O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
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Convenções literárias associadas à vida <strong>de</strong> um fundador<br />
Este é também um <strong>dos</strong> <strong>caso</strong>s <strong>em</strong> que se po<strong>de</strong> vericar claramente a<br />
atuação das forças superiores no sentido <strong>de</strong> proteger o pre<strong>de</strong>stinado: é que<br />
esta «coincidência» 21 permitia poupar a vida do jov<strong>em</strong> Ciro, ainda que, para<br />
isso, uma criança nobre tivesse <strong>de</strong> ser criada, até ao momento da revelação da<br />
verda<strong>de</strong> e do reconhecimento, no seio <strong>de</strong> uma família que não a sua <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>,<br />
e que, por norma, é <strong>de</strong> condição social diferente (regra geral, mais humil<strong>de</strong>) 22 .<br />
No <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Édipo, os executores da ação são o pai, que t<strong>em</strong> o cuidado <strong>de</strong><br />
lhe trespassar os tornozelos 23 para assegurar que ninguém queira car com uma<br />
criança que tenha tal marca (isto <strong>de</strong>monstra b<strong>em</strong> o apego <strong>de</strong> Laio ao po<strong>de</strong>r,<br />
já que toma to<strong>dos</strong> os cuida<strong>dos</strong> para que o lho se não vingue); o porqueiro<br />
tebano encarregado <strong>de</strong> expô-la (cf. S. OT 718-720); o pastor <strong>de</strong> Corinto, ao<br />
qual o porqueiro, com pena, entrega Édipo, e os reis <strong>de</strong> Corinto, Pólibo e<br />
Mérope, que acolh<strong>em</strong> a criança trazida pelo pastor, pois não podiam ter lhos<br />
(S. OT 1022-1024) 24 . Assim, <strong>em</strong>bora a sua vida tenha sido salva por pessoas<br />
<strong>de</strong> condição humil<strong>de</strong>, Édipo acaba por ser criado no seio <strong>de</strong> uma família real.<br />
Curiosamente, na versão que Sófocles apresenta do mito, por uma questão<br />
<strong>de</strong> economia dramática, as pessoas que lhe salvaram a vida na infância são<br />
as mesmas que lha vão <strong>de</strong>struir na ida<strong>de</strong> adulta, na medida <strong>em</strong> que ca a seu<br />
cargo revelar-lhe a verda<strong>de</strong>.<br />
21 A expressão utilizada por Heródoto (1. 111. 1) é ‘por vonta<strong>de</strong> divina’. Só<br />
a vonta<strong>de</strong> divina po<strong>de</strong> justicar a ocorrência <strong>de</strong> acontecimentos que permit<strong>em</strong>, neste <strong>caso</strong>, a<br />
salvação da criança pre<strong>de</strong>stinada. Segundo Immerwahr (1966: 164), a expressão utilizada pelo<br />
historiador é uma espécie <strong>de</strong> cristalização que teria o sentido <strong>de</strong> ‘por coincidência’. No entanto,<br />
reconhece que tais coincidências apresentam «religious overtones, since they reveal processes of<br />
nature». Contudo, as coincidências <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham um papel fundamental <strong>em</strong> outros momentos<br />
<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> narrativas, pois é igualmente por causa <strong>de</strong>las que a verda<strong>de</strong> v<strong>em</strong> ao <strong>de</strong> cima.<br />
22 O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Édipo constitui uma exceção. Cf. p. 45.<br />
23 Na sua tradução do Rei Édipo (p. 123, nota 91), M. C. Fialho arma que o nome do herói<br />
parece estar relacionado com o hábito <strong>de</strong> se amarrar (perfurando ou não) os tornozelos das<br />
crianças que eram expostas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nascer. É <strong>de</strong>ste modo que justica o comentário feito pelo<br />
Mensageiro no momento da verda<strong>de</strong>: ‘E assim te foi<br />
dado o nome por esta ocorrência.’ (OT 1036). Consequent<strong>em</strong>ente, o nome <strong>de</strong>rivaria do<br />
verbo ‘intumescer’ e do substantivo ‘pé’, cujo sentido literal é ‘<strong>de</strong> pés intumesci<strong>dos</strong>’.<br />
Segal ( 2 2001: 36 e 111) apresenta outras duas etimologias possíveis: o nome po<strong>de</strong> provir da<br />
forma verbal ‘eu sei’ e do substantivo ‘pé’, cujo sentido seria ‘aquele que conhece o<br />
enigma <strong>dos</strong> pés’, <strong>em</strong> alusão ao enigma da Esnge; ou ser formado a partir do mesmo verbo e<br />
do advérbio <strong>de</strong> lugar ‘on<strong>de</strong>’, pelo que signicaria ‘eu sei on<strong>de</strong>’. Neste <strong>caso</strong>, realçar-se-ia a<br />
ironia trágica que envolve a gura <strong>de</strong> Édipo, que julga saber tudo (inclusive qual o seu lugar no<br />
mundo), mas que, <strong>de</strong> facto, vive enganado, levando uma vida e habitando um lugar <strong>dos</strong> quais<br />
tentava fugir a todo o custo.<br />
24 Segundo outra versão (cf. e. g. Apollod., Bibl. 3. 5-7; Paus. 10. 5. 2), Édipo teria sido<br />
colocado numa arca que foi arrastada pela corrente (como aconteceu aos gémeos romanos e a<br />
Moisés) até à costa <strong>de</strong> Sícion, on<strong>de</strong> a mulher <strong>de</strong> Pólibo se encontrava a vigiar as lava<strong>de</strong>iras do<br />
palácio. Nessa altura, a rainha – que, <strong>de</strong> acordo com esta versão, se chamava Peribeia – conseguiu<br />
convencer as criadas <strong>de</strong> que acabara <strong>de</strong> dar à luz. Como não tinha (n<strong>em</strong> podia ter) lhos, Pólibo<br />
criou Édipo como se fosse do seu sangue.<br />
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