O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Parte V - O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />
melhor a relação que existia entre o jov<strong>em</strong> e Sócrates 18 , mais do que com o<br />
facto <strong>de</strong> chamar a atenção para as capacida<strong>de</strong>s militares do Alcmeónida, que,<br />
<strong>de</strong> resto, até são postas <strong>em</strong> causa por parecer que as honras lhe foram dadas<br />
sobretudo <strong>em</strong> função do nome <strong>de</strong> família.<br />
<strong>Plutarco</strong> aduz ainda outros fatores que anteciparam o início da vida ativa<br />
<strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s: os seus donativos ao <strong>Estado</strong> (Alc. 10. 1) e a sua vitória olímpica<br />
(Alc. 11-12) 19 .<br />
O episódio da oferta <strong>dos</strong> donativos 20 , tão revelador do caráter <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s,<br />
reveste-se <strong>de</strong> contornos <strong>de</strong> uma cena <strong>de</strong> comédia 21 . Aquela que <strong>de</strong>veria ter<br />
sido uma ação consciente, pr<strong>em</strong>editada, como convém à primeira intervenção<br />
pública <strong>de</strong> alguém com os dotes naturais, família e capacida<strong>de</strong>s oratórias do<br />
Alcmeónida, mais não é do que a reação int<strong>em</strong>pestiva <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> orienta a sua<br />
vida pela se<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento e aplausos e que, quando alcança o seu<br />
objetivo ca <strong>de</strong> tal forma si<strong>de</strong>rado que se esquece <strong>de</strong> tudo o resto. A caça<br />
à codorniz, algo aparent<strong>em</strong>ente s<strong>em</strong> importância, revela gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito<br />
para com as instituições 22 : imagine-se o ridículo que é to<strong>dos</strong> os «<strong>de</strong>puta<strong>dos</strong>»<br />
andar<strong>em</strong> a correr e a gritar atrás <strong>de</strong> uma ave <strong>em</strong> pleno parlamento! Mas, mais<br />
do que isso, congura um presságio do trágico m <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, já que é por<br />
18 Cf. Pl. Smp. 219e-221c; Isoc. 16. 29. O relato <strong>de</strong> <strong>Plutarco</strong> <strong>de</strong>ixa transparecer o carinho e<br />
preocupação que uniam o lósofo e Alcibía<strong>de</strong>s: quando este se viu <strong>em</strong> apuros, Sócrates não só<br />
o protegeu, como permitiu que recebesse os louros <strong>em</strong> seu lugar (batalha <strong>de</strong> Poti<strong>de</strong>ia); quando<br />
foi Sócrates a ver-se <strong>em</strong> apuros, <strong>em</strong> uma ocasião <strong>em</strong> que os Atenienses estavam <strong>em</strong> <strong>de</strong>bandada,<br />
Alcibía<strong>de</strong>s não hesitou <strong>em</strong> lutar ao seu lado (batalha <strong>de</strong> Délio). Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso notar<br />
que Coriolano recebeu uma con<strong>de</strong>coração pela corag<strong>em</strong> <strong>de</strong>monstrada ao salvar um companheiro,<br />
ao passo que Alcibía<strong>de</strong>s, por ser salvo. <strong>Plutarco</strong> salienta, assim, a diculda<strong>de</strong> que o romano tinha<br />
<strong>em</strong> lidar com as pessoas por oposição à facilida<strong>de</strong> que Alcibía<strong>de</strong>s tinha <strong>em</strong> conquistá-las.<br />
19 A vitória <strong>em</strong> jogos pan-helénicos trazia ao vencedor honra e estatuto na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
orig<strong>em</strong> e podia ser <strong>de</strong>cisiva para a obtenção <strong>de</strong> um cargo político. Segundo uc. 4. 121. 1, ao<br />
vencedor eram garantidas honrarias proverbiais, que passavam por uma procissão triunfal, por<br />
lugares privilegia<strong>dos</strong> nas refeições públicas e festivais. Em uc. 6. 16. 2, Alcibía<strong>de</strong>s refere a<br />
importância <strong>de</strong>ssa vitória para Atenas <strong>em</strong> um discurso que profere por ocasião <strong>dos</strong> preparativos<br />
para a expedição à Sicília. Sobre este t<strong>em</strong>a, vi<strong>de</strong> Gribble (1999: 48-50); Kurke (1998: 131-163,<br />
particularmente 159 nota 40).<br />
20 Como ver<strong>em</strong>os adiante, qu<strong>em</strong> quer singrar na carreira política recorre frequent<strong>em</strong>ente<br />
a esse estratag<strong>em</strong>a da distribuição <strong>de</strong> dinheiros pelo <strong>Estado</strong> e pela população. No entanto, no<br />
<strong>caso</strong> <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, parece tratar-se <strong>de</strong> uma , um apelo para contribuições ao <strong>Estado</strong>,<br />
que ocorria na ass<strong>em</strong>bleia <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> crise. Teofrasto (Char. 22.3), a propósito do Forreta<br />
que, ao contrário <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, tudo faz para não contribuir, dá test<strong>em</strong>unho da frequência <strong>dos</strong><br />
peditórios públicos como forma <strong>de</strong> angariar, entre os cidadãos, fun<strong>dos</strong> para obstar às diculda<strong>de</strong>s<br />
nanceiras da . Cf. Pritchett (1974: 110, nota 286). Em Moralia 799D, camos com a<br />
impressão <strong>de</strong> que o episódio narrado <strong>em</strong> Alc. ocorreu noutro contexto.<br />
21 Para uma análise <strong>de</strong>talhada <strong>dos</strong> pormenores cómicos <strong>de</strong>ste episódio, vi<strong>de</strong> Salcedo Parrondo<br />
(2005: 179-186).<br />
22 <strong>Plutarco</strong> (Moralia 799D) arma mesmo que tal episódio só foi possível por causa do<br />
caráter espirituoso <strong>dos</strong> Atenienses (cf. supra p. 116, nota 6), que no contexto <strong>dos</strong> Praecepta<br />
gerendae reipublicae, compara com o <strong>dos</strong> Cartagineses, povo mais opressor, oprimido e sisudo.<br />
196