17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Péricles e Alcibía<strong>de</strong>s<br />

livre: como se não bastasse <strong>de</strong>sgurar o rosto <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> o tocava (n<strong>em</strong> a innita<br />

beleza <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s resistia a essa prova), ainda impedia que a música fosse<br />

acompanhada pelo canto <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> utilizava o instrumento, algo que, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, a lira já permitia 71 . E impedir o canto, mais do que uma questão <strong>de</strong><br />

estética musical, era sinónimo <strong>de</strong> impedir o uso da palavra, um valor supr<strong>em</strong>o<br />

da cultura <strong>de</strong> Atenas, pelo que o recurso a um tal instrumento não po<strong>de</strong>ria ser<br />

muito b<strong>em</strong> visto por um <strong>ateniense</strong> legítimo.<br />

Apesar do cariz etiológico <strong>de</strong>sta anedota, e como o próprio Alcibía<strong>de</strong>s<br />

argumenta, existia <strong>em</strong> Atenas uma tradição mitológica (protagonizada por<br />

Atena e por Mársias 72 ) que indispunha os Atenienses contra a prática <strong>de</strong>sse<br />

instrumento 73 . Ao referir-se a essa tradição para justicar o seu ponto <strong>de</strong> vista,<br />

além <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong>) as suas competências argumentativas<br />

e um caráter voluntarioso, Alcibía<strong>de</strong>s compara-se implicitamente a Atena e<br />

Apolo, ou seja, aproveita para se valorizar 74 .<br />

Esta anedota permite-nos, ainda, inferir e pregurar características <strong>de</strong><br />

Alcibía<strong>de</strong>s, como a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impor a própria vonta<strong>de</strong> e <strong>de</strong> criar modas<br />

(não é difícil recordar Ath. 534b-c, segundo o qual aquele usava umas sandálias<br />

especícas, que acabaram por receber o seu nome), b<strong>em</strong> como a sua popularida<strong>de</strong>.<br />

D<strong>em</strong>ais, o facto <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s ridicularizar os meninos que aprendiam a tocar<br />

funciona como prenúncio <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> motivos que vai fazer com que o<br />

<br />

“apren<strong>de</strong>ste, creio, a ler, escrever, tocar lira e lutar; quanto à auta, puseste-a <strong>de</strong> parte.”<br />

Há, contudo, test<strong>em</strong>unhos controversos. Segundo Ateneu (184d), Dúris <strong>de</strong> Samos (FGrH<br />

76 F 29) terá armado que Alcibía<strong>de</strong>s teve o famoso Prónomo como mestre nessa área. Há<br />

até um vaso (Naples 3240), datado <strong>de</strong> ca. 400 a.C., que recebeu o seu nome, pois retrata um<br />

indivíduo a tocar .<br />

71 Arist. Pol. 13411a16 sqq. apresenta justicações s<strong>em</strong>elhantes para a recusa da auta. Não<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso recordar que a lira era o instrumento ensinado por Dámon. Embora o texto<br />

não faça qualquer alusão, era também o instrumento predileto <strong>de</strong> Aquiles (cf. Il. 9. 182-192).<br />

72 Esta referência a Mársias não é inocente. Traz à m<strong>em</strong>ória Pl. Smp. 215a-216c, passo on<strong>de</strong><br />

Alcibía<strong>de</strong>s compara Mársias a Sócrates, que está subjacente aos capítulos 4, 5 e 6 <strong>de</strong>sta biograa.<br />

Este passo alu<strong>de</strong> ao po<strong>de</strong>r das palavras <strong>de</strong> Sócrates sobre Alcibía<strong>de</strong>s. Vi<strong>de</strong> Scott (2000: 25-37).<br />

73 Cf. Pl. R. 399d-e; Arist. Pol. 1341b2-8, on<strong>de</strong> tais mitos também são evoca<strong>dos</strong> para rejeitar<br />

a prática da auta. Sobre os mitos <strong>em</strong> causa, vi<strong>de</strong> McKinnon (1984: 204-213). Sobre a prática<br />

da auta <strong>em</strong> Atenas, vi<strong>de</strong> Wilson (1999: 74-85).<br />

74 Não é o único momento da obra on<strong>de</strong> uma tal valorização acontece. De facto, no m da<br />

secção inicial consagrada às anedotas (Alc. 16. 1-7) e <strong>em</strong> uma altura <strong>em</strong> que <strong>Plutarco</strong> se refere<br />

sobretudo a críticas que corriam relativamente à pessoa <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, o biógrafo menciona<br />

duas obras <strong>de</strong> arte que suger<strong>em</strong> mais uma tentativa do protagonista <strong>de</strong> aproximar o seu valor<br />

do da divinda<strong>de</strong>: um escudo <strong>de</strong> ouro que t<strong>em</strong> grava<strong>dos</strong> não os t<strong>em</strong>as tradicionais, mas uma<br />

imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Eros, e um quadro on<strong>de</strong> o próprio Alcibía<strong>de</strong>s surge ao lado da <strong>de</strong>usa N<strong>em</strong>eia.<br />

Muitos Atenienses consi<strong>de</strong>ravam este comportamento como sinal <strong>de</strong> tendências tirânicas,<br />

mas po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rá-lo, <strong>de</strong> igual modo, próprio <strong>de</strong> um caráter dado à , ao qual, por<br />

isso, não se augura nada <strong>de</strong> bom. Havia também outros que cavam entusiasma<strong>dos</strong> com o<br />

comportamento <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s.<br />

177

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!