O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Parte V - O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />
212<br />
“sob o nome <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, era, na prática, o primeiro <strong>dos</strong> cidadãos qu<strong>em</strong><br />
governava 7 .”<br />
Os comediógrafos, por seu turno, não são tão complacentes. Exageram a<br />
sua autorida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bater os rivais, <strong>de</strong> modo a ass<strong>em</strong>elhá-lo a um<br />
8 . De to<strong>dos</strong> aqueles que <strong>Plutarco</strong> cita na Vida <strong>de</strong> Péricles, é Cratino o<br />
que mais ataca o lho <strong>de</strong> Xantipo a propósito <strong>de</strong>ste t<strong>em</strong>a. Em Per. 3. 5, por causa<br />
da forma da cabeça do estadista, <strong>Plutarco</strong> recorre a um fragmento <strong>de</strong> Quírones<br />
(fr. 258 K.-A) e a outro <strong>de</strong> N<strong>em</strong>esis (fr. 118 K.-A), que se refer<strong>em</strong> àquele como<br />
«tirano» e o ass<strong>em</strong>elham a Zeus 9 . A insistência na comparação <strong>de</strong> Péricles com<br />
Zeus sugere que teria sido recorrente no dia-a-dia, algo que vai ao encontro<br />
do cognome por que cou conhecido: Olímpico. O Queroneu menciona-o <strong>em</strong><br />
dois momentos: logo no início da vida, <strong>em</strong> Per. 8. 1-4, e no capítulo nal,<br />
<strong>de</strong>ixando a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o epíteto <strong>em</strong> causa, que o terá acompanhado ao longo<br />
do período <strong>em</strong> que permaneceu no po<strong>de</strong>r, sintetiza na perfeição o caráter <strong>de</strong><br />
Péricles e a sua conduta política.<br />
Ainda que muitos pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar este epíteto uma ofensa – pois<br />
simbolizava a arrogância e até a tendência tirânica do Alcmeónida –, ele não<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser lisonjeiro 10 , porque sugere autorida<strong>de</strong>, dom <strong>de</strong> guiar o povo e<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção <strong>em</strong> diversas áreas. Até a acusação <strong>de</strong> envolvimento<br />
ilegítimo com diversas mulheres (que, como ver<strong>em</strong>os, <strong>Plutarco</strong> não consi<strong>de</strong>ra<br />
verda<strong>de</strong>ira 11 ) correspon<strong>de</strong> ao perl do lho <strong>de</strong> Crono, cujas sucessivas traições<br />
irritavam sobejamente a sua consorte, Hera.<br />
Com efeito, perante a sugestão <strong>de</strong> que Péricles seria a incarnação <strong>de</strong> Zeus<br />
entre os humanos 12 , a alcunha não podia ter sido mais b<strong>em</strong> escolhida. Tendo<br />
<strong>em</strong> conta que a mitologia nos apresenta o lho <strong>de</strong> Crono como <strong>de</strong>us supr<strong>em</strong>o,<br />
ca ainda a sugestão <strong>de</strong> que Péricles é um <strong>dos</strong> representantes máximos do bom<br />
7 uc. 2. 65. 9. Em Per. 9. 1, <strong>Plutarco</strong> recorda essas palavras <strong>de</strong> Tucídi<strong>de</strong>s com o intuito<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>smentir aqueles que, como Platão, acusavam Péricles <strong>de</strong> ter corrompido o povo com a<br />
implantação <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong>mocrático puro. Sobre este assunto, vi<strong>de</strong> p. 220 sqq.<br />
8 Morrison - Gomme (1950: 76-77); <strong>de</strong> Vries (1975: 65-66).<br />
9 Para uma interpretação mais pormenorizada <strong>de</strong>stes fragmentos, vi<strong>de</strong> supra pp. 169-170.<br />
10 Segundo <strong>Plutarco</strong>, aliás, só po<strong>de</strong> ser visto numa perspetiva elogiosa, porque a divinda<strong>de</strong> é<br />
por natureza boa e comedida, pouco dada a paixões e confusões, b<strong>em</strong> diferente do retrato que<br />
os poetas <strong>de</strong>la apresentam (como acontece, por ex<strong>em</strong>plo, com a <strong>de</strong>scrição que é feita do Olimpo<br />
no canto VI da Odisseia). Péricles, enquanto imag<strong>em</strong> humana da divinda<strong>de</strong>, revelou um caráter<br />
benévolo e levou uma vida limpa e imaculada no exercício do po<strong>de</strong>r.<br />
11 Cf. p. 261.<br />
12 <strong>Plutarco</strong> consi<strong>de</strong>ra que o bom governante é um reexo da divinda<strong>de</strong> na terra, que <strong>de</strong>ve<br />
procurar manter o equilíbrio entre a autorida<strong>de</strong> necessária e os excessos que conduz<strong>em</strong> à tirania,<br />
evitar a dissensão, fomentar a concórdia, controlar as paixões mais do que nenhum outro. Ainda<br />
que não tenha sido, obviamente, ele a escolher a alcunha, o facto é que ela se coaduna com essa<br />
posição.