17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Parte II - Convenções literárias associadas à vida <strong>de</strong> um fundador<br />

Segundo <strong>Plutarco</strong> (Rom. 3), no <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Rómulo e R<strong>em</strong>o, os carrascos são<br />

o tio-avô (o mandatário do crime, que cara mais certo do risco que corria ao<br />

observar o tamanho e beleza extraordinários <strong>dos</strong> gémeos 25 ) e o escravo a qu<strong>em</strong><br />

este or<strong>de</strong>nou que arrancasse os recém-nasci<strong>dos</strong> à mãe e os abandonasse à sua<br />

própria sorte. Ao contrário do que t<strong>em</strong>os vericado ser o padrão, este servo não<br />

se apieda da sorte das crianças, mas preocupa-se antes com a própria segurança:<br />

se as <strong>de</strong>ixa junto à marg<strong>em</strong> do rio, contrariando as or<strong>de</strong>ns que recebera para<br />

lançá-las à água, é simplesmente com medo da força da corrente. Neste <strong>caso</strong>, é<br />

imperioso não esquecer <strong>de</strong> invocar a Natureza (e o fator «coincidência») como<br />

agente <strong>de</strong> salvação (e simultaneamente el<strong>em</strong>ento fantástico da narrativa): <strong>em</strong><br />

causa estão a força da corrente (que, além <strong>de</strong> ter impedido o cumprimento<br />

das indicações reais, fez com que o rio, galgando as margens, conduzisse os<br />

recém-nasci<strong>dos</strong> para um sítio tranquilo 26 ) e a loba que aí os amamentou 27 .<br />

Só então entra <strong>em</strong> cena o quarto agente típico <strong>de</strong>ste género <strong>de</strong> história, o<br />

escravo que t<strong>em</strong> a seu cargo o tratamento <strong>dos</strong> animais, neste <strong>caso</strong>, porcos. Aqui,<br />

chama-se Fáustulo 28 e trabalha para Amúlio, portanto, para o executor moral<br />

do abandono. Também ele, como é costume, vai criar no seio da sua humil<strong>de</strong><br />

família duas crianças <strong>de</strong> ascendência nobre.<br />

O facto <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> adota<strong>dos</strong> por famílias humil<strong>de</strong>s permite que, apesar <strong>de</strong><br />

continuar<strong>em</strong> a viver na mesma comunida<strong>de</strong> que os seus carrascos, lev<strong>em</strong> uma<br />

infância incógnita e tranquila até ao momento propício para o reconhecimento.<br />

Apenas Édipo, que foi levado para outra cida<strong>de</strong> e não precisava <strong>de</strong> crescer<br />

escondido, viveu no seio <strong>de</strong> uma família igualmente nobre e real.<br />

Contudo, a verda<strong>de</strong> relativa à condição <strong>de</strong>stas crianças começa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo,<br />

a ser <strong>de</strong>nunciada pela sua maneira <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> agir. É aquilo a que Vandiver<br />

(1990: 251) chama o motivo do «blood will out»: a nobreza <strong>de</strong>stes jovens era<br />

algo inato, algo que lhes estava no sangue e que não podia ser ocultado por<br />

circunstâncias exteriores, pelo facto <strong>de</strong> viver<strong>em</strong> com famílias <strong>de</strong> condição social<br />

inferior.<br />

A história <strong>de</strong> Ciro é, quanto a este aspeto, paradigmática. Segundo<br />

Heródoto (1. 114-119), o reconhecimento do neto por parte <strong>de</strong> Astíages<br />

<strong>de</strong>u-se quando aquele tinha apenas <strong>de</strong>z anos, na sequência <strong>de</strong> uma brinca<strong>de</strong>ira<br />

durante a qual o menino não conseguiu reprimir o seu caráter régio, a sua<br />

25 Cf. Rom. 3. 4-5. Naquele t<strong>em</strong>po, acreditava-se que qu<strong>em</strong> estava <strong>de</strong>stinado a feitos heroicos<br />

tinha beleza e estatura superiores à <strong>dos</strong> comuns mortais ou era <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> nobre. Cf. Tatum<br />

(1996: 144).<br />

26 Estes acontecimentos faz<strong>em</strong>-nos pensar na história <strong>de</strong> Moisés, narrada pelo Antigo<br />

Testamento (Ex. 2). Também ele foi <strong>de</strong>ixado na marg<strong>em</strong> <strong>de</strong> um rio, <strong>em</strong>bora, neste <strong>caso</strong>, a criança<br />

tenha sido abandonada pela mãe que tentava poupar-lhe a vida. E, ironia das ironias, a criança<br />

<strong>de</strong> orig<strong>em</strong> humil<strong>de</strong> foi criada pela lha do Faraó, o responsável pela sua exposição e abandono.<br />

27 Vi<strong>de</strong> supra p. 31, nota 5.<br />

28 Em Rom. 3. 5, <strong>Plutarco</strong>, <strong>em</strong>bora discor<strong>de</strong> <strong>de</strong>la, invoca uma versão segundo a qual Fáustulo<br />

seria o mesmo servo que abandonou as crianças.<br />

38

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!