Untitled - FALE - UFMG
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— Pra te agarrá!...<br />
— Pra que esse bração?<br />
— Pra te abraçá!...<br />
Aí ela falô assim:<br />
— Ô bicho, intão me abraça. Me abraça apertado — achando que<br />
fosse o príncipe incantado, né?<br />
Aí o bicho foi, abraçô a Maria, abraçô, pertô, ‘pertô... até... a Maria<br />
morreu... Morreu, coitadinha. A Maria morreu, coitadinha, ficô lá,<br />
né?, a cachorrinha morta, a Maria morta...<br />
Aí a mãe da Maria reuniu a banda de música, né?, todo mundo,<br />
né?, os príncipes e as princesas... Todo mundo foi lá, pra incontrá<br />
co’ a Maria, né?, achano que fosse incontrá riquezas, como incontrô<br />
a otra Maria. Chegô lá, que que ês incontraro lá? A Maria morta,<br />
a cachorrinha mortinha... Aí, a madrasta da Maria voltô pra casa<br />
humilhada... e sabe o que que ela fez? Ela se matô. Pronto.<br />
É o bem... Que que eles incontraro aí? O bem, quem faz bem, recebe<br />
o bem; e quem faz mal recebe o: mal!!! (crianças em coro) Pois é.<br />
A partir da situação inicial (Rei e Rainha têm uma filha linda, mas a<br />
rainha morre) percebe-se a semelhança com narrativas de contos<br />
de fada tradicionais: o Rei se casa, a madrasta persegue a enteada<br />
e privilegia sua própria filha (Gata Borralheira, Branca de Neve);<br />
a madrasta é uma bruxa e manda que os criados abandonem a<br />
princesa na floresta (João e Maria, Branca de Neve); a princesa,<br />
acompanhada apenas de sua cachorrinha, vai morar num casebre<br />
abandonado; após o final feliz, em que a princesa se casa com um<br />
belo príncipe (A bela e a fera, Branca de Neve, Gata Borralheira), a<br />
bruxa tenta conquistar o mesmo para sua filha, que vai morar num<br />
casebre com uma cachorrinha. Como é má, mata a cachorrinha para<br />
que o monstro entre e se transforme num príncipe. Mas o monstro<br />
não é príncipe e não se transforma, acabando por matar a filha da<br />
madrasta. A narrativa duplica os personagens: há duas mães, há<br />
duas Marias, há dois monstros. Por fim, a moral da estória não deixa<br />
dúvidas quanto ao seu caráter moralista: “Quem pratica o bem,<br />
recebe o bem como paga; quem pratica o mal, também recebe-o<br />
como paga’. A recompensa vem de acordo com o merecimento. O<br />
diálogo travado entre a personagem e o monstro assemelha-se ao<br />
registrado na Versão C. Ambas retomam, explicitamente, o diálogo<br />
entre Chapeuzinho Vermelho e o Lobo, travestido de Vovó.<br />
No Quadro 1, abaixo, faz-se uma descrição dos elementos comuns<br />
às seis versões.<br />
84 Escritos sobre quibungos<br />
QUADRO 1 – Descrição comparativa das versões<br />
Versão A Versão B Versão C Versão D Versão E Versão F<br />
Enunciação Mãe-preta Não revelado Não revelado Era uma vez Não revelado Não revelado<br />
Protagonista Zabelinha Marieta Izabelzinha Zabelê Zabelinha Maria<br />
Adjuvante Cachorrinha cachorra<br />
Cachorrinha<br />
encantada<br />
cachorrinha cachorrinha Cachorrinha<br />
Madrasta/<br />
Oponente Kibungo-gerê Lobo Bicho Monstro Bicho<br />
bicho/<br />
Monstro<br />
Idade Meninazinha Indeterminada Moça Moça Indeterminada Indeterminada<br />
Pais (Rei e<br />
Situação<br />
familiar<br />
Indeterminada Indeterminada Mora sozinha<br />
Mora só após<br />
morte dos<br />
pais<br />
Indeterminada<br />
Rainha)/<br />
Madrasta/<br />
Filha da<br />
madrasta<br />
Cachorrinha Canta Fala Responde Responde Canta Fala/Canta<br />
Resposta<br />
dada<br />
“– Zabelinha<br />
já lavou,/ já<br />
deitou,/ já<br />
dormiu!...”<br />
“Marieta já<br />
lavou, Marieta<br />
já passou, se<br />
quiser alguma<br />
coisa, amanhã<br />
cê passa lá”.<br />
“– Isabelzinha já<br />
“ – Zabelê<br />
lavou, já deitou, já<br />
já lavou, já<br />
rezou. Isabelzinha<br />
deitou, já<br />
não vai lá fora<br />
dormiiiiiu.”<br />
mais”<br />
“ – Zabelinha já<br />
asseou, Zabelinha<br />
já deitou,<br />
Zabelinha já<br />
dormiu.”<br />
“– Maria não<br />
está aqui, foi<br />
à fonte se<br />
lavá, esperá<br />
que ela vem<br />
já.”<br />
Canto do<br />
antagonista<br />
“Kibungo-Gerê!...<br />
Kibungo-<br />
Gerê!.../ Cadê<br />
Zabelinha,<br />
que eu quero<br />
comê!...”<br />
“Voz misteriosa que “Zabelê, abre “Zabelinha,<br />
“O Lobo chamou<br />
pergunta por sua a porta que eu Zabelinha, cadê<br />
ela”<br />
dona (Izabelzinha)” quero entrar” meus ovos?”<br />
“— Maria,<br />
abre a porta<br />
que eu quero<br />
te cumê!”<br />
Suposição<br />
da protatonista<br />
Não especificada Não especificada Um pretendente O noivo<br />
O príncipe<br />
encantado<br />
Curiosidade<br />
Vai espiar o<br />
bicho que se<br />
Ação da<br />
Protagonista<br />
Acender as luzes<br />
Não especificada<br />
do sobrado<br />
Fica indignada<br />
Fica zangada,<br />
amarra-a longe<br />
de casa<br />
Proíbe a<br />
cachorrinha de<br />
responder<br />
deitara em<br />
sua cama e<br />
deixa cair<br />
sobre o bicho<br />
um pingo de<br />
vela<br />
A cachorrinha<br />
morre<br />
Ação contra<br />
a cachorrinha<br />
Mata, enterra,<br />
(O Lobo) mata,<br />
queima, joga as<br />
queima,<br />
cinzas no rio<br />
Mata, queima,<br />
Mata, queima, joga<br />
joga as cinzas<br />
as cinzas no rio<br />
no rio<br />
Mata,<br />
queima,joga as<br />
cinzas no rio<br />
de doença/A<br />
filha da<br />
Madrasta,<br />
também<br />
Maria, mata<br />
a cachorrinha<br />
Casa-se com<br />
o bicho, que<br />
se transfor-<br />
Epílogo<br />
Não especificado<br />
Situação de<br />
medo<br />
Não especificado<br />
Isabelzinha olha<br />
Situação de<br />
nos olhos do bicho<br />
medo<br />
e desaparece<br />
sobre os ouvintes<br />
Zabelê é<br />
devorada pelo<br />
monstro<br />
Zabelinha é<br />
comida pelo<br />
bicho.<br />
mara num<br />
príncipe rico<br />
e poderoso/<br />
A filha da<br />
madrasta<br />
é morta<br />
pelo outro<br />
monstro<br />
A análise que se pode fazer a partir do quadro aponta para uma<br />
grande semelhança entre as seis versões: a partir de uma situação de<br />
enunciação clara (A e D) ou não especificada (B, C, E, F), a narrativa se<br />
faz como um texto enunciado. Há duas variações significativas no nome<br />
da protagonista (Marieta), em relação à semelhança apresentada pelas<br />
demais versões (Zabelinha, Isabelzinha e Zabelê). Apenas a Versão B é<br />
diferente das demais ao falar do Adjuvante (cachorra) e do Oponente (Lobo).<br />
No entanto, segundo Yeda Pessoa de Castro, o quibungo é também um<br />
A terrível parábola: as versões de um poema de João Guimarães Rosa 85