17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Parte V - O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />

ação <strong>de</strong> Péricles à <strong>de</strong> um médico 79 ou à <strong>de</strong> um pai 80 , que, conhecedor do caráter<br />

do doente ou do lho, age <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com aquilo que julga ser o melhor:<br />

226<br />

<br />

<br />

<br />

“parecia realmente um médico que, perante uma doença complicada e longa,<br />

conforme a ocasião, consente prazeres inofensivos 81 , ou prescreve r<strong>em</strong>édios<br />

cáusticos que traz<strong>em</strong> a cura.”<br />

Como um médico, que não po<strong>de</strong> dar ao paciente (sobretudo a um doente<br />

crónico, como neste <strong>caso</strong>) apenas o r<strong>em</strong>édio mais saboroso, mas que t<strong>em</strong><br />

pastores, jardineiros, condutores <strong>de</strong> carros, o que faz <strong>dos</strong> m<strong>em</strong>bros do povo seres inferiores<br />

(animais, doentes, ovelhas…). Para ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong>ste recurso <strong>em</strong> <strong>Plutarco</strong>, vejam-se Ages. 1. 2<br />

(on<strong>de</strong> o político surge como pastor das massas), Fab. 20. 4 (segundo o qual o jardineiro <strong>de</strong>ve<br />

podar árvores selvagens para que <strong>de</strong><strong>em</strong> fruto) ou Moralia 802D (on<strong>de</strong> se arma que Nícias não<br />

soube pôr ré<strong>de</strong>as curtas no seu cavalo).<br />

79 Em Phdr. 270b-d, Platão compara o verda<strong>de</strong>iro orador a um médico; <strong>em</strong> R. 425a-426b,<br />

arma que ambos usam e . A imag<strong>em</strong> do político médico ocorre<br />

também <strong>em</strong> Grg. 521e-522a e R. 564b-c, on<strong>de</strong> o povo é, respetivamente, comparado a uma<br />

criança doente e à própria doença. Para um estudo aprofundado da metáfora do médico <strong>em</strong><br />

Platão, vi<strong>de</strong> Vergetti (1966: 3-39; 1967: 251-270; 1968: 251-267; 1969: 3-22); Jouanna (1978:<br />

77-91). Sobre o uso que <strong>Plutarco</strong> faz da imagética médica quando se refere ao <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong><br />

(e.g. Moralia 815 B-C, 818 D-E, 824A), leia-se Fuhrmann (1964: 238-240). Para o Queroneu,<br />

até os pais, enquanto educadores, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> adoptar o comportamento <strong>de</strong> um médico – cf. supra<br />

p. 155.<br />

80 A atitu<strong>de</strong> paternalista <strong>de</strong> Péricles perpassa a biograa <strong>de</strong> <strong>Plutarco</strong>: aquele tudo faz para<br />

que a vida <strong>dos</strong> Atenienses melhore ou para evitar que cometam erros. É com esse objetivo<br />

que, por ex<strong>em</strong>plo, tenta impedir a expedição <strong>de</strong> Tólmi<strong>de</strong>s (Per. 18. 2-3) ou a que os Atenienses<br />

preten<strong>de</strong>m organizar contra Siracusa (Per. 21. 1). A reação popular às suas iniciativas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

é a mais doce e comedida, pelo que <strong>Plutarco</strong> a compara à <strong>de</strong> alguém doente que, <strong>de</strong>snorteado,<br />

se vira contra aqueles que apenas preten<strong>de</strong>m ajudar, como é o <strong>caso</strong> <strong>de</strong> um médico ou <strong>de</strong> um<br />

pai (Per. 34. 5). Segundo o Queroneu (Nic. 2. 1), também Nícias teve pelo povo uma amiza<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>dicação paternal ímpares, que <strong>de</strong>monstrava, como Péricles, ao resistir às opiniões e caprichos<br />

das massas (Nic. 11. 2). Mas, ao contrário do lho <strong>de</strong> Xantipo, não conseguiu evitar os danos que<br />

a ação do povo causaria a Atenas sob o inuxo <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res menos conscientes, nomeadamente <strong>de</strong><br />

Alcibía<strong>de</strong>s. Note-se, contudo, que este comportamento protetor e paternalista <strong>de</strong> Péricles para<br />

com a , apesar <strong>de</strong> alguns reveses, surtiu mais efeito do que no seio da sua própria família,<br />

já que não conseguiu criar os mesmos laços com o seu lho Xantipo ou com Alcibía<strong>de</strong>s: o<br />

primeiro chega a fazer do pai alvo <strong>de</strong> troça pública (cf. p. 253); o segundo <strong>de</strong>ne como um <strong>dos</strong><br />

seus principais objetivos <strong>de</strong> vida ultrapassar a glória daquele (cf. p. 195).<br />

81 De facto, segundo Arist. Rh. 1373a25 (e, na sua peugada, Plu. Moralia 818A, 827B, Phoc. 2.<br />

7-8), um bom governante <strong>de</strong>ve, <strong>de</strong> quando <strong>em</strong> vez, fazer pequenas concessões ao povo, <strong>de</strong> modo<br />

a po<strong>de</strong>r fazer-lhe frente <strong>em</strong> assuntos <strong>de</strong> maior monta. Aquele que nunca ce<strong>de</strong> apenas consegue<br />

fazer com que o povo se torne mais inexível e obstinado na resistência; as recriminações<br />

constantes <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> fazer efeito, como um medicamento fora <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>, ou, como, diríamos<br />

nós hoje, um antibiótico contra o qual as bactérias <strong>de</strong>senvolveram resistência.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!