17.04.2013 Views

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcméonidas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Parte V – O <strong>hom<strong>em</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Estado</strong> do século V<br />

correspon<strong>de</strong> à instrução) e os costumes (ou seja, a prática). Segundo o Queroneu,<br />

a falha <strong>de</strong> qualquer um <strong>de</strong>stes el<strong>em</strong>entos compromete o processo.<br />

<strong>Plutarco</strong> compara a pessoa à terra cultivável (Moralia 2B) 77 : a terra boa<br />

correspon<strong>de</strong> a uma natureza boa, o s<strong>em</strong>eador entendido, ao mestre, e as boas<br />

s<strong>em</strong>entes, aos preceitos e conselhos da razão. Defen<strong>de</strong> que não basta ter uma<br />

natureza boa, é preciso cultivá-la, pois qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> dons e não os exercita (e<br />

não os põe a ren<strong>de</strong>r 78 ), acaba por perdê-los. Mas a s<strong>em</strong>ente também po<strong>de</strong><br />

germinar <strong>em</strong> um terreno menos bom: qu<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> dons naturais, po<strong>de</strong><br />

conseguir colmatar essa falta através <strong>de</strong> um árduo esforço. A própria natureza<br />

dá ex<strong>em</strong>plos do modo como o po<strong>de</strong>r do trabalho e da persistência permit<strong>em</strong><br />

alcançar um objetivo, permit<strong>em</strong> moldar o caráter, do mesmo modo que a água,<br />

com o t<strong>em</strong>po, acaba por <strong>de</strong>ixar a sua marca na pedra, ou como as mãos, <strong>em</strong><br />

contacto com o ferro ou o bronze, consegu<strong>em</strong> gastá-los.<br />

Parece car claro que para o biógrafo o esforço e a <strong>de</strong>dicação que colmatam<br />

«falhas» da natureza têm um valor superior ao da própria natureza boa, quando<br />

<strong>de</strong>scurada. É por isso que a educação (ou se quisermos o esforço, a <strong>de</strong>dicação)<br />

faz a diferença 79 .<br />

<strong>Plutarco</strong> (Moralia 3B-D) consi<strong>de</strong>ra igualmente que exist<strong>em</strong> duas guras<br />

fundamentais para o <strong>de</strong>senvolvimento das crianças <strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong>: a mãe e<br />

a ama, à qual só <strong>em</strong> <strong>caso</strong>s excecionais se <strong>de</strong>veria recorrer. Ao contrário <strong>de</strong><br />

Platão (R. 461d-e), que <strong>de</strong>fendia que os que tinham a missão <strong>de</strong> guardiães não<br />

<strong>de</strong>veriam saber distinguir os seus lhos <strong>dos</strong> <strong>dos</strong> restantes 80 , o Queroneu salienta<br />

a importância do vínculo afetivo com a mãe e a superiorida<strong>de</strong> do seu amor<br />

gratuito e <strong>de</strong>sinteressado 81 (test<strong>em</strong>unhado pela relação mãe-cria observável no<br />

ao hábito () e à razão ().<br />

77 <strong>Plutarco</strong> compara o processo educativo ao agrícola, fazendo-nos, s<strong>em</strong> pensar muito,<br />

recordar Cícero (Tusc. 2. 13), que arma ut ager quamvis fertilis sine cultura fructuosus esse<br />

non potest, sic sine doctrina animus (“tal como o campo, <strong>em</strong>bora fértil, s<strong>em</strong> cultura não dá<br />

fruto, assim também a alma s<strong>em</strong> doutrina”) e o Evangelho <strong>de</strong> Mateus (13. 3-23), que narra a<br />

parábola do s<strong>em</strong>eador. Em Moralia 4B-C, recorre <strong>de</strong> novo a uma metáfora agrícola, quando<br />

diz que a transmissão <strong>de</strong> bons princípios é comparável a uma estaca, para signicar que o<br />

crescimento <strong>dos</strong> jovens <strong>de</strong>ve apoiar-se <strong>em</strong> valores corretos, do mesmo modo que uma planta,<br />

para crescer direita, se apoia na estaca.<br />

78 Para usar palavras mais próximas das da parábola <strong>dos</strong> talentos (Mt. 25. 14-30).<br />

79 Também Platão <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ra que a educação torna a natureza melhor. Cf. R. 424a-b, 491<strong>de</strong><br />

e 492a. Para ex<strong>em</strong>plicá-lo, o Queroneu conta mais uma anedota <strong>em</strong> que Licurgo intervém<br />

(Moralia 3A-B, 225F). A dois cães com a mesma orig<strong>em</strong>, <strong>de</strong>u-se uma educação diferente. Com<br />

o t<strong>em</strong>po, um tornou-se guloso e voraz, o outro, um excelente caçador, o que levou Licurgo a<br />

salientar a importância <strong>dos</strong> costumes, da educação, do ensino e da conduta para a aquisição da<br />

virtu<strong>de</strong>.<br />

80 Aristófanes (Ec. 614 sqq.) faz a caricatura <strong>de</strong>ste princípio. Na verda<strong>de</strong>, ainda que não por<br />

um objetivo especíco e «louvável», mas antes por causa <strong>de</strong> uma promiscuida<strong>de</strong> generalizada<br />

(porém legal), também os lhos nasci<strong>dos</strong> na nova or<strong>de</strong>m estabelecida pelas mulheres (cf. supra<br />

página 148, nota 49) passariam a ignorar qu<strong>em</strong> era o seu pai.<br />

81 Este tipo <strong>de</strong> entre a mãe e os lhos é analisada por Aristóteles <strong>em</strong> EN 1159a25-35.<br />

154

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!