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Untitled - FALE - UFMG

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XIMBUNGO, de pronúncia dialetal, seja menos frequente do que<br />

QUIBUNGO, ambas ocorrem para designar um ente fantástico<br />

com as mesmas características e propósitos do QUIBUNGO do<br />

recôncavo baiano.<br />

[...]<br />

Acontece, porém, que “mungo” não é étimo iorubá, mas banto, e<br />

vem de MUNGO que, a depender da diferenciação estabelecida pelos<br />

acentos tonais – as línguas também são línguas tonais –, significa<br />

rinoceronte ou dorso, costas, nesse último caso a raiz encontrada<br />

na palavra MONGONGO e em BICHO MONGONGO, que por decalque<br />

em português passou a ser BOCA NAS COSTAS, denominações<br />

que Souza Carneiro e só ele registra para o QUIBUNGO na Bahia,<br />

provavelmente correntes na região do Recôncavo e na cidade de<br />

Salvador, áreas onde ele realizou suas pesquisas. 4<br />

Percebe-se que na tradição oral se fazem presentes constantes<br />

processos de movimento e transformação. Pesquisadores da tradição<br />

oral, como Paul Zumthor, observaram que no processo de transmissão<br />

oral de uma narrativa, esta sofre metamorfoses e incorpora elementos<br />

de diferentes culturas. 5 Assim, no jogo do ouvir e do contar, um mesmo<br />

personagem ou uma mesma história são transmitidos de boca a<br />

ouvido, de geração a geração, viajam por lugares e tempos distantes<br />

e se metamorfoseiam. Tais movimentos e transformações acabam por<br />

dificultar o desenvolvimento de estudos que têm por objetivo definir a<br />

origem cultural ou geográfica de determinados contos orais.<br />

Tomando os contos do ciclo do quibungo, é possível também notar<br />

movimentos e transformações em que se inscrevem outras vozes junto à<br />

voz africana. Souza Carneiro, por exemplo, observou que no desfecho da<br />

história “O quibungo e o homem”, a presença da arma de fogo que mata o<br />

monstro seria um elemento do território brasileiro incorporado ao conto. 6<br />

“O homem entrou, atirou no Quibungo, matou-o e tirou os filhos pelo<br />

buraco das costas. Entrou por uma porta, saiu por um canivete, el-rei<br />

meu senhor, que me conte sete.” 7<br />

No entanto, considerando as metamorfoses que permeiam as<br />

narrativas de tradição oral, talvez seja possível ainda outra observação:<br />

4 CASTRO. Contos populares da Bahia: aspectos da obra de João da Silva Campos, p. 19-20.<br />

5 ZUMTHOR. Introdução à poesia oral, p. 258.<br />

6 CARNEIRO. Os mitos africanos no Brasil: ciência do folk-lore, p. 289.<br />

7 RODRIGUES. Os africanos no Brasil, p. 203.<br />

94 Escritos sobre quibungos<br />

o tiro que mata o Quibungo e a libertação da família do interior do corpo<br />

do monstro não seriam um diálogo com a cultura europeia? Afinal, esse<br />

desfecho não se aproximaria da história de Chapeuzinho Vermelho?<br />

Apesar de as pesquisas aqui mencionadas apontarem uma<br />

concentração no estado da Bahia dos registros de narrativas do ciclo do<br />

quibungo publicados na primeira metade do século XX, ao se considerar a<br />

transmissão oral das narrativas e as transformações pelas quais passam<br />

os contos, é possível perceber a ocorrência de histórias desse ciclo em<br />

outras regiões do Brasil.<br />

Magma, por exemplo, único livro de poemas de Guimarães Rosa,<br />

publicado postumamente, apresenta “A terrível parábola”, que é, na<br />

verdade, mais uma narrativa do ciclo do quibungo.<br />

A Mãe-Preta contava:<br />

uma meninazinha<br />

morava num sobrado<br />

com uma cachorrinha.<br />

E no meio da noite bateram na porta<br />

e cantou lá fora<br />

o Kibungo-Gerê.<br />

– “Kibungo-Gerê!... Kibungo-Gerê!...<br />

Cadê Zabelinha, que eu quero comê!...”<br />

Mas a cachorrinha, acordada,<br />

cantou para o bicho<br />

Kibungo-Gerê:<br />

– “Zabelinha já lavou,<br />

já deitou,<br />

já dormiu!...”<br />

E pela noite afora<br />

foi andando embora<br />

o Kibungo-Gerê.<br />

A menina, com raiva,<br />

matou a cachorrinha.<br />

Mas na outra noite,<br />

Uma vez um quibungo 95

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