O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Péricles e Alcibía<strong>de</strong>s<br />
a fama <strong>de</strong> outros generais famosos que os antece<strong>de</strong>ram 247 . De facto, Péricles<br />
s<strong>em</strong>pre se revelou amigo <strong>dos</strong> seus concidadãos (), nomeadamente<br />
através da preocupação <strong>de</strong> não arriscar qualquer vida s<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong>. Um <strong>dos</strong><br />
momentos <strong>em</strong> que isso aconteceu teve lugar por ocasião da invasão da Ática<br />
por Plistóanax 248 (Per. 22. 2): então, perante o reconhecido valor do inimigo<br />
e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negociar com o corrupto Cleândridas (tutor do jov<strong>em</strong><br />
rei) a retirada das tropas, o discípulo <strong>de</strong> Anaxágoras preferiu evitar o combate<br />
para poupar a vida <strong>dos</strong> seus homens <strong>em</strong> troca <strong>de</strong> algum dinheiro 249 . Outro<br />
ocorreu durante a Guerra <strong>de</strong> Samos. Depois <strong>de</strong> duas aparentes vitórias, como<br />
os Sâmios reconquistass<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r, Péricles optou por sitiar a cida<strong>de</strong>. Deste<br />
modo, além <strong>de</strong> aumentar a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vitória, e apesar <strong>de</strong> investir mais<br />
t<strong>em</strong>po e dinheiro, não punha os seus solda<strong>dos</strong> <strong>em</strong> risco <strong>de</strong>snecessário (Per. 27.<br />
1) 250 . Este era um <strong>dos</strong> princípios que norteavam a conduta <strong>de</strong> Péricles enquanto<br />
247 Como já vimos, Alcibía<strong>de</strong>s tinha como gran<strong>de</strong> objetivo suplantar Péricles (Alc. 6. 4-5).<br />
T<strong>em</strong>ístocles n<strong>em</strong> dormia com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> igualar os feitos <strong>de</strong> Milcía<strong>de</strong>s (<strong>em</strong>. 3. 4). O próprio<br />
Teseu pautou a sua conduta pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>em</strong>ular os feitos <strong>de</strong> Hércules (es. 6. 9). Trata-se,<br />
portanto, <strong>de</strong> uma tendência aparent<strong>em</strong>ente hereditária nos Atenienses, que Péricles parece não<br />
partilhar <strong>de</strong>vido à prudência que o caracteriza. Mas, na verda<strong>de</strong>, esta é uma marca comum<br />
<strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s generais: recor<strong>de</strong>mos, por ex<strong>em</strong>plo, Alexandre que, ao preten<strong>de</strong>r um Homero que<br />
cantasse os seus feitos, procurava ultrapassar a glória <strong>de</strong> Aquiles. Cf. Cic. Arch. 24, Leão <strong>de</strong><br />
Nápoles, Historia <strong>de</strong> preliis Alexandri Magni, 42; L. <strong>de</strong> Camões, Os Lusíadas, 10. 156. Sobre este<br />
assunto, vi<strong>de</strong> p. 56, nota 25.<br />
248 Este episódio já foi tratado atrás na p. 251, nota 189.<br />
249 Fica, mais uma vez, comprovada a perspicácia <strong>de</strong> Péricles, que previu – e muito b<strong>em</strong> – a<br />
retirada do inimigo.<br />
250 Ex<strong>em</strong>plo disto é a expedição <strong>de</strong> Tólmi<strong>de</strong>s, que lhe valeu o reconhecimento da estima<br />
que tinha pelos concidadãos (vi<strong>de</strong> supra p. 228). A opção por sitiar uma cida<strong>de</strong> exige, como é<br />
óbvio, t<strong>em</strong>po e paciência, dois requisitos que não se coadunam com a personalida<strong>de</strong> do povo <strong>em</strong><br />
causa. Sobre esta característica <strong>dos</strong> Atenienses, vi<strong>de</strong> supra p. 120 sqq. Esta é, <strong>de</strong>certo, uma das<br />
principais razões que contribuiu para que Péricles alcançasse o po<strong>de</strong>r que alcançou e sobressaísse<br />
<strong>de</strong> entre os seus concidadãos. Ao contrário <strong>de</strong>stes, Péricles sabia esperar com paciência pelo<br />
momento oportuno e resistir ao ímpeto <strong>de</strong> reagir a quente. Por isso fez a diferença. Se a sua<br />
morte não tivesse <strong>de</strong>ixado os Atenienses órfãos, muito provavelmente Atenas não teria perdido<br />
a guerra. Foram as <strong>de</strong>cisões e reações repentinas <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s e do povo que precipitaram a<br />
<strong>de</strong>struição do império <strong>ateniense</strong>. Ora, a estratégia que engendrou para distrair os solda<strong>dos</strong> que<br />
participaram no cerco <strong>de</strong> Samos (que, cada vez mais impacientes, queriam combater à viva<br />
força) mostra b<strong>em</strong> a sua perspicácia e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar o povo a fazer o que a longo prazo<br />
será mais benéco. Além disso, tal atitu<strong>de</strong> ilustra o princípio <strong>de</strong>fendido por <strong>Plutarco</strong> <strong>em</strong> Moralia<br />
818F-819A: quando há projetos prejudiciais, o governante tudo <strong>de</strong>ve fazer para evitar que estes<br />
ponham a sua estratégia <strong>em</strong> risco. Foi nesse sentido que Péricles organizou um sorteio, no qual<br />
o exército participaria dividido <strong>em</strong> oito partes. Aquela a qu<strong>em</strong> calhasse a fava branca (o método<br />
<strong>de</strong> sorteio mais frequente <strong>em</strong> Atenas consistia <strong>em</strong> retirar <strong>de</strong> um recipiente a fava branca que<br />
estava misturada com pretas) tinha direito ao <strong>de</strong>scanso e a um festim; as <strong>de</strong>mais tinham <strong>de</strong><br />
se <strong>em</strong>penhar o melhor possível na sua missão. Foi esta a razão do aparecimento da expressão<br />
«dia branco» com que os Atenienses <strong>de</strong>signavam os dias festivos. Péricles surge, assim, também<br />
ele, como responsável pelo aparecimento <strong>de</strong> costumes ou ditos que caracterizaram a cultura <strong>de</strong><br />
Atenas, à s<strong>em</strong>elhança do que aconteceu com o fundador, Teseu (supra p. 99-105). O mesmo<br />
po<strong>de</strong> dizer-se <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, cujo nome passou a <strong>de</strong>signar jardins luxuosos (Alc. 24. 7) e as<br />
sandálias.<br />
265