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Untitled - FALE - UFMG

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e sociais da Bahia não diferem tantos de outras que abrigaram grande<br />

massa escrava. Mas o Quibungo não se deslocou. Não aparece nas histórias<br />

do norte nem do nordeste. Mais distante que Bahia está Amazonas, e<br />

os mitos, mesmo os mais recentes, diluem-se nas histórias de Trancoso.<br />

Parece que o Quibungo, figura de tradições africanas, elemento dos contos<br />

negros, teve entre nós outros atributos e aprendeu novas atividades. Todas<br />

as peças foram importadas da África, mas o artífice é negro brasileiro,<br />

sabedor de Sacis, Caapora e Lobisomens.<br />

Pondo à banda as acepções populares degeneradas, evidentemente<br />

de sentido translato, tenho para mim que o “Kibungo” é o capelobo<br />

africano, ou melhor, um Lobisomens afro-brasílico, até que se lhe<br />

descubra genuíno tronco africano. Considero-o, portanto, formado<br />

pelos negros do Brasil. 5<br />

Mas há um aspecto, segundo informação de Sr. João da Silva<br />

Campos, que modifica, para radicar o Quibungo à classe do Lobisomem sem<br />

deste ter a universalidade. É o velho negro transformar-se em Quibungo.<br />

Pelo que tenho lido, quem se torna Quibungo o será definitivamente enquanto<br />

o caráter mais geral do Lobisomem é a sua temporaneidade. O<br />

Homem-lobo de Heródoto, Plínio e Varrão6 era durante meses ou anos.<br />

Ninguém concebe “courir la galipote” senão durante algumas horas numa<br />

noite semanal. Se o Quibungo é o negro-escravo que já não pode trabalhar<br />

nem sustentar-se, como, em parte é a explicação primária do Capelobo,<br />

perde um elemento de sua individualização para constituir-se um elo na<br />

cadeia sem fim dos Versipélios.<br />

Cuido que a grande boca do Quibungo, apesar de supô-la africana, é<br />

uma assimilação local do “Homem do surrão que pega menino”. O Homem<br />

do Surrão faz parte das histórias portuguesas e está em quase toda a<br />

Europa. É um homem velho, esfarrapado, sujo, muito feio, que procura<br />

agarrar as crianças vadias ou descuidadas e metê-las num grande saco de<br />

couro, de abertura larga, pronta para esse fim. Não se sabe como morrem<br />

as crianças. Se o Homem as come ou mata-as pelo prazer de matá-las.<br />

5 MAGALHÃES. O folclore no Brasil, p. 107.<br />

6 É o que se lê nas citações de Varrão feitas por Santo Agostinho na Cidade de Deus, livro XVIII, capítulo<br />

XVII. Sobre os Arcádios que passavam um lago e se tornavam lobos. Um certo Demeneto que comeu<br />

carne de uma criança sacrificada ao deus Licaeus, foi também mudado em lobo et anno décimo in<br />

figuram propriam restitum.<br />

70 Escritos sobre quibungos<br />

Cada criança que o Homem segura é sacudida no surrão que se fecha.<br />

Para este movimento é preciso que o Homem baixe a cabeça. O surrão<br />

abre-se. Presa a criança, fechado o saco, o Homem ergue a cabeça. São<br />

as atitudes do Quibungo com sua imensa bocarra. Pela descrição, a boca<br />

do Quibungo é um saco.<br />

No mais, é um mito local, trabalho convergente afro-brasileiro,<br />

uma silhueta disforme e negra que perpassa, não nas florestas como o<br />

Mapinguari, mas nas histórias como a galinha dos ovos de ouro.<br />

Da exata pronúncia do vocábulo, o doutor Sr. Arthur Ramos registra<br />

que na Bahia diz-se quibungo (Nina Rodrigues e Basílio de Magalhães escreveram<br />

Kibungo) e chibungo, na gíria popular significando homossexual7 Chibungo será talvez inconsciente reminiscência prosódica dos negros do<br />

Bié que dizem t’chim-bungo, e as duas formas nada mais digam senão,<br />

modismos regionais africanos que emigraram.<br />

Outro elemento, e digno de realce para documentar que o Quibungo<br />

antropomórfico é de relativa modernidade, está em sua vulnerabilidade.<br />

Podem matá-lo a tiro, faca e pau. Morre gritando, espavorido, acovardado,<br />

como o mais inocente dos monstros que a imaginação infantil dos povos<br />

haja criado.<br />

Documentário:<br />

7 RODRIGUES. Os Africanos no Brasil, p. 301.<br />

8 CAMPOS. Contos e fábulas populares da Bahia.<br />

9 BORGES. As Colunas do Templo.<br />

Kibungo é um bicho homem, meio animal, tendo uma cabeça<br />

muito grande e também um grande buraco no meio das costas,<br />

que se abre quando ele abaixa a cabeça e fecha quando levanta.<br />

Come os meninos abaixando a cabeça, abrindo o buraco e jogando<br />

dentro as crianças. 8<br />

Negro africano, quando fica muito velho, vira Quibungo. É um<br />

macacão todo peludo, que come crianças8. (Recôncavo da Bahia).<br />

Esse termo africano, muito espalhado na Bahia, qualifica um<br />

monstro devorador de gente. Através do tempo e do espaço, tem<br />

adquirido vários aspectos: demônio, feiticeiro, animal selvagem,<br />

maltrapilho, lobisomem, macacão, preto velho. No fundo, continua<br />

sempre a ser um ente estranho e canibal que prefere a carne tenra<br />

das crianças. 9<br />

Quibungo 71

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