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17.04.2013 Views

coimbrão que nasceu e morreu em Viseu e, que para melhor eternizar o canto e canção coimbrã, dotou o fado de lindos poemas e baladas de amor que contribuíram para o enriquecimento da nossa cultura, um símbolo da nossa Universalidade Lusa, que é o amor cantado e celebrado nas serenatas, deixando pairar no ar um nostálgico sebastianismo, num eterno voltar às origens. Com a expansão das Universidades e a proliferação dos Institutos Politécnicos, as praxes são levadas aos quatro cantos da nossa “Lusitânia”, como é o caso da “Ciuitas” de Viseu. Falando sobre a praxe no Ensino Superior em Viseu, podemos afirmar que ela é relativamente recente, mas é com o passar dos tempos que uma tradição se faz. Actualmente, é já uma realidade completamente solidificada, consolidada e enraizada. A praxe, na academia de Viseu, sentiu necessidade de uma identificação pessoal e por este e outros motivos, foi criado o “Conselho de Viriato” no ano lectivo de 1997/1998 que representa o órgão máximo da praxe dos estudantes do Instituto Politécnico de Viseu. É ao “Conselho de Viriato”, juntamente com os seus congéneres das outras academias de Viseu, que compete organizar o desfile do caloiro, o cortejo académico, a missa da benção das pastas e, indirectamente, participar em eventos como a serenata monumental e o baile de gala, entre outros. A nível interno, compete ao “Conselho de Viriato”, verificar todos os assuntos relacionados com o traje académico, pasta da praxe, insígnias pessoais (grelo e fitas), cores de cursos, hierarquias, hostes (vulgarmente chamadas trupes), conselho de castelões (as conhecidas repúblicas). Tem também organizado os "cascos-papers", uma parte praxistica mais dura, "pedi- papers" para a apresentação da cidade aos novos caloiros, "tardes da cultura", sempre divertidas e bem aceites por todos, "palestras de sapiência", onde os caloiros ficam a conhecer o Presidente do Instituto e das diversas Unidades Orgânicas, o Presidente da Associação Académica do Instituto Politécnico de Viseu, os Presidentes das Associações de Estudantes e o próprio Viriato. Organizam ainda "Rituais de Purificação", onde os caloiros estrangeiros têm o seu baptismo e, por fim, os tão esperados tribunais de praxe, uma das instituições mais ansiosamente esperadas por todos os Doutores e Engenheiros e que tantos receios causam aos caloiros. Somente reconhecido e regulamentado, o “Conselho de Viriato”, pode ser algo de salutar, de bom, de saudável e útil à vida social, cultural e académica de todos os estudantes. Não se pode confundir praxe académica com as “pseudo-praxes”, pois esta nunca pode ser sinónimo de humilhação, de actos de violência, de festas e de copos, mas sempre entendida como um rito de passagem. 74

Como todos os rituais que assinalam a transição de um indivíduo de uma categoria ou estatuto para outro, também o ritual da praxe marca a transição do jovem da condição de estudante do secundário para a de universitário. Assim, estes rituais à semelhança de outros, quer se trate de um jovem numa sociedade tribal, quer dos rituais que assinalam a entrada no sacerdócio, são marcados por práticas que remetem para o simbolismo da morte e do nascimento: a morte do indivíduo numa categoria, para renascer noutra. É desta forma que devemos entender as práticas mais violentas descritas pelos antropólogos, que incluem a excisão, a circuncisão, o arrancar de dentes, a escarificação, e outras como as tatuagens ou o corte do cabelo. Depois de realizadas as cerimónias que assinalam o fim do estatuto anterior, o indivíduo fica durante um período numa situação de perigo, que só terminará com a sua entrada no novo estatuto. Esse perigo resulta do facto do indivíduo, durante o tempo que ocorre entre a morte de um estatuto e o ingresso no outro, não pertencer a qualquer categoria social, o que de certa forma representa alguma vulnerabilidade que se transmite ao grupo. Os estudantes assinalam esta fase dando aos colegas recém chegados, a designação de «bestas». Nalgumas escolas fazem-se mesmo «leilões de bestas» e obrigam os estudantes a assumir a condição de animais. Estas práticas colocam-nos fora do mundo da cultura, remetendo-os para o mundo da natureza. A assumpção do novo estatuto ocorre nas cerimónias de recepção ao caloiro. Num autêntico Carnaval que é o cortejo organizado pelos estudantes, com todos os ingredientes dos rituais do caos, onde não faltam os excessos que habitualmente acompanham estes rituais: jantares, festas e muito álcool, são o momento propício para integrar os novos membros que retomam a sua categoria de humanos ou seres culturais, abandonando a designação de “bestas”. É neste ambiente de recriação, de início de um novo ciclo, que os novos membros desta academia são finalmente socializados como membros por inteiro. O uso de objectos que remetem para a infância por parte destes novos membros tem a ver justamente com esta condição. O debate que se trava em torno da violência nas praxes deve ter em conta a importância deste ritual académico na sua dimensão antropológica. Por outro lado, é preciso conciliar a praxe com os direitos de cada um. Na opinião de RIBEIRO (2001) este ritual apresenta oscilações, uma vez que a autoridade exercida sobre o caloiro durante o dia, opõem-se ao companheirismo que se verifica durante a noite, na ajuda sobre matérias leccionadas e na transmissão de informação sobre a dinâmica das instituições, hábitos e regras. Desta forma, a maioria reconhece-lhe valor, ainda que, pelos contornos que assume, não encontre uma total aprovação em todos eles. 75

Como to<strong>do</strong>s os rituais que assinalam a transição de um indivíduo de uma categoria<br />

ou estatuto para outro, também o ritual da praxe marca a transição <strong>do</strong> jovem da condição de<br />

estudante <strong>do</strong> secundário para a de universitário. Assim, estes rituais à semelhança de<br />

outros, quer se trate de um jovem numa sociedade tribal, quer <strong>do</strong>s rituais que assinalam a<br />

entrada no sacerdócio, são marca<strong>do</strong>s por práticas que remetem para o simbolismo da morte<br />

e <strong>do</strong> nascimento: a morte <strong>do</strong> indivíduo numa categoria, para renascer noutra. É desta forma<br />

que devemos entender as práticas mais violentas descritas pelos antropólogos, que incluem<br />

a excisão, a circuncisão, o arrancar de dentes, a escarificação, e outras como as tatuagens<br />

ou o corte <strong>do</strong> cabelo.<br />

Depois de realizadas as cerimónias que assinalam o fim <strong>do</strong> estatuto anterior, o<br />

indivíduo fica durante um perío<strong>do</strong> numa situação de perigo, que só terminará com a sua<br />

entrada no novo estatuto. Esse perigo resulta <strong>do</strong> facto <strong>do</strong> indivíduo, durante o tempo que<br />

ocorre entre a morte de um estatuto e o ingresso no outro, não pertencer a qualquer<br />

categoria social, o que de certa forma representa alguma vulnerabilidade que se transmite ao<br />

grupo. Os estudantes assinalam esta fase dan<strong>do</strong> aos colegas recém chega<strong>do</strong>s, a<br />

designação de «bestas». Nalgumas escolas fazem-se mesmo «leilões de bestas» e obrigam<br />

os estudantes a assumir a condição de animais. Estas práticas colocam-nos fora <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

da cultura, remeten<strong>do</strong>-os para o mun<strong>do</strong> da natureza.<br />

A assumpção <strong>do</strong> novo estatuto ocorre nas cerimónias de recepção ao caloiro. Num<br />

autêntico Carnaval que é o cortejo organiza<strong>do</strong> pelos estudantes, com to<strong>do</strong>s os ingredientes<br />

<strong>do</strong>s rituais <strong>do</strong> caos, onde não faltam os excessos que habitualmente acompanham estes<br />

rituais: jantares, festas e muito álcool, são o momento propício para integrar os novos<br />

membros que retomam a sua categoria de humanos ou seres culturais, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> a<br />

designação de “bestas”. É neste ambiente de recriação, de início de um novo ciclo, que os<br />

novos membros desta academia são finalmente socializa<strong>do</strong>s como membros por inteiro. O<br />

uso de objectos que remetem para a infância por parte destes novos membros tem a ver<br />

justamente com esta condição.<br />

O debate que se trava em torno da violência nas praxes deve ter em conta a<br />

importância deste ritual académico na sua dimensão antropológica. Por outro la<strong>do</strong>, é preciso<br />

conciliar a praxe com os direitos de cada um. Na opinião de RIBEIRO (2001) este ritual<br />

apresenta oscilações, uma vez que a autoridade exercida sobre o caloiro durante o dia,<br />

opõem-se ao companheirismo que se verifica durante a noite, na ajuda sobre matérias<br />

leccionadas e na transmissão de informação sobre a dinâmica das instituições, hábitos e<br />

regras. Desta forma, a maioria reconhece-lhe valor, ainda que, pelos contornos que assume,<br />

não encontre uma total aprovação em to<strong>do</strong>s eles.<br />

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