O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
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Parte III - A Vida <strong>de</strong> Teseu<br />
que não po<strong>de</strong>m ter um nal feliz. É provável que ao referir tais aventuras<br />
– <strong>de</strong> modo mais breve do que as restantes, que serviram para <strong>de</strong>linear o seu<br />
perl político – o tenha feito com a intenção <strong>de</strong> educar pela negativa (técnica<br />
a que raramente recorre 165 ), para mostrar que ninguém se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar levar<br />
cegamente pelo <strong>de</strong>sejo sexual.<br />
Segundo a tradição que <strong>Plutarco</strong> evoca – mas não i<strong>de</strong>ntica –, o primeiro<br />
rapto, cuja vítima tinha o nome <strong>de</strong> Anaxo, r<strong>em</strong>onta ao período <strong>em</strong> que viveu<br />
<strong>em</strong> Trezena e as primeiras violações, à sua viag<strong>em</strong> por terra até Atenas. Foram<br />
perpetradas contra Periguna 166 e Álope 167 , lhas respetivamente <strong>de</strong> Sínis e<br />
Cércion, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os seus pais ter<strong>em</strong> sido aniquila<strong>dos</strong> por Teseu.<br />
<strong>Plutarco</strong> menciona ainda o casamento do herói com outras mulheres,<br />
nomeadamente Peribeia 168 , Ferebeia, Íope 169 e Egla 170 (por amor da qual<br />
abandonou Ariadne), aproveitando para criticar a atuação <strong>de</strong> Teseu para<br />
165 Nas biograas <strong>de</strong> D<strong>em</strong>étrio e <strong>de</strong> António, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>Plutarco</strong> evi<strong>de</strong>ncia não as<br />
virtu<strong>de</strong>s, mas os vícios, s<strong>em</strong>pre com os mesmos objetivos pedagógicos. Segundo o biógrafo,<br />
se a cont<strong>em</strong>plação das qualida<strong>de</strong>s nos incita a imitá-las, a <strong>dos</strong> vícios permite-nos fazer um<br />
autodiagnóstico e põe-nos <strong>em</strong> estado <strong>de</strong> alerta, pois já tiv<strong>em</strong>os oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vericar, através<br />
<strong>dos</strong> paradigmas, quão nefastos são os efeitos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s negativas. Além disso, apreciamos<br />
melhor o que é bom se tivermos um termo <strong>de</strong> comparação...<br />
166 Vi<strong>de</strong> supra p.79<br />
167 Consta que Álope, lha <strong>de</strong> Cércion (cf. Paus. 1. 39. 3 e supra p. 78, n. 138) <strong>de</strong>u à luz<br />
Hipótoo, lho <strong>de</strong> Poséidon, que abandonou por t<strong>em</strong>er a reação <strong>de</strong> seu pai. Quis o <strong>de</strong>stino<br />
que Cércion <strong>de</strong>scobrisse a existência do neto – que mandou expor uma segunda vez – e que<br />
mandasse pren<strong>de</strong>r a lha, que viria a morrer no cárcere (segundo Hyg. Fab. 187, Poséidon<br />
transformou o corpo da jov<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma fonte). Das duas vezes <strong>em</strong> que foi exposto, Hipótoo foi<br />
amamentado por uma égua (Hyg. Fab. 252). Quando Teseu matou Cércion, o jov<strong>em</strong> lho <strong>de</strong><br />
Poséidon pediu ao herói que lhe <strong>de</strong>sse o trono da Arcádia. Hipótoo tornou-se epónimo da tribo<br />
ática <strong>dos</strong> Hipotoôntidas.<br />
168 Segundo Apollod. Bibl. 3. 12. 7; Paus. 1. 42. 2, Peribeia, Eribeia ou Ferebeia é lha <strong>de</strong><br />
Alcátoo (rei <strong>de</strong> Mégara) e mãe <strong>de</strong> Ájax. Antes <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sposada por Télamon, integrou o grupo<br />
<strong>de</strong> jovens que partiram com Teseu para Creta. Segundo Hyg. Astr. 2. 5, Minos – que havia ido a<br />
Atenas reclamar o tributo – apaixonou-se, durante a viag<strong>em</strong> para Creta, pela jov<strong>em</strong> que, assediada,<br />
rogou o auxílio <strong>de</strong> Teseu. Como este alegasse que, enquanto lho <strong>de</strong> Poséidon não era inferior a<br />
Minos, lho <strong>de</strong> Zeus, o rei <strong>de</strong>cidiu pôr o herói à prova e lançou o seu anel ao mar: se, <strong>de</strong> facto,<br />
Teseu fosse lho do <strong>de</strong>us do tri<strong>de</strong>nte, seria capaz <strong>de</strong> lhe restituir a joia. Foi por essa ocasião que<br />
Teseu visitou o palácio do seu pai divino, que lhe <strong>de</strong>volveu o anel <strong>de</strong> Minos. Mais tar<strong>de</strong> <strong>caso</strong>u-se<br />
com Peribeia. Esta personag<strong>em</strong> está representada na cena cretense do vaso François. Cf. LIMC<br />
3. 1, s. v. “Eriboia”, 919-921. É provável que <strong>Plutarco</strong> não se tenha alargado sobre este romance<br />
para evitar nova menção à liação divina do herói <strong>ateniense</strong>. Vi<strong>de</strong> supra p. 53, nota 14. O facto <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sta relação não ter resultado <strong>de</strong>scendência talvez se justique com a inimiza<strong>de</strong> entre Atenas e<br />
Mégara: seria difícil explicá-la se um <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte mítico <strong>de</strong> Atenas também o fosse <strong>de</strong> Mégara.<br />
No entanto, no séc. V a.C., houve uma tentativa <strong>de</strong> reformulação genealógica que fazia <strong>de</strong> Ájax<br />
lho <strong>de</strong> Teseu. Sobre este assunto, vi<strong>de</strong> Calame (1990: 441-442, 464, n. 98).<br />
169 Filha <strong>de</strong> Ícles, o gémeo <strong>de</strong> Héracles. Talvez se trate <strong>de</strong> mais uma tentativa para relacionar<br />
os dois heróis. Não se conhec<strong>em</strong> pormenores sobre a lenda <strong>de</strong>sta jov<strong>em</strong>.<br />
170 Esta versão já havia sido apresentada <strong>em</strong> es. 20. 1, através <strong>de</strong> um verso que, segundo<br />
Héreas <strong>de</strong> Mégara, Pisístrato terá eliminado <strong>dos</strong> po<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Hesíodo (fr. 298 Merkelbach-West),<br />
no qual se po<strong>de</strong> ler ‘Pois era atormentado pelo<br />
amor da Panopeida Egla’. Egla é um nome falante, já que signica ‘esplendor’, ‘luz do Sol’.<br />
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