17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Parte V - O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />

como a sua astúcia e maquiavelismo, e introduzir diversos t<strong>em</strong>as explora<strong>dos</strong><br />

nesta biograa, surge <strong>em</strong> Alc. 2. 3-4, e está, também ela, relacionada com<br />

uma brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> infância 55 . Neste <strong>caso</strong> concreto, Alcibía<strong>de</strong>s revela-se<br />

sucient<strong>em</strong>ente t<strong>em</strong>erário para, mesmo pondo <strong>em</strong> risco a própria vida,<br />

lutar para que se faça a sua vonta<strong>de</strong>. Quando a aproximação <strong>de</strong> um carro<br />

ameaça interromper um jogo no preciso momento <strong>em</strong> que Alcibía<strong>de</strong>s <strong>de</strong>veria<br />

intervir (ou, se quisermos acentuar a i<strong>de</strong>ia, ser o protagonista 56 ), contraria<br />

todas as expectativas (já que os colegas <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira se afastaram),<br />

lançando-se para diante do veículo cuja marcha assim <strong>de</strong>tém. Como é óbvio,<br />

este comportamento suscita reações diversas: o cocheiro ca assustado e<br />

qu<strong>em</strong> estava a observar a cena admirado. Efetivamente, medo e admiração<br />

eram os sentimentos que Alcibía<strong>de</strong>s mais costumava <strong>de</strong>spertar nas pessoas<br />

(como se po<strong>de</strong> ver ao longo da biograa 57 ), o que contribuía para que a sua<br />

popularida<strong>de</strong> fosse inconstante.<br />

Importa, neste momento, chamar a atenção para o facto <strong>de</strong>, <strong>em</strong> termos<br />

estruturais, as biograas <strong>de</strong> Péricles e <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s se distinguir<strong>em</strong> logo<br />

55 Sobre o jogo <strong>em</strong> causa (atestado, e.g., <strong>em</strong> Il. 23. 87-8; Pl. t. 145c; Plu. Lys. 8. 4-5,<br />

Moralia 812A, vi<strong>de</strong> Beck (1975: n. os 342-345); Ricotti (1995: 47-48); Kurke (1999: 283-95). O<br />

tópico da brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> infância que revela o caráter excecional e potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alguém é<br />

recorrente na literatura grega, como já o mencionámos <strong>em</strong> relação a Ciro (Hdt. 1. 149-119 – cf.<br />

supra p. 38). É também esse o objetivo das anedotas/caricaturas que são antece<strong>de</strong>nte da própria<br />

biograa, como no-lo <strong>de</strong>monstra Ar. Eq.: neste <strong>caso</strong> concreto, o perl <strong>de</strong> político do Salsicheiro<br />

percebe-se já nas reações <strong>de</strong> infância.<br />

56 Esta anedota faz-nos recordar o ressentimento que, segundo uc. 5. 43. 1-3, Alcibía<strong>de</strong>s<br />

nutriu contra os Lace<strong>de</strong>mónios, que, ignorando a relação <strong>de</strong> que os ligava, não o<br />

consultaram a propósito da paz <strong>de</strong> Nícias por consi<strong>de</strong>rá-lo <strong>de</strong>masiado novo. Cf. Alc. 14 e<br />

infra pp. 206-207 e p. 249. Se relacionarmos este episódio com outros que ocorr<strong>em</strong> quer<br />

na biograa do seu par (Cor. 3. 1) quer na <strong>de</strong> César (32. 8) e que têm <strong>em</strong> comum a alusão<br />

ao lançamento <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> (ou, no <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Alc. 2. 3-4, <strong>de</strong> ossos), a <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s sai<br />

realçada. Isso acontece porque o ato <strong>de</strong> lançar os da<strong>dos</strong> estava metaforicamente associado ao<br />

contexto bélico, on<strong>de</strong> há s<strong>em</strong>pre qualquer coisa importante <strong>em</strong> jogo, pelo que o risco <strong>de</strong> vida<br />

a que os protagonistas <strong>de</strong> tais episódios se sujeitam está justicado; já aquele a que Alcibía<strong>de</strong>s<br />

se submete não é mais do que uma vaida<strong>de</strong>. A associação <strong>de</strong>stes episódios leva-nos ainda a<br />

reetir noutro sentido: se Tarquínio era um tirano e lançou os da<strong>dos</strong> e se César também o<br />

fez, passando <strong>em</strong> seguida a exercer um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> natureza s<strong>em</strong>elhante (cf. Caes. 57. 1), será<br />

que Alcibía<strong>de</strong>s não teria pretensões <strong>de</strong> se tornar um déspota? Cf. Du (2003: 101). Sobre a<br />

tendência tirânica <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, vi<strong>de</strong> infra p. 215 sqq.<br />

57 Medo (e. g. 16. 7, 32. 3); admiração (e. g. 23. 3, 32. 3). Esta anedota, por causa da repetição<br />

do substantivo , faz-nos evocar um outro episódio on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>spertam sentimentos<br />

díspares: a vitória olímpica <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s (Alc. 11-12 – cf. infra pp. 197-198), que lhe valeu<br />

admiração <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> pelo feito ímpar, mas também uma forte contestação <strong>de</strong>vido aos rumores<br />

<strong>de</strong> que havia roubado os cavalos com que competiu. A dimensão assumida por este episódio –<br />

apesar <strong>de</strong>, para Alcibía<strong>de</strong>s, não ter tido consequências negativas <strong>de</strong> maior – foi <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que,<br />

além <strong>de</strong> o seu lho ter sido con<strong>de</strong>nado por esse crime, Isócrates concebeu um discurso (<br />

– Isoc. 16) a propósito <strong>de</strong>sse t<strong>em</strong>a. Fica, assim, a sugestão <strong>de</strong> que a corag<strong>em</strong> e a ambição<br />

<strong>de</strong>monstradas, b<strong>em</strong> como a popularida<strong>de</strong> trazida pelos cavalos vão, mais tar<strong>de</strong>, virar-se contra<br />

ele.<br />

172

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!