O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
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Convenções literárias associadas à vida <strong>de</strong> um fundador<br />
o <strong>de</strong>scontentamento popular <strong>de</strong> que foram objeto <strong>em</strong> m <strong>de</strong> vida. Po<strong>de</strong>mos<br />
acrescentar que, além <strong>de</strong>stas s<strong>em</strong>elhanças, ambos simbolizam a unida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
respetivos povos e o estabelecimento das suas principais instituições.<br />
Ora, a especicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas duas guras – escolhidas, como já vimos, por<br />
ser<strong>em</strong> fundadoras das «capitais» do mundo <strong>de</strong> então – fez com que o retrato<br />
que o Queroneu <strong>de</strong>las traça fosse inuenciado pelos que, na tradição<br />
literária da Antiguida<strong>de</strong>, estão, por norma, associa<strong>dos</strong> à <strong>de</strong>scrição da vida <strong>de</strong><br />
um herói, <strong>de</strong> um fundador <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dinastias ou civilizações. É a essa análise<br />
que proce<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os <strong>em</strong> seguida.<br />
De um modo geral, as crianças são vistas pelos pais (e avós) como um<br />
dom e como uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<strong>em</strong> um sinal da sua passag<strong>em</strong> pela Terra.<br />
No entanto, a relação entre pais e lhos n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre é pacíca e dá, não raras<br />
vezes, orig<strong>em</strong> ao célebre «conito <strong>de</strong> gerações», que resulta da tentativa que<br />
cada um faz para impor a sua vonta<strong>de</strong>, a sua visão do mundo. Os lhos têm<br />
como objetivo sobretudo a <strong>em</strong>ancipação; os pais, a preservação da autorida<strong>de</strong>.<br />
No fundo, uns quer<strong>em</strong> conquistar po<strong>de</strong>r; os outros, conservá-lo. Esta luta está<br />
documentada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos im<strong>em</strong>oriais. Basta-nos recordar o mito da sucessão<br />
divina, a forma como Crono <strong>de</strong>põe Urano e como, mais tar<strong>de</strong>, Zeus suce<strong>de</strong> a<br />
Crono, que <strong>de</strong>vorava os lhos para não se ver privado do cetro 9 . Trata-se, <strong>de</strong><br />
certa maneira, <strong>de</strong> uma luta pela sobrevivência que, como o mito <strong>de</strong>monstra, é<br />
normalmente vencida pela fação mais jov<strong>em</strong>.<br />
Apesar <strong>de</strong> os (futuros) pais ter<strong>em</strong> consciência <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> (até porque<br />
foram/são, primeiro, lhos), anseiam pela chegada <strong>de</strong> <strong>de</strong>scendência. De tal<br />
modo que, quando ela tarda, procuram compreen<strong>de</strong>r a razão da <strong>de</strong>mora e<br />
superar essa diculda<strong>de</strong>.<br />
Na Antiguida<strong>de</strong>, os homens que (após sucessivas tentativas com a mesma<br />
ou com diversas mulheres) não conseguiam ter lhos costumavam consultar<br />
os oráculos para saber o que havia <strong>de</strong> errado. Curiosamente – e apesar das<br />
aparências – essa infertilida<strong>de</strong> acabava por se revelar uma espécie <strong>de</strong> bênção<br />
divina, cujo po<strong>de</strong>r cessava mal eles tomavam uma atitu<strong>de</strong> para tentar solucionar<br />
o probl<strong>em</strong>a. É que, uma vez consultado, o oráculo (segundo o qual os lhos<br />
que viess<strong>em</strong> a nascer constituiriam um perigo para a vitalida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r <strong>dos</strong><br />
progenitores 10 ) funcionava como instrumento – diríamos nós hoje – <strong>de</strong><br />
fertilização articial. Ironia das ironias – ou quiçá do <strong>de</strong>stino –, no momento<br />
<strong>de</strong> Tucídi<strong>de</strong>s. Em uc. 2. 15. 2, o historiador diz a propósito <strong>de</strong> Teseu: <br />
‘aliando a força à inteligência’. Quando, séculos mais tar<strong>de</strong>, <strong>Plutarco</strong><br />
escreve sobre Teseu e Rómulo, cita (certamente <strong>de</strong> cor) Tucídi<strong>de</strong>s, <strong>em</strong>bora altere a posição das<br />
qualida<strong>de</strong>s (), grafe <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> e utilize outra<br />
forma <strong>de</strong> particípio – (que ocorre, como é óbvio, no plural, por, neste <strong>caso</strong>, dizer respeito<br />
a duas pessoas).<br />
9 Cf. eg. Hes. . 155-211 (sobre Urano) e 454-507 (sobre Crono).<br />
10 Cf. S. OT 711-714.<br />
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