O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Péricles e Alcibía<strong>de</strong>s<br />
Mas o rigor orçamental que se vivia <strong>em</strong> casa <strong>de</strong> Péricles era pouco comum<br />
<strong>em</strong> casas abastadas, pelo que lhe valeu probl<strong>em</strong>as com Xantipo 196 , o lho mais<br />
velho (gastador por natureza) e com a nora 197 , jov<strong>em</strong>, oriunda <strong>de</strong> famílias ricas,<br />
naturalmente esbanjadora, que se revoltava por não conseguir obter do sogro<br />
os vinténs necessários aos seus pequenos luxos.<br />
<strong>Plutarco</strong> (Per. 36. 3) chega a narrar um episódio que azedou <strong>de</strong>nitivamente<br />
a relação entre pai e lho, que morreu <strong>de</strong> relações cortadas com o progenitor<br />
(Per. 36. 6): como o pai não lhe facilitasse o montante que pretendia, Xantipo<br />
pe<strong>de</strong> um <strong>em</strong>préstimo junto <strong>de</strong> um amigo da família, dando a enten<strong>de</strong>r que era<br />
<strong>em</strong> nome <strong>de</strong> Péricles que o fazia. Como n<strong>em</strong> um n<strong>em</strong> outro pagass<strong>em</strong> a dívida,<br />
o dito amigo solicitou o re<strong>em</strong>bolso do montante <strong>em</strong> dívida ao estadista, que<br />
levou o <strong>caso</strong> a tribunal. Envergonhado e irritado com o <strong>caso</strong>, Xantipo <strong>de</strong>cidiu,<br />
também ele, expor o pai ao ridículo, revelando episódios da sua vida privada<br />
(tão a gosto da curiosida<strong>de</strong> e <strong>dos</strong> mexericos populares), como a parcimónia<br />
com que geria a casa e as discussões que mantinha com os sostas (Per. 36. 5).<br />
O único gran<strong>de</strong> momento <strong>de</strong> liberalida<strong>de</strong> que se lhe conhece 198 correspon<strong>de</strong><br />
às obras <strong>de</strong> <strong>em</strong>belezamento da cida<strong>de</strong> e foi justicado, pois imortalizou o nome<br />
da <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século V a.C. aos nossos dias 199 . Note-se, contudo, que tal<br />
priorida<strong>de</strong> única e exclusiva os interesses do <strong>Estado</strong> (Nic. 5. 4).<br />
196 Este assunto t<strong>em</strong> como fontes possíveis Estesímbroto, que recorda os probl<strong>em</strong>as entre<br />
Péricles e o seu lho (Per. 36. 6), uma fonte peripatética – talvez Teofrasto, <strong>de</strong> acordo com<br />
Meinhardt (1957: 46-47) – ou mesmo algum diálogo socrático, já que <strong>em</strong> Per. 16. 7-8 se invoca<br />
Anaxágoras. A referência à contenção diária, que tanto irritava os lhos e as noras, po<strong>de</strong> também<br />
ter surgido <strong>em</strong> comédias, on<strong>de</strong> a vida privada serve muitas vezes <strong>de</strong> analogia para a política.<br />
197 A referência à natureza dissipadora das mulheres <strong>de</strong> boas famílias faz recordar as queixas<br />
<strong>de</strong> Estrepsía<strong>de</strong>s <strong>em</strong> relação à sua consorte (vi<strong>de</strong> Ar. Nu. 46-68).<br />
198 Segundo Plu. Cim. 13. 7, o primeiro político a ter a preocupação <strong>de</strong> <strong>em</strong>belezar Atenas<br />
<strong>de</strong>pois das Guerras Médicas foi Címon. Sobre esta <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> Péricles, vi<strong>de</strong> infra p. 223,<br />
nota 65. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso chamar a atenção para o facto <strong>de</strong> o estadista, que tinha<br />
(pelo menos <strong>em</strong> casa) fama <strong>de</strong> avarento, se ter <strong>de</strong>dicado entusiasticamente à reabilitação da<br />
cida<strong>de</strong>. Disso nos dá test<strong>em</strong>unho Per. 12. 5. Igualmente digno <strong>de</strong> nota é a humana variação <strong>de</strong><br />
sentimentos <strong>de</strong> Péricles no <strong>de</strong>curso da obra: o entusiasmo (– Per. 12. 5) inicial<br />
contrasta, a dado momento, com o <strong>de</strong>sânimo ( – Per. 13. 13) que sente aquando da<br />
queda <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> artíces que se feriu grav<strong>em</strong>ente (Per. 13. 13). Nessa altura, o lho <strong>de</strong> Xantipo,<br />
com a ajuda <strong>de</strong> um sonho inspirado por Atena Higia, transforma-se efetivamente no médico<br />
a que tantas vezes <strong>Plutarco</strong> o ass<strong>em</strong>elha metaforicamente enquanto bom político (cf. supra pp.<br />
226-227). Este entusiasmo, com que Péricles procurou contagiar todo o povo para que as «suas»<br />
obras alcançass<strong>em</strong> o esplendor que ainda lhe reconhec<strong>em</strong>os, é comparável àquele que Alcibía<strong>de</strong>s<br />
instigou na população a propósito da conquista da Sicília (Alc. 17. 2, Nic. 12. 1). Sobre a Sicília,<br />
vi<strong>de</strong> infra p. 283 sqq, passim.<br />
199 Para um grego que, como <strong>Plutarco</strong>, vivia sob o domínio <strong>de</strong> Roma, esses monumentos – que<br />
cinco séculos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> edica<strong>dos</strong> (consequent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> melhor estado <strong>de</strong> conservação do que<br />
hoje) – eram a única prova <strong>de</strong> que os relatos <strong>dos</strong> autores não eram mera cção. Não surpreen<strong>de</strong>,<br />
por isso, que o biógrafo lhes tenha <strong>de</strong>dicado nada menos do que três capítulos, que po<strong>de</strong>mos<br />
consi<strong>de</strong>rar <strong>em</strong> harmonia com a admiração que os monumentos causaram não só no século V a.C.<br />
(pela rapi<strong>de</strong>z e qualida<strong>de</strong> com que foram executa<strong>dos</strong> – Per. 13. 1), como nos vindouros. O relato<br />
do Queroneu sugere que o estadista pretendia que as suas obras foss<strong>em</strong> «aere perennius». E isso <strong>de</strong><br />
253