17.04.2013 Views

SF1012 - Seleções em Folha

SF1012 - Seleções em Folha

SF1012 - Seleções em Folha

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Señora de mis pobres homenajes,<br />

débote amar aunque me ultrajes. Góngora<br />

Soné que te encontrabas junto al muro<br />

glacial donde termina la existencia,<br />

paseando tu magnífica opulencia<br />

de doloroso terciopelo obscuro.<br />

Tu pie, decoro del marfil más puro,<br />

hería, con satánica incl<strong>em</strong>encia,<br />

las pobres almas, llenas de paciencia,<br />

que aun se brindaban a tu amor perjuro.<br />

Mi dulce amor que sigue sin sosiego,<br />

igual que un triste corderito ciego,<br />

la huella perfumada de tu sombra,<br />

buscó el suplicio de tu regio yugo,<br />

y bajo el raso de tu pie verdugo<br />

puse mi esclavo corazón de alfombra.<br />

Decoración heráldica<br />

Na varanda, um quadro lindo:<br />

a jov<strong>em</strong> mãe e a criança:<br />

– Era a ternura sorrindo,<br />

amamentando a esperança!<br />

A. A. de Assis 1010, Navegando<br />

nas Poesias: CP 114566<br />

Ag. Campos, 28001-970 RJ<br />

Pegue a peteca, pimpolho,<br />

bata com a palma da mão;<br />

pra menina pisque o olho,<br />

dê pra ela o coração...<br />

A. M. A. Sardenberg<br />

Surgió tu blanca majestad de raso,<br />

toda sueño y fulgor, en la espesura;<br />

y era en vez de mi mano – atenta al caso –<br />

mi alma quien oprimía tu cintura…<br />

De procaces sulfatos, una impura<br />

fragancia conspiraba a nuestro paso,<br />

en tanto que propicio a tu aventura,<br />

llenóse de amapolas el ocaso.<br />

Pálida de inquietud y casto asombro,<br />

tu frente declinó sobre mi hombro…<br />

uniéndome a tu ser, con suave impulso,<br />

al fin de mi especioso simulacro,<br />

de un largo beso te apuré convulso,<br />

hasta las heces, como un vino sacro!<br />

Consagración<br />

Hurí de g<strong>em</strong>as, en moderna posa,<br />

– peinado de alas, floreciendo finas<br />

sedas de Holanda y blondas bizantinas –<br />

eras sonrisa y astro y mariposa…<br />

El campo te acogió con olorosa<br />

languidez, en la tela vespertina<br />

se ilusionaron para tu retina<br />

vagos Alhambras de heliotropo y rosa…<br />

A las postreras relaciones bronces<br />

del sol, te amé por vez primera: entonces<br />

t<strong>em</strong>blamos en la unción de aquel poniente,<br />

como dos niños, bajo el olmo espeso,<br />

a punto que en la hostia de tu beso,<br />

se alzó mi alma, luminosamente!...<br />

* Azul<br />

Julio Herrera y Reissig 1875-1910, Los parques abandonados, Eufocordias y * Las pascuas del ti<strong>em</strong>po;<br />

Poesía Completa y Prosas, Scipione Cultural, 1998: atendimento@scipione.com.br – Gentileza de Raynal Augusto Costa<br />

Seria o mundo outro mundo,<br />

seria o mundo ideal,<br />

se cada noite, no mundo,<br />

fosse Noite de Natal!<br />

Aloísio Bezerra<br />

A todo mundo insinuas<br />

que não mando no que é teu,<br />

mas tenho saudades tuas,<br />

e o dono delas sou eu!<br />

Coubert Rangel Coelho<br />

1. Preencher até três haicus, (veja quigos ao lado, à<br />

escolha) <strong>em</strong> uma única ½ folha de papel, com<br />

nome, endereço e assinatura. Despachá-la normalmente<br />

pelo correio e/ou e-mail com nome, endereço<br />

e CEP do r<strong>em</strong>etente, até o dia 30 do respectivo<br />

mês.<br />

2. Posteriormente o haicuísta receberá, devidamente<br />

numerada, a relação dos haicus desse mesmo<br />

mês (sujeita a possíveis falhas no texto e s<strong>em</strong> a<br />

devida correção <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po hábil), afim de selecionar<br />

10% deles.<br />

Enorme edifício!<br />

Multidão se aglomerando.<br />

Dia do Arquiteto.<br />

Analice Feitoza de Lima<br />

Procurando a luz,<br />

as mariposas voando<br />

morr<strong>em</strong> no abajur. E<br />

Alba Crhistina<br />

Desassossegada,<br />

mariposa dando voltas<br />

na lâmpada acesa. B<br />

Analice Feitoza de Lima<br />

Toró despencando.<br />

E pela enchente rolando<br />

folhas na calçada. H<br />

Analice Feitoza de Lima<br />

Cartão de Natal.<br />

Loira menina abraçando<br />

o Papai Noel. V<br />

Analice Feitoza de Lima<br />

Um momento de ternura<br />

e de bastante alegria<br />

é encontrar grande amigo<br />

que há muito a gente não via.<br />

Humberto Oriá, 1007<br />

Pantanal Poético: CP 112,<br />

79300-970 – Corumbá, MS<br />

Me afogo feliz e amante<br />

se mergulho <strong>em</strong> desvelos,<br />

na bela, negra e brilhante<br />

cascata dos teus cabelos.<br />

Cynira A. de Moura<br />

No tilintar dos cristais<br />

o champanhe anuncia<br />

uma quieta <strong>em</strong>briaguês<br />

de saudade e alegria!<br />

Larissa Lacerda Menendez<br />

Sou livre, s<strong>em</strong> restrição,<br />

mas afinal, para quê?<br />

Mil vezes a escravidão...<br />

mas juntinho de você.<br />

Dorothy J. Moretti<br />

Bilhete de loteria!<br />

Seu preço vale a ilusão<br />

de sonhar até um dia...<br />

Dia de sua extração.<br />

Manoel F.Menendez<br />

SELEÇÕES EM FOLHA<br />

Ano XIV, Nº 12 – 2010 DEZEMBRO<br />

Assinatura até 31.12.11: 12 selos postais de 1 o Porte Nacional<br />

Não-comercial (R$ 0,70) ou informe seu e-mail para r<strong>em</strong>essa mensal grátis.<br />

Delicie-se com obras mestras de Contos e Poesias!<br />

www.haicu.sf.nom.br<br />

Velho amor da mocidade,<br />

que ao t<strong>em</strong>po não se curvou,<br />

minha musa t<strong>em</strong> a idade<br />

do poeta que ainda sou!<br />

Edmar Japiassú Maia<br />

Trovia, Ano 10, número 116, agosto 2009, para correspondência, A. A. de Assis: Rua Arthur Thomas 259, Ap 702, CEP 87013-250 – Maringá, PR<br />

Bacia e canudo.<br />

Bolhas de sabão no ar.<br />

Menino brincando. N<br />

Angelica Villela Santos<br />

SELEÇÕES MENSAIS<br />

FAZER E ENVIAR ATÉ TRÊS HAICUS<br />

Até o dia 30.01.11, enviar até 3 haicus de quigos: Domingo de Ramos, Orvalho, Sardinha. <br />

Até o dia 28.02.11, enviar até 3 haicus de quigos: Crisânt<strong>em</strong>o, Dia da Aeromoça, Pica-pau.<br />

Enviar para: Manoel Fernandes Menendez<br />

Rua Des. do Vale 914, Ap 82<br />

05010-040 - São Paulo, SP<br />

ou mfmenendez@superig.com.br<br />

QUIDAIS DE VERÃO – TEMAS DO VERÃO<br />

Num primeiro plano<br />

girassóis, além, o céu:<br />

ouro sobre azul...<br />

Darly O. Barros<br />

O hino tocando,<br />

os alunos perfilados.<br />

Dia da Bandeira. ▒N▒<br />

Djalda Winter Santos<br />

Jornal cedo esvai<br />

guri gritando ser Dia<br />

do Jornaleiro, uai!<br />

Fernando L. A. Soares<br />

HAICUS E M FOLHA<br />

B O M N A T A L , F E L I Z A N O N O V O<br />

Maitê Lacerda Menendez Prados (28.08.10), Caetano Lacerda Menendez Prados (18.09.08),<br />

Quizá tú fueras aún niña<br />

– oh r<strong>em</strong>ota y dulce época –<br />

y cantaras en el corro,<br />

al aire sueltas las trenzas.<br />

y yo sería un rapaz<br />

de los que van a la escuela,<br />

de los que hablan a las niñas,<br />

de los que juegan con ellas.<br />

Gerardo Diego 1896-1987, Sueños,<br />

Versos Escogidos, 1970<br />

Editorial Gredos, S.A., Madrid<br />

Já não há mais discordância<br />

no que diz esta verdade:<br />

qu<strong>em</strong> inventou a distância,<br />

n<strong>em</strong> se l<strong>em</strong>brou da saudade.<br />

Miguel Russowsky, 1008, Fanal:<br />

Rua Álvares Machado 22, 1°<br />

01501-030 – São Paulo, SP<br />

Senhor Deus, misericórdia,<br />

se na soma dos meus dias<br />

tantas vezes fui discórdia<br />

e não a paz que querias!<br />

Eliana Dagmar<br />

3. A folha conterá o nome do haicuísta<br />

selecionador (<strong>em</strong> cima e à direita do papel) e,<br />

<strong>em</strong> seguida, um abaixo do outro, o número e o<br />

texto de cada haicu assim escolhido. Não se<br />

escolherá haicus de própria lavra, pois serão<br />

anulados, b<strong>em</strong> como os que for<strong>em</strong> destinados<br />

a haicus cujo autor deixar de votar.<br />

4. O resultado (somatório de todos os votos<br />

assim enviados), será dado por volta do dia<br />

10 do mês seguinte.<br />

Na mesa do bar,<br />

travessa de caranguejos.<br />

Aperitivo!<br />

Helvécio Durso<br />

Larissa Lacerda Menendez, Lávia Lacerda Menendez, Maria Irac<strong>em</strong>a Gomes Lacerda Menendez, Cássio Caio Prados, Edmilson Felipe da Silva, Manoel Fernandes Menendez<br />

Sagrada Família,<br />

Papai Noel, pinheirinho...<br />

Cartão de Natal. B<br />

Angelica Villela Santos<br />

Tarde de verão.<br />

Nuvens escuras no céu.<br />

É toró na certa. P<br />

Angelica Villela Santos<br />

As luzes da sala<br />

atra<strong>em</strong> a mariposa.<br />

Janela aberta. V<br />

Angelica Villela Santos<br />

Carteiro apressado,<br />

vai entregando nas casas,<br />

cartão de Natal. E<br />

Arg<strong>em</strong>ira F. Marcondes<br />

Há um quadro pendurado <strong>em</strong> meu lar:<br />

três árvores desfolhadas, mais além<br />

velhas toras abandonadas,<br />

um capinzal ressequido, águas <strong>em</strong>pantanadas<br />

e, como num zimbório a se escoar,<br />

o monocromo do sol a se deitar.<br />

Fraco d<strong>em</strong>ais, o coração do artista,<br />

para resistir às ásperas exigências da fama,<br />

ele morreu antes de brilhar a chama<br />

do seu nome, ou a esperança sentir<br />

do reino onde os sonhos têm maior porvir.<br />

Nuvens carregadas,<br />

céu escuro, ventos fortes,<br />

aí v<strong>em</strong> toró. P<br />

Arg<strong>em</strong>ira F. Marcondes<br />

Em volta da luz,<br />

gira, gira, a mariposa<br />

até se cansar. V<br />

Arg<strong>em</strong>ira F. Marcondes<br />

Ao redor da chama<br />

esvoaça a mariposa.<br />

Asa queimada! A<br />

Cecy Tupinambá Ulhôa<br />

Tumulto na rua,<br />

todos procuram abrigo.<br />

Toró chegando. H<br />

Cecy Tupinambá Ulhôa<br />

Mesmo assim, na pequena e modesta tela<br />

que deixou, e que vejo diariamente,<br />

ele deixou-me um legado permanente,<br />

algo raro ficou: b<strong>em</strong> mais raro<br />

do que a tela que pintou.<br />

Pois as árvores, a grama e o entardecer<br />

encerram qualidades mais finas que a pintura;<br />

são um coração pulsante de ternura<br />

que parece dizer: eu amo estas coisas,<br />

elas não pod<strong>em</strong> morrer.<br />

Sobre a tosca mesa,<br />

ao redor de um lampião,<br />

mariposas mortas... E<br />

Darly O. Barros<br />

T<strong>em</strong>pos modernos:<br />

via computador,<br />

cartões de Natal. H<br />

Darly O. Barros<br />

Depois do toró,<br />

criançada na rua<br />

brinca <strong>em</strong> poças de água. P<br />

Darly O. Barros<br />

Intenso toró<br />

inundou a região.<br />

Rãs à superfície. H<br />

Flávio Ferreira da Silva<br />

Encontrou no quarto<br />

mariposa na parede.<br />

Susto e admiração. V<br />

Flávio Ferreira da Silva<br />

O t<strong>em</strong>po abafado.<br />

Esvoaça a mariposa<br />

laranjal molhado. V<br />

Irac<strong>em</strong>a Gomes<br />

A rua, de novo,<br />

volta a ser movimentada.<br />

Toró já passou. P<br />

Manoel F.Menendez<br />

Mariposas, lâmpada.<br />

Na madrugada repousam,<br />

todas, no teto. V<br />

Manoel F.Menendez<br />

E elas viv<strong>em</strong> então para despertar<br />

do observador a vista,<br />

porque falam com sutileza<br />

de algo mais forte que técnica e beleza;<br />

elas viv<strong>em</strong> para provar ao espectador<br />

a imortalidade do amor<br />

dizendo, dia a dia, <strong>em</strong> prece comovida:<br />

ame, ame e deixe o resto entregue<br />

ao seu destino, porque o amor terá sobrevivido<br />

quando todas as outras coisas<br />

tiver<strong>em</strong> desaparecido.<br />

Helen Keller Wilcox 1880-1968 (Tradutor?)<br />

Escrito na folha<br />

de uva da parreira,<br />

Feliz Natal! V<br />

Mª App. Picanço Goulart<br />

Às portas da loja,<br />

aglomeração.<br />

Toró. H<br />

Neuza Pommer<br />

Balouçando<br />

entre presentes e bolas,<br />

cartão de Natal. H<br />

Neuza Pommer<br />

Junto ao abajur<br />

menina se assusta:<br />

mariposa morta. H<br />

Neuza Pommer<br />

As brancas trombetas,<br />

com seu perfume, anunciam:<br />

– jasmineiro <strong>em</strong> flor.<br />

Maria Reginato Labruciano<br />

O mar agitado<br />

é um aviso aos navegantes:<br />

toró v<strong>em</strong> chegando! H<br />

Renata Paccola<br />

Mensag<strong>em</strong> de Paz,<br />

Amor e Fraternidade.<br />

Cartão de Natal. B<br />

Roberto Resende Vilela<br />

Pela encosta íngr<strong>em</strong>e,<br />

rolam folhas, paus e pedras.<br />

Toró com granizo. P<br />

Roberto Resende Vilela<br />

Em busca de luz,<br />

no fundo do globo ardente<br />

jaz a mariposa. P<br />

Roberto Resende Vilela<br />

Abre los ojos! Ya ha salido el sol. Mira el reloj!<br />

No pierdas ti<strong>em</strong>po!...<br />

☼<br />

Vivid para amar! Amad para vivir!<br />

♪<br />

Creced en entendimiento.<br />

Multiplicaos en corazón!<br />

♫<br />

– Señora:<br />

tengo sed! Crucé el desierto de tu corazón.<br />

Y ahora llego a tus ojos…<br />

En este oasis debo morir. Si quieres salvarme,<br />

llora un hilo de agua celeste… El ideal<br />

Julio Herrera y Reissig


ENTRADA<br />

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa<br />

morada estava tão perto do abandono que dava<br />

até para a gente pegar nele. Eu conversava<br />

bobagens profundas com os sapos, com as águas<br />

e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão.<br />

A natureza avançava nas minhas palavras tipo<br />

assim: O dia está frondoso <strong>em</strong> borboletas. No<br />

amanhecer o sol põe glorias no meu olho. O<br />

cinzento da tarde me <strong>em</strong>pobrece. E o rio encosta<br />

as margens na minha voz. Essa fusão com a<br />

natureza tirava de mim a liberdade de pensar.<br />

Eu queria que as garças me sonhass<strong>em</strong>. Eu<br />

queria que as palavras me gorjeass<strong>em</strong>. Então<br />

comecei a fazer desenhos verbais de imagens.<br />

Me dei b<strong>em</strong>. Perdo<strong>em</strong>-me os leitores desta<br />

entrada mas vou copiar de mim alguns desenhos<br />

verbais que fiz para este livro. Acho-os como os<br />

impossíveis verossímeis de nosso mestre<br />

Aristóteles. Dou quatro ex<strong>em</strong>plos: 1) É nos<br />

loucos que grassam luarais; 2) Eu queria crescer<br />

pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão<br />

que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei<br />

que os meus desenhos verbais nada significam.<br />

Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia<br />

acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.<br />

1.<br />

Sob o canto do bate-num-quara<br />

nasceu Cabeludinho<br />

b<strong>em</strong> diferente de Irac<strong>em</strong>a<br />

desandando pouquíssima poesia<br />

o que desculpa a insuficiência do canto<br />

mas explica a sua vida<br />

que juro ser o essencial<br />

– Vai desr<strong>em</strong>elar esse olho, menino!<br />

– Vai cortar esse cabelão, menino!<br />

Eram os gritos de Nhanhá.<br />

Manoel de Barros<br />

2.<br />

Um dia deu de olho com a menina<br />

com a menina que ficou reinando<br />

na sua meninice.<br />

Dela s<strong>em</strong>pre trazia novidades:<br />

– Em seus joelhos pousavam mansos cardeais...<br />

Está com um leicenço b<strong>em</strong> na polpa<br />

quase pedi o carnegão pra isca de rubafo...<br />

Dela trazia s<strong>em</strong>pre novidades:<br />

– A ladeira falou pro caminhão:<br />

“pode me descer de motor parado, benzinho...”<br />

Era o pai dela no guidão.<br />

3.<br />

Viva o Porto de Dona Emilia Futebol Clube!!!<br />

– Vivooo, vivaaa, urra!<br />

– Correu de campo dez a zero<br />

e num vale de botina!<br />

plong plong. bexiga boa.<br />

– Só jogo se o Bolivianinho ficar no quíper.<br />

– Tá b<strong>em</strong>, meu gol é daqui naquela pedra<br />

plong plong. bexiga boa.<br />

– Eu só sei que meu pai é chalaneiro<br />

mea mãe é lavandeira<br />

e eu sou beque de avanço<br />

do Porto de Dona Emilia.<br />

o resto não tô somando<br />

com qual é que foi o índio<br />

que frechou São Sebastião...<br />

– Ai ai, n<strong>em</strong> eu.<br />

Uma negra chamou o filho<br />

e mandou comprar duzentos de anil.<br />

– Vou ali e já volto já.<br />

Mário-Maria do lado de fora<br />

fica dando pontapés no vento.<br />

– Disilimina esse, Cabeludinho!<br />

plong plong, bexiga boa<br />

– Vou no mato passá um tiligrama...<br />

4.<br />

Nisso chega um vaqueiro e diz:<br />

– Já se vai-se, Quério? Bueno, entonces<br />

seja felizardo lá pelos rios de janeiros...<br />

– Agradece seu Marcão, meu filho.<br />

– Que mané agradecer, quero é minha funda<br />

vou matando passarinhos pela janela do tr<strong>em</strong><br />

de preferência amassa barro<br />

ver se Deus me castiga mesmo.<br />

Havia no casarão<br />

umas velhas consolando Nhanhá<br />

que chorava feito uma desmanchada<br />

– Ele há de voltar ajuizado.<br />

– Home-de-b<strong>em</strong>, se Deus quiser.<br />

Às quatro o auto baldeou o menino pro cais.<br />

Moleques do barranco assobiavam<br />

com todas as cordas da lira.<br />

– Té a volta, pessoal, vou pra macumba.<br />

5.<br />

No recreio havia um menino<br />

que não brincava com outros meninos.<br />

O padre teve um brilho<br />

de descobrimento nos olhos<br />

– POETA!<br />

O padre foi até ele:<br />

– Pequeno, por que não brinca<br />

com os seus colegas?<br />

– É que estou com uma baita dor de barriga<br />

desse feijão bichado.<br />

6.<br />

Carta acróstica:<br />

“Vovó aqui é Tristão<br />

ou fujo do colégio<br />

viro poeta<br />

ou mando os padres...”<br />

Nota: Se resolver pela segunda, mande dinheiro<br />

para comprar um dicionário de rimas e um<br />

tratado de versificação de Olavo Bilac e Guima,<br />

o do lenço.<br />

7.<br />

Êta mundão<br />

moça bonita<br />

cavalo bão<br />

este quarto de pensão<br />

a dona da pensão<br />

e a filha da dona da pensão<br />

s<strong>em</strong> contar a paisag<strong>em</strong> da janela<br />

que é de se entrar de soneto<br />

e o probl<strong>em</strong>a sexual que, me disseram,<br />

s<strong>em</strong> roupa alinhada não se resolve.<br />

8.<br />

Sou uma virtude conjugal,<br />

adivinha qual é?<br />

– Um jambo,<br />

um jardim outonal?<br />

– Não.<br />

– Uma louca,<br />

as ruínas de Pompéia?<br />

– Não.<br />

– És uma estátua de nuvens,<br />

o muro das lamentações?<br />

– Não.<br />

– Ai, entonces<br />

que reino é o teu, darling?<br />

Me conta, te dou fazenda,<br />

me afundo, deixo o cachimbo.<br />

Me conta que reino é o teu?<br />

– Não.<br />

Mas pode pegar <strong>em</strong> mim<br />

que estou uma Sodoma...<br />

9.<br />

Entrar na Acad<strong>em</strong>ia já entrei<br />

mas ninguém me explica<br />

por que que essa torneira aberta<br />

neste silêncio de noite<br />

parece poesia jorrando...<br />

Sou bugre mesmo<br />

me explica mesmo<br />

me ensina modos de gente<br />

me ensina<br />

a acompanhar um enterro de cabeça baixa<br />

me explica por que que um olhar de piedade<br />

cravado na condição humana<br />

não brilha mais que anúncio luminoso?<br />

Qual, sou bugre mesmo só sei pensar<br />

na hora ruim na hora do azar<br />

que espanta até a ave da saudade.<br />

Sou bugre mesmo<br />

me explica mesmo:<br />

se eu não sei parar o sangue, que que adianta<br />

não ser imbecil ou borboleta?<br />

me explica por que penso naqueles moleques<br />

como nos peixes<br />

que deixava escapar do anzol<br />

com o queixo arrebentado?<br />

Qual, antes melhor<br />

fechar essa torneira, bugre velho...<br />

10.<br />

Pela rua deserta atravessa um bêbado comprido<br />

e oscilante<br />

como bambu<br />

assobiando...<br />

Ao longo das calçadas algumas famílias<br />

ainda conversam<br />

velhas passam fumo nos dentes, mexericando...<br />

Nhanhá está aborrecida com o neto<br />

que foi estudar no Rio e voltou de ateu.<br />

– Se é pra disaprender,<br />

não precisa mais estudar.<br />

Passa um cavalo solto no fim escuro da rua.<br />

O rio calmo lá <strong>em</strong>baixo<br />

pisca luzes de lanchas acordadas<br />

Nhanhá choraminga:<br />

– Tá perdido, diz que negro é igual com branco!<br />

11.<br />

A última estrela que havia no céu<br />

deu pra desaparecer<br />

o mundo está s<strong>em</strong> estrela na testa.<br />

Foi o vento qu<strong>em</strong> <strong>em</strong>brulhou minhas palavras<br />

meteu no umbigo e levou pra namorada?<br />

Eram palavras de protesto idiota!<br />

Como o vento leva as palavras!<br />

Me l<strong>em</strong>brar que o único riso solto que encontrei<br />

era pago!<br />

É preciso AÇÃO AÇÃO AÇÃO.<br />

Levante desse torpor poético, bugre velho.<br />

Enfim, Cabeludinho,<br />

é você mesmo qu<strong>em</strong> está aqui?<br />

Onde estarão os seus amigos<br />

do Porto de Dona Emilia?<br />

Cabeludinho (Po<strong>em</strong>as concebidos s<strong>em</strong> pecado)<br />

No aeroporto o menino perguntou:<br />

– E se o avião tropicar num passarinho?<br />

O pai ficou torto e não respondeu.<br />

O menino perguntou de novo:<br />

– E se o avião tropicar num passarinho triste?<br />

A mãe teve ternuras e pensou:<br />

Será que os absurdos<br />

não são as maiores virtudes da poesia?<br />

Será que os despropósitos não são<br />

mais carregados de poesia do que o bom senso?<br />

Ao sair do sufoco o pai refletiu:<br />

Com certeza, a liberdade e a poesia<br />

a gente aprende com as crianças.<br />

E ficou sendo.<br />

Exercícios de ser criança (Livros infantis)<br />

Tenho um livro sobre águas e meninos.<br />

Gostei mais de um menino que carregava água<br />

na peneira.<br />

A mãe disse que carregar água na peneira<br />

era o mesmo que roubar um vento<br />

e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.<br />

A mãe disse que era o mesmo<br />

que catar espinhos na água<br />

o mesmo que criar peixes no bolso.<br />

O menino era ligado <strong>em</strong> despropósitos.<br />

Quis montar os alicerces<br />

de uma casa sobre orvalhos.<br />

A mãe reparou que o menino<br />

gostava mais do vazio do que do cheio.<br />

Falava que os vazios são maiores e até infinitos.<br />

Com o t<strong>em</strong>po aquele menino<br />

que era cismado e esquisito<br />

porque gostava de carregar água na peneira<br />

com o t<strong>em</strong>po descobriu que escrever<br />

seria o mesmo que carregar água na peneira.<br />

No escrever o menino viu que era capaz de ser<br />

noviça, monge ou mendigo ao mesmo t<strong>em</strong>po.<br />

O menino aprendeu a usar as palavras.<br />

Viu que podia fazer peraltagens<br />

com as palavras.<br />

E começou a fazer peraltagens.<br />

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro<br />

botando ponto no final da frase.<br />

Foi capaz de modificar a tarde<br />

botando uma chuva nela.<br />

O menino fazia prodígios.<br />

Até fez uma pedra dar flor!<br />

A mãe reparava o menino com ternura.<br />

A mãe falou: Meu filho, você vai ser poeta.<br />

Você vai carregar água na peneira a vida toda.<br />

Você vai encher os vazios<br />

com as suas peraltagens.<br />

E algumas pessoas vão te amar<br />

por seus despropósitos.<br />

O menino que carregava água na peneira<br />

Foi na fazenda de meu pai antigamente.<br />

Eu teria dois anos; meu irmão, nove.<br />

Meu irmão pregava no caixote<br />

duas rodas de lata de goiabada.<br />

A gente ia viajar.<br />

As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:<br />

uma olhava para a outra.<br />

Na hora de caminhar<br />

as rodas se abriam para o lado de fora.<br />

De forma que o carro se arrastava no chão.<br />

Eu ia pousada dentro do caixote<br />

com as perninhas encolhidas.<br />

Imitava estar viajando. Meu irmão<br />

puxava o caixote por uma corda de <strong>em</strong>bira.<br />

Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.<br />

Eu comandava os bois:<br />

– Puxa, Maravilha!<br />

– Avança, Redomão.<br />

Meu irmão falava que eu tomasse cuidado<br />

porque Redomão era coiceiro.<br />

As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.<br />

Meu irmão desejava alcançar logo a cidade –<br />

porque ele tinha uma namorada lá.<br />

A namorada do meu irmão<br />

dava febre no corpo dele. Isso ele contava.<br />

No caminho, antes, a gente precisava<br />

de atravessar um rio inventado.<br />

Na travessia o carro afundou<br />

e os bois morreram afogados.<br />

Eu não morri porque o rio era inventado.<br />

S<strong>em</strong>pre a gente só chegava o fim do quintal.<br />

E meu irmão nunca via a namorada dele –<br />

que diz-que dava febre <strong>em</strong> seu corpo.<br />

A menina avoada<br />

O FAZEDOR DE AMANHECER<br />

Fazer pessoas no frasco não é fácil<br />

mas se eu estudar ciências eu faço.<br />

Sendo que não é melhor do que fazer<br />

pessoas na cama n<strong>em</strong> na rede.<br />

N<strong>em</strong> mesmo no jirau como os índios faz<strong>em</strong>.<br />

(No jirau é coisa primitiva, eu sei,<br />

mas é bastante proveitosa).<br />

Para fazer pessoas ninguém ainda não<br />

inventou nada melhor que o amor.<br />

Deus ajeitou isso para nós de presente.<br />

De forma que não é aconselhável trocar<br />

o amor por vidro.<br />

■<br />

Qu<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> ferramentas de pensar, inventa.<br />

O Amor<br />

Sou leso <strong>em</strong> tratagens com máquina.<br />

Tenho desapetite para<br />

inventar coisas prestáveis.<br />

Em toda a minha vida só engenhei<br />

3 maquinas<br />

como sejam:<br />

Uma pequena manivela para pegar no sono<br />

um fazedor de amanhecer<br />

para usamentos de poetas<br />

e um platinado de mandioca<br />

para o fordeco de meu irmão.<br />

Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias<br />

automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.<br />

Fui aclamado de idiota pela maioria<br />

das autoridades na entrega do prêmio.<br />

Pelo que fiquei um tanto soberbo.<br />

E a glória entronizou-se para s<strong>em</strong>pre<br />

<strong>em</strong> minha existência.<br />

O fazedor de amanhecer<br />

A água lírica dos córregos não se vende <strong>em</strong><br />

farmácia. / Dentro da mata no entardecer o<br />

canto dos pássaros é sinfônico. / Coisa de Deus!<br />

a breve espera do rio para a passag<strong>em</strong> dos patos.<br />

/ Para ser escravo da natureza o hom<strong>em</strong> precisa<br />

de ser independente. / Lugar onde lua entra<br />

morcego desprefere.<br />

Caderno de andarilho<br />

Manoel de Barros Poesia Completa, 2010, Texto Editores Ltda.: Av. Angélica 2l63, Conj. 175 CEP 01227-200 – São Paulo, SP; www.leya.com – Gentileza de Larissa Lacerda Menendez

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!