegado o fim <strong>da</strong> batalha e com a conquista em<br />
mãos, Clóvis buscava em um primeiro plano a <strong>conversão</strong> desses povos<br />
conquista<strong>dos</strong> e não pura e simplesmente colocando essa região <strong>ao</strong> seu<br />
domínio, mas abria as portas para uma atuação fervorosa por parte<br />
<strong>dos</strong> bispos e missionários em determinado local.<br />
Com sua <strong>conversão</strong>, Clóvis ilustrou o resultado <strong>da</strong> <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong><br />
povos “bárbaros” do cristianismo ortodoxo. Essa foi a justificativa usa-<br />
<strong>da</strong> por diversos bispos e missionário ortodoxos em regiões arianas,<br />
alertando para uma adesão <strong>ao</strong> cristianismo vencedor. Diante disso,<br />
inúmeras conversões em massa foram acontecendo em diversos luga-<br />
res: foi o caso <strong>dos</strong> reinos vizinhos burgúndios, suevos e, com extrema<br />
violência, no reino <strong>dos</strong> visigo<strong>dos</strong>, que será tratado a seguir, juntamente<br />
com a <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong> <strong>reis</strong> <strong>germânicos</strong>.<br />
3.2. A CONVERSÃO DOS REIS<br />
GERMÂNICOS<br />
Decorrente <strong>ao</strong> batismo de Clóvis e principalmente <strong>da</strong> maneira<br />
como a imagem desse batismo era gloriosamente anunciado <strong>ao</strong>s de-<br />
mais povos, arianos e pagãos, aconteceu progressivamente a conver-<br />
são <strong>dos</strong> <strong>reis</strong> <strong>germânicos</strong>. Como forma de trabalho missionário, a Igreja<br />
tendia a se organizar <strong>da</strong> forma mais vantajosa: buscando a <strong>conversão</strong><br />
primeiramente do rei para, em um segundo momento, trabalhar mais<br />
fervorosamente no restante do reino, evitando assim muitos atritos<br />
com as populações locais.<br />
Um traço característico dessas conversões era o fato do bispo<br />
local, encarregado pelo batismo, exigir do rei que era batizado, que<br />
esse sacramento fosse assistido por diversas pessoas do reino, ou<br />
seja, o batismo não deveria acontecer secretamente, como desejava<br />
o rei do burgúndios Gundebaldo no final do século V. Cabe destacar<br />
que o evento batismal mu<strong>da</strong>ria todo um destino de um povo, pois a<br />
partir disso, to<strong>da</strong>s suas crenças pagãs ou arianas seriam substituí<strong>da</strong>s<br />
gra<strong>da</strong>tivamente pela ortodoxia Católica “Em todo o caso, esta conver-<br />
são sincera, segui<strong>da</strong> de milhares de outras nas grandes famílias bur-<br />
gúndias, e <strong>ao</strong> mesmo tempo a ação profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> Igreja, haviam de ter<br />
uma enorme influencia sobre os destinos <strong>da</strong>s populações germânicas”<br />
(PETIOT, id. ibid., p. 209).<br />
Esse modelo de batismo público tinha como principal ponto de<br />
referência o fato de ser incontestável, pois era assistido por muitos.<br />
Irrevogável, pois, era perante a Igreja representante direta de Deus<br />
na terra e principalmente era usado como exemplo. Mostra<strong>da</strong>, primei-<br />
ramente para a população do reino, pois sabemos que a <strong>conversão</strong> de<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 19<br />
| História | 2008
um rei era um grande passo para a <strong>conversão</strong> de um povo. Porém essa<br />
<strong>conversão</strong> era fruto de muito trabalho a ser r<strong>ea</strong>lizado nessa região pe-<br />
los homens do clero; em um segundo momento, era mostra<strong>da</strong> para os<br />
demais povos, destacando-se como uma vitória alcança<strong>da</strong> pelo agora<br />
povo de Deus.<br />
O ano de 450 foi marcado pela <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong> suevos, primeira-<br />
mente representa<strong>dos</strong> pelo seu rei Riquiário (448-456). No entanto, seu<br />
sucessor não era católico e devido a uma aproximação com um pre-<br />
gador ariano, volta a defender a heresia combati<strong>da</strong> nos demais reinos<br />
católicos. Nessa época, surgiu um homem forte do clero, Martinho de<br />
Braga, que provavelmente no ano de 561, abençoou na pia batismal o<br />
já doente rei Teodomiro, como descreve Isidoro de Sevilha:<br />
Este [Teodomiro], destruído o erro <strong>da</strong> impie<strong>da</strong>de ariana, imediatamente<br />
restituiu os Suevos a fé católica, com aju<strong>da</strong> de Martinho,<br />
bispo do Mosteiro Dumiense, homem ilustre pela fé e pela ciência<br />
por cuja diligência a paz <strong>da</strong> Igreja foi amplia<strong>da</strong> e instituí<strong>da</strong>s muitas<br />
coisas <strong>da</strong>s disciplinas eclesiásticas nas regiões <strong>da</strong> Galécia (ISIDO-<br />
RO. In: ESPINOSA id. ibid., p. 28).<br />
Como descrito por Isidoro de Sevilha acima, dentre os suevos,<br />
nota-se primeiramente uma <strong>conversão</strong> <strong>ao</strong> catolicismo sob reinado de<br />
Requiario. Contudo não sustenta<strong>da</strong> em um segundo período pelo seu<br />
sucessor, que se aproxima muito de bispos arianos. Entretanto, no ano<br />
de 561, sob forte influência de Martinho de Braga, o rei Teodomiro<br />
colocou o reino suevo novamente sob o cristianismo católico.<br />
Contudo, no reino visigodo, a <strong>conversão</strong> não veio como, nos reinos<br />
suevos e burgúndios, entendi<strong>da</strong> com uma certa facili<strong>da</strong>de. No reino<br />
visigodo, a <strong>conversão</strong> manifestou-se através de uma grande guerra<br />
religiosa, pois o fanatismo visigodo se mostrava excessivo <strong>da</strong> mesma<br />
forma como a violência <strong>dos</strong> vân<strong>da</strong>los na África.<br />
A perseguição religiosa no reino se colocava no mesmo tempo em<br />
que os ataques externos principalmente <strong>dos</strong> francos católicos causa-<br />
ram enormes <strong>da</strong>nos a monarquia visigótica. Período em que até um<br />
entendimento com os francos através de casamentos era permitido. A<br />
partir desses diversos problemas internos e externos, a aproximação<br />
com a fé católica era ti<strong>da</strong> como necessária.<br />
Foi nesse período que surgiu o herói conhecido com Santo Her-<br />
menegildo que, contando com grande prestígio popular, organizou um<br />
ver<strong>da</strong>deiro rebanho de católicos insatisfeitos com as inúmeras perse-<br />
guições religiosas sangrentas propicia<strong>da</strong>s pelo poder r<strong>ea</strong>l contra o cris-<br />
tianismo. Em pouco tempo, o descontentamento com o rei era intenso<br />
motivado pela atuação cristianizadora r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong> por Hermenegildo nas<br />
cama<strong>da</strong>s populares.<br />
No ano de 585, Leovigildo descontente com a atuação do já pre-<br />
so Hermenegildo, man<strong>da</strong> decapitá-lo, acarretando em uma enorme<br />
fúria por parte de to<strong>dos</strong> do reino visigodo, resultando, um ano mais<br />
tarde, 586, na morte de Leovigildo, sucedendo-lhe seu filho Recaredo<br />
que deu início à história do catolicismo na Espanha. Recaredo tira do<br />
exílio os muitos bispos católicos portadores de inúmeras lembranças<br />
sangrentas sobre o reinado anterior e converte-se <strong>ao</strong> catolicismo, tra-<br />
zendo incontáveis adeptos <strong>da</strong> seita ariana para o catolicismo, como<br />
descrito abaixo:<br />
No décimo mês do primeiro ano do seu reinado, Recaredo, com aju<strong>da</strong><br />
de Deus, tornou-se católico e reuniu-se com os sacerdotes <strong>da</strong><br />
seita ariana num sapiente colóquio, fazendo com que se convertessem<br />
á fé católica, mais pelo poder <strong>da</strong> razão do que pelo seu mando,<br />
levando todo o povo <strong>dos</strong> Go<strong>dos</strong> e <strong>dos</strong> Suevos á uni<strong>da</strong>de e paz <strong>da</strong><br />
Igreja cristã. Pela graça de Deus, as seitas arianas vieram para o<br />
dogma cristão (BICLARENSIS. In: ESPINOSA id. ibid., p. 30).<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 20<br />
| História | 2008
Foram dessas duas formas que se apresentaram as conversões<br />
<strong>dos</strong> <strong>reis</strong> <strong>germânicos</strong> no Ocidente medieval. Em alguns casos com ex-<br />
trema violência, enquanto em outros com uma aceitação mais pacífica.<br />
Entretanto, não se pode negar que são episódios que formaram o início<br />
<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de cristã, fator de unificação que seria apresentado com maior<br />
relevo por Carlos Magno, quando a diversi<strong>da</strong>de política germânica pas-<br />
saria para uma uni<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> povos <strong>germânicos</strong>.<br />
Cabe ressaltar que, em ca<strong>da</strong> reino “bárbaro”, a maneira de atuação<br />
cristianizadora usa<strong>da</strong> pelo poder eclesiástico era diferente. Em lugares<br />
mais violentos, os bispos tendiam a utilizar uma <strong>conversão</strong> mais indivi-<br />
dual, enquanto em lugares com um nível de aceitação maior, a palavra<br />
<strong>da</strong> Igreja era recebi<strong>da</strong> com maior atenção. Esses bispos usavam mais<br />
de seu forte poder de oratória em meio a centros urbanos com um gran-<br />
de aglomerado de pessoas, favorecendo assim conversões em massa.<br />
Essas conversões, que tiveram seu início a partir do século V, ocor-<br />
reram progressivamente até o alvorecer do ano mil. Mais do que nun-<br />
ca, esses acontecimentos devem ser entendi<strong>dos</strong> como uma batalha<br />
muito árdua empreendido pelos homens do clero. Praticamente tudo<br />
o que envolvia esse trabalho exigia uma longa e dolorosa espera, pois<br />
demoravam a chegar a um determinado local, sua pregação exigia tam-<br />
bém um procedimento lento, para em um longo e distante futuro colher<br />
os frutos dessa empreita<strong>da</strong> missionária.<br />
Como dito anteriormente, decorrente <strong>da</strong> <strong>conversão</strong> de Clóvis,<br />
ocorreram progressivamente, durante séculos, a <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong> <strong>reis</strong><br />
<strong>germânicos</strong>. Para ca<strong>da</strong> reino houve uma estratégia de <strong>conversão</strong> e atu-<br />
ação eclesiástica; a partir disso entende-se que ca<strong>da</strong> local em particu-<br />
lar teve sua maneira de condução <strong>da</strong> fé cristã. Em determina<strong>dos</strong> luga-<br />
res, o catolicismo criou raízes mais profun<strong>da</strong>s, enquanto em outros, por<br />
mais que converti<strong>dos</strong>, o catolicismo não se mostrou tão enraizado no<br />
espírito popular. Cabe destacar que em determina<strong>da</strong>s partes, a acei-<br />
tação <strong>da</strong> palavra de Cristo ocorreu de uma forma mais pacífica, porém<br />
em outros lugares mediante guerras e lutas.<br />
No caso do reino franco, por ser de vanguar<strong>da</strong>, a <strong>conversão</strong> de<br />
Clóvis atingiu um maior respaldo e um maior enraizamento do catolicis-<br />
mo, coloca<strong>da</strong> muitas vezes como uma tática política de Clóvis. O fato é<br />
que essa <strong>conversão</strong> propiciou <strong>aliança</strong> e uma aproximação muito grande<br />
com o poder eclesiástico, favorecendo assim uma atuação militar em<br />
diversas regiões com apoio e com a força de Deus. Essa <strong>aliança</strong> atin-<br />
giu seu esplendor máximo no Império Carolíngio e com seu expoente<br />
maior: Carlos Magno.<br />
3.3. ALIANÇA IGREJA/IMPÉRIO<br />
Clóvis quando recebeu a água sagra<strong>da</strong> do batismo, deu o exemplo<br />
inicial <strong>da</strong> relação em que o Império deveria ter com a Igreja. Esse seria<br />
seguido por Carlos Martel quando barrou a entra<strong>da</strong> <strong>dos</strong> muçulmanos em<br />
Poitiers, conseguindo assim enorme importância militar. To<strong>da</strong> essa consi-<br />
deração caiu sobre seu filho, Pepino, o Breve, que atendendo <strong>ao</strong> pedido<br />
do Papa entra em guerra contra os lombar<strong>dos</strong> que am<strong>ea</strong>çavam ocupar<br />
Roma. Com o final do conflito e a vitória de Pepino, a região <strong>da</strong> Itália<br />
central foi coloca<strong>da</strong> sob poder <strong>da</strong> Igreja; em troca, o poder eclesiástico<br />
reconheceria o título de rei em um documento <strong>da</strong>tado do ano de 756:<br />
[...] Pepino mandou redigir um documento de doação para que S.<br />
Pedro, a Santa Igreja Romana e to<strong>dos</strong> os futuros pontífices <strong>da</strong> Sé<br />
Apostólica as possuíssem perpetuamente.<br />
Então depositou no túmulo de S. Pedro as chaves <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de<br />
Ravena e <strong>da</strong> várias ci<strong>da</strong>des do Exarcado, exactamente como se dizia<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 21<br />
| História | 2008
no documento de doação acima citado emitido pelo rei, pelo qual os<br />
apóstolos de Deus e o seu vigário, o santíssimo papa, e to<strong>dos</strong> os pontí-<br />
fices que lhe sucedessem, deveriam possuir perpetuamente as ci<strong>da</strong>des<br />
(MIGNE. In: ESPINOSA id. ibid., p. 141).<br />
A partir dessa doação de Pepino, formam-se os Esta<strong>dos</strong> Pontifí-<br />
cios, o que estreitou ain<strong>da</strong> mais os poderes <strong>da</strong> monarquia e do pa-<br />
pado. Pepino promoveu, nesse período, a regulamentação do dízimo,<br />
colocando-o na condição de obrigatório, sob pena de excomunhão por<br />
parte <strong>da</strong> Igreja. Começava a ressurgir uma <strong>aliança</strong> fun<strong>da</strong>mental entre<br />
monarquia franca e a Igreja.<br />
Com a morte de Pepino, seu filho Carlos Magno herdou o trono<br />
pretendendo continuar o trabalho r<strong>ea</strong>lizado pelo pai, entrando em mui-<br />
tas batalhas por aproxima<strong>da</strong>mente 32 anos. Submeteu totalmente a<br />
seu poder os lombar<strong>dos</strong> e os saxões, entrou em guerra contra os esla-<br />
vos e contra os ávaros. Em to<strong>da</strong>s essas violentas incursões repletas de<br />
sangue e destruição, Carlos Magno buscava introduzir mesmo à força,<br />
o catolicismo entre esses povos, promovendo diversas vezes, força<strong>da</strong>s<br />
conversões em massa, pois se não se convertessem, seriam condena-<br />
<strong>dos</strong>, à morte, foi o caso <strong>da</strong> guerra saxônica 34 .<br />
Carlos Magno submeteu os saxões <strong>ao</strong> catolicismo, método que nos<br />
remete a uma visão contraria a idéia de amor e remissão de peca<strong>dos</strong><br />
que foi pregado por Cristo. Porém devemos entender que era o único<br />
método eficaz na I<strong>da</strong>de Média. Entende-se então que Carlos Magno<br />
promoveu uma ver<strong>da</strong>deira cruza<strong>da</strong> de terror em nome do cristianismo<br />
tendo como objetivo a <strong>conversão</strong> de diversos povos à palavra <strong>da</strong> cruz.<br />
Esses ver<strong>da</strong>deiros massacres em nome do cristianismo apontaram<br />
claramente para uma redução no trabalho <strong>dos</strong> missionários e prega-<br />
dores do catolicismo, pois nos lugares onde Carlos Magno colocava<br />
o poder <strong>da</strong> espa<strong>da</strong> em nome de Cristo, sabemos que mesmo com o<br />
batismo do rei, as massas populares ain<strong>da</strong> levavam algum tempo para<br />
entenderem os dogmas cristãos. Nesse momento, esses missionários<br />
iniciavam um processo de cristianização, onde o poder destruidor do<br />
Império tinha deixado feri<strong>da</strong>s, em outras palavras, depois <strong>da</strong> longa des-<br />
truição protagoniza<strong>da</strong> pelo exército, os bispos e missionários entravam<br />
em ação para promover a propagação do cristianismo.<br />
Diante disso, Carlos Magno conseguiu reunificar grande parte do<br />
Ocidente, se colocando, muitas vezes como um grande rei que levava o<br />
catolicismo às regiões mais necessita<strong>da</strong>s, aproximando-se muito mais<br />
do poder papal e de uma condição muito reconheci<strong>da</strong> pela Igreja.<br />
Os clérigos tinham uma participação constante nos interesses dis-<br />
cuti<strong>dos</strong> na corte, os bispos atuavam constantemente em questões so-<br />
ciais, enquanto que o monarca era uma figura de respeito nos síno<strong>dos</strong>,<br />
tinha o poder de nom<strong>ea</strong>r e punir os bispos interferia junto com o corpo<br />
eclesiástico nas questões doutrinais. A hierarquia <strong>da</strong> Igreja era to<strong>da</strong><br />
supervisiona<strong>da</strong> pelo poder do monarca, como argumenta Petiot:<br />
To<strong>da</strong> a hierarquia <strong>da</strong> Igreja é vigia<strong>da</strong> pelo soberano. É ele, praticamente,<br />
quem nomeia os bispos e os abades <strong>da</strong>s grandes abadias,<br />
com uma liber<strong>da</strong>de que nenhum merovíngio, e talvez mesmo nenhum<br />
basileu, jamais chegou a ter. Os bispos são, literalmente, funcionários<br />
coloca<strong>dos</strong> sob a Mainburg do príncipe, a quem prestam<br />
o seguinte juramento: “Ser-vo-ei fiel e obediente, como homem<br />
vassalo do seu senhor” (PETIOT, op cit., p. 420).<br />
Um símbolo que nos vem <strong>ao</strong>s olhos ilustrando essa aproximação<br />
entre poder papal e o poder r<strong>ea</strong>l é a coroação de Carlos Magno em<br />
800, quando o soberano foi à São Pedro participar <strong>da</strong> missa de Natal<br />
e, em um momento de oração, quando se colocou em pé, é coroado Im-<br />
perador do Ocidente, pelo papa Leão III. Se de fato essa coroação foi<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 22<br />
| História | 2008
um “golpe” político ou não, o que r<strong>ea</strong>lmente importa é que não existia<br />
homem mais qualificado para receber tal honra, pois em anos de guer-<br />
ra, conquistou territórios, promoveu conversões em massa, defendeu o<br />
Império franco do Islã. Foi a partir dessa coroação, que Carlos Magno<br />
conseguiu colocar fim a multiplici<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> reinos “bárbaros” e surgiu<br />
como um soberano unificador do Ocidente. Como nos é relatado em<br />
seu ato de aclamação:<br />
Naquele dia santíssimo <strong>da</strong> Nativi<strong>da</strong>de do Senhor, quando o rei se<br />
ergueu depois de orar na missa [reza<strong>da</strong>] em frente do túmulo do<br />
bem-aventurado Pedro apóstolo, o Papa Leão colocou-lhe uma<br />
coroa na cabeça e todo o povo <strong>dos</strong> Romanos o aclamou: Vi<strong>da</strong> e<br />
Vitória para Carlos Augusto, coroado por Deus grande e pacífico<br />
Imperador <strong>dos</strong> Romanos! E depois deste louvor foi adorado pelo<br />
apostólico à maneira <strong>dos</strong> antigos príncipes e, posta de parte a denominação<br />
de patrício, foi chamado imperador e augusto (LAURIS-<br />
SENSES. In: ESPINOSA id. ibid., p. 145).<br />
O evento <strong>da</strong> coroação de Carlos Magno se mostra como uma con-<br />
vicção de liber<strong>da</strong>de em relação a Bizâncio, pois o bispo de Roma deixa-<br />
va de se colocar sob uma orientação e supervisão tão distante quanto<br />
Bizâncio e se colocava perante o poder r<strong>ea</strong>l do Ocidente, entende-se a<br />
partir de então que a coroação de Carlos Magno, promoveu um certo<br />
distanciamento entre Oriente e Ocidente, que culminou séculos mais<br />
tarde no cisma entre as Igrejas Católica e Igreja ortodoxa.<br />
Nesse momento a dinastia carolíngia foi firma<strong>da</strong> e consagra<strong>da</strong> pelo<br />
poder papal, enquanto que do Império recebe uma grande confirmação<br />
territorial e material, essa <strong>aliança</strong> entre Igreja/Império, garantiu a par-<br />
tir de uma troca de apoios e ocupações o crescimento e uma atuação<br />
maior no Ocidente tanto de uma quanto de outra.<br />
A Igreja tinha a tarefa de afirmar a essência cristâ do Império,<br />
apoiando to<strong>da</strong> e qualquer ação do poder r<strong>ea</strong>l, fazendo que to<strong>da</strong> par-<br />
ticipação do rei em qualquer evento fosse encara<strong>da</strong> como a de um<br />
enviado de Cristo, formulando a imagem de um soberano Cristão.<br />
Por outro lado, o Império tem a tarefa de defender os interesses cris-<br />
tãos, garantindo terras, autori<strong>da</strong>de fiscal e principalmente a partir<br />
de então, o papa passa a desempenhar um papel muito grande em<br />
negócios do Ocidente.<br />
Foi a partir dessa <strong>aliança</strong> fecun<strong>da</strong> entre Igreja e Império que<br />
o mundo Carolíngio repousou, e surgiu como um <strong>dos</strong> principais<br />
ícones <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média européia, pois difundiu e protagonizou uma<br />
enorme campanha militar em nome de Cristo. Nesse período surge<br />
um nome de r<strong>ea</strong>l valor no mundo medieval europeu, um nome que<br />
foi colocado como um guardião <strong>da</strong> Igreja e do clero, um unificador<br />
<strong>dos</strong> reinos <strong>germânicos</strong> que a história se encarregou de chamar:<br />
Carlo Magno.<br />
3.4 Carlos Magno: o triunfo <strong>da</strong> Igreja e do Império<br />
Como Imperador do Ocidente, Carlos Magno, procurou adminis-<br />
trar o Império promovendo diversas mu<strong>da</strong>nças em vários aspectos do<br />
Império. A escrita foi transforma<strong>da</strong>, aparecendo a minúscula carolíngia,<br />
que na<strong>da</strong> mais era do que uma escrita uniforme muito níti<strong>da</strong>. Essa es-<br />
crita foi muito usa<strong>da</strong> pelos monges de Tours que se responsabilizaram<br />
em aperfeiçoá-la e, principalmente, em transmití-la em to<strong>dos</strong> os luga-<br />
res em que passaram.<br />
Percebe-se a partir disso, que essa nova escrita tinha um grande<br />
fun<strong>da</strong>mento: a propagação de livros ilegíveis à massa popular, esses inte-<br />
lectuais, monges e bispos, tinham a longa tarefa de traduzir esses livros<br />
para a nova língua e passar para as pessoas do reino, sem comentar que<br />
esses livros eram to<strong>dos</strong> repletos de textos conheci<strong>dos</strong> do cristianismo.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 23<br />
| História | 2008
Esses livros também mostravam o passado pagão de diversos rei-<br />
nos exortando-os para se afastarem dele e principalmente fazia uma<br />
comparação do Ocidente antes e depois de Carlos Magno, mostrando<br />
aspectos do cristianismo, entende-se então como uma forma mais len-<br />
ta de difundí-lo também.<br />
Entretanto, a reforma na liturgia é que aparece com maior relevo<br />
em to<strong>da</strong>s r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong>s pelo Império Carolíngio. Nesse período a plura-<br />
li<strong>da</strong>de litúrgica se mostra com grande relevância dentro do Império,<br />
diversas maneiras diferentes de r<strong>ea</strong>lizar e celebrar as comemorações e<br />
ritos cristãos apareciam constantemente nas regiões do reino. A partir<br />
dessa <strong>aliança</strong> entre Igreja e Estado, o sacramento, livro fun<strong>da</strong>mental<br />
de celebração <strong>da</strong> missa é feito, com isso a unificação <strong>da</strong> celebração<br />
<strong>dos</strong> ritos cristãos é conquista<strong>da</strong>, colocando à mostra, os interesses <strong>dos</strong><br />
dois poderes dentro do Ocidente cristão.<br />
No que diz respeito a língua latina, os esforços foram grandes em aper-<br />
feiçoá-la, pois estava to<strong>da</strong> mistura<strong>da</strong> com dialetos locais <strong>dos</strong> “bárbaros”,<br />
destacaram-se nesse campos os monges anglo-saxões, que lapi<strong>da</strong>ram o<br />
latim, tonando-a uma língua culta, o que em um primeiro momento surge<br />
como um “muro” de separação entre clérigos e laicos mas, por outro lado<br />
marca uma uni<strong>da</strong>de muito grande entre os membros <strong>da</strong> Igreja Ocidental.<br />
Referente à arquitetura, Carlos Magno procurou modificar to<strong>da</strong> forma<br />
merovíngia de se construir, e formulou uma maneira arquitetônica to<strong>da</strong> in-<br />
fluencia<strong>da</strong> pela Igreja. Nesse período, inúmeros mosteiros e catedrais fo-<br />
ram construí<strong>dos</strong> e coloca<strong>da</strong>s sob administração imperial, pois ca<strong>da</strong> mostei-<br />
ro ou construção arquitetônica que evidenciasse o poder papal e imperial<br />
era uma base de apoio muito grande em que o Império poderia se firmar.<br />
De uma forma progressiva o ensino foi ficando sob orientação <strong>da</strong><br />
Igreja. Carlos Magno r<strong>ea</strong>lizou to<strong>da</strong> uma reforma na educação, pois ele<br />
mesmo não tinha o objetivo de formar e manter um clero ignorante,<br />
to<strong>dos</strong> os grandes mosteiros e catedrais tinham, em seu redor, escolas<br />
que em um primeiro plano ensinavam: o trivium, gramática, retórica<br />
e dialética, enquanto em um segundo plano as escolas ensinavam, o<br />
quatrivium, aritmética, música, astronomia e geometria.<br />
Diante de seu reinado, Carlos Magno, assegurou o brilho do cris-<br />
tianismo, to<strong>da</strong>s as sobreviventes crenças pagãs englobando uso de<br />
amuletos, adoração de árvores sagra<strong>da</strong>s, feitiçarias, foram combati<strong>da</strong>s<br />
e reprimi<strong>da</strong>s com enorme violência, Pode-se dizer que a consoli<strong>da</strong>ção<br />
definitiva do cristianismo acorreu nessa época.<br />
Em to<strong>dos</strong> esses aspectos comenta<strong>dos</strong> como liturgia, língua, escrita,<br />
arquitetura, nota-se claramente a influência <strong>da</strong> Igreja. To<strong>dos</strong> esses aspec-<br />
tos de uma forma ou de outra demonstram o poder eclesiástico na socie<strong>da</strong>-<br />
de, na escrita, foram transcritos principalmente em um primeiro momento<br />
as escrituras sagra<strong>da</strong>s e, em um segundo momento, textos sagra<strong>dos</strong> Na<br />
arquitetura, foram construí<strong>da</strong>s enormes catedrais nos mais varia<strong>dos</strong> luga-<br />
res, na liturgia, foi unifica<strong>da</strong> to<strong>da</strong> celebração católica por meio do sacra-<br />
mento, enquanto que na língua, a transformação do latim em linguagem<br />
culta apenas diferenciou o clero do laico, unificando ain<strong>da</strong> mais o poder<br />
eclesiástico.<br />
Através de sua <strong>aliança</strong> com o Império franco, a Igreja consoli<strong>da</strong> sua<br />
organização e se coloca como poder dominante na socie<strong>da</strong>de medieval.<br />
Como herdeira natural do Império Romano do Ocidente, surge como<br />
elemento unificador do Ocidente, unificação obti<strong>da</strong> principalmente<br />
através <strong>da</strong> <strong>aliança</strong> construí<strong>da</strong> com o Império franco, primeiramente na<br />
figura de Clóvis, e atravessando séculos até chegar em Carlos Magno,<br />
que colocou fim à diversi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> reinos “bárbaros”, promovendo as-<br />
sim um Império sob comando de um poderoso chefe “bárbaro”.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 24<br />
| História | 2008
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Em uma turva noite de inverno do ano de 406, os legionários ro-<br />
manos foram urgentemente chama<strong>dos</strong> para os postos de comando;<br />
tribos “bárbaras” começam a surgir por dentre as árvores, inúmeros<br />
furiosos guerreiros vesti<strong>dos</strong> com peles de animais almejavam apenas<br />
um objetivo: conquistar o já debilitado Império Romano, símbolo de<br />
civilização e alta cultura.<br />
Os sol<strong>da</strong><strong>dos</strong> romanos já debilita<strong>dos</strong> pela guerra civil que aflige<br />
Roma há séculos, lutam ardorosamente com to<strong>da</strong>s as forças que res-<br />
tam e tentam defender a débil muralha romana, que anos mais tarde<br />
viria a ruir. Decorrente a “que<strong>da</strong>” do Império Romano do Ocidente e<br />
<strong>da</strong> construção <strong>dos</strong> diversos reinos “bárbaros”, o cristianismo, se viu<br />
diante de uma questão muito delica<strong>da</strong> que decidiria sua existência no<br />
Ocidente: como expandir a fé cristã para os reinos recém forma<strong>dos</strong><br />
ou ain<strong>da</strong> de que forma transmitir os ensinamento cristãos para povos<br />
inóspitos e violentos? Estas foram questões que procuramos aprofun-<br />
<strong>da</strong>r no decorrer desse nosso trabalho.<br />
Estes e outros questionamentos suscitaram o interesse <strong>da</strong> Igreja<br />
no Ocidente medieval em dois níveis. Em um primeiro momento, como<br />
elemento de diferenciação entre romanos e “bárbaros”. E em segui<strong>da</strong><br />
surge como uma ver<strong>da</strong>deira ferramenta a qual propiciou a amálgama<br />
entre romanos e <strong>germânicos</strong>.<br />
Para entendermos esta uni<strong>da</strong>de político-religiosa aprofun<strong>da</strong>mos o<br />
desempenho <strong>da</strong> Igreja na construção <strong>dos</strong> novos Esta<strong>dos</strong> que surgiam<br />
no território europeu.<br />
Inquietantes questionamentos nos vieram à tona. No entanto uma<br />
a resposta emerge com maior relevo: to<strong>da</strong>s essas discussões não te-<br />
riam respostas concisas, sem passar pela <strong>conversão</strong> <strong>dos</strong> <strong>reis</strong> germâni-<br />
cos tão almeja<strong>da</strong> pelos dignitários <strong>da</strong> Igreja Católica. Considerando a<br />
<strong>conversão</strong> desses <strong>reis</strong> como alicerce e ponto inicial para a <strong>conversão</strong><br />
em massa <strong>dos</strong> povos <strong>germânicos</strong> é que o cristianismo foi penetrando<br />
e progressivamente transformando, a mentali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> povos recém<br />
forma<strong>dos</strong>.<br />
Um exemplo de maior registro é a <strong>aliança</strong> de Clóvis, rei <strong>dos</strong> fran-<br />
cos, com a Igreja no final do século V. Clóvis descendo à pia batismal,<br />
plantou a semente que, séculos mais tarde, na figura de Carlos Magno,<br />
atingiria seu maior relevo. A <strong>aliança</strong> de Clóvis foi o ponto de parti<strong>da</strong><br />
que permitiu a unificação do Ocidente.<br />
Quem necessitava mais dessa <strong>aliança</strong>? Igreja ou Império? É notório<br />
que as duas partes levavam vantagens; porém, cabe destacar que, no<br />
caso do reino <strong>dos</strong> francos, a <strong>aliança</strong> foi procura<strong>da</strong> pela parte eclesiásti-<br />
ca, pois Clóvis ain<strong>da</strong> com 15 anos, i<strong>da</strong>de de maiori<strong>da</strong>de para os francos,<br />
recebeu diversas cartas do clero, indicando que seu reinado só seria<br />
próspero se o mesmo tivesse influência direta com o cristianismo.<br />
Nessa época a Igreja <strong>da</strong>va seus primeiros passos na sua estrutura-<br />
ção, o que aconteceria a partir <strong>da</strong> <strong>aliança</strong> com o Império; por sua vez,<br />
esse mesmo Império <strong>da</strong>ria testemunho <strong>ao</strong>s outros de que uma unifica-<br />
ção com a Igreja sempre seria fecun<strong>da</strong> para ambas as duas partes. A fi-<br />
gura do soberano seria de fun<strong>da</strong>mental importância para a propagação<br />
do cristianismo, a imagem de Clóvis foi muito usa<strong>da</strong> como a ilustração<br />
de um rei vencedor, e essa vitória só veio a partir dessa <strong>aliança</strong>.<br />
Porém não bastava a <strong>conversão</strong> do rei para que o povo se conver-<br />
tesse. A partir do batismo do soberano é que os monges e homens do<br />
clero tinham mais liber<strong>da</strong>de para trabalhar com a população, era uma<br />
batalha lenta e dolorosa a ser r<strong>ea</strong>lizado nas mais diversas regiões.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 25<br />
| História | 2008
É notório que ca<strong>da</strong> região, ca<strong>da</strong> reino, necessitasse de uma forma<br />
diferente de atuação eclesiástica, visto que determina<strong>dos</strong> povos se<br />
apresentavam na condição de pagãos ou arianos. No que diz respeito<br />
<strong>ao</strong>s pagãos, sua visão de natureza sagra<strong>da</strong>, passa<strong>da</strong> principalmente<br />
pelos seus ancestrais, era muito difícil de ser quebra<strong>da</strong>, enquanto nos<br />
arianos, por terem um contato com o cristianismo no Império romano,<br />
repudiaram a nova maneira dessa expressão religiosa.<br />
Constatamos, a partir <strong>dos</strong> questionamentos levanta<strong>dos</strong>, que a<br />
<strong>aliança</strong> entre Igreja/Império era a mais vantajosa forma de promover a<br />
propagação <strong>da</strong> fé nesse período.<br />
É evidente que outras inquietações ain<strong>da</strong> ficaram pendentes neste<br />
nosso trabalho: será que os demais reinos não atingiram a importância<br />
do reino <strong>dos</strong> francos apenas por não estabelecerem uma relação tão<br />
profun<strong>da</strong> entre Igreja/Império? Ou ain<strong>da</strong>, além desta incisiva atuação<br />
<strong>da</strong> Igreja diretamente no Império franco, como foi a relação Igreja/<br />
Estado nos demais reinos? Os suevos, lombar<strong>dos</strong>, burgúndios, por<br />
exemplo, seguiram o mesmo processo? Diversas respostas podem ser<br />
busca<strong>da</strong>s, to<strong>da</strong>via nossa proposta inicial foi de tentar responder ques-<br />
tionamentos vincula<strong>dos</strong> somente <strong>ao</strong> povo franco.<br />
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notas de ro<strong>da</strong>pé<br />
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2 (LE GOFF, Jacques, 1995, p. 83-105).<br />
3 (BASCHET, Jerôme, 2006).<br />
4 (ESPINOSA, Fernan<strong>da</strong>, 1972).<br />
5 (SÁNCHEZ, Maria Gua<strong>da</strong>lupe Pedrero, 2000).<br />
6 (LE GOFF, Jacques, 2005).<br />
7 (BLOCH, Marc, 1987).<br />
8 (DUB, Georges, 1992).<br />
9 (FRANCO JUNIOR, Hilário, 2006).<br />
10 (RICHÉ, Pierre, 1980).<br />
11 (JOHNSON, Paul, 2001).<br />
12 (LE GOFF, 2007, p. 288).<br />
13 Estes povos “bárbaros” ocuparam a Europa do Norte próxima <strong>ao</strong> Reno, estendendo-se <strong>ao</strong> Danúbio, não formavam um grupo coerente, pois<br />
se encontram dividi<strong>dos</strong> em tribos e clãs. Dentre os principais cabe destacar: francos, alamanos, suevos, bávaros, saxões, burgúndios, vân<strong>da</strong>los,<br />
visigo<strong>dos</strong> e ostrogo<strong>dos</strong>.<br />
14 Chefe Huno, derrotado em 461 pelo patrício Aécio nos Campos Catalúnicos ou Campo Mauríaco. Antes de desaparecer, Átila fez uma última<br />
tentativa contra Roma, que a diplomacia do Papa Leão Magno conseguiu salvar. (CARVALHO, 1978, p. 53).<br />
15 Rei <strong>dos</strong> Visigo<strong>dos</strong> 395-410. Lembrado pelo saque de Roma em 410, Alarico foi uma personali<strong>da</strong>de mais complexa do que o saqu<strong>ea</strong>dor selvático<br />
<strong>da</strong> len<strong>da</strong> histórica. (LON, 1997, p. 12).<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 28<br />
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16 Desde o século III com a morte do Imperador Alexandre Severo, to<strong>da</strong>s as legiões romanas sentiram-se a vontade para proclamar seus respecti-<br />
vos generais <strong>ao</strong> cargo de Imperador, <strong>ao</strong>nde em apenas 50 anos, aproxima<strong>da</strong>mente 43 generais foram proclama<strong>dos</strong>. Com essa grande dissidência<br />
o limes ficou ain<strong>da</strong> mais fraco “chamando” os “bárbaros” para a aproximação.<br />
17 Limites do Império Romano.<br />
18 (ANDERSON, Perry, 1980, p.103).<br />
19 Bispo de Hipona. Um <strong>dos</strong> grandes Pais <strong>da</strong> Igreja latina. Tendo nascido em Tagaste de pai pagão e mãe cristã, Agostinho foi criado como cris-<br />
tão, mas não batizado. Em 385, foi convertido <strong>ao</strong> Cristianismo por Santo Ambrósio e batizado no ano seguinte. Voltando <strong>ao</strong> norte <strong>da</strong> África, foi<br />
ordenado padre e, finalmente, bispo de Hipona em 395. (LON, op. cit., p. 8).<br />
20 Um <strong>dos</strong> principais povos <strong>germânicos</strong> do Ocidente. Na época <strong>da</strong>s migrações tribais do século IV e V, os francos instalaram-se em dois grupos<br />
principais, os sálios, que ficaram a noroeste <strong>da</strong> fronteira do Reno, incluindo grande parte <strong>da</strong>s Bélgica moderna, e os ripuários <strong>ao</strong> redor de Colônia.<br />
(id. ibid., p. 158).<br />
21 Crença herética que surgiu na Igreja primitiva em virtude <strong>dos</strong> ensinamentos do sacerdote alexandrino Ario (256-336). Em face <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de<br />
teológica de combinar a divin<strong>da</strong>de de Cristo com a uni<strong>da</strong>de de Deus na Trin<strong>da</strong>de, Ario propôs a noção segundo o qual o Filho não era co-eterno<br />
com o Pai. (id. ibid., p.26).<br />
22 Rei <strong>dos</strong> francos 480-511. Aumentou seu poder principalmente pela força <strong>da</strong>s batalhas, vale destacar também que seu poder foi enormemente<br />
favorecido a partir de sua <strong>conversão</strong> <strong>ao</strong> cristianismo católico, visto que to<strong>da</strong>s os povos bárbaros <strong>da</strong> época eram adeptos do arianismo. É conhe-<br />
cido como fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> monarquia francesa histórica.( id. ibid., p. 97).<br />
23 Presidido diretamente pelo legado do papa Silvestre, Hósio de Córdova, e assistiso por quase 300 bispos. Os debates foram acrimoniosos e<br />
demora<strong>dos</strong>. Uma fórmula ariana de fé foi proposta e rejeita<strong>da</strong>; mas o credo opcional de Eusébio de Cesaréia foi apresentado e recebeu aprovação<br />
geral. (id. ibid., p. 272).<br />
24 A palavra “monge” deriva do grego monos, que significa “solitário”; o monasticismo cristão, em sua mais antiga forma, era um modo de vi<strong>da</strong><br />
adotado por ascetas solitários [...] (id. ibid., p. 260).<br />
25 Literalmente “escolha”, quer dizer, interpretações e práticas religiosas contrárias áquelas oficialmente adota<strong>da</strong>s pela Igreja Católica (FRANCO<br />
JUNIOR, 2006, p. 186).<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 29<br />
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26 Bispo de Tours (316-397). Pai do monasticismo na Gália, Martinho era filho de pais pagãos, tendo servido no exército romano até sua conver-<br />
são <strong>ao</strong> Cristianismo (LON, op. cit., p. 253).<br />
27 Bispo de Tours (538-595).Tinha origem senatorial galo-romana. Sua cultura, suas relações e a importância <strong>da</strong> sua Sé episcopal preparam-no<br />
para ser o primeiro historiador <strong>da</strong> França (SÁNCHEZ, 2000, p. 294).<br />
28 Hierofania é entendi<strong>da</strong> como manifestação do sagrado, ou ain<strong>da</strong>, algo sagrado que se revela em um determinado local (ELIADE, 2001, p. 17).<br />
29 Sobre esse nome não se deve entender, porém, um édito concreto, <strong>da</strong>do em Milão, mas a regulamentação <strong>da</strong> política religiosa do Império como<br />
resultado <strong>da</strong>s reuniões celebra<strong>da</strong>s na ci<strong>da</strong>de, pelos imperadores Constantino e Licínio. O princípio que foi acor<strong>da</strong>do concedia a plena liber<strong>da</strong>de<br />
religiosa a to<strong>dos</strong> os súditos, incluí<strong>dos</strong> expressamente os cristãos (SÁNCHEZ, op. cit., p. 285).<br />
30 Teodósio proclamou o cristianismo católico como religião oficial do Império. A famosa constituição Cunctos Populus, promulga<strong>da</strong> em Tessalô-<br />
nica, ordenava que to<strong>dos</strong> os povos prestassem adesão á fé cristã, condenando os que desobedecessem a esse man<strong>da</strong>to. Nos anos seguintes,<br />
surgiram novas leis encaminha<strong>da</strong>s á eliminação do paganismo, proibindo o culto pagão, tanto público como privado (id. ibid., p. 285).<br />
31 “O inimigo tinha roubado de uma <strong>igreja</strong> um vaso de uma grandeza e uma beleza maravilhosas, com to<strong>da</strong>s as demais alfaias do ministério sa-<br />
grado. O bispo <strong>da</strong>quela <strong>igreja</strong> mandou mensageiros <strong>ao</strong> rei, pedindo-lhe que, se não pudesse recuperar os outros vasos sagra<strong>dos</strong>, <strong>ao</strong> menos lhe<br />
restituísse aquele. O rei respondeu ás palavras do enviado: segue-me até Soissons, porque é de lá que será partilha<strong>da</strong> to<strong>da</strong> a presa; quando esse<br />
vaso entrar no meu quinhão, eu farei o que o padre pede. Chegado a Soissons, o rei mandou amontoar o carregamento <strong>dos</strong> despojos no meio<br />
<strong>dos</strong> seus sol<strong>da</strong><strong>dos</strong> e disse: peço-vos, meus bravos guerreiros, que me conce<strong>da</strong>is como quinhão aquele vaso que está ali (e apontava para o vaso<br />
de que falamos). A estas palavras, os mais sensatos responderam: glorioso rei, tudo o que vemos aqui é teu, e nós mesmos estamos submeti<strong>dos</strong><br />
<strong>ao</strong> teu poder. Quando acabaram de assim falar, um <strong>dos</strong> sol<strong>da</strong><strong>dos</strong>, leviano, invejoso e arrebatado, brandiu o seu machado de dois gumes e bateu<br />
no vaso exclamando em altos bra<strong>dos</strong>: tu não terás senão o que r<strong>ea</strong>lmente te couber em sorte. To<strong>dos</strong> ficaram estupefatos. O rei sofreu um ultraje<br />
com paciente doçura e, como no sorteio lhe tivesse cabido o vaso, entregou-o <strong>ao</strong> emissário, ocultando a feri<strong>da</strong> no coração. Passado um ano,<br />
reuniu to<strong>da</strong> a sua tropa em para<strong>da</strong> militar no Campo de Marte, e ca<strong>da</strong> um <strong>dos</strong> sol<strong>da</strong><strong>dos</strong> devia mostrar as suas armas bem lustra<strong>da</strong>s. Ao passar<br />
revista, aproximou-se do sol<strong>da</strong>do que atingira o vaso e disse-lhe: ninguém tem armas tão maltrata<strong>da</strong>s como as tuas; nem a lança nem a espa<strong>da</strong><br />
nem o machado estão em condições. E, agarrando no machado, atiro-o <strong>ao</strong> chão. O sol<strong>da</strong>do abaixou-se para apanhá-lo, e então o rei, erguendo o<br />
seu com ambas as mãos, cravou-lho no crânio, dizendo: foi o que fizeste <strong>ao</strong> vaso de Soissons” (PETIOT, 1991, p. 194).<br />
32 Clotilde era sobrinha do rei <strong>dos</strong> burgúndios. Após o casamento Clóvis alia-se com esse povo.<br />
Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 30<br />
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33 Gregório de Tours representa-o (Clóvis) chorando, levantando os olhos para o céu e dirigindo-lhe esta prece: “Jesus Cristo, que Clotilde afir-<br />
ma ser o Filho de Deus <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, tu que desejas vir em auxílio <strong>da</strong>queles que desanimam e <strong>da</strong>r-lhes a vitória, desde que esperem em ti, eu invoco<br />
devotamente o teu glorioso socorro. Se te dignares conceder-me a vitória sobre os meus inimigos, e se eu experimentar esse poder de que as<br />
pessoas que usam o teu nome afirmam ter tantas provas, acreditarei em ti e far-me-ei batizar em teu nome. Invoquei os meus deuses e nenhum<br />
socorro recebi...”, etc. Gregório acrescenta: “ Nesse mesmo momento os alamanos voltaram as costas e deban<strong>da</strong>ram. E, vendo que o seu rei<br />
havia sido morto, submeteram-se a Clóvis dizendo: concedei-nos a vi<strong>da</strong>, porque nós somos teus. Assim terminou a guerra, depois de algumas<br />
conversações com o exército. Tendo regressado com a paz feita, contou a rainha que lhe fora <strong>da</strong>do alcançar a vitória por ter invocado o nome de<br />
Cristo” (id. ibid., p. 197).<br />
34 [...] sustenta<strong>da</strong> durante trinta e um anos sucessivos com igual energia de parte a parte. Conhecemos os empolgantes episódios dessa cam-<br />
panhas no interior <strong>da</strong>s mais espessas florestas, a destruição do santuário pagão de Irminsul, a revolta sempre renova<strong>da</strong> sob comando do Ver-<br />
cingetórix saxão, Witikind, os terríveis episódios do duplo “desastre de Varrão” sofrido pelos exércitos francos, a primeira vez no monte Suntel<br />
em 782, e a segun<strong>da</strong> no vau do Weser em 793, e a sangrenta resposta de Carlos, a chacina, em Verden, de quatro mil e quinhentos prisioneiros<br />
saxões decapita<strong>dos</strong> a macha<strong>da</strong><strong>da</strong>s. Esmaga<strong>da</strong>, saqu<strong>ea</strong><strong>da</strong>, a Saxônia acabou finalmente por ceder. E então – com Witikind á frente – aceitou o<br />
batismo. Um terço de século de assassínios impusera a esse tronco germânico pagão o duplo enxerto <strong>da</strong> civilização ocidental e do cristianismo<br />
[...] (id. ibid., p. 412).<br />
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