17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Parte V - O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />

que Péricles tinha motivações pessoais, que precisavam <strong>de</strong> ser escamoteadas.<br />

É que um político da sua estirpe não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar que probl<strong>em</strong>as da esfera<br />

privada interram <strong>em</strong> <strong>de</strong>cisões políticas 312 , sobretudo naquelas que envolv<strong>em</strong><br />

questões bélicas e principalmente se a inimiza<strong>de</strong> pessoal se pren<strong>de</strong> a assuntos<br />

tão pouco dignos quanto a prostituição 313 , ou a tentativa <strong>de</strong> distrair a opinião<br />

pública <strong>dos</strong> ataques <strong>de</strong> que era vítima 314 . Por isso, o lho <strong>de</strong> Xantipo teve o<br />

cuidado <strong>de</strong> disfarçar a verda<strong>de</strong>ira causa com razões <strong>de</strong> peso que, entretanto,<br />

por ingenuida<strong>de</strong> ou não, os Megarenses lhe foram fornecendo. Uma <strong>de</strong>las foi<br />

a ocupação da terra sagrada 315 (Per. 30. 2). Esta ofensa acabou por dar orig<strong>em</strong><br />

à segunda, já que motivou o envio <strong>de</strong> um arauto com um <strong>de</strong>creto 316 que <strong>de</strong>via<br />

<strong>de</strong>nunciá-la primeiro quer aos Lace<strong>de</strong>mónios quer aos Megarenses. Ora,<br />

Ant<strong>em</strong>ócrito, o arauto, foi assassinado, facto que os Atenienses atribuíram aos<br />

cidadãos <strong>de</strong> Mégara, que, <strong>em</strong> vão, se <strong>de</strong>clararam inocentes 317 . Na sequência<br />

<strong>de</strong>ste crime, que para os Gregos era uma enorme impieda<strong>de</strong>, o diferendo<br />

agudizou-se: na pessoa <strong>de</strong> Carino 318 , os Atenienses redigiram um novo <strong>de</strong>creto<br />

dando conta da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconciliação.<br />

No entanto, b<strong>em</strong> lá no íntimo, o nosso biógrafo não se <strong>de</strong>via sentir muito<br />

realizado com uma justicação, que nos revela um Péricles menos politicamente<br />

correto 319 . É também com o intuito <strong>de</strong> disfarçar essa imag<strong>em</strong> pouco digna que<br />

<strong>Plutarco</strong> a<strong>de</strong>re ao ponto <strong>de</strong> vista daqueles que atribu<strong>em</strong> a pertinácia <strong>de</strong> Péricles<br />

às suas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estratego e <strong>de</strong> bom político, que, ao obrigar Atenas a<br />

312 Em Moralia 785D, <strong>Plutarco</strong> arma que a dignida<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong>za da virtu<strong>de</strong> política se<br />

per<strong>de</strong>m, quando esta se <strong>de</strong>svia para os assuntos domésticos e para a ganância. Não surpreen<strong>de</strong>,<br />

por isso, que tenha tentado encontrar outras justicações para a postura daquele que é um <strong>dos</strong><br />

seus estadistas favoritos.<br />

313 Sobre este assunto, vi<strong>de</strong> supra pp. 200 (nota 34) e 271 (nota 277).<br />

314 Cf. p. 272<br />

315 Refere-se a , uma terra fértil que não se podia cultivar por estar consagrada à <strong>de</strong>usa<br />

<strong>de</strong> Elêusis, na fronteira com Mégara. A violação <strong>de</strong> território sagrado era uma ofensa muito grave<br />

(incorria-se <strong>em</strong> asebeia) e <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> a outros conitos ao longo da história da Grécia antiga: o<br />

cultivo da planície sagrada <strong>de</strong> Delfos, por ex<strong>em</strong>plo, foi a causa da Guerra Sagrada <strong>de</strong> 350 a.C.<br />

(supra p. 275, nota 302). Para mais pormenores e bibliograa, leia-se a nota correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Stadter (1989: 277).<br />

316 <strong>Plutarco</strong> terá tido acesso ao <strong>de</strong>creto, pois arma que é pru<strong>de</strong>nte e mo<strong>de</strong>rado, características<br />

que atribui à autoria <strong>de</strong> Péricles (Per. 30. 3).<br />

317 Esta responsabilida<strong>de</strong> não foi provada e talvez a morte <strong>de</strong> Ant<strong>em</strong>ócrito tenha sido<br />

utilizada como propaganda <strong>ateniense</strong> para justicar o <strong>de</strong>creto. Quando, <strong>em</strong> Per. 30. 4, <strong>Plutarco</strong><br />

menciona os Megarenses, po<strong>de</strong> estar a referir-se aos historiadores <strong>de</strong> Mégara que <strong>de</strong> um modo<br />

geral são evoca<strong>dos</strong> <strong>em</strong> grupo – Piccirilli (1975) –, ou aos Megarenses coevos do biógrafo –<br />

Connor (1970: 305-308); <strong>de</strong> Ste. Croix (1972: 387).<br />

318 Colaborador <strong>de</strong> Péricles. <strong>Plutarco</strong> justica este <strong>de</strong>creto contra os Megarenses com o<br />

cultivo da terra sagrada e do assassinato <strong>de</strong> Ant<strong>em</strong>ócrito. Stadter (1989: p. 279) pensa que a<br />

atribuição <strong>de</strong>sta lei a Péricles é provavelmente uma simplicação cómica da parte <strong>de</strong> Aristófanes<br />

(Ach. 532). Seja como for, ca mais uma vez a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que Péricles tinha o hábito <strong>de</strong> <strong>de</strong>legar<br />

funções <strong>em</strong> terceiros da sua conança.<br />

319 Cf. supra nota 312.<br />

278

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!