17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Parte II - Convenções literárias associadas à vida <strong>de</strong> um fundador<br />

Hárpago, o porqueiro <strong>de</strong> Corinto, e Fáustulo, que procuravam, <strong>de</strong>ste modo,<br />

obter benefícios. O primeiro, ao avistar Mitradates, pensou (erradamente) que<br />

Astíages iria perdoá-lo se não lhe mentisse 33 . O segundo vinha <strong>em</strong> busca <strong>de</strong><br />

uma recompensa por se ter pronticado a anunciar a morte <strong>de</strong> Pólibo a Édipo<br />

e, mais tar<strong>de</strong>, por lhe revelar que os seus me<strong>dos</strong> <strong>de</strong> cometer crimes contra os<br />

«pais» eram infunda<strong>dos</strong>. Já Fáustulo receava pela vida <strong>de</strong> R<strong>em</strong>o, capturado após<br />

uma querela entre boieiros <strong>de</strong> Amúlio e Numitor 34 e julgava conseguir salvá-lo<br />

se tudo se soubesse. Note-se, pois, que, regra geral, o medo – um sentimento<br />

que com frequência o rei/tirano <strong>de</strong>sperta nos seus súbditos – é o principal<br />

móbil da conrmação da verda<strong>de</strong>.<br />

Curiosamente, no <strong>caso</strong> das três histórias que t<strong>em</strong>os vindo a analisar,<br />

a verda<strong>de</strong> é s<strong>em</strong>pre divulgada (ou, pelo menos, conrmada) por pessoas<br />

<strong>de</strong> condição servil. Evi<strong>de</strong>ncia-se, mais uma vez, o sentido do trágico que<br />

perpassa todas estas narrativas. Elas mostram que o po<strong>de</strong>r, a vida, a segurança<br />

e a felicida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> reis não são mais do que uma aparência, do que algo<br />

transitório e efémero. Neste contexto, os reais <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r são os<br />

cria<strong>dos</strong> que, ao <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cer<strong>em</strong> a or<strong>de</strong>ns antigas e ao revelar<strong>em</strong> a verda<strong>de</strong>,<br />

mudam, <strong>em</strong> <strong>de</strong>nitivo, não só a vida <strong>dos</strong> monarcas, como a das crianças que<br />

outrora salvaram.<br />

Mas regress<strong>em</strong>os à forma como o reconhecimento se <strong>de</strong>spoleta. O <strong>caso</strong><br />

<strong>de</strong> Rómulo é s<strong>em</strong>elhante ao <strong>de</strong> Ciro, <strong>em</strong>bora, no momento <strong>de</strong>cisivo, a verda<strong>de</strong><br />

venha ao <strong>de</strong> cima por causa do seu irmão gémeo 35 . <strong>Plutarco</strong> (Rom. 6. 3-5) refere<br />

que também a natureza <strong>de</strong> Rómulo <strong>de</strong>ixara, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, transparecer<br />

que tinha uma orig<strong>em</strong> diferente da daqueles que o criavam 36 : o porte, a<br />

33 Sobre a vingança <strong>de</strong> Astíages contra Hárpago, vi<strong>de</strong> infra p. 44, nota 52.<br />

34 Cf. Rom. 8. 1-6.<br />

35 Importa reetir, <strong>de</strong> modo breve, sobre a presença <strong>de</strong> irmãos (não necessariamente gémeos)<br />

no âmbito <strong>de</strong>stas narrativas que se relacionam com a probl<strong>em</strong>ática da sucessão. Neste <strong>caso</strong><br />

concreto, a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rómulo começou a manifestar-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo e veio a culminar na<br />

morte <strong>de</strong> R<strong>em</strong>o, para que os dois não tivess<strong>em</strong> que partilhar o po<strong>de</strong>r. Uma situação s<strong>em</strong>elhante<br />

é invocada por Heródoto (4. 8-10) nas duas versões que narra sobre a fundação da Cítia. A<br />

primeira, que atribui a esse povo, refere a existência <strong>de</strong> três irmãos, o que, segundo Corcella<br />

(1993: 232), era uma forma <strong>de</strong> justicar a tradicional tripartição da socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> sacerdotes,<br />

guerreiros e produtores <strong>de</strong> riqueza. Destes três, coube ao mais novo, chamado Cites, assumir<br />

o po<strong>de</strong>r (cf. Hdt. 4. 5. 4, 4. 10. 2) na sequência <strong>de</strong> um prodígio (também ele tradicional), que<br />

faz do benjamim o único capaz <strong>de</strong> realizar a tarefa ou <strong>de</strong> ultrapassar, com êxito, a prova que<br />

lhe garante o acesso ao trono. Segundo os Citas, só ele terá conseguido tocar nos objetos <strong>de</strong><br />

ouro incan<strong>de</strong>scentes, que haviam caído do céu, s<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>rretess<strong>em</strong>. Segundo os Gregos do<br />

Ponto, só ele conseguiu manejar o arco como Hércules (o seu pai, <strong>de</strong> acordo com esta versão)<br />

<strong>de</strong>terminara – puxando a corda na direção do ombro (cf. e. g. Pl. Lg. 795a). Sobre o arco como<br />

, vi<strong>de</strong> infra página seguinte. Po<strong>de</strong>mos, <strong>em</strong> jeito <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, invocar ainda o<br />

episódio do rei David (nome que, na língua s<strong>em</strong>ita, signicava ‘comandante, chefe militar’),<br />

narrado no Antigo Testamento (Sam. 1. 16. 1-13). Também este, que era o mais novo <strong>de</strong> muitos<br />

irmãos, foi escolhido por Deus para reinar sobre Israel.<br />

36 Estamos, mais uma vez, perante o motivo do «blood will out». Vi<strong>de</strong> supra p. 38.<br />

40

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!