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O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

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Parte II - Convenções literárias associadas à vida <strong>de</strong> um fundador<br />

consagra<strong>dos</strong> àquela divinda<strong>de</strong> 41 . S<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> uma versão mais racional<br />

do mito, <strong>Plutarco</strong> argumenta que esta tradição permitiu tornar mais credível<br />

a história da mãe <strong>dos</strong> gémeos, que atribuía ao <strong>de</strong>us da guerra a paternida<strong>de</strong><br />

<strong>dos</strong> lhos. Mas o biógrafo alega que o verda<strong>de</strong>iro pai <strong>de</strong> Rómulo e R<strong>em</strong>o<br />

era Amúlio, que, envergando trajes <strong>de</strong> guerra (daí a «confusão» da jov<strong>em</strong>),<br />

estuprara a sobrinha 42 .<br />

Este el<strong>em</strong>ento fantástico da alimentação <strong>de</strong> recém-nasci<strong>dos</strong> por animais<br />

encontra paralelo, por ex<strong>em</strong>plo, na história <strong>de</strong> Ciro: segundo Heródoto (1.<br />

122. 3-123.1), quando Cambises e Mandane recuperaram o lho, que falava<br />

constant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> uma mulher <strong>de</strong> nome Cino (‘cão’), espalharam o boato <strong>de</strong><br />

que o menino havia sido amamentado por uma ca<strong>de</strong>la, com o intuito <strong>de</strong> que<br />

os Persas acreditass<strong>em</strong> que a salvação do seu lho resultara da intervenção<br />

divina 43 .<br />

Como facilmente se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> do que t<strong>em</strong>os vindo a dizer, a tentativa<br />

<strong>de</strong> apresentar os heróis como indivíduos particularmente protegi<strong>dos</strong> pelas<br />

divinda<strong>de</strong>s é comum neste género <strong>de</strong> narrativa. Tal é uma estratégia que<br />

permite, ao mesmo t<strong>em</strong>po, aumentar a credibilida<strong>de</strong> daqueles e justicar a sua<br />

superiorida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r. Não é, pois, por a<strong>caso</strong> que, muitos <strong>de</strong>les, passam por<br />

lhos <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses 44 .<br />

Retom<strong>em</strong>os a análise da forma como os reconhecimentos se processam,<br />

a propósito do que aconteceu com Édipo. No seu <strong>caso</strong>, a verda<strong>de</strong> apenas veio<br />

ao <strong>de</strong> cima <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cumpri<strong>dos</strong> os oráculos e <strong>de</strong> ter assumido o po<strong>de</strong>r <strong>em</strong><br />

Tebas. A revelação foi adiada, <strong>em</strong> parte, porque o facto <strong>de</strong> ele ter crescido no<br />

seio <strong>de</strong> uma família real permitiu que não se levantass<strong>em</strong> mais cedo suspeitas<br />

sobre a sua verda<strong>de</strong>ira i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, pois tudo aquilo que po<strong>de</strong>ria ser entendido<br />

como características inatas <strong>de</strong> uma pessoa <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> nobre estava <strong>em</strong> perfeita<br />

sintonia com a sua situação <strong>de</strong> príncipe her<strong>de</strong>iro.<br />

Ao contrário do que aconteceu com Ciro ou os gémeos romanos, foi<br />

Édipo qu<strong>em</strong>, perante os indícios, <strong>de</strong>cidiu partir <strong>em</strong> busca da própria orig<strong>em</strong> e<br />

conduziu o seu autorreconhecimento, mesmo tendo que, para isso, ameaçar 45<br />

41 Rom. 4. 2-3. Cf. supra p. 31, nota 5.<br />

42 A propósito <strong>de</strong>sta versão, cf. D. H. 1. 77 sqq.<br />

43 Vi<strong>de</strong> supra p. 36 nota 19. Sobre a racionalização do mito aqui operada por Heródoto,<br />

cf. Ribeiro Ferreira – Silva (1994: 135, nota 29). Em momentos anteriores (Hdt. 1. 118. 2 e<br />

121. 1), o historiador diz que Astíages atribuía a sobrevivência <strong>de</strong> Ciro a uma mudança da<br />

fortuna (enfatizada pelo uso recorrente da forma verbal ), o que mais uma vez conrma,<br />

como já diss<strong>em</strong>os antes, a importância do fator «coincidência»/<strong>de</strong>stino/intervenção divina para<br />

o <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> narrativas. Cf. supra pp. 37 (nota 21) e 38.<br />

44 O mesmo ocorre também <strong>em</strong> relação a Teseu, como ver<strong>em</strong>os. No <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Édipo (pelo<br />

menos na versão <strong>de</strong> Sófocles, OT 1086-1109), esta hipótese chega a ser levantada pelo Coro,<br />

mas t<strong>em</strong> uma motivação diferente. Sobre o estásimo <strong>em</strong> causa, vi<strong>de</strong> Fialho (1991: 128, nota<br />

95). 45 Cf. supra p. 39.<br />

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