17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O <strong>caso</strong> <strong>de</strong> Péricles e Alcibía<strong>de</strong>s<br />

b<strong>em</strong> aquele tinha visto a luz do dia. Na verda<strong>de</strong>, a alusão ao sonho 40 <strong>de</strong> Agariste<br />

<strong>em</strong> Per. 3. 3-4 (cuja fonte, <strong>em</strong>bora o biógrafo não a i<strong>de</strong>ntique, sab<strong>em</strong>os ser<br />

Heródoto 41 ) <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha exatamente essa função <strong>de</strong> pregurar aquilo que<br />

Péricles viria a ser. Assim, o facto <strong>de</strong> Agariste sonhar dar à luz um leão po<strong>de</strong><br />

ser interpretado como presságio da li<strong>de</strong>rança que o recém-nascido viria a<br />

exercer <strong>em</strong> Atenas na ida<strong>de</strong> adulta, b<strong>em</strong> como da sua corag<strong>em</strong> e capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> chea. Com efeito, a tradição literária antiga costumava associar criaturas<br />

orgulhosas e po<strong>de</strong>rosas (às quais normalmente se atribui uma aptidão para o<br />

po<strong>de</strong>r monocrático), que <strong>de</strong>spertam a admiração <strong>dos</strong> concidadãos, a um leão.<br />

Este animal, símbolo, por tradição, do po<strong>de</strong>r real e tirânico 42 (e da violência<br />

que, por norma, lhes está associada 43 ), não costuma ser um invasor, mas alguém<br />

que é criado pela própria que, mais tar<strong>de</strong>, t<strong>em</strong> diculda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> lidar<br />

com a sua natureza indomável (o que, obviamente, também se coaduna com a<br />

maneira <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s).<br />

De facto, Péricles não foi o único Alcmeónida associado à imag<strong>em</strong> do<br />

leão. A primeira das duas anedotas que o biógrafo narra no princípio da Vida<br />

<strong>de</strong> Alcibía<strong>de</strong>s (Alc. 2. 2-3 44 ) para ilustrar a (e a a que<br />

nos referimos <strong>em</strong> páginas anteriores) menciona essa associação: durante<br />

um exercício <strong>de</strong> luta, Alcibía<strong>de</strong>s não encontra outra maneira <strong>de</strong> evitar a<br />

<strong>de</strong>rrota senão recorrer ao processo <strong>de</strong> mor<strong>de</strong>r o adversário, algo que po<strong>de</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rado uma violação das regras 45 <strong>de</strong> fair-play. Acusado <strong>de</strong> se comportar<br />

como uma mulher, contrapõe ter antes agido como um leão.<br />

Esta anedota, além <strong>de</strong> mostrar a falta <strong>de</strong> moral do jov<strong>em</strong> Alcmeónida,<br />

que não olhava a meios para atingir os seus objetivos 46 e era capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>saar<br />

40 Em jeito <strong>de</strong> parênteses, importa recordar que o el<strong>em</strong>ento onírico t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> mitológica<br />

e é tradicional na literatura grega (especialmente nos relatos historiográcos e biográcos),<br />

quando se trata <strong>de</strong> prever o nascimento <strong>de</strong> um herói, do fundador <strong>de</strong> uma dinastia ou <strong>de</strong> um<br />

monarca po<strong>de</strong>roso (vi<strong>de</strong> supra pp. 19-20). Basta-nos l<strong>em</strong>brar – para não fugirmos ao âmbito<br />

das biograas que estamos a analisar – que ao nascimento <strong>de</strong> Teseu está associado não um<br />

sonho, mas um oráculo que o proscreve, sugestivo da sua importância futura, b<strong>em</strong> como da sua<br />

responsabilida<strong>de</strong> na queda/morte <strong>de</strong> Egeu.<br />

41 Cf. Hdt. 6. 131: <br />

Vi<strong>de</strong> McNellen (1997: 11-23).<br />

42 Cf. Hdt. 5. 56 (Hiparco), 5. 92 (Cípselo); Ar. Eq. 1037. Em Il. 5. 638-9, surge associado a<br />

Héracles por causa <strong>dos</strong> seus feitos heroicos.<br />

43 Platão explora este t<strong>em</strong>a <strong>em</strong> Grg. 483e-484a, pela boca <strong>de</strong> Cálicles, que, como já<br />

mencionámos anteriormente, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o mais forte <strong>de</strong>ve imperar sobre o mais fraco. Há<br />

qu<strong>em</strong> acredite que esta personag<strong>em</strong> representa Alcibía<strong>de</strong>s, vi<strong>de</strong> Vickers (1994: 85-112); Gribble<br />

(1999: 234-238).<br />

44 Esta anedota ocorre igualmente <strong>em</strong> Plu. Moralia 186D (on<strong>de</strong> também está associada a<br />

Alcibía<strong>de</strong>s) e 234D (on<strong>de</strong> está associada a um lace<strong>de</strong>mónio). Sobre o uso que <strong>Plutarco</strong> faz das<br />

anedotas, vi<strong>de</strong> infra p. 173 e nota 58.<br />

45 A propósito das regras da luta antiga e pancrácio, vi<strong>de</strong> Harris (1964: 102-109); Poliako<br />

(1987: 23-63).<br />

46 Curiosamente, <strong>Plutarco</strong> não refuta a máxima «os ns justicam os meios», sobretudo<br />

169

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!