O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Parte V - O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />
tirânico 29 . Essa foi, aliás, uma das leituras que o povo, s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>sconado 30 , fez<br />
da mutilação <strong>dos</strong> Hermes, à qual os inimigos políticos <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s quiseram<br />
à viva força associá-lo 31 .<br />
Acresce a tudo isto o facto <strong>de</strong> o Alcmeónida reunir as características<br />
daqueles que são consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> pessoas <strong>de</strong> «gran<strong>de</strong> natureza», ou seja, os<br />
indivíduos que, por se distinguir<strong>em</strong> <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais, <strong>de</strong>ixam, a certo altura, <strong>de</strong><br />
se sentir integra<strong>dos</strong> na estrutura político-social vigente e procuram mudar<br />
o sist<strong>em</strong>a, <strong>de</strong> modo a satisfazer<strong>em</strong> as suas necessida<strong>de</strong>s e vaida<strong>de</strong>s. É neste<br />
contexto que Aristófanes (Ra. 1432-1433) compara Alcibía<strong>de</strong>s a um leão, que,<br />
a qualquer momento, vai atacar a comunida<strong>de</strong> que o acarinhou e viu crescer 32 .<br />
Tal comparação <strong>de</strong>ixa transparecer que o povo tinha não só a consciência do<br />
perigo que um indivíduo <strong>de</strong> «gran<strong>de</strong> natureza» representava, mas sobretudo a<br />
experiência do que era car à mercê <strong>de</strong> um Alcibía<strong>de</strong>s ferido no seu orgulho<br />
e dignida<strong>de</strong>, pois o texto é posterior ao exílio do Alcmeónida e à sua vingança<br />
contra Atenas.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Péricles, que, como já vimos, não queria ser associado<br />
à tirania 33 , não se conhece o pensamento <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s a este respeito (Plu.<br />
Alc. 35. 2). Isócrates (16. 38) parece sugerir que o Alcmeónida não estava<br />
interessado <strong>em</strong> comandar um governo tirânico, pois arma que aquele, apesar<br />
<strong>de</strong> reunir todas as condições para enveredar por este tipo <strong>de</strong> regime, não quis<br />
seguir por esse caminho 34 .<br />
29 Cf. [And.] 4. 24. Essa associação atingiu um nível tal que, segundo Gribble (1999: 37),<br />
Alcibía<strong>de</strong>s e as suas ambições tirânicas acabaram por se transformar <strong>em</strong> das aulas <strong>de</strong><br />
retórica.<br />
30 Os Atenienses estão s<strong>em</strong>pre atentos e receosos <strong>de</strong> que alguém tente <strong>de</strong>struir o regime<br />
<strong>de</strong>mocrático. Disso nos dá test<strong>em</strong>unho Tucídi<strong>de</strong>s, a propósito da batalha <strong>de</strong> Tanagra (1. 107)<br />
e da mutilação <strong>dos</strong> Hermes (6. 53-60). Não admira, por isso, que Péricles, conhecedor <strong>de</strong>ssa<br />
característica do seu povo, se tenha antecipado a Arquidamo, oferecendo à to<strong>dos</strong> os seus<br />
bens, no <strong>caso</strong> <strong>de</strong> os Espartanos os poupar<strong>em</strong> (uc. 2. 13). Sobre a <strong>de</strong>struição <strong>dos</strong> Hermes, vi<strong>de</strong><br />
p. 233, nota 117 e passim.<br />
31 Tucídi<strong>de</strong>s parece sugerir, através da sua digressão sobre o governo <strong>de</strong> Pisístrato (uc. 6.<br />
53. 3 – 6. 60. 1), que os Atenienses zeram mal <strong>em</strong> con<strong>de</strong>nar Alcibía<strong>de</strong>s pelas suas ambições<br />
tirânicas, porque consi<strong>de</strong>ra que n<strong>em</strong> toda a tirania t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser má. Do mesmo modo, quer<br />
Aristóteles (Pol. 1279a17) quer <strong>Plutarco</strong> acreditam que a base <strong>de</strong> um bom governo não está<br />
tanto no regime (monarquia ou aristocracia), mas na qualida<strong>de</strong> do governante, que há <strong>de</strong> olhar<br />
pelo b<strong>em</strong> da comunida<strong>de</strong> e não pelo seu próprio interesse. Sobre o pensamento político <strong>de</strong><br />
<strong>Plutarco</strong>, consulte-se Aal<strong>de</strong>rs (1982: 33 e 44).<br />
32 Antes mesmo <strong>de</strong> os Atenienses o comparar<strong>em</strong> ao rei da selva, já o lho <strong>de</strong> Dinómaca o<br />
havia feito, numa associação que, como vimos, t<strong>em</strong> conotação negativa. Cf. supra p. 169.<br />
33 Vi<strong>de</strong> supra p. 194.<br />
34 Mais do que isso, refere mesmo que os dois perío<strong>dos</strong> durante os quais Atenas passou<br />
novamente por regimes oligárquicos (<strong>dos</strong> Quatrocentos e <strong>dos</strong> Trinta), que cometeram excessos<br />
tirânicos, correspon<strong>de</strong>ram aos exílios <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso notar que o <strong>dos</strong><br />
Quatrocentos (b<strong>em</strong> como a reposição da oligarquia <strong>em</strong> Samos – Alc. 25) foi instituído por<br />
inuência sua, já que parecia acreditar que seria mais fácil regressar a Atenas se o povo que o<br />
exilara não estivesse no po<strong>de</strong>r (Alc. 26). Alcibía<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ixa-nos, por isso, sinais contraditórios da<br />
216