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O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

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Parte V - O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />

as normas do comportamento aceitável, estabelece um contraponto entre os<br />

dois primos: no <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Péricles, a comparação com o animal é elogiosa, porque<br />

associada ao fundador <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m social; no <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, t<strong>em</strong><br />

conotação negativa e pren<strong>de</strong>-se a um acontecimento do dia-a-dia. Assim, o<br />

mesmo símbolo aplicado aos dois Alcmeónidas aproxima-os, fazendo <strong>de</strong>les<br />

parentes, mas chama simultaneamente a atenção para a sua natureza diversa.<br />

Na biograa <strong>de</strong> Péricles, o presságio, que é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da vonta<strong>de</strong> da<br />

criança e funciona como anúncio divino do nascimento <strong>de</strong> alguém excecional,<br />

dá ênfase a uma pre<strong>de</strong>stinação que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> ou atuação do<br />

protagonista; <strong>em</strong> Alcibía<strong>de</strong>s, a anedota (<strong>em</strong> conjunto com as <strong>de</strong>mais) revela o<br />

caráter <strong>de</strong> alguém que possui <strong>de</strong>masia<strong>dos</strong> <strong>de</strong>feitos, propensão para más ações<br />

e indica, por isso, falta <strong>de</strong> caráter. D<strong>em</strong>ais, é curioso salientar que é Alcibía<strong>de</strong>s<br />

a intitular-se como leão, com o objetivo <strong>de</strong> mostrar a sua supr<strong>em</strong>acia e <strong>de</strong><br />

causar um certo receio, comportamento que ninguém esperaria da parte <strong>de</strong><br />

Péricles. Este tentava a custo diluir qualquer ligação que pu<strong>de</strong>sse relacioná-lo<br />

com um tirano, nomeadamente Pisístrato 47 , com o qual se parecia sicamente:<br />

é que estava consciente <strong>de</strong> que tal associação não traria boas consequências.<br />

Alc. 2. 2-3 também é importante por ser um <strong>dos</strong> momentos <strong>em</strong> que<br />

se sugere a f<strong>em</strong>inilida<strong>de</strong> 48 própria do caráter <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s (já que o rival<br />

o acusa <strong>de</strong> mor<strong>de</strong>r como uma mulher) e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, a virilida<strong>de</strong> e<br />

corag<strong>em</strong> próprias <strong>de</strong> um leão (já que Alcibía<strong>de</strong>s contrapõe mor<strong>de</strong>r como o<br />

rei da selva) 49 . Deste modo, <strong>Plutarco</strong> insinua <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início a ambiguida<strong>de</strong><br />

do caráter <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s (cujo comportamento podia ser interpretado<br />

como próprio <strong>de</strong> uma mulher, <strong>de</strong> um <strong>hom<strong>em</strong></strong> ou mesmo <strong>de</strong> um animal)<br />

quando são os interesses da pátria a estar <strong>em</strong> causa. Cf., e. g., Moralia 158F. Sobre este assunto,<br />

consulte-se Nikolaidis (1995: 301-312).<br />

47 Em 560 a.C., Pisístrato, cuja vida <strong>de</strong>correu entre 600 e 527 a.C., tomou o po<strong>de</strong>r pela força<br />

e manteve-o quase s<strong>em</strong> interrupções até ao m da sua vida. Segundo Aristóteles (Ath. 14. 3),<br />

«governou com mo<strong>de</strong>ração e mais como um bom cidadão do que como tirano». Na verda<strong>de</strong>,<br />

o seu governo, b<strong>em</strong> como o <strong>dos</strong> lhos que lhe suce<strong>de</strong>ram, constituiu um período <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

orescimento, nomeadamente no centro urbano <strong>de</strong> Atenas: foi nesta altura que se construíram<br />

várias obras públicas que prestigiaram a cida<strong>de</strong> (por ex<strong>em</strong>plo, o t<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Atena, na Acrópole;<br />

o altar <strong>dos</strong> Doze Deuses, na Ágora; o santuário <strong>de</strong> Zeus Eleutério, no su<strong>de</strong>ste da cida<strong>de</strong>; a<br />

Fonte das Nove Bocas, que garantia o abastecimento <strong>de</strong> água). Foi também durante a tirania<br />

<strong>dos</strong> Pisístratos que a cerâmica ática atingiu o seu apogeu e que se fomentou o culto <strong>de</strong> Atena e<br />

Dionísio através da importância dada às Panateneias e do aparecimento <strong>dos</strong> concursos trágicos,<br />

respetivamente. Além disso, os tiranos reuniram <strong>em</strong> Atenas nomes <strong>de</strong> vulto da cultura <strong>de</strong> então,<br />

como Simóni<strong>de</strong>s e Anacreonte. Mas, após a morte <strong>de</strong> Pisístrato, o comportamento <strong>dos</strong> seus<br />

lhos tornou-se excessivo, causando o <strong>de</strong>scontentamento <strong>dos</strong> Atenienses e a tirania acabou por<br />

ser abolida pelos Alcmeónidas (vi<strong>de</strong> supra p. 160, nota 9). Sobre Pisístrato e sua intervenção<br />

política, consulte-se, e. g., Boardman ( 2 1988: 287-302).<br />

48 Este t<strong>em</strong>a encontra-se <strong>de</strong>senvolvido na página 268.<br />

49 O mesmo episódio é referido <strong>em</strong> Plu. Moralia 186D. Cf. Gribble (1999: 1-2) e Du<br />

(2003: 97-100). Importa recordar um test<strong>em</strong>unho <strong>de</strong> Luciano (D<strong>em</strong>on. 49), segundo o qual o<br />

termo leão era usado como sinónimo popular <strong>de</strong> lutador no século II d.C.<br />

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