17.04.2013 Views

práticas educativas das dançarinas prostitutas do ... - Itaporanga.net

práticas educativas das dançarinas prostitutas do ... - Itaporanga.net

práticas educativas das dançarinas prostitutas do ... - Itaporanga.net

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

PRÁTICAS EDUCATIVAS DAS DANÇARINAS PROSTITUTAS DO CENTRO<br />

Introdução<br />

DE FORTALEZA-CE<br />

José Gerar<strong>do</strong> Vasconcelos<br />

PPGE, UFC<br />

Francisca Karla Botão Aranha<br />

PIBIC, UFC<br />

Camila Saraiva de Matos<br />

PIBIC, CNPq<br />

A produção de uma nova cultura que derrame seus preceitos na vida da cidade é<br />

algo que pode parecer invisível. Todavia, constata-se fortemente a presença de<br />

determina<strong>das</strong> <strong>práticas</strong> <strong>educativas</strong> produzi<strong>das</strong> no interior <strong>do</strong>s prostíbulos <strong>do</strong> centro da<br />

cidade que se vão amplian<strong>do</strong> nessa polifônica Fortaleza. Vestimentas retalha<strong>das</strong>,<br />

músicas que podem traduzir sensualidade, danças sensuais produzi<strong>das</strong> no interior dessas<br />

casas e que podem ser ensina<strong>das</strong> as recata<strong>das</strong> senhoras <strong>do</strong> lar.<br />

Mas o que se deve entender pelo ato ou exercício da prostituição? Que diferença<br />

existe – como pergunta PAIS (2008, p. 37) – entre relações sexuais basea<strong>das</strong> na<br />

prostituição e as relações sexuais convencionais? É evidente, segun<strong>do</strong> o autor que essas<br />

diferenças não podem ser restritas ao comercio de valores nem ao sentimento de<br />

indiferença emocional que a prostituta poderia manifestar no ato sexual. Ou como<br />

perguntaria Foucault (1990, p. 14): Por que o comportamento sexual, as atividades e os<br />

prazeres a ele relaciona<strong>do</strong>s, são objetos de uma preocupação moral?<br />

A resposta apresentada por Foucault está diretamente relacionada ao cuida<strong>do</strong><br />

ético que nem sempre se relaciona com os sistemas de interdição. Restaria então<br />

perguntar o motivo pelo qual a atividade sexual foi constituída como campo moral e,<br />

nesse caso, qual o lugar da prostituição nesse escorregadio território de prazer. Para<br />

Sade (2003, p. 36 e 37) as <strong>prostitutas</strong>:<br />

São felizes e respeitáveis criaturas que a opinião difama, mas a<br />

volúpia coroa; e quem, bem mais necessária à sociedade <strong>do</strong> que


as recata<strong>das</strong>, têm a coragem de sacrificar, para servi-la, a<br />

consideração que esta sociedade ousa lhes tirar injustamente.<br />

Vivam as que se sentem honra<strong>das</strong> com este título.<br />

Ou como diria Nietzsche (1976, p. 47) no Crepúsculo <strong>do</strong>s Í<strong>do</strong>los,<br />

Somos necessários, somos um fragmento <strong>do</strong> destino,<br />

formamos parte <strong>do</strong> to<strong>do</strong>; não há nada que possa julgar,<br />

medir, comparar e condenar nossa existência, pois isso<br />

equivaleria a julgar, medir, comparar e condenar o to<strong>do</strong><br />

(NIETZSCHE, 1976, p. 47).<br />

A prostituição se faz necessária apesar <strong>do</strong> disfarce que comporta pela<br />

meticulosidade <strong>do</strong> ato e, ao mesmo tempo, pela diferença de suas inúmeras<br />

manifestações. Os lugares de atuação passam por grandes variações. Do bordel féti<strong>do</strong><br />

aos canais sedutores e imagéticos <strong>das</strong> infovias. Da bêbada purulenta que trafega pelas<br />

vielas <strong>das</strong> grandes cidades trocan<strong>do</strong> suas carnes por uma pedra de crack à devota e<br />

exuberante deusa lançada em sites eletrônicos ou em Casas de Massagem com luxuosos<br />

equipamentos espalha<strong>das</strong> pelas grandes cidades. O descompasso entre o feio e o belo,<br />

entre o bem e o mal deve recompor a passagem <strong>do</strong> prazer feminino e <strong>do</strong> lugar da<br />

prostituição. De conformidade com os estu<strong>do</strong>s de Pais,<br />

Também as mulheres casa<strong>das</strong> comercializam favores sexuais e<br />

até ‘santos padres’ se intrometeram gananciosamente no<br />

contorno desse florescente negócio. Na esfera conjugal, as<br />

relações sexuais tanto aparecem por ‘senti<strong>do</strong> de prazer’ como<br />

por ‘senti<strong>do</strong> de dever’. Se os mais puritanos <strong>do</strong>s esposos<br />

invertessem a proposição segun<strong>do</strong> a qual ‘a liberdade sexual<br />

feminina reduz o papel da prostituição’ chegariam a<br />

desconcertante conclusão de que o aumento da prostituição<br />

pode reduzir a infidelidade conjugal. Aqui temos uma boa<br />

justificação da tolerância que deliberada ou veladamente a<br />

prostituição passa a ter (PAIS, 2008, p. 37).<br />

A necessidade de se apresentar como dançarina e não como garota de programa,<br />

acompanhante, prostituta ou garota de boite é sempre explicita e recorrente em discurso<br />

<strong>das</strong> “<strong>dançarinas</strong>”. Como se quisessem encobrir – apesar de chamarem de casa – os<br />

lugares de trabalho situa<strong>do</strong>s em territórios de prazer. O que se pode constatar é que um<br />

cliente que busca um território de prostituição não o faz com o intuito exclusivo de<br />

satisfação sexual. O que compõe o imaginário masculino vai muito além <strong>do</strong> gozo


imediato. É muito mais que o coito ou ato de copular com a fêmea. É o que Sousa nos<br />

explica.<br />

Meto<strong>do</strong>logia<br />

No âmbito simbólico e no imaginário social, as <strong>prostitutas</strong><br />

representam tu<strong>do</strong> o que uma esposa e mãe não poderia<br />

eventualmente ser: sensual, despu<strong>do</strong>rada, misteriosa, sem<br />

<strong>do</strong>no, livre para o sexo. Esses atributos seduzem e atraem os<br />

freqüenta<strong>do</strong>res de prostíbulos, principalmente por ocorrer uma<br />

inversão no ato da sedução – as mulheres é que tomam a<br />

iniciativa da aproximação, da “paquera” e da sedução. Há<br />

uma mudança, embora simbólica, <strong>do</strong>s papéis e <strong>das</strong><br />

determinações sociais <strong>das</strong> categorias homem/mulher que<br />

fascina e amedronta os clientes, ao mesmo tempo (SOUSA,<br />

2000, 121).<br />

O procedimento meto<strong>do</strong>lógico se desenvolve pelo acompanhamento sistemático<br />

<strong>do</strong>s prostíbulos da região central de Fortaleza-Ceará. Isso possibilita uma rica coleta de<br />

da<strong>do</strong>s além da utilização <strong>do</strong> diário de campo, peça fundamental, para registrar os<br />

acontecimentos cotidianos <strong>do</strong>s prostíbulos é, ao mesmo tempo, a possibilidade de<br />

contato com as <strong>dançarinas</strong> mais experientes da região, que guardam em sua memória<br />

elementos chaves para nossa pesquisa. Nesse caso é que vasculhamos nas lembranças o<br />

discurso de origem. Revisitar a origem <strong>do</strong> ensino da dança ou as primeiras experiências<br />

como profissionais <strong>do</strong> sexo nos prostíbulos não para encontrar um fio condutor que nos<br />

transporte de mo<strong>do</strong> seguro <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> ao presente, mas, ao contrário, preferimos a<br />

insegurança, a incerteza para que se possam incorporar ao discurso <strong>das</strong> <strong>dançarinas</strong><br />

<strong>prostitutas</strong> as múltiplas dimensões de seu cotidiano. Para tal, utilizamos entrevistas e,<br />

possivelmente, histórias de vida de profissionais <strong>do</strong> sexo. A possibilidade de recompor<br />

vi<strong>das</strong> de narra<strong>do</strong>ras mais experientes abriria pontos de acontecimentos que dificilmente<br />

seriam narra<strong>do</strong>s aleatoriamente.<br />

Os da<strong>do</strong>s são analisa<strong>do</strong>s utilizan<strong>do</strong> a transcrição <strong>das</strong> entrevistas semi-<br />

estrutura<strong>das</strong> produzi<strong>das</strong> ou não como histórias de vida. A transcrição permite ao<br />

pesquisa<strong>do</strong>r reconstituir a fala <strong>do</strong>s informantes, reagrupan<strong>do</strong> a entrevista com os<br />

destaques que se fixam nas lembranças <strong>do</strong>s próprios narra<strong>do</strong>res: recortar a entrevista e<br />

reagrupar as partes mais importantes destacan<strong>do</strong> a aura temática no interior <strong>do</strong>s<br />

referi<strong>do</strong>s instrumentos de recolha.


Em seguida, após a classificação interna <strong>das</strong> entrevistas, filtraremos as falas,<br />

deslocan<strong>do</strong> o discurso da oralidade em <strong>do</strong>cumento recria<strong>do</strong> e, nesse caso, participa a<br />

subjetividade <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r. Esse <strong>do</strong>cumento será devolvi<strong>do</strong> ao narra<strong>do</strong>r que, fazen<strong>do</strong><br />

as devi<strong>das</strong> correções, possibilitará seu emprego na pesquisa.<br />

Os registros etnográficos são filtra<strong>do</strong>s e incorpora<strong>do</strong>s aos registros mnemônicos<br />

e iconográficos. Entretanto, temos certeza que a filtragem <strong>do</strong> material coleta<strong>do</strong> inscreve<br />

a pesquisa em águas que se renovam na própria dança <strong>do</strong> cotidiano, pois na etnografia,<br />

é freqüentemente imensa a distância entre a apresentação final <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da<br />

pesquisa e o material bruto <strong>das</strong> informações coleta<strong>das</strong> pelo pesquisa<strong>do</strong>r através de<br />

suas próprias observações, <strong>das</strong> asserções <strong>do</strong>s nativos, <strong>do</strong> calei<strong>do</strong>scópio da vida tribal<br />

(Malinowski, 1984, p. 19).<br />

Resulta<strong>do</strong>s e discussões<br />

A presente pesquisa está em andamento. Porém foram realiza<strong>das</strong> várias<br />

transcrições, que nos possibilitou um maior conhecimento sobre o universo <strong>das</strong><br />

<strong>dançarinas</strong> profissionais <strong>do</strong> sexo. Essa em uma <strong>das</strong> transcrições afirma que a prática da<br />

dança não somente é um fator de envolvimento no universo feminino, mas ajuda as<br />

mulheres na questão referente a disciplina, estimula ao não consumo de bebi<strong>das</strong><br />

alcoólicas, não utilização <strong>das</strong> drogas, a junção desses fatores provocam diferenças entre<br />

as meninas, que não os praticam mantém uma maior qualidade de vida, possibilitan<strong>do</strong><br />

ao cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo, principal objeto de trabalho.<br />

Foi percebi<strong>do</strong>, através da entrevista, que o Poli dance, chegou até o ambiente<br />

pesquisa<strong>do</strong>, através de uma dançarina profissional <strong>do</strong> sexo, que aprendeu essa prática<br />

em São Paulo e trouxe para o devi<strong>do</strong> prostíbulo em questão, “Gata Garota”.<br />

Logo na entrada constata-se um corre<strong>do</strong>r estreito e seguranças planta<strong>do</strong>s à porta<br />

de entrada de onde se podem avistar luzes díspares ao fun<strong>do</strong>. Ingressar nesse território<br />

desconheci<strong>do</strong> faz lembrar uma travessia assaz perigosa. Ao final <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r, as luzes se<br />

misturam e circulam em vários feixes que embriagam o olhar. Os ouvi<strong>do</strong>s são alerta<strong>do</strong>s<br />

pelo sabor da música. Corpos femininos se deslocan<strong>do</strong> na distorção de uma intensa<br />

sonoridade que faz acelerar nossos senti<strong>do</strong>s e, ao mesmo tempo, invadem nossas<br />

entranhas com a paixão e a desmesura. É essa mesma paixão que inquieta Foucault


(1986, p.18), quan<strong>do</strong> põe em questão o méto<strong>do</strong> científico, destacan<strong>do</strong> a paixão <strong>do</strong>s seus<br />

pares, suas discussões fanáticas e sempre retoma<strong>das</strong>, da necessidade de suprir a<br />

paixão.<br />

O sabor feminino passeia pelo salão e exibe seus corpos e suas curvas sinuosas<br />

pelos becos que se vão forman<strong>do</strong> entre as mesas distribuí<strong>das</strong> no referi<strong>do</strong> espaço. Ao<br />

final <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r estreito da entrada, seguin<strong>do</strong> um traça<strong>do</strong> retilíneo, desemboca-se no<br />

espaço <strong>do</strong> salão para que os olhos vislumbrem uma variedade de informações<br />

imagéticas. À esquerda, pode-se avistar um bar e o posto <strong>do</strong> caixa e em cima <strong>do</strong> balcão<br />

um opera<strong>do</strong>r de som. Entre o bar e um palco de exibição, um pequeno camarim e ao<br />

fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> salão, antes de chegar a uma placa com o nome ilumina<strong>do</strong> – MOTEL -, pode-<br />

se perceber, em meio a tantos outros, um jovem senta<strong>do</strong> em intensa solidão, com os<br />

braços recosta<strong>do</strong>s sobre a mesa. O que chama a atenção – além <strong>do</strong> volume corporal <strong>do</strong><br />

referi<strong>do</strong> indivíduo – é o tédio que amarga seu olhar. É o tédio que, segun<strong>do</strong> Leopardi<br />

(1996, p. 439), jamais se fundamenta no falso. O suor escorren<strong>do</strong> pela testa e<br />

embeben<strong>do</strong> de calor a roupa vermelha já completamente encharcada. Como se<br />

procurasse algo, alguém ou alguma coisa. Como se tentasse uma passagem pela vida.<br />

Um lugar que fizesse senti<strong>do</strong> no mais vazio <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s que se formava no seu entorno.<br />

No palco de <strong>do</strong>is metros de diâmetro, avista-se a movimentação <strong>das</strong> <strong>dançarinas</strong><br />

que se podem contratar dentre as várias mulheres que se apresentam no interior <strong>do</strong><br />

recinto. O espetáculo é combina<strong>do</strong> previamente. O investimento pode variar de 10,00 a<br />

50,00 reais. Duas músicas é o tempo de exibição. A primeira é apresentada no palco,<br />

que inclui um espelho ao fun<strong>do</strong> e um longo cano no centro. Percebe-se uma montagem<br />

<strong>do</strong> corpo para avivar a imaginação masculina. Fantasias diversas podem cobrir o corpo<br />

que logo será apresenta<strong>do</strong> num misto de inocência e sensualidade. As tais fantasias<br />

podem ser de tigreza, colegial, enfermeira, policial ou simplesmente uma pequena saia e<br />

um minúsculo pano para guardar as bun<strong>das</strong> e os seios fartos <strong>das</strong> <strong>dançarinas</strong>.<br />

Para SUQUET (2008, p.533), o bailarino sempre controla o centro de gravidade<br />

de seu movimento, daí a impressão de um <strong>do</strong>mínio. No caso em questão, o palco é<br />

centraliza<strong>do</strong> pelo cano de 2 metros de altura e 20 cm de diâmetro. Posições sensuais de<br />

agachamento participam o tempo inteiro <strong>do</strong> espetáculo. Encostar-se ao espelho e descer<br />

até o chão. Descer e subir no cano e, em alguns casos, de cabeça para baixo. Toda essa


movimentação tem por objetivo retirar a fantasia cuida<strong>do</strong>samente escolhida. Desmontar<br />

um mun<strong>do</strong> imaginário de uma personagem que desaba de sua forma e apresenta a nudez<br />

de seu corpo. Resta apenas uma pequena calcinha. Muitas vezes amarrada <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

la<strong>do</strong>s com laços que são facilmente desfeitos. A calcinha já desamarrada é puxada de<br />

um la<strong>do</strong> para outro passan<strong>do</strong> entre o ânus e a vulva completamente raspada. Uma vulva<br />

que assiste aos mun<strong>do</strong>s de olhares de desejo e emoção.<br />

Em seguida, a bailarina desce <strong>do</strong> palco e invade a platéia se deslocan<strong>do</strong> para a<br />

mesa <strong>do</strong>s investi<strong>do</strong>res <strong>do</strong> espetáculo. Uma nova música. Desta vez, mais potente,<br />

preenche loucamente nossos ouvi<strong>do</strong>s e um novo baila<strong>do</strong> se vai forman<strong>do</strong> entre os olhos<br />

atentos de to<strong>do</strong>s e, ao mesmo tempo, partilha<strong>do</strong> “exclusivamente” pelos que<br />

contrataram o show.<br />

Ao longo <strong>do</strong> salão, várias mesas foram distribuí<strong>das</strong>. Pessoas senta<strong>das</strong> no entorno<br />

<strong>das</strong> referi<strong>das</strong> mesas. Homens e mulheres que se misturam aos olhos sempre atentos <strong>do</strong>s<br />

seguranças. Mulheres nuas exibem suas formas arre<strong>do</strong>nda<strong>das</strong> e passeiam pelo território<br />

<strong>do</strong> prazer. Homens senta<strong>do</strong>s. Olhares perdi<strong>do</strong>s de uns e a total atenção de outros que<br />

buscam – ao que parece – algum senti<strong>do</strong> para a sua própria existência. É como se não<br />

ouvissem a música que invade to<strong>do</strong> ambiente. É como se ensurdecessem ao clamor <strong>do</strong><br />

baila<strong>do</strong> e cheiro feminino que embriagava de prazer a humanidade reticente e ávida de<br />

(des)contentamento.<br />

As <strong>dançarinas</strong>, que eventualmente podem dividir o prazer sexual com os clientes<br />

que estão dispostos a pagar a modesta quantia de 30,00 reais em média, apresentam a<br />

sua insatisfação em relação ao espaço prepara<strong>do</strong> para os momentos calorosos de amor.<br />

Dizem que as condições <strong>do</strong>s quartos não estão devidamente apropria<strong>das</strong> para tal<br />

realização. Na realidade, um pequeno cômo<strong>do</strong>, com uma cama colada à parede fria e<br />

que preenche quase to<strong>do</strong> espaço desse território, deixan<strong>do</strong> apenas um minúsculo<br />

corre<strong>do</strong>r delimita<strong>do</strong> por outra parede. Um minúsculo banheiro como cheiro de pinho<br />

que pe<strong>net</strong>ra por to<strong>do</strong> recinto e invade nossas narinas. Um lençol desbota<strong>do</strong> pelo tempo,<br />

certamente testemunha de acolhimento de muitas noites de amor, com um leve cheiro de<br />

mofo, reveste a cama e embala os corpos <strong>do</strong>s amantes que, como dançarinos, inventam<br />

novo movimento como uma réplica <strong>do</strong> baila<strong>do</strong> que fora apresenta<strong>do</strong> momentos antes<br />

para o público ávi<strong>do</strong> de prazer. Circunspetos em silenciosos soslaios. Movi<strong>do</strong>s pela


força dionisíaca <strong>do</strong> espetáculo primal e, ao mesmo tempo, entedia<strong>do</strong>s pelo peso da<br />

existência que devem carregar até o fim de seus dias.<br />

Todavia, se o tédio pode ser entendi<strong>do</strong> como ausência de sentimentalidade,<br />

passagem vazia pelo tempo ou simplesmente experiência <strong>do</strong> nada, a arte seria<br />

simplesmente a fuga <strong>do</strong> tédio. A motivação que permite a nós humanos suportar um<br />

mun<strong>do</strong> que dilacera nossos projetos e invade nossos sonhos. Nesse caso, como viver<br />

sem a arte e, particularmente, sem a música? Quão intensa seria a vida se a música<br />

nunca cessasse de pulsar e, evidentemente, se conectasse ininterruptamente aos nossos<br />

senti<strong>do</strong>s. Mas a música cessa. A arte cessa. E, nesse caso, poder-se-ia indagar pelo<br />

senti<strong>do</strong> da vida nos intervalos intermitentes proporciona<strong>do</strong>s pela ausência da música e<br />

<strong>das</strong> artes. Como viver sem a música se ela nos faz pertencer ao mun<strong>do</strong> – ao âmago <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>?<br />

As <strong>dançarinas</strong> e profissionais <strong>do</strong> sexo encontram em seu próprio corpo a<br />

motivação necessária para percorrer trajetórias díspares. São <strong>dançarinas</strong>, profissionais<br />

<strong>do</strong> sexo ou mães preocupa<strong>das</strong> com o destino de seus filhos. Fora <strong>do</strong> ambiente de<br />

trabalho podem se apresentar como respeitáveis mães de família da mesma forma que<br />

são respeita<strong>das</strong> como exímia dançarina ou ainda como diria SOUSA (1995): “como<br />

uma mulher boa de cama” nas casas que freqüentam e tiram seu sustento. São as<br />

trajetórias dessas mulheres que pretendemos investigar a partir de suas lembranças e de<br />

seus discursos. Como se iniciaram na pratica profissional <strong>do</strong> sexo? Como se utilizam da<br />

técnica da dança em prostíbulos? Como aprenderam a dançar? E sua passagem pela<br />

escola deu-se de que forma?<br />

Conclusão<br />

Essa pesquisa contribui para uma melhor compreensão <strong>do</strong> cotidiano da cidade e,<br />

ao mesmo tempo, minimizar o preconceito que ainda reside na cultura local quan<strong>do</strong> se<br />

trata de prostituição. Quan<strong>do</strong> se investiga as trilhas dessa cultura tão complexa é que se<br />

pode melhor compreender elementos básicos da cultura brasileira e o complexo mun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s homens e mulheres que partilham o silencioso mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s prazeres. Pretende-se<br />

também contribuir para pensar outras experiências <strong>educativas</strong> que escapam ao


formalismo <strong>das</strong> pedagogias e ainda que essa pesquisa possa contribuir para produção de<br />

fontes de pesquisa oral ou <strong>do</strong>cumental. podemos observar alguns aspectos, como os<br />

processos de ensino e aprendizagem que são desencadea<strong>do</strong>s no interior desse “território<br />

de prazer”. A pesquisa encontra-se em desenvolvimento. Não se pode chegar ainda ao<br />

resulta<strong>do</strong> final, mas já se pode constatar que esse território de prazer é de grande<br />

complexidade. A passagem pelas casas de prostituição pode-se constar que as mulheres<br />

que vivem da prostituição, ao mesmo tempo atuam na vida priva<strong>do</strong>. Com seus amores,<br />

educação <strong>do</strong>s filhos e organização da família.<br />

Referências bibliográficas<br />

ADLER, Laure. A Vida cotidiana: os bordeis franceses – 1830/1930. São Paulo,<br />

Companhia <strong>das</strong> Letras/Circulo <strong>do</strong> Livro,1991.<br />

BENJAMIN, Walter. A Imagem de Proust. In. Obras Escolhi<strong>das</strong> – Magia e técnica, arte<br />

e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. P. 36 – 49.<br />

BERGSON, Henri. Matéria e memória – Ensaio sobre a relação <strong>do</strong> corpo com o<br />

espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 204p.<br />

CASTORIADIS, Cornélius. Feito e a ser feito – As encruzilha<strong>das</strong> <strong>do</strong> labirinto V. Rio<br />

de Janeiro: DP&A, 1999. 304p<br />

CASTRO, Ricar<strong>do</strong> Vieira Alves. Representações Sociais da Prostituição na cidade <strong>do</strong><br />

Rio de Janeiro. In. SPINK, Mary (Org.) O conhecimento no cotidiano – as<br />

representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo, Brasiliense, 1993.<br />

CHALEIL, Max. Lês Corps prostitué – Essai. Paris. Ed. Galilé, 1981.<br />

DEBORD, Guy. A sociedade <strong>do</strong> espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 238p.<br />

História da sexualidade 2 – o uso <strong>do</strong>s prazeres. Rio de Janeiro, Graal, 1990.<br />

GEERTZ, Clifford. A interpretação <strong>das</strong> culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 322p.<br />

LANDES, Ruth. A cidade <strong>das</strong> mulheres. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.<br />

MALINOWSKI, Bronislaw. A Vida sexual <strong>do</strong>s selvagens <strong>do</strong> noroeste da Melanésia:<br />

descrição etnográfica <strong>do</strong> namoro, <strong>do</strong> casamento e da vida de família entre os nativos<br />

<strong>das</strong> Ilhas Trobiand (Nova Guiné Britânica). Rio de Janeiro: F. Alves, 1983.


NIETZSCHE, F. Considerações extemporâneas. São Paulo : Abril Cultural, 1983a.<br />

p.53-81. (Coleção Os Pensa<strong>do</strong>res).<br />

NIETZSCHE, Friedrich. Para a genealogia da moral. São Paulo: Abril Cultural,<br />

1983a. (Coleção Os Pensa<strong>do</strong>res).<br />

RAGO, Margareth. Os Prazeres da noite – prostituição e códigos da sexualidade<br />

feminina em São Paulo (1890 – 1930). São Paulo, Paz e Terra, 1991.<br />

SOUSA, Francisca Ilnar. A Função social da prostituta. In Revista Educação em<br />

Debate, Ano 17/18, n° 29, 30, 31e 32. Fortaleza, 1995.<br />

SUQUET, Annie. O Corpo dançante: um laboratório da percepção. In. História <strong>do</strong><br />

Corpo Courtine e Georges Vigarello. Petrópolis: Vozes, 2008. pp. 509-540.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!