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O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

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Parte II - Convenções literárias associadas à vida <strong>de</strong> um fundador<br />

<strong>em</strong> que, alerta<strong>dos</strong> pelo oráculo, <strong>de</strong>cidiam não ter lhos, logo eram leva<strong>dos</strong> a<br />

fecundar uma mulher.<br />

Ainda que sujeito a diversas versões, o <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Laio é paradigmático:<br />

estranhando a ausência <strong>de</strong> prole, também ele optou por interrogar Febo e<br />

pedir o seu auxílio. A resposta que obteve aconselhava-o a não contrariar os<br />

<strong>de</strong>uses e a evitar gerar um lho que seria o seu assassino e a ruína da casa real.<br />

Ironicamente, foram as diligências do Labdácida para respeitar o aviso divino<br />

que <strong>de</strong>spoletaram o nascimento da criança agora in<strong>de</strong>sejada: Jocasta, ferida nos<br />

seus brios pela rejeição do marido (cuja causa não conseguia compreen<strong>de</strong>r),<br />

<strong>em</strong>briagou-o e seduziu-o 11 . Po<strong>de</strong>mos, pois, asseverar que Laio só indiretamente<br />

<strong>de</strong>srespeitou a advertência que lhe fora feita, porque, ébrio, não estava capaz <strong>de</strong><br />

impor a sua vonta<strong>de</strong> e, além disso, a iniciativa não foi <strong>de</strong>le, mas sim da mulher.<br />

Este tipo <strong>de</strong> situação está imbuído <strong>de</strong> sentido trágico, na medida <strong>em</strong> que, por<br />

mais que tente evitar o seu <strong>de</strong>stino, o <strong>hom<strong>em</strong></strong> caminha a passos largos na sua<br />

direção. É como arma Lesky (1995: 133) 12 :<br />

34<br />

“o <strong>hom<strong>em</strong></strong> não é vítima passiva do seu <strong>de</strong>stino, intervém nos acontecimentos,<br />

mas os <strong>de</strong>uses dispuseram-no <strong>de</strong> tal modo que cada passo, com que se crê<br />

afastar da sua fatalida<strong>de</strong>, o aproxima mais <strong>de</strong>la.”<br />

Noutros <strong>caso</strong>s, a<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> não ocorrer o probl<strong>em</strong>a da infertilida<strong>de</strong>, o<br />

el<strong>em</strong>ento fantástico que transmite a ameaça é não o oráculo (que, parece-nos,<br />

po<strong>de</strong> ser conotado com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ou proibição <strong>dos</strong> seres superiores<br />

a propósito <strong>de</strong> um perigo efetivo), mas o sonho, que funciona como uma<br />

pr<strong>em</strong>onição, uma sugestão <strong>de</strong> que há um perigo latente. Segundo Heródoto (1.<br />

107-113), foi por causa <strong>dos</strong> sonhos que, para evitar o nascimento daquele que<br />

lhe haveria <strong>de</strong> usurpar o trono, Astíages organizou – com uma antecedência<br />

excessiva e inecaz (porque, mais uma vez, o <strong>hom<strong>em</strong></strong>, ao tentar fugir do seu<br />

<strong>de</strong>stino, só consegue contribuir para a sua realização) – o futuro da lha. O<br />

primeiro ocorreu quando Mandane, mãe <strong>de</strong> Ciro 13 , ainda era uma criança.<br />

Nessa altura, Astíages viu a cida<strong>de</strong> e toda a Ásia submersas pela urina <strong>de</strong>la. Este<br />

11 Cf. Apollod., Bibl. 3. 5, 7. É antigo o motivo da <strong>em</strong>briaguez e da sedução utiliza<strong>dos</strong> como<br />

método para se conseguir do cônjuge (ou <strong>de</strong> um qualquer <strong>hom<strong>em</strong></strong>) aquilo que se preten<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>mos invocar o famoso episódio do Dolo <strong>de</strong> Zeus (Il. 14 passim) ou mesmo o que aconteceu<br />

a Egeu (cf. es. 3. 5; Paus. 2. 31. 12 e 33. 1), que gerou um lho numa situação idêntica à <strong>de</strong><br />

Laio. Eurípi<strong>de</strong>s, no monólogo <strong>de</strong> abertura das Fenícias (Ph. 13-22), cona à própria Jocasta a<br />

evocação <strong>dos</strong> acontecimentos, com abundante recurso a pormenores <strong>de</strong> natureza conjugal. Se<br />

compararmos esta versão com a do Rei Édipo <strong>de</strong> Sófocles (que se limita a aludir à existência do<br />

oráculo), ca evi<strong>de</strong>nte a diferença <strong>de</strong> gosto <strong>dos</strong> dois poetas.<br />

12 Na verda<strong>de</strong>, a frase citada é relativa a Édipo, mas não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>, neste contexto, po<strong>de</strong>r ser<br />

aplicada ao próprio Laio. Sobre a probl<strong>em</strong>ática do <strong>de</strong>stino, vi<strong>de</strong> infra p. 43.<br />

13 Sobre Ciro, leiam-se, e.g., Krappe (1930: 153-159); Avery, (1972: 529-546); Immerwahr<br />

(1966: 89-93 e 161-167); Vandiver (1990: 249-253).

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